domingo, 24 de abril de 2011

27 DE ABRIL: MEU ENCONTRO COM O GALLO

meu encontro com Giovanni Gallo deu-se tardiamente, em Belém ano de 1995, através de Camillo Vianna e por causa de um projeto para criação de fundação que deveria se chamar Dalcídio Jurandir e ter um "museu do homem marajoara", que queria ser extensão do Museu do Marajó com cara e temática do município pontapedrense. A proposta era a fundação ter sede em Ponta de Pedras voltada ao desenvolvimento sócio-econômico em parceria com a AMIM (atual AMAM) enquanto o Museu do Marajó, em Cachoeira do Arari, continuaria sendo a principal estrutura cultural de todo Marajó que sempre pretendeu ser.  Como os cabocos dizemos, uma mão lava a outra... 

eu me encontrava então no serviço ativo do Ministério das Relações Exteriores, depois de trabalhar cinco anos como vice-cônsul em Caiena (1985-1990), e desta maneira se pretendia junto à Associação de Municípios (AMAM) fazer algo para melhorar as relações transfronteiriças na área do Calha Norte, da qual as ilhas do Marajó fazem parte como todo mundo sabe.

mas, a simples notícia da proposta pontapedrense na imprensa causou arrepios na comunidade cachoeirense vizinha. Gallo estava prevenido contra tudo que saísse de Ponta de Pedras como se fosse maquinação do bispo Rivatto, conforme se lê na autobiografia "O homem que implodiu". Para pacificar os ânimos, careceu longa conversa, sob as bênções de são Camilo e santa Sônia Viana, mostrando que estávamos todos no mesmo barco nas águas profundas de Dalcídio Jurandir, que além de tudo era agnóstico mas não se furtou de elogiar o padre dos pescadores do Jenipapo nem faltou com o devido reconhecimento da importância das cooperativas e agrovilas do bispo de Ponta de Pedras.

desde então, eu e o Gallo além de ficarmos velhos amigos vimos que tínhamos muitos mais coisas que nos aproximava do que a nos separar. Parece até que eu e o camarada Emíle Faiet, da França, fomos dos poucos hóspedes a desfrutar dos dotes culinários do Gallo anfitrião inigualável com sua verve sarcástica e dotes de poliglota. Creio que ele nos fez exceção para pernoitar na sua residência à ilharga do museu. 

a "ilha" do Marajó mais que arquipélago é um mundo. Mundo de biodiversidade e diversidade cultural, quem vive numa costa da ilha não faz ideia da contracosta e vice-versa. Os "centros" são o reino do nunca imaginado: ali só vai quem precisa e nunca há de ter pressa nenhuma se quiser sair por bem. Os cabocos chamam de jebre a esse lugar indevassável. Disse-me um experto que naquelas ermas paragens os jebristas são senhores do pedaço. Estes são verdadeiros párias, com escassa chance para fugir da fome sem a pesca predatória, caça clandestina ou roubo de gado. E, portanto, dizia o entendido do lugar: "os cabocos sabem que os brancos não sabem"... Forte coisa! Os pobres são conservados na peia da ignorância do mundo lá fora; em compensação os ricos não sabem de fato o que eles "possuem" lá no mais oculto centro da ilha guardado em mistério. Os campos altos não imaginam o que sejam os Mondongos; e a terra-firme na microrregião de Portel é floresta densa e maior do que todas ilhas reunidas. 

Eu conheço muita gente que fala sobre Marajó de boca cheia de sabedoria só porque passou uns dias de veraneio ou foi vender algum bagulho ou prestar serviço numa sede de município. Outros sabem de fato, profundamente, uma dada ciência como médico cardiologista conhece esqueleto, ou o contrário. Poucos na verdade podem dizer que conhecem razoavelmente tudo sobre todos 16 municípios do "arquipélago". Eu, por exemplo, apesar de ser veterano aprendiz de pajé(reprovado por falta de fé) e considerado "sabichão" em marajologia nunca estive em Afuá, Anajás, Gurupá, Melgaço e Bagre: embora tenha vivido muito tempo pelos meandros de campos, várzeas, lagos e igarapés que banham iseparavelmente Cachoeira e Ponta de Pedras. O "meu" Marajó não é igualzinho ao dos outros, por isto ele carece de todos os Marajós juntos para vencer o ilhamento congênito. Aliás, não obstante o que eu não sei e até já esqueci aqui debaixo do meu próprio nariz, o Marajó que eu falo está no mundo e não tem acanhamento nenhum de se mostrar com todas suas grandezas e misérias ao mesmo tempo.

Dalcídio Jurandir, nascido em Ponta de Pedras e criado em Cachoeira, viajou por Gurupá  e Breves, escreveu em Salvaterra que então era distrito de Soure: ninguém vivenciou tanto o Marajo inteiro, transbordando-o sobre os subúrbios de Belém e o Ver O Peso até as Guianas, como ele fazendo de seu chão um universo inigualável que levou na bagagem para o Rio de janeiro e viajou com ele mundo afora. Porém, o romancista de "Chove nos campos de Cachoeira" era um tipo de "flaneur" que não experimentou a aventura de ir "empregado" na salga do peixe como o Gallo numa safra de pesca no Anajás Mirim, por exemplo. 

a rigor, o Gallo nunca passou da hidronavegação do Arari nem me consta que ele "andasse" sozinho pelo rio metido num casquinho de piquiá que nem eu, muitas vezes, às horas mortas. Ou soubesse varar por furos ignotos por onde eu aprendi encurtar caminho com risco de perder a maré e ficar "ilhado" no mato sem cachorro. Não tenho dúvida nenhuma de que lá, meu quartilho de sangue indígena me levou e trouxe seguro. No entanto, Gallo captou o espírito do marajoara como ninguém: quando digo ninguém, quero dizer eu mesmo e o mestre de todos, Dalcídio Jurandir. Digo isto tranquilamente como quem sabe do que está falando.

eu, por minha vez, conhecia Cachoeira e o Lago (assim com letra maiúscula) como um sonho, um lugar mítico aonde se deve ir nem que seja uma única vez na vida: quando, finalmente aos 19 anos de idade, encostei com a montaria a remo no trapiche de Cachoeira.A dita cuja foi um dia uma simples laje de terra, que no estio fazia uma queda, mas terrimou enterrada sob o barro da erosão das margens. Era uma fria madrugada e eu me sentia como o velho Ulisses de volta à Ítaca depois da guerra de Troia (pena que não havia em terra a me esperar nenhuma Penélope nem Irene, ainda que fosse na Rua das Palhas àquelas horas). 

ledo engano! A jornada não estava acabada, na verdade a aventura estava só a começar - três dias e três noites rio Arari acima e abaixo numa canoa pequena com meu camarada, vindos a cabo de remo lá de baixo, rio Curral Panema. Mortos de sono e fadiga dois dias depois entramos pela boca do Anajás Mirim adentro, clara lua no céu dava um verniz de grafite às água silenciosas: por engano as casas caiadas na beira entraram a correr pelo campo quando ouviram estrondo dd remadas, dispararam aluadas como vila fantasma. Não era ainda Jenipapo nunca dantes visto na vida. Era só um rebanho de gado nelore que pastava... Oh noite de pesadelo e iniciação! Dois neófitos sem mestre a bordo perdidos no labirinto do Minotauro (noves fora o susto da noite passada em noite ferrada frente à fazenda Pindobal, quando um lote de búfalos rolou ribanceira abaixo e coalhou o rio... Nem um nem outro remador jamais tinha visto tantos búfalos de perto, mas vivia-se com estórias da cabeça de búfalos brabos que viravam canoas e pintavam a saracura). 

Oh, por Deus! Se arrependimento matasse eram dois corpos boiando numa canoa de bubuia na correnteza. Um farol de bordo numa geleira dormindo no outro lado apontou o rumo da boca do lago. Era a salvação, paresque... Lá fomos nós a bom remar na ilusão de que já iríamos chegar. O rio do sono é o maior rio do munto e as suas voltas são incontáveis. E nada de aparecer o Lago e porto do Jenipapo: ouvimos então zoada de barco-motor que parecia vir em sentido contrário. Todos sentidos alertas, pois numa canoa pequena em rio estreito carece perícia para não ir ao fundo no banzeiro que os barcos boieiros fazem na passagem. Já se via o mastaréu iluminado e as mil e uma voltas que o tal barco aparentemente fazia. E nada dele passar pela proa da humilde montaria dentro da noite escura. Súbito, a zoava do motor chegou ao máximo. Pensamos calados: É agora! Abriu-se a cortina do mato escuro sob o pálido luar da madrugada: o temido barco estava bem ali à proa da canoa... parado e amarrado no demandado porto do Jenipapo. Puta merda! disse o camarada, recolhendo o remo d'água num misto de raiva e contentamento. E foi um encanto danado (danado como se há de ver). Um galo despertou no poleiro sobre estivas e a manhã lá em terra deu sinal de vir a furo. Então, este canto do galo solitário se multiplicou em mil e tantos galos arquitetando a matinada. O Lago de poderosas recordações e histórias pelas quais dois caboquinhos de baixo se passaram por marreteiro pra ver de perto e contar de certo; estava ali logo diante. Foi só tempo para calar a vara naquele barro no fundo dos começos do mundo e desmaiar sob a tunda medonha de carapanãs e muriçocas. Na descida, dois um dia depois, dentre rumas de peixe-seco e estórias meu velho conhecido Plasmódio iria comigo produzir mais um surto de paludismo. Mesmo assim, o destino quis que o pirralho salvo de se afogar nas águas do Marajó-Açu e depois de morrer de malária do Arari, voltasse outras vezes para aprender outras histórias e até escrever carta ao Presidente Lula, dia 7 de setembro de 2003, em exposição do Museu do Marajó seus meses depois da morte de Giovanni Gallo, gritando socorro Lago Arari! Também em Jenipapo, trazendo o escritor e jornalista Sébastien Lapaque, do jornal francês "Le Figaro", para dar notícia do fim deste mundo. Em Cachoeira, por acaso, a última entrevista de Giovanni Gallo foi para a equipe de Alain Dayan para o Discovery Chanel... E, com humor, Giovanni encerrou a entrevista dizendo "ne vous inquiete pas, Varella connais tout çà...". Mal sabiamos àquela que era uma despedida e que nunca mais iamos nos encontrar.


agora é a vez da saudade e relembrar que vinte e tanto anos depois daquela primeira viagem a remo ao Arari, por sorte, o caboco em vez de fazer contrabando nas Guianas como outros mais arremediados, havia virado funcionário federal e dessa maneira motivei vinda de delegação intermunicipal da vizinha Guiana francesa para vir conhecer "le musée du Père Gallo" em Cachoeira e, reciprocamente, com a AMAM levar o Gallo em pessoa como estrela do Marajó numa imponente delegação de meia centena de pessoas, contando prefeitos, vereadores e representantes do IPHAN, UFPA e Museu Goeldi. Lá o prefeito municipal de Sinnamary convidou o Gallo como consultor a fim de organizar no lado francês um museu com o mesmo conceito da invenção museológica marajoara. O que acabou não acontecendo devido ao notável fenômeno da perda de memória e desunião que persegue a gente marajoara há séculos...


digo isto, primeiramente, para lembrar que Marajó é useiro e vezeiro de deixar de montar em cavalo selado e perder oportunidades de ouro. Segundo, para dizer que o Gallo não precisou morar noutro lugar que não fosse as margens do Arari para "pegar o espírito da coisa", como ninguém. Tal foi o espanto de Dalcídio Jurandir quando as cartas da fiel correspondente Maria de Belém Menezes começaram a chegar na mansarda de Laranjeiras, no Rio, com recortes de jornal levando as reportagens do padre Giovanni. Logo o grande escritor marajoara mandava recado ao padre para selecionar as reportagens e publicar em livro. Coisa feita! Hoje o clássico, "Marajó, a ditadura da água". Por que Dalcídio reconhece sua "criatura grande" nas páginas tensas de Giovanni Gallo? Porque aí se encontra o melhor testemunho do ciclo romanesco Extremo-Norte, elogiado por Jorge Amado e premiado pela Academia Brasileira de Letras (ABL) pelo conjunto da obra.

quando, cerca de 1971, desconhecido estrangeiro padre Giovanni Gallo chegou pela primeira vez ao Marajó, para ser pároco da isolada Santa Cruz do (lago) Arari, eu já tinha ido embora e estava chegando como mais um migrante nortista em Brasília. Eu me restabelecia de séculos de gerações no "inferno verde" e, individualmente, de dois anos de doenças (1968 e 1969) que nem pajé dava jeito: recidiva de malária mal tratada, fadiga de muita labuta "sem carteira assinada" e depressão medonha impediram-me, por acaso, de virar herói do povo acompanhando jovens camaradas chamados a dar força à revolução lá pelas matas do Araguaia nos prologômenos da guerrilha, que só ouvi falar quando afinal de contas Inez era morta. 

E já no papel de vice-cônsul em Caiena entrevistando ex-combatente da repressão militar de 1973, ele também vítima de um sistema perverso do qual um magistrado patriota, quando passavam caçambas de empresa construtora levando tropa dos quarteis não se sabe para onde; comentou comigo falndo baixo para não sermos escutados por terceiros. Pois naquele tempo o medo pairava sobre bares e lares da cidade das mangueiras: "lá vai o filho da lavadeira lutar contra o filho da lavadeira"... Meu avô Alfredo dizia, "para bom entendedor meia palavra basta". Reinava pesado silêncio pelas portas do Comércio em torno ao Fórum e os dois palácios da praça D. Pedro II com a estátua do general Gurjão ao centro para nos lembrar dos "voluntários" da pátria levados a muque para pelejar na Guerra do Paraguai, onde meu bisavô Raymundo Pereira foi dar com os costados. Até os urubus do Ver O Peso bateram asas em retirada àquela hora e só se ouvia o ruído sinistro de pneus dos caminhões da tropa rodando sobre o asfalto escuro. Que tem a ver isto agora com os 84 anos de nascimento do Gallo, caso ele estivesse vivo para ver como vai passando o museu inventado a partir dos "cacos de índio" que o camarada Vadiquinho levou num embrulho para dentro da paróquia?

tem a ver que o padre não sabia da guerra aonde ele se meteu e eu ainda não sei direito o que fazer de minha vida para achar paz justa e verdadeira neste latifúndio onde vim ao mundo. Entre o pirralho tonto do Fim do Mundo, na ilha do Marajó; e o "ballila" de Turim (Itália) há pelo menos uma passagem curiosa. Giovanni Gallo foi, compulsoriamente, membro da "Opera Nazionale Balilla", órgão estudantil e paramilitar do Partido Nacional Fascista, fundado na Itália de Benito Mussoline um ano antes do nascimento do fundador do Museu do Marajó. O nome "Balilla" foi tirado de Giovan Battista Perasso, chamado "Ballilla", um jovem nacionalista que, em 1746, teria dado início à revolta contra a ocupação da Itália pela Áustria. Ballila se tornou ícone do revolucionário do regime fascista. Só para a gente lembrar a linha do tempo, convém notar que por essa época, no Marajó, Florentino da Silveira Frade acabava de fazer doação de terreno da sua sesmaria do Ananatuba para criação da freguesia de Nossa Senhora da Conceição da Cachoeira do rio Arari (1747) e nove anos depois achou o teso do "Pacoval do Arary", primeiro sítios arqueológico que se teve notícia na ilha do Marajó (cf. Alexandre Rodrigues Ferreira, em "Notícia Histórica da Ilha Grande de Joanes, ou Marajó", Lisboa, 1783).Gallo a inventar o incrível museu com "cacos de índio" e nós a praticar arqueologia histórica com fragmentos de historiografia mal cosida.

antes que o Gallo respirasse o primeiro fôlego de ar fresco na antiga ilha pacificada pelo padre grande Antônio Vieira (27/08/1659)já o caboquinho de Ponta de Pedras, analfabeto político de pai e mãe tangido pelo êxodo rural em busca de emprego e estudo na cidade grande, por via do futebol amador caiu nas malhas de um certo "movimento Águia Branca" e logo depois num denominado "Movimento Estudantil Patriótico", ambos atrelados ao "Partido de Representação Popular (PRP), afinal extinto por falência múltipla. Crente de que estava em boa companhia e mesmo já tendo lido, muito por cima, o romance "Marajó" do tio Dal; só abri os olhos de que, de fato, havia caído num ninho de "galinhas verdes" (integralistas), quando a velha guarda fascista mostrou a cara e passou a doutrinar a juventude tecendo loas ao "chefe" Plínio Salgado. Talvez o antigo "ballila" de Turim não tivesse a dimensão exata que era passar a ser soldado de Cristo aos 29 anos de idade, como o descendente de Dalcídio Jurandir aos 19 ignorava por completo o que se havia passado durante a perseguição fascista de Vargas aos revolucionários de 1935, a prisão do tio e condições penosas em que ele reescreveu com ajuda da esposa o "Chove nos campos de Cachoeira", ganhador do prêmio Dom Casmurro. Gallo deveria ser avisado logo, que nas praias de Joanes (Salvaterra) o primeiro jesuíta a pisar em Marajó, Luiz Figueira com seus companheiros foi massacrado, em 1645, supostamente pelos Aruãs acusados de ter comido os padres (o que não pode ser verdade pois a gente aruaque muitas vezes foi vítima de antropofagia por parte de inimigos hereditários, Galibi e Tupinambá, mas repudiava visceralmente o canibalismo).

Gallo na Europa não imaginava o que lhe esperava no Maranhão e depois no Pará.O caboquinho de Ponta de Pedras ainda tinha muito a aprender na cidade grande, além de ser um grande "perna de pau" nas tardes de futebol suburbano. No loteamento do governo JK estabeleceu-se co-existência mineira entre integralistas e comunistas. Esta baderna infiltrava-se pelo serviço público e redações de jornal. E, felizmente para o caboquinho bisonho, na eleição da sucessão de JK foi lançada a chapa do general Teixeira Lott (senhor da espada que garantiu a posse de Juscelino) para presidente e Jango Goulart,fazendeiro dos Pampas, herdeiro político de Vargas e inteligente bastante para ver que sem reforma agrária a industrialização levaria rapidamente as cidades a virar praça de guerra e atear fogo à guerra-civil num contexto mundial mortalmente bipolarizado. 

No Pará velho de guerra, o PSD de JK e Lott teve como candidato ao governo estadual, pelos herdeiros do déspota populista Magalhães Barata; o jovem advogado marajoara Aurélio do Carmo: foi a bordo de tais candidaturas, com a contradição viva de comunistas e integralistas no mesmo palanque, que minha ingenuidade se foi com a maré vazante lavando a pedra do Ver O Peso.


para encurtar a conversa que já vai longa: no debate entre "ballilas" do MEP e a juventude comunista, tive a coragem suicida que só um caboco marajoara pode ter. Desafiei a rapaziada vermelha a visitar, na boa; o ninho da tal águia branca (na verdade, "galinha verde" no choco) e discutirmos abertamente nossas questões de juventude aloprada - espantosamente comuns, malgrado os cercamentos teórico-ideológicos impostos pelos mais velhos. Resultado da falseta: tive a honra de ser expulso do diretório municipal do caricato PRP classificado, diz-que, vieram me dizer, como "perigoso agitador do comunismo internacaional"...Grande piada! Se não fosse perigoso num mundo caduco. Onde muitos, só por achar isto ou aquilo, nunca mais foram achados em canto nenhum...


puxa vida, eu era comunista e não sabia! Melhor que ser galinha verde sabendo ou não... Até então, a única viagem "internacional" que eu fizera fora em direção a Abaetetuba e Bragança, a primeira por simples excursão estudantil, a outra como vendedor de fotografia por necessidade de ganhar alguns trocados. Cada viagem destas daria uma novela se eu tivesse tempo e engenho para tanto.



Depois dessa revirada, em plena ditadura, fiz que nem o conselho que o pai do camarada Neuton Miranda o aconselhou na cladestinidade: "faça que nem tralhoto". (peixinho esperto da beira da praia, com quatro olhos para ver longe predador do fundo e da superfície ao mesmo tempo). Até então eu estivera crente de que a arma requerida da revolução pelo Sul do Pará era tão-só cartilha de ABC, tabuada e informação política para tirar da servidão da terra irmãos camponeses que gemiam ao cabo da enxada sob sol à espera do Godot da reforma agrária... 

Claro está que tinha que ser assim o recrutamento de novos cabanos ardentes de justiça social. Espécie de vestibular para, depois de aprovados na labuta e batizados na luta passar a enfrentar "de vera" a guerra suja da Ditadura militar.  Me lembro bem de um camarada, trabalhador corpulento, no "aparelho" mais óbvio que podia haver em Belém, um escritório de representação comercial na avenida Presidente Vargas; todo ele dia vinha perguntar, nervoso; "quando vai começar a revolução"?... A gente tinha pressa e sede de justiça, mas vai lá saber quando chegaria ordem de quebrar o pau!...

quanto custou a Constituição-Cidadã de 1988 e ainda irá custar sua garantia e continuou aperfeiçoamento constitucional? Só quem ainda não perdeu de tudo a inocência cultivada pela Censura pode acreditar que bastariam apenas greves, passeatas e discursos cívicos pela liberdade para abalar o moral do sistema autoritário de matriz fascista e retornar à democracia dantes, morta pelo golpe de estado de 1964 no bojo da Guerra Fria entre os EUA e a URSS.


em 1956 já tinha passado em Jenipapo em canoa a remo com meu camarada Ovídio Araújo Freitas em figura de "goiaba" (marreteiro das bandas do rio Marajó-Açu, em Ponta de Pedras, trocando mercadorias em espécie por peixe-seco e outros frutos da pesca lacustre conforme o velho costume do escambo). Sou dez anos mais moço do que o falecido criador do Museu do Marajó, nasci em Belém do Pará por necessidade médica de minha mãe e me criei em Ponta de Pedras desde tenra infância: quando abri meus olhos e dei os primeiros passos, minha familia morava numa casa modesta no Fim do Mundo (costumo dizer que minha história de vida começa pelo fim: bom começo para alguém que a cada dia vive como se a História estivesse apenas no começo).

quando eu entro ao Museu do Marajó nao vou lá feito turista admirar a arte exótica de um povo extinto. Na verdade, o vejo como minha casa ancestral - o bem e o mal lá confundidos, inseparáveis, muitas vidas e mortes entrelaçadas numa teia sem fim. O Gallo se fez parente da gente, grande cacique marajoara, e o que eu não conseguir trazer de volta de nosso antigo tesouro saqueado e levado embora sem dizer adeus, alguém mais competente e mais adiante há de levantar a bandeira invísel das "tribos extintas" desfraldada sobre tesos ao deus dará há mil anos atrás. Quem viver verá.

terça-feira, 19 de abril de 2011

VIVA MARAJÓ NO DIA DO ÍNDIO BRASILEIRO

bela coincidência! projeto VIVA MARAJÓ promove o MaB no Dia do Índio!!!

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A DEMANDA MARAJOARA

Há mais de 250 anos entre chuvas, contrabando e esquecimento, o achado do teso do Pacoval do Arari, em 20 de Novembro 1756 – primeiro sítio arqueológico a revelar a oculta arte primeva indígena do Brasil – contrasta com a pobreza da gente marajoara em luta para transformar “cacos de índio” na resistência d’O Museu do Marajó e recuperar a identidade perdida no passado colonial.

 

            Felizmente ou infelizmente, que nem o ancestral mariscador de gapuia, o qual sem querer querendo inventou a Cultura Marajoara; estou eu enterrado até o pescoço no barro dos começos do mundo na grande ilha do Marajó. E Dalcídio Jurandir e Giovanni Gallo já morreram... Todos meus avós estão lá enterrados: duma parte, camponeses da diáspora da Galícia (Espanha) e enganados povoadores dos Açores (Portugal) deportados ao Grão-Pará, no século XVIII. Doutra, a cabocada saída do mato a dentes de cachorro e bala de trabuco, as raízes indígenas extraídas à corda e baraço; que por falta de história em forma de letras se perdem no além da lenda da “primeira noite do mundo”.

Portanto, não escolhi este fado, pois sina não se pede. Que posso fazer? Acovardar-me no trono de um apartamento esperando a morte chegar ou entrar no exército Brancaleone inaugurado pelo “índio sutil” e seu escudeiro por acaso inventor d’O Nosso Museu do Marajó e autor do livro-reportagem “Marajó, a ditadura da água”... Tomar as singelas armas das letras tortas que tenho ao alcance das mãos nas teclas do computador conectado à rede eletrônica mundial. Depois que, semiletrado, dei “vencimento” de um sem número de canetas Bic e resmas de papel almaço, deixando calos aos dedos como se fossem, para mim, medalhas e cicatrizes de muitas batalhas ganhas ou perdidas.

Triste imitação moderna dos valentes “Nheengaíbas” (nuaruaques, “falantes da língua ruim”) de outrora. Sabendo eles que estavam derrotados antes mesmo de começar a luta desigual, do mesmo modo eu não poderei perguntar aonde esta estúrdia demanda irá parar. Quem sabe, no fim desta história incrível; de derrota em derrota se há de chegar à vitória final da brava gente marajoara? Um povo incomparável de mais de mil anos de idade, que só queria ter lugar na Terra-Firme (continente) e pertencer ao país do “Arapari” (a constelação do Cruzeiro do Sul, hoje República Federativa do Brasil, na Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) e na União de Nações Sul-Americanas - UNASUL).

Para a vitória será preciso percorrer longo caminho até chegar o dia de repatriamento de peças e coleções de cerâmica marajoara dispersas entre 10 museus estrangeiros e outros mais no Brasil, inclusive coleções de particulares. Entretanto, não haverá essa manhã se o gigante adormecido não despertar para as suas origens americanas no profundo rio das Amazonas, seio da civilização neotropical de mais de mil anos de idade. São será fácil enquanto prevalecer a mentalidade iluminista dos conquistadores e a nossa Amazônia for vista como “celeiro do mundo”...

Certamente, para a pobre gente marajoara não vai fazer a menor diferença se o tesouro de seus ancestrais se achar exilado em Paris ou no Rio de Janeiro ou até mesmo próximo à ilha do Marajó, em Belém do Pará. O que importa a ela é que a herança milenar lhe venha servir de amparo, identidade e passaporte para o futuro mediante um desenvolvimento cultural para libertação da pobreza e do analfabetismo político crônico.

O que mais interessa a mais de 500 mil brasileiros ilhados no delta-estuário da maior bacia fluvial do planeta, em mais de 500 comunidades locais repartidas em 3 microrregiões e 16 municípios de baixo IDH; é um programa nacional de proteção aos tesos arqueológicos do Marajó integrado ao desenvolvimento territorial em cooperação internacional, capaz de induzir o desenvolvimento regional sustentável através da economia criativa da Cultura. Ou há, por acaso, algo mais renovável e sustentável a preservar a Floresta Amazônica do que a educação e cultura das populações tradicionais ribeirinhas?

Para tanto, sem nenhum prejuízo da comunidade de Cachoeira do Arari e mais municípios marajoaras; a revitalização do Museu do Marajó pelo IBRAM como portal ecomuseulógico das ilhas do estuário amazônico; constitui séria questão de planejamento regional estratégico a ser considerada. Todavia, o claudicante “Plano de Desenvolvimento Territorial Sustentável do Arquipélago do Marajó (PLANO MARAJÓ) e o programa Territórios da Cidadania onde este programa específico deveria ser implantado, carecem se revigorar.

Neles, além do fundamental projeto NOSSA VÁRZEA de regularização fundiária de terras da União, também se acha o projeto de candidatura do arquipélago do Marajó à lista de reservas da biosfera da UNESCO. Lembrando-se, sobretudo, que o PLANO MARAJÓ, elaborado pelo GEI Marajó coordenado pela Casa Civil da Presidência da Republica; foi anunciado como piloto do Plano Amazônia Sustentável (PAS), da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Quer dizer, tal visão de conjunto de âmbito nacional se desvanece na esfera nacional e termina sendo uma nuvem no horizonte, quando atravessa a baía do Guajará em direção às ilhas.

Mas estes dois projetos, a regularização fundiária de comunidades ribeirinhas e o reconhecimento pela UNESCO da área de proteção ambiental de que trata o parágrafo 2º, VI, do artigo 13 da Constituição do Estado do Pará; assim como o próprio PLANO MARAJÓ, precisam, com urgência, ser melhor conhecidos pela sociedade e debatidos pelo Congresso Nacional. Porém o silêncio que reina sobre tal assunto estratégico nos meios políticos é “ensurdecedor”. E reveladora a parcimônia da sociedade civil com que trata a demanda para tombamento da Cultura Marajoara.

Na verdade, em seu conceito geral, o PLANO MARAJÓ constitui o mais avançado instrumento de desenvolvimento territorial com participação popular na história do estuário amazônico desde as missões da Companhia de Jesus e das ordens das Mercês e do Carmo. Porém, como os colonos ávidos de braços escravos outrora, as pequenas oligarquias municipais resistem à realização do Plano, temerosas de que o povo trabalhador lhes escape da velha tutela feudal retardatária e dos currais eleitorais para liquidar o arcaico regime de latifúndio começado com as sesmarias dos barões de Joanes (1665-1757).

Tal atitude retardada é um lamentável equívoco! Pois, de fato, fazendeiros e comunidades podem e devem inaugurar patamar ecológico-econômico superior estabelecendo com participação institucional de estado (federal, estadual e municípios) parcerias produtivas. Antes que a invasão – já em curso – do grande capital predador venha liquidar de vez o “dolce farniente” das antigas fazendas de gado. Onde as condições de isolamento produziram – para o bem e o mal – a mais interessante cultura insular das terras baixas da América tropical, sem dúvida. O que tem potencial comparável a uma “Costa Rica” na Amazônia Marajoara.

Brasília não sabe nem quer saber do que se está falando nestas paragens ultraperiféricas da amazonidade, nem ela tem tempo a perder na agenda do desenvolvimento nacional pautado pela ordem mundial. Por seu turno, a elite paraense – hostil ao “desenvolvimento sustentável” como seus antepassados combateram a abolição da escravidão e botaram a correr missionários também estes salvadores mais interessados na alma dos índios do que em seus direitos naturais nestes cantões do mundo – permanece cega e surda à pregação humanitária que vem do século XVII, na invenção da Amazônia; prestes a completar quatro séculos, em 2015, quando por acaso termina a prazo das metas do milênio da ONU.

A escravidão na América do Sul começou em 1500, com o espanhol Vicente Pinzón assaltando e capturando 36 “negros da terra” na ilha Marinatambalo (Marajó, provavelmente aldeia Aruã, município de Chaves), antes do descobrimento do Brasil. E a luta contra o trabalho escravo na Amazônia começou com o levante do Bom Selvagem tupinambá, em 1619, no Maranhão e Grão Pará. Sem guerreiros tupinambás e escravos tapuias não haveria a “ruptura” de limites de Tordesilhas na foz do Amazonas levando o Marajó velho de guerra à pacificação dos Nheengaíbas, pelo payaçu dos índios, Padre Antônio Vieira. Não haveria a Adesão do Pará, em 1823, à independência do Brasil...

A mesma peleja anticolonial e antiescravista passa pela demanda da “criaturada grande” na literatura de Dalcídio Jurandir e acaba como estuário de muitos rios e igarapés; na invenção do Museu do Marajó, por Giovanni Gallo em qualidade de instrumento de um povo à margem da História, no bojo contraditório da criação da Prelazia de Ponta de Pedras com as cooperativas do bispo Ângelo Rivatto.

Quem quer saber: quantas dissertações de mestrado e teses de doutoramento ainda vão sair desta fonte virgem que se perde, entre chuvas e esquecimento, nas ruínas dos tesos de cerâmica marajoara? Um “índio sutil” que dá voz à criaturada grande das Ilha, Baixo Amazonas, Marajó e subúrbios de Belém; um museu que teve por semente “cacos de índio” merecem mais respeito no DIA DO ÍNDIO, 19 de Abril pelo menos.

(por José Varella Pereira, email: cabocomarajoara@gmail.com site http://gentemarajoara.blogspot.com ) .

 

Abaixo-assinado "Dia da Cultura Marajoara e tombamento no patrimônio nacional".

Para:Presidência da República Federativa do Brasil

Excelentíssima Senhora,

DILMA ROUSSEFF,

Presidenta da República Federativa do Brasil.


Vimos respeitosamente pedir tombamento da CULTURA MARAJOARA no patrimônio histórico e artístico nacional, acompanhado de declaração oficial do DIA DA CULTURA MARAJOARA (20 de Novembro), conforme adiante, quando provavelmente a UNESCO receberá a candidatura do Arquipélago do Marajó à lista ibero-americana de reservas da biosfera em proposta do Estado do Pará.

Conforme as mais recentes pesquisas arqueológicas na Amazônia, a primeira cultura brasileira complexa (cacicado) ocorreu na ilha do Marajó cerca do ano 500 da era cristã. Trata-se da chamada "CULTURA MARAJOARA" pré-colombiana. No dia 20/11/1756 o fazendeiro Florentino da Silveira Frade a serviço de Portugal deu notícia do primeiro sítio arqueológico encontrado pelos colonizadores, o teso do Pacoval do lago Arari.

Depois de um longo período de saques, destruição e escavações para estudo, em 1937, a diretora do Museu Nacional do Rio de Janeiro, Heloísa Alberto Torres publicou na revista do SPHAN [IPHAN] artigo pedindo programa nacional de proteção ao patrimônio arqueológico brasileiro, no qual declara ser a CULTURA MARAJOARA o mais importante acervo pré-colombiano do Brasil.
Entretanto, até hoje falta declaração oficial de tombamento nacional desta cultura. Para cujo efeito e educação patrimonial do povo brasileiro, notadamente na Amazônia; convém ato formal considerando 20 de Novembro DIA DA CULTURA MARAJOARA simultaneamente ao Dia Nacional da Consciência Negra recordando que, em fins de janeiro de 1500, Vicente Pinzón aprisionou e levou da ilha do Marajó os primeiros "negros da terra" (índios escravos) da América do Sul.

Os signatários

O Abaixo-assinado "Dia da Cultura Marajoara e tombamento no patrimônio nacional"., para Presidência da República Federativa do Brasil foi criada e escrita pela comunidade Academia do Peixe Frito / Amigos do Museu do Marajó.
Este abaixo-assinado encontra-se alojado na internet no site Petição Publica Brasil que disponibiliza um serviço público gratuito para abaixo-assinados (petições públicas) online.
Caso tenha alguma questão para o autor do abaixo-assinado poderá enviar através desta página de contato

 abaixo-assinado online: «"Dia da Cultura Marajoara e tombamento no patrimônio nacional".»

http://www.peticaopublica.com.br/?pi=P2011N8487

Um Museu no Marajó?

Quantas pessoas disseram que foi uma loucura montar um museu no meio dos campos do Marajó, ainda mais que a localidade escolhida, Cachoeira do Arari, não é conhecida e badalada como Soure ou Salvaterra, e sim bastante modesta. De fato, quando começamos, a cidade tinha um precário acesso pelo rio, não adequado para um projeto turístico deste porte.

O serviço telefônico era mais que precário, o abastecimento de água também, a energia elétrica só poucas horas por dia, e com muitos blecautes .Para completar: falta de hotel e outras estruturas complementares, e qualquer estrutura turística. Mas o MUSEU DO MARAJÓ escolheu Cachoeira, recusando ao longo destes anos outras opções tentadoras, porque a nossa filosofia sempre foi dominada por aquele mesmo princípio: a preocupação fundamental pelo Homem, não somente como assunto de pesquisa, mas também como meta e objetivo.

A PA-154, estrada de ligação por terra de Cachoeira com a baía e as cidades de Salvaterra e Soure, não passava de um sonho. Agora, só falta um gesto de carinho do Governo para salvar o MUSEU DO MARAJÓ e garantir um futuro melhor para as comunidades da bacia do Arari.

No nosso Museu o Homem marajoara é doador e receptor. Ele é a maior fonte de informação e ao mesmo tempo o maior beneficiado.

Nesta perspectiva, o nosso Museu tem um ciclo completo:

• Nasce da comunidade,


• Cresce com a comunidade,


• E volta à comunidade.


Agora é fácil entender porque o Museu aceitou o desafio de escolher um lugar carente das infra-estruturas essenciais.


Porque assumiu o compromisso de promover estas infra-estruturas, provocando o desenvolvimento do Homem através da Cultura.

Giovanni Gallo

 

CARTA DO ESCRITOR JORGE AMADO A GIOVANNI GALLO

Salvador, 22 de novembro de 1989

O Museu do MARAJÓ

Cachoeira do Arari

Marajó – Pará

 

Prezado

Pde. Giovanni Gallo,

         Tendo chegado ao meu conhecimento pelo casal Steiner, nossos amigos, o seu trabalho em preservar a cultura indígena da cerâmica marajoara, com o uso e os costumes desse povo, quero parabenisa-lo (sic) pela feliz escolha da cidade de Cachoeira do Arari, como centro de suas atividades.

         Terra de Dalcidio Jurandir, escritor por mim considerado um dos maiores romancista (sic) contemporâneo e estilista inconfundível, da nossa literatura regionalista.

         A implantação deste museu, em moldes modernos, que irá atuar no aprimoramento da educação dos jovens, e proporcionar uma gama de informações aos estudiosos, que necessariamente, irão compulsar os seus arquivos e pesquisar nas suas coleções, é um trabalho de inestimável valor cultural, na divulgação do Marajó, tendo como seu principal objetivo, o homem marajoara, dando-lhe o impulsionamento decisivo da liberdade pela força do seu trabalho.

         Na certeza de que muito contribuirá, para reverenciarmos na sua terra natal, a memória de Dalcidio Jurandir.

         Atenciosamente.

         (a,) Jorge Amado

(transcrita de fac-símile com autógrafo do autor na revista PZZ edição nº 11, página 66).

 

DALCÍDIO JURANDIR A RESPEITO DA OBRA DE GIOVANNI GALLO (trechos de correspondência com Maria de Belém Menezes):

“O que me chama atenção: Padre Giovanni meteu os pés, fundo, na lama do Marajó e puxa daí as suas reportagens, como tambaquis, trazendo à tona os mil problemas da ilha.”

“É um humanista da melhor idade, dirigindo a sua objetiva sobre as grandes feridas da ilha-arquipélago.”

“O padre sente de perto as aflições daquele povo que vive em metade d’água e em metade lama, seguro na pescaria, na vaqueiragem e na caça. Padre Giovanni tem em grande conta o cidadão do mundo, solitário, desamparado, que é o habitante de Jenipapo.”

Arqueologia Marajoara

PESQUISA, CIÊNCIA E CONTRABANDO.

Por Denise Pahl Schaan (in PZZ revista de arte, educação e cultura / nº 11 – ano IV, pp 90-109).

DENISE PAHL SCHAAN nasceu em 1962, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul. Graduou-se em História em 1987 pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e recebeu o título de Mestre em História, Área de Concentração Arqueologia Amazônica, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC/RS) em 1996. Sua Dissertação de Mestrado, um estudo detalhado da coleção de cerâmica Marajoara “Tom Wildi” , foi publicada em 1997 pela editora da PUC/RS. Em 1997, Denise mudou-se para Belém do Pará, para realizar estudos com as coleções de cerâmica Marajoara do Museu Paraense Emílio Goeldi. De 1999 a 2004 cursou o Doutorado em Antropologia Social na Universidade de Pittsburgh, Filadélfia, EUA. De 1997 a 2006 foi pesquisadora do Museu Paraense Emílio Goeldi e desde 2006 é professora da Universidade Federal do Pará [contato email: Denise@marajoara.com ].

(fragmentos do artigo):

CONTINUAM CHEGANDO DENÚNCIAS

DE RETIRADA DE CERÂMICA DE TESOS

MARAJOARAS, TODOS OS MESES, SENDO

IMPOSSÍVEL VERIFICAR AS DENÚNCIAS,

POIS OS SÍTIOS LOCALIZAM-SE EM ÁREAS

DE DIFÍCIL ACESSO, ÀS VEZES SENDO

NECESSÁRIOS VÁRIOS DIAS DE VIAGEM.

 

O tráfico de peças arqueológicas continua acontecendo, comprometendo a integridade dos sítios. Somente um programa de educação patrimonial combinado à punição exemplar dos infratores poderia fazer diminuir significativamente os prejuízos ao patrimônio arqueológico. A ilha de Marajó possui uma população extremamente carente, devido à má distribuição de terra e renda. As dificuldades

O TRÁFICO DE PEÇAS ARQUEOLÓGICAS CONTINUA ACONTECENDO, COMPROMETENDO A INTEGRIDADE DOS SÍTIOS. SOMENTE UM PROGRAMA DE ARQUEOLOGIA PÚBLICA, COMBINADO À PUNIÇÃO EXEMPLAR DOS INFRATORES, PODERIA FAZER DIMINUIR SIGNIFICATIVAMENTE OS PREJUÍZOS AO PATRIMÔNIO ARQUEOLÓGICO.

Turismo e arqueologia pública 

Decorridos 136 anos das primeiras expedições para coleta de material arqueológico na ilha, o número de sítios efetivamente registrados no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - Iphan não é representativo do universo de sítios conhecidos e explorados. Muitos tesos escavados do topo à base nunca foram registrados e efetivamente estudados, significando que o conhecimento que tais estudos poderiam ter gerado perdeu-se para sempre. Até hoje nunca foram realizados inventários dos sítios arqueológicos na ilha ou programas educativos para sua preservação, com exceção de iniciativas isoladas.
Constantemente chegam denúncias sobre a retirada e as vendas ilegais de cerâmica, sendo impossível averiguar todas elas, pois os sítios localizam-se em áreas de difícil acesso, às vezes demandando vários dias de viagem. Começa a haver certo interesse por parte das prefeituras e mesmo dos fazendeiros pelo desenvolvimento do turismo arqueológico, mas não há infraestrutura adequada para esse tipo de atividade.
Um dos problemas é a falta de legislação específica para a exploração turística de sítios arqueológicos. Outro, e mais sério, é o descaso dos órgãos governamentais, que chegam a fazer propaganda de sítios arqueológicos e incentivar o turismo, mesmo sem a devida musealização e sinalização dos locais a serem visitados.
 

MUSEUS E COLEÇÕES PARTICULARES DE CERÂMICA MARAJOARA (por ordem alfabética).

American Museum of Natural History, Nova Iorque: Segundo Palmatary (1950), as coleções feitas por Algot Lange em 1913 no Pacoval e no teso do Severino estariam nesse museu. O material foi examinado por Betty Meggers na década de 1940.

Coleção Buscaloni / Coelho. Esta coleção é formada por 6 peças completas em perfeito estado de conservação. Foi comprada pelo museu em 22 de março de 1901, vendida por M.L. Buscaloni com o aval do presidente da câmara de deputados do Pará. O material vem das buscas na ilha do Marajó, mas não possui indicação de sítios arqueológicos. Entre as peças encontra-se uma urna que continha uma tigela e quatro vasos-miniaturas.

Coleção da Família Teixeira, Belém e Fazenda Campo Limpo, Marajó: provém do sítio PA-10-14: Monte Carmelo. Não existem muitas informações. Possui fotos de duas peças na obra de Roosevelt (1991), fotografei algumas peças em péssima condição na casa da fazenda, em 2002 e 2005. A casa hoje em dia é de propriedade de Paulo Acatauassu Teixeira, que disse-me que quer fazer turismo arqueológico na fazenda, mas que deverá dividir as peças com seus irmãos, pois são “herança de família”.

Coleção de Heronildes (Dita) Acatauassu, Belém e Fazenda Tapera, no Marajó: Aproximadamente 800 peças. Foi desmembrada em duas coleções foram “doadas” ao Governo do Estado do Pará. Uma delas está sob a guarda do Museu do Forte e a outra com o Museu Goeldi. Diversas peças de ambas coleções encontram-se em exposição no Museu do Forte e no Museu de Gemas, ambos em Belém. Segundo informações recentes de Tiago Ferreira, há ainda peças remanescentes desse acervo na fazenda Tapera e na casa de Dona Dita (em) Belém.

Coleção do Ex-Museu Paulista: Esta coleção é formada por 9 objetos cerâmicos pré-históricos do Marajó. Foi obtida através de permuta de material com a Universidade de São Paulo em 1964/64. É constituída de peças incompletas, à exceção de uma tanga feminina (Cairolo, 1990).

Coleção Graciette Lobato, Belém e Fazenda São Marcos, no Marajó: Peças procedentes dos tesos do igarapé dos Camutins, dos aterros do Pequaquara e do igarapé do Moleque. Uma grande coleção foi “doada” em 1982 ao governo do Estado, estando hoje sob a guarda do Museu Goeldi, em Belém. Diversas peças encontram-se em exposição no Museu do Forte e no Museu de Gemas, ambos em Belém. Uma pequena coleção foi “doada” ao Instituto Cultural Banco Santos (ICBS) e hoje está no acervo do MAE-USP.

Coleção Madame Chermont, Rio de Janeiro: 15 peças, algumas fotos aparecem em publicação de Erland Nordenskiöld (1930).

Coleção Montenegro: Coleção formada por Joaquim Jonas Bezerra Montenegro (1843-1932), advogado alagoano que transferiu-se para o Pará, aposentando-se como juiz da comarca do Marajó. É uma coleção antiga, pois em uma tanga escreveram no verso a data de 1871 (Figueiredo e Folha, 1976: 31). Segundo as informações do catálogo, a coleção foi doada, a partir de 1880, ao Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas. São um total de 102 peças de cerâmica do Marajó, além de inúmeros objetos líticos de procedência desconhecida.

Coleção O. Landmann, São Paulo: Esta coleção compreende 35 peças inteiras, e provém da  Fazenda Laranjeiras, segundo Cairolo, 1990. Uma tigela desta coleção encontra-se em exposição no Museu Chileno de Arte Pré-Colombiana em Santiago.

Coleção Oliveira, Recife: 25 peças originais dos sítios Pacoval, Ilha dos Bichos, Severino, Ganhoão (região de Chaves), Palmatary (1950), traz fotos das peças.

Coleção Tom Wildi do Museu Universitário da UFSC: Essa coleção foi doada pela família do colecionador, e 208 peças (entre inteiras, semi-inteiras e fragmentos) foram estudadas por Schaan (1997a). As peças provém dos sítios Laranjeiras, Guajará, Teso Salitre, Gentio, Matinada, Macacão, Ilha dos Bichos e Pacoval do Arari.

Grande-Bretagne Museu of Mankind, Londres: Este museu possui 32 objetos permutados por A. Mordini em 1935. Mordini fez buscas em 1922 e 1925 em três sítios: Pacoval, Panelas e Teso do Gentil. Contudo, é difícil saber a proveniência exata do material. A coleção é formada por cacos de cerâmica, entre os quais três apêndices zoomorfos. Não existem peças inteiras neste museu (Cairolo, 19990).

Musee de L’Homme de Paris, França: Este museu possui 22 peças cerâmicas da Ilha do Marajó, das quais 6 são peças da coleção formada por Ferreira Penna e Charles Hartt para o Museu Nacional do Rio de Janeiro. O material pertencente ao Musee de L’Homme veio de várias doações feitas por brasileiros, como as peças doadas por D. Pedro II, que provavelmente faziam parte do material retirado do sítio “Pacoval do Arari” por Hartt e Derby. Além disso, L. Netto doou 8 peças quando era conservador chefe do Museu Nacional (Cairolo, 1990).

Musee Thomas Dobrée, Nantes, França: Este museu possui 8 peças inteiras e numerosos cacos. Entre as peças inteiras encontra-se uma estatueta antropomorfa de 30 cm de altura, decorada com aplicações de engobo bege e pintura vermelha. Esta coleção foi formada por A. Cullère (Cairolo, 1990).

Museo Barbie-Mueller de Arte Precolombino, Barcelona: Formada por peças adquiridas em 1978 de um antiquário francês. São cerca de 22 peças do Marajó, em excelente condição, que têm participado de exposições internacionais e já constam de vários catálogos.

Museo Chileno de Arte Precolombino: localizado em Santiago, Chile, este museu possui uma incrível coleção de artefatos pré-colombianos, que foi reunida por um arqueólogo amador, Sergio Larrain Garcia-Moreno. Há em exposição também

...////


NOTA ESTE POST ESTÁ INACABADO.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

FEDERALIZAR O NOSSO MUSEU, JÁ!


Um Museu no Marajó?

Quantas pessoas disseram que foi uma loucura montar um museu no meio dos campos do Marajó, ainda mais que a localidade escolhida, Cachoeira do Arari, não é conhecida e badalada como Soure ou Salvaterra, e sim bastante modesta. De fato, quando começamos, a cidade tinha um precário acesso pelo rio, não adequado para um projeto turístico deste porte.

O serviço telefônico era mais que precário, o abastecimento de água também, a energia elétrica só poucas horas por dia, e com muitos blecautes .

Para completar: falta de hotel e outras estruturas complementares, e qualquer estrutura turística. Mas o MUSEU DO MARAJÓ escolheu Cachoeira, recusando ao longo destes anos outras opções tentadoras, porque a nossa filosofia sempre foi dominada por aquele mesmo princípio: a preocupação fundamental pelo Homem, não somente como assunto de pesquisa, mas também como meta e objetivo.

A PA-154, estrada de ligação por terra de Cachoeira com a baía e as cidades de Salvaterra e Soure, não passava de um sonho. Agora, só falta um gesto de carinho do Governo para salvar o MUSEU DO MARAJÓ e garantir um futuro melhor para as comunidades da bacia do Arari.

No nosso Museu o Homem marajoara é doador e receptor. Ele é a maior fonte de informação e ao mesmo tempo o maior beneficiado.



Nesta perspectiva, o nosso Museu tem um ciclo completo:

• Nasce da comunidade,

• Cresce com a comunidade,

• E volta à comunidade.

Agora é fácil entender porque o Museu aceitou o desafio de escolher um lugar carente das infra-estruturas essenciais.

Porque assumiu o compromisso de promover estas infra-estruturas, provocando o desenvolvimento do Homem através da Cultura.

(a.) Giovanni Gallo


   
O MUSEU DO MARAJÓ nasceu de modo informal em 1972, na cidade de Santa Cruz do Arari. Em 1984, foi instalado no prédio de antiga indústria de extração de óleo vegetal em Cachoeira do Arari, onde permanece até hoje.
(Ver +)

 

 

CARTA DO ESCRITOR JORGE AMADO A GIOVANNI GALLO

Salvador, 22 de novembro de 1989

O Museu do MARAJÓ

Cachoeira do Arari

Marajó – Pará

 

Prezado

Pde. Giovanni Gallo,

         Tendo chegado ao meu conhecimento pelo casal Steiner, nossos amigos, o seu trabalho em preservar a cultura indígena da cerâmica marajoara, com o uso e os costumes desse povo, quero parabenisa-lo (sic) pela feliz escolha da cidade de Cachoeira do Arari, como centro de suas atividades.

         Terra de Dalcidio Jurandir, escritor por mim considerado um dos maiores romancista (sic) contemporâneo e estilista inconfundível, da nossa literatura regionalista.

         A implantação deste museu, em moldes modernos, que irá atuar no aprimoramento da educação dos jovens, e proporcionar uma gama de informações aos estudiosos, que necessariamente, irão compulsar os seus arquivos e pesquisar nas suas coleções, é um trabalho de inestimável valor cultural, na divulgação do Marajó, tendo como seu principal objetivo, o homem marajoara, dando-lhe o impulsionamento decisivo da liberdade pela força do seu trabalho.

         Na certeza de que muito contribuirá, para reverenciarmos na sua terra natal, a memória de Dalcidio Jurandir.

         Atenciosamente.

         (a,) Jorge Amado

(transcrita de fac-símile com autógrafo do autor na revista PZZ edição nº 11, página 66).

quinta-feira, 7 de abril de 2011

REUNIÃO NA AMAM SOBRE SEGURANÇA PÚBLICA




Aconteceu ontem, 07, no Auditório da Associação dos Municípios do Arquipélago do Marajó - AMAM - importante reunião juntamente com autoridades estaduais da área de segurança pública e os Prefeitos do Marajó para elaborarem um plano para combater pirataria, crime organizado, roubo de gado, pedofilia e tráfego de drogas na ilha do Marajó. O Presidente da AMAM Prefeito de Portel Sr. Pedro Barbosa fez a aberturados trabalhos desejando a todos os votos de boas vindas e agradecendo a presença de todos. Em seguida usaram da palavra Dr. Herison Henrique Promotor de Anajás, Dr. Leonel Cavalcante Juiz de Chaves, e o Deputado Celso Sabino que falaram das dificuldades encontradas nas cidades marajoaras com relação à segurança pública.
O Secretário de Segurança Pública do Estado Dr. Luiz Fernandes Rocha usou da palavra destacando: a implantação em todos os municípios do Conselho Comunitário de Segurança colocando a disposição o telefone nº 181; Ação Integrada com as embarcações em todos os municípios; colocar lancha de patrulha no lago arari; helicóptero para a região junto com bombeiros; sistema de combate a incêndio em cada município; policiais de serviço nas delegacias; delegacias integradas em todos os municípios; obras paradas de delegacias já foram autorizadas a retomada as obras; delegacias não ficarão mais com presos; será feito o plano regional de segurança do Marajó; haverá nomeação 500 agentes comunitários de segurança para todo o estado estacando-se alguns para o Marajó; formar uma comissão provisória de segurança do Marajó com um total de 10 pessoas para fiscalizarem e acompanharem os trabalhos desenvolvidos pelas polícias civis e militares; criar um seminário com bancada estadual e federal da Amazônia visando a  segurança nos rios da Amazônia; serão liberados mais 80 policiais imediatamente pro Marajó e logo  após o concurso mais 150.
O Prefeito de Breves José Antonio Leão questionou a redistribuição dos efetivos, cobrou a agilização do Pefron (Pelotão de Fronteiras) dizendo saber que chegou a ser liberado viaturas e helicópteros, querendo  melhores informações. O Secretário informou que não tem nada entregue do pefron e que governo federal ta revendo estudos até fim de abril. O Prefeito de Chaves Benjamim Neto falou da População de Caviana, Viçosa e Cururu reclamando da ausência de policiais nas localidades cobrando uma embarcação. O Secretário respondeu que já tem 01 embarcação pra Chaves; O Prefeito de Bagre Clédson Farias Lobato cobrou mais 04 policiais para o seu município e reclamou da ausência de delegado solicitando pelo menos duas vezes o comparecimento do delegado de Breves em Bagre. Clédson sugeriu o combate às drogas nos portos de Belém e Breves, nas saídas dos Barcos. O Secretário se comprometeu em atender juntamente com uma equipe bem aparelhadas a fiscalização nos portos.
Estiveram presentes os Prefeitos de Bagre Clédson Farias; Breves, José Antonio Leão; Gurupá, Moacir Alho; Anajás, Edson Barros; Chaves, Benjamim A. Neto; São Sebastião da Boa Vista, Getúlio Brabo; Cachoeira do Ararí, Jaime Barbosa; Muaná, Raimundo Martins; e o Prefeito de Portel Pedro Barbosa, Presidente da AMAM além de representantes, vereadores e convidados especiais.
 
fonte:
WAVÁ BANDEIRA
ASCOM - ASSOCIAÇÃO DOS MUNICÍPIOS DO ARQUIPÉLAGO DO MARAJÓ
FONES: 9993,9737 + 3213,8000 + 9149,3189
 
 


terça-feira, 5 de abril de 2011

DAR VOZ AOS QUE PEDEM SOCORRO

 Com testemunho da Ciência  [ http://www.marajoara.com ], da Literatura [ http://www.dalcidiojurandir.com.br ] e da Museulogia [ http://www.museudomarajo.com.br ] sabe-se que o Brasil se tornou responsável perante a Humanidade pela conservação e desenvolvimento cultural da mais antiga civilização neotropical na Amazônia: a denominada "Cultura Marajoara" de 1500 anos de idade.


Claro está, que este raro recurso regional deve ser nacionalizado e bem usado no intercâmbio internacional do País, não apenas para deleite da elite e exclusividade acadêmica. Mas, o empoderamento da CULTURA MARAJOARA pela "criaturada grande de Dalcídio" passa, necessariamente, pela presença e compromisso permanente do IBRAM com a obra de Giovanni Gallo; e conjuntamente do MEC e MINC com a popularização da literatura de Dalcídio Jurandir. Ou seja, não é para tirar a CULTURA MARAJOARA da ruína e ostracismo e colocá-la numa redoma de veneração que nós estamos batalhando há tanto tempo. Mas, sim para preparar o repatriamento da cerâmica que se acha no estrangeiro como forma de cooperação Norte-Sul contra a pobreza e a devastação ambiental. Para a Biodiversidade e a Diversidade Cultural ser contempladas como as duas faces da mesma moeda. Deste modo, o Nilo amazônico e o Amazonas nilótico poderão contar com a Reserva da Biosfera Marajó-Amazônia (cf. art. 13, VI, parágrafo 2º da Constituição do Estado do Pará) como um campus magnífico da Universidade da ONU! 

Por que os brasileiros deixariamos perder o direito de primogenitude da ecocivilização neotropical do Brasil em troca de um precário "prato de lentilhas" representado pelo modelo exportador de matérias-primas, energia e mão-de-obra barata? Pois levantar a bandeira da milenar CULTURA MARAJOARA é como abrir uma senha para inclusão socioambiental das populações amazônicas no desenvolvimento nacional.

Entretanto, esta cultura pré-colombiana não é a única nem deve se sobrepor às demais culturas amazônicas, tais como a Cultura Tapajônica, Maraka e outras. Ela também não é mais antiga do que sítios arqueológicos de pintura rupestre, a exemplo de Paytuna (Monte Alegre), Serra dos Martírios (Carajás) e outros. Mas, inegavelmente a Cultura Marajoara - dispersa em diversos museus famosos em Paris, Londres, Nova York, Estocolmo, Roma, São Paulo, Rio de Janeiro e Belém, conforme a obra "Cultura Marajoara" de Denise Schaan, editada pelo SENAC, São Paulo, 2010 - tem reconhecido valor artístico e científico ao mesmo tempo.


Graças às mais recentes pesquisas elaboradas por Anna Roosevelt e Denise Schaan pode-se hoje confirmar que a combativa diretora do Museu Nacional do Rio de Janeiro, Heloísa Alberto Torres, em 1937, teve inteira razão em considerar os sítios arqueológicos da ilha do Marajó o mais importante patrimônio material pré-colombiano do Brasil.


Se este fato, por si só, justifica o movimento em curso; todavia acresce ainda a circunstância socioambiental e antropológica notável de as atuais populações tradicionais do arquipélago do Marajó - em fase preparatória para candidatura à UNESCO como reserva da biosfera no programa multilateral "O Homem e a Biosfera" (MaB) - ser remanescentes das mais antigas populações da foz do maior rio da Terra, o Amazonas. As quais, sem dúvida, pelo menos foram contemporâneas ao povo de arquitetos, engenheiros e artistas nativos dos chamados "tesos" da ilha do Marajó: verdadeiras aldeias e necrópoles sobre campos alagados, fazendo admiração em contraste à pobreza das palafitas e vilas decadentes; como se pode ver na arte de resistência marajoara no MUSEU DO MARAJÓ, em Cachoeira do Arari.


A resistência marajoara dá provas de um povo que sempre lutou por sobreviver e existir face à conquista colonial e humilhação da ocupação estranha! Meio milhão de brasileiros calados pela marginalização e o analfabetismo de metade da população estende a mão à caridade pública. Quando possui uma riqueza incomparável como esta, capaz de motivar auto estima pela educação patrimonial para o desenvolvimento sustentável.


São diversos os estudos acadêmicos sobre a geologia, botânica, etnologia, sociologia, arqueologia, etc. referentes ao Marajó. Mas, é verdade que a brava gente marajoara sem a qual não se poderia jamais realizar a civilização que aí seencontra neste mosaico do trópico úmido planetário; permanece exilada em sua própria terra.


Esta gente precisa da sua voz e da sua assinatura nesta Petição Pública. Esta é a hora de saber quais são os verdadeiros AMIGOS DO MARAJÓ!!! O seu nome não pode ficar de fora. Por isto...

Caro(a) Amigo(a),

Por favor ajude a divulgar o abaixo-assinado «"Dia da Cultura Marajoara e tombamento no patrimônio nacional".». A melhor maneira de o fazer é informar seus amigos que ele existe.


Envie um email rápido a seus amigos.

Abaixo existe um texto que pode copiar e colar em sua própria mensagem de email, para ajudar a divulgar o abaixo-assinado «"Dia da Cultura Marajoara e tombamento no patrimônio nacional".»:


Para divulgar, «Copiar e Colar» o texto abaixo em seu próprio email e enviar a seus contatos.
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Meus Amigos / Minhas Amigas,

Acabei de ler e assinar o abaixo-assinado online: «"Dia da Cultura Marajoara e tombamento no patrimônio nacional".»

http://www.peticaopublica.com.br/?pi=P2011N8487

Eu concordo com este abaixo-assinado e acho que você também pode concordar.

Assine o abaixo-assinado e divulgue para seus contatos. Vamos juntos fazer democracia!

Obrigado,
José Varella

segunda-feira, 4 de abril de 2011

OYAPOCK: ONDE O BRASIL COMEÇA E ACABA

era um garoto como eu, que amava tomar banho no rio, jogar bola na rua, ver o Boi Bumbá dançar e roubar frutas de quintal vizinho... Uma vez, por ainda não saber nadar, estava eu a ponto de afogar-me quando sobreveio no derradeiro instante aquele menino, preto que nem pixe e que nadava feito boto; e salvou o branquelo que vos fala. Faltou pouco para conhecer o reino encantado da Boiúna. Fui poupado, paresque, da seleção natural por via do rio matador de moleque pateta pra descobrir quem inventou o mundo e depois contar a história aos outros... 

Crescemos juntos na mesma vila ilhada porém apartados por uma estreita fronteira invisível (Itaguari, Ponta de Pedras, antes e depois): em meus melhores delírios poeticos transformei cada pedra, cada pedaço de pau naquele chão na metáfora de Vilarana: a vila que nem vila era http://vilarana.blogspot.com/. Por um destino cruel, meu salvador não teve mesma sorte que a minha: cedo ele partiu com outros conterrâneos em busca de trabalho, consta que rodou de seca a meca até arranjar trabalho como peão de plantação de pimenta do reino na colônia japonesa de Tomé Açu. Mas, invariavelmente, rente como pão quente; como tantos embarcou certo dia no contrabando das Guianas: larga porta de males para muitos e rara chance para poucos bafejados pela sorte... 

Passado tempo ele voltou a terra natal, já era outro. Aparentemente estava bem na vida. Que é estar "bem na vida"? Nas circonstâncias, é ter algum dinheirinho no bolso, saúde, não ter ficado velho ainda, nem haver responsabilidade nenhuma com rabo de saia e filhos... Ali todavia, o cara viajado arrumou mulher e com ela vieram os "barrigudinhos" para dar sustento... Então, a sorte lhe desertou. Culpa da famosa "caveira de burro" enterrada, a qual atrasava a vida de todo mundo ali e lhe consumiu o último dinheiro ganho lá fora (sabe deus como), a saúde minguou e o ânimo foi embora. Lá, havia diversos desempregados e alcólatras, não era para menos... Do naufrágio final, no entanto, salvou-lhe um diligente pastor evangélico e a Bíblia, eu não duvido que ainda virão me dizer que o cara chegou ele também a ser pastor: tal qual meu finado compadre Panga, que de vaqueiro sem eira nem beira passou proprietário de terra e comerciante. Não sem antes se converter ao protestantismo e virar marreteiro na feira do Ver O Peso. Pra gente não duvidar do poder da fé e da capacidade humana quando quer juntar dinheiro (amém).

Iguais ao meu salvador do rio das crianças afogadas, outros tantos ribeirinhos foram salvos das águas ardentes de alambique e da sina dos canaviais onde os avós mourejaram até o fim de seus dias, pelo senhor Jesus. Caramba... Porém, infinitamente maior é o número das vítimas da pobreza do IDH local onde, por segunda sorte, eu escapei também em direção e caminho diferente todavia na mesma rota do Oiapoque e Cabo do Norte (Amapá) da nossa vida insulana. O diabo é que pastores salvadores de cabocos bebedores de cachaça e cerveja, desgraçadamente, insistem pelo mesmo consequinte do velhos padres católicos em amaldiçoar a antiga religião de índios e negros outrora acorrentados pelos brancos à pior Miséria deste mundo.


Antes que eu vos diga que carece "palé kréol" (falar crioulo guianense) e entender um pouco de "taki taki" (dialeto Nèg marron, quilombola do Suriname), além de ler a tese "Guyane française" de Ciro Flamarion Cardoso; para saber o que se passou e o que se passa agora na outra margem do Oiapoque, convém concluir os entretantos:

A bem dizer, eu nasci no Fim do Mundo embora o parto da galega - minha saudosa mãe - tenha acontecido sob cuidados médicos na maternidade da Santa Casa na cidade grande. O outro moleque nasceu no confinado bairro do Campinho em casa mais pobre do que a minha, gente preta descendentes de escravos do engenho do português Bernardino Santos. Meu pai era filho do rábula capitão da guarda nacional Alfredo Nascimento Pereira e da índia catequizada Antônia Silva, da aldeia da Mangabeira. O pai dele era compadre do meu, o carpinteiro Camilo, homem valente porém vitimado pelo alcoolismo, naturalmente depois de ser lesado desde o berço pela injustiça social. Aqui as diferenças entre duas vidas vizinhas pelo tempo e o espaço na fronteira social do extremo-norte brasileiro.

Estou para o historiador como o cão está para o caçador. O instinto e o faro do animal levam o homem à presa e ambos são movidos pela Fome. Na filosofia caboca (nascida do mato sem cachorro)tudo tem mãe (causa), inclusive a Fome... Mas, o que seria então a mãe da Fome? A Vida!Quem nasce chora logo e quer mamar: quem descuida do econômico e mora na filosofia fala de barriga cheia. A fome pois é o motor de tudo na vida e na morte. Uma vez saciado de comida e bebida, haja a sonhar e cogitar ("primo mangiare dopo filosofare, dizem os italianos). As ilhas do mundo sonham conquistar novos continentes e os velhos descobrir ilhas desconhecidas.Assim se engendra a história e a estória geral deste mundo.

Deste os primeiros dias de minha vida, no Fim do Mundo, despertei com as vozes dos canoeiros e ruídos das igarites no porto na partida para a Cidade. O rio se confunde à baía e esta leva ao vasto mundo para além do futuro e do mar profundo. Hoje são caminhos pelo ar que fazem meu despertar: o avião da madrugada, partindo de Val-de-Cães para Brasília, me tirou da cama às cinco horas da manhã.Ontem as igarites me suscitando imaginações do mundo lá fora; hoje os aviões sobrevoam meus sonhos e pesadelos... Não sei se deuses da Mina com seus tambores sagrados a batucar-me a memória ou caruanas a bulir com o inconsciente tocaram-me para fora do leito para ligar a internet. Algo me diz que, mais que nunca, está na hora de religar os conhecimentos do passado ao futuro (merci, Edgar Morin!). Devo afastar a preguiça e terminar de escrever a "Breve história da Amazônia Marajoara" ver in http://academiaveropeso.blogspot.com/2020/12/introducao-amazonia-marajoara.htlm

Dizem que Sócrates havia um demônio particular. Menos que anjo da guarda, meu espírito pessoal deve ser afilhado do mal afamado e excomungado herói civilizador da terra dos Tapuias, o Jurupari que fala e ri pela boca do pajé. Por esta parte não tenho muito que reclamar, embora por arte do dito cujo tenha me metido em boas enrrascadas... Todo mundo sabe ou devia saber que foi o Bom Selvagem tupinambá conquistador das "amazonas" amazônicas (europeus inventaram e colonizaram a Amazônia; falta agora descolonizá-la e nacionalizar pelos respectivos paíse amazonicos na Organização do Tratado de Cooperação Amazônica - OTCA). Mas, o rio Oiapoque é um museu a céu aberto onde a história e a estória fazem uma fronteira muito permeável e, portanto, um dos melhores lugares do mundo para discutir a relação Norte-Sul... 

Quando junho chegar vai se inaugurar a ponte prometida por Jacques Chirac e Fernando Henrique Cardoso, reprojetada por Lula e Sarkozy; esperada longamente pelas gentes locais duas margens. Também há de se terminar de fazer e começar a funcionar o Instituto Binacional da Biodiversidade. Diante disto tudo, nós outros os cabocos, crioulos, índios e quilombolas mesmo sem entender patavina de geopolítica nem história de branco precisamos despertar e assumir nosso lugar para que a história não se repita como farsa. 

Algo me diz que nomes de lugares, plantas, bichos, índios, negros, crioulos, cabocos são fragmentos e peças de quebra-cabeça - com exemplo dos "cacos de índio" refugados pelo saque dos tesos (sítios arqueológicos) da bacia Anajás-Arari, que deram a Giovanni Gallo a formidável intuição de inventar o MUSEU DO MARAJÓ http://www.museudomarajo.com.br  - donde o presente poderá resgatar a grande dívida colonial para invenção do futuro que todos desejam, do Oiapoque ao Chuí, do Ártico à Antárdida, dos extremos Oriente e Ocidente confundidos na foz do Amazonas.


Meu medo é que se inaugure a ponte em concreto sem construir jamais a imaterial que deveria ligar as duas beiras do Atlântico equatorial. Que se ensine tudo sobre a biodiversidade amazônica e nada a respeito da diversidade cultural do circum Caribe... Que a Europa e a América continuem ignorando a sociologia latino americana de Ciro Flamarion Cardoso, esquecido lá pelo distante Rio de Janeiro. Que pode mais um caboco apenas alfabetizado com suas poucas viagens fora do Fim do Mundo? Para consolo dos parentes e parceiros deixo a seguinte http://viagemphilosophica.blogspot.com/2010_07_01_archive.html .  

Algo me diz que, na área geocultural das Guianas, arquipélago do Marajó e ilha de Trinidad inclusive; o controvertido "rio de Vicente Pinzon", Oiapoque/Oyapoc, tem parentesto linguístico certo com o antigo povo "Yona"/Iona/Joane... Como se chamou algum tempo a "Capitania de Ilha Grande de Joannes" (1665-1757) ou Marajó, doravante Amazônia Marajoara.

UM RIO ONDE O TEMPO FAZ MORADA E UMA PONTE SOBRE O MAR-OCEANO

Escrevi no ensaio "Amazônia latina e a terra sem mal" (Belém-PA, 2002) que o Oiapoque é uma "universidade" aberta. O tempo ainda poderá mostrar que isto é verdade, se os mestres que lá estão há várias gerações há mais de um milênio não forem tomados por neófitos da mesma doutrina colonial de 500 anos.Não tenhamos ilusão, nem Brasília nem Paris estão conscientes de suas responsabilidades sobre a peculiar fronteira do Oiapoque. Por outra parte, Belém e Macapá no lado brasileiro ou Caiena e Paramaribo no outro lado não conhecem tão bem  aquele microcosmo como deviam. Talvez a ponte com todas suas contradições e esperança venha a ser sinal de alguma coisa mais interessante do que tem sido estes confins entre o velho e o novo mundo.



Le pont sur l'Oyapock au 27 mars 2011 (ph: Alain)Segundo o senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP), a inauguração da ponte sobre o rio Oyapock está prevista para junho vindouro.Tal informação teria sido obtida junto a embaixada da França em Brasilia, onde ele foi solicitar presença de representantes da Comissão de Relações Exteriores do Senado (Brasília) por ocasião da dita inauguração. Ele encontrou-se também com o embaixador do Suriname com a ideia de reforçar a cooperação do Amapá com os vizinhos mais ao norte da área das Guianas, da qual o Amapá e Pará fazem parte ( fonte: www.brasilyane.com/ ).

sábado, 2 de abril de 2011

a paisagem amazônica na menina dos olhos do menino ribeirinho

Hoje me lembrei de ter escutado, por primeira vez, o nome daquele tio como se falassem de um malfeitor fugido para bem longe da casa de seu pai como um filho pródigo. Com efeito! Com tristeza estampada à face, tia Armentina com catecismo do arcebispado de Belém às mãos lia para minha mãe que os livros do Dalcídio tinham ido parar no index de obras impróprias à boa consciência católica. 

Eu era muito pequeno mas logo a proibição teve efeito contrário, pois aguçava a curiosidade da gente. De todo modo, o arcebispo ficasse tranquilo pois livros do dito ou outro qualquer que não fosse catecismo capa branca, novinho em folha, trazido de Belém pela tia para presente ao sobrinho; não havia na pacata vila Itaguari (antes e depois Ponta de Pedras)nem pra remédio.

o rio era intermédio entre o tempo e o espaço, à meia maré do inferno verde e do paraíso ecológico. Único caminho da vila à Cidade grande através da baía (vasto mar de ágau doce)malmente vencida à vela.Espaçotempo do Itaguari ao sítio ancestral do Serrame: quando a genta falava "este rio" queria dizer o Marajó-Açu; e o Arari era o "outro rio". Uma geografia à margem da cartografia e da história oficial. Quisera eu agora saber quantas remadas eu dei a bordo do casquinho talhado num tronco de piquiá, quantas chuvas e trovoadas eu passei naquele canal de águas barrentas e terras caídas; doravante emendadas e costuradas pelo fio da memória na terceira margem do rio.


Mal escapei de um naufrágio besta no meio do rio, salvando a  mim mesmo e ao pirralho filho do Demétrio, a canoa emprestada pelo compadre Manduquinha e a bagagem que eu levava a bordo; saltei à terra e irrompi pelo cercado da casa de minha avó com a vela encharcada às costa pingando água saído de dentro da noite escura e da boca do rio antropófago como uma assombração de antanho.

Daquela vez, quase matei a velha de susto! Não foi a primeira vez que o Marajó-Açu queria me levar para o reino encantado da mãe d'Água: na primeira eu era jito e não sabia nadar, salvou-me o colega Niquelado; pretinho e safo que nadava que nem boto tucuxi... Outro dia, passado tempo, primo Lindolfo foi dizer à minha avó que não me deixasse mais viajar sozinho naquele rio, metido dentro de um casquinho de nada em horas mortas. 

De fato, que eu havia calculado mal e errado a virada da maré no Puxador - lugar do Canal onde as águas deste e do outro rio se contradizem pelas ilhargas da ilha do Itaguari -, peguei correnteza contra pela proa. Em vez de seis, gastei oito horas de remo. Sabe o que é uma hora de remo? Depende da precisão ou da preguiça do remador: verdade seja dita, enquanto há luz do pôr do sol diabo é quem rema ligeiro e desperdiça a paisagem, mas porém quando o verde da mata se converte em tisna, haja a remar e a remar... 

A noite me alcançou antes da boca do Tijucaquara. Desde então, até a boca do igarapé Armazém junto ao Itaguari; tenho leve impressão de ter superado o recorde olímpico de remo! Não acreditar em cobra grande é muito natural quando a gente está em terra firme em dia claro, quero ver descrença é de noite remando no meio do rio, sozinho, metido num casquinho de nada. Pois, o primo quando me viu encostando na ponte da Casa da Beira me disse: "eh, Zé! Num facilita, olha bicho do rio"... E foi logo dizer à vó Sophia, "mea madrinha, diga pro Rodolpho não deixar o filho dele andar sozinho neste rio em horas mortas...".


Depois do naufrágio no temporal eu fiquei sossegado uns dois dias antes de sair, de novo, rio acima. 'Antão', paresque pra me prender até fazer efeito o banho de ervas de tirar panema e sentar juízo; minha avó abriu o velho baú como se fora a arca do tempo perdido. Dele sacou um livro todo embrulhado em papel celofane e me disse, como voz suave porém imperativa: "lê, este menino"!... "Que é isto", perguntei. Ela me respondeu, "é o livro do teu tio"...Desembrulhei e vi que estava escrito na capa a palavra "Marajó" como se fosse um código sagrado preservado pelo tempo, só muito depois me dei conta de que o arquipélago do Marajó todinho e os subúrbios de Belém estavam dentro do romance como num museu vivo.

Era um feitiço, paresque. Comecei como quem prepara viagem a remo, pelas beiras... Assuntando o tempo e a força da maré. Antes de dobrar o primeiro estirão, digo capítulo; já não podia mais desembarcar da estória: cairam-me as escamas dos olhos. Meu caminho de Damasco. Depois foi como aquelas idas e voltas pelo labirinto das ilhas. A cada passagem o espanto: o rio nunca é o mesmo, mas o tempo não passa...


tudo isto para, novamente, falar das lembranda de família de Dalcídio Jurandir e convidar o leitor a embarcar na crítica de Pedro Maligo sobre a obra do "índio sutil":

Veja http://www.usp.br/revistausp/13/06-pedro.pdf