terça-feira, 23 de dezembro de 2014

MINHA MELHOR HISTÓRIA DE NATAL


uma bela laranja na ceia de natal



"Sou um caboco marajoara que teve sorte de ser bem alfabetizado pela Professora Alda Natália Gonçalves dos Santos, no "Grupo Escolar Professora Aureliana Feio", de Ponta de Pedras-PA. Muito curioso em saber quem inventou o mundo". Desta maneira singela gosto de me apresentar aos amigos da blogosfera, mas devia dizer que na verdade minha mãe foi quem me ensinou as primeira letras, como acontece naturalmente a quase todo mundo antes de entrar na escola.

Foi assim que, por defeito de reforma agrária e falta de desenvolvimento rural que preste, embarquei certo dia na canoa furada do êxodo da ilha do Marajó para a cidade grande de Belém do Pará. Era, paresque, velho fado dos nossos antepassados sempre a buscar vida melhor. Liso e leso na capital, pra começar fiz estágio de marreteiro no Ver O Peso e tive inútil experiência de comerciário fumado e mal pago, assim que de office boy em escritório de advogado sem carteira assinada. Com um pouco mais de sorte, acabei por acaso nos idos da década 60, me tornando repórter do novato Jornal do Dia

Diário paraense que não teve vida longa, no qual fiz algumas poucas reportagens que valeram a pena e escrevi uma breve série intitulada A Face Oculta do Ver O Peso, na tímida pretensão de revelar o invisível drama quotidiano da maior feira da América Latina, onde mais de 4000 trabalhadores sobrevivem com suas famílias a morar nas baixadas insalubres de Belém, salvo exceções; e suas desconhecidas conexões com o outro lado do rio e o resto do mundo. Era uma incipiente imitação do famoso folhetim de Nelson Rodrigues "A Vida Como a Vida É", que marcou época na imprensa nacional. 

Nessa temporada fui bisonho auxiliar do jornalista Angelo Giusti, que era responsável pela impopular coluna Inferninho do Contrabando. Digo impopular porque, naquela época, o contrabando reinava absoluto desde a fronteira do Oiapoque até as trinta e tantas baias da região do Salgado, passando pelo Baixo Amazonas e Tocantins, provendo emprego informal e renda mínima a tanta gente no mato sem cachorro que, sem este ilícito, não arranjaria grana nem para o peixe frito e açaí de cada dia. 

A então decadente cidade de Belém do Grão-Pará, tal qual o romance homônimo de Dalcídio Jurandir; não havia recurso para sacudir a poeira da falecida belle époque de Paris n'América. Sua boa gente era mais vítima que transgressora da legislação protecionista da florescente e invejada indústria de São Paulo, a qual chegou ao Norte de caminhão pela rodovia Belém-Brasília e atropelou a claudicante indústria paraense que ainda restava do fracasso da Borracha. 

Como vimos, mais tarde, no Estado do Amazonas a leseira amazônica foi mitigada com a criação da Superintendência da Zona Franca de Manaus (SUFRAMA) e, malmente remediada, na Zona de Processamento para Exportação (ZPE) de Santana e Macapá. No ponto de vista do eixo neocolonial instalado nas regiões Sudeste e Sul, o Pará podia dar-se por satisfeito com as sedes da SUDAM e do BASA, mas nem isso passava de lambança pra inglês ver. O que responde pela estúpida devastação da Floresta Amazônica e a empobrecida superpopulação da área metropolitana de Belém mais que qualquer coisa.

Já sabemos como a história do Pará é deveras complicada. Com o racha do Baratismo, a família Carneiro embarcou com armas e bagagem ao PTB pós-Vargas e fundou o inovador Jornal do Dia destinado a fazer oposição à velha oligarquia do PSD, onde a dita família oriunda de Goiás se arrimou, como tantos outros paraenses por adoção que cercaram o antigo Interventor Magalhães Barata.

Parada indigesta enfrentar aguerridos herdeiros do espólio político da revolução de 1930 no Pará. O antigo O Liberal, velho órgão oficial do baratismo, apesar de não ter poder de fogo diante da ferina Folha do Norte já no ocaso, de vez enquando fazia ferida. Enquanto isto, a provecta A Província do Pará lutava pela sobrevivência desde o fim da época de Antônio Lemos e da Borracha.  Foi assim que o JD, como relâmpago em noite sob batuta de Cláudio de Sá Leal, apesar de breve existência, sacudiu o marasmo da imprensa regional descendente do panfletário O Paraense, de Felipe Patroni. 

Na verdade, o mesmo Leal egresso de A Província e contratado por Pedro e Armando Carneiro, pai e filho; em luta política contra o PSD no poder, para fundar o Jornal do Dia; terminou contratado por Rômulo Maiorana para modernizar e transformar velho O Liberal em verdadeiro jornal. Rômulo foi um "contrabandista" diferente da maioria que apareceu para se dar bem e ficar na sombra. Ele evitou a máscara de político e acabou botando os políticos da terra no chinelo. Como muitos outros se capitalizou no comércio "clandestino" do Pará com as Guianas, porém sem hipocrisia parece-me que compreendeu logo que o contrabando no Norte do Brasil era consequência e não causa do federalismo torto que impera no país. 

Enquanto o PSD foi hegemônico, o "forasteiro" Maiorana era motivo de fofocas requentadas nas rodas elegantes da elite; na desgraça baratista, de repente ele foi tábua de salvação. Porém, longe de tentar a política pisou fundo na lama do atraso econômico e meteu a cara na renovação do comércio lojista onde a mesma elite arruinada se abastecia de produtos da moda. Deu banho de loja ao velho casario do comércio e saiu na chuva dando cara a tapas, conciliando-se discretamente com o poder militar na região emergente do golpe da ditadura contra o PTB de Jango. 

Enfim, um pragmático paraense adotivo sem querer ser santo, moralista ou famoso político; que aguentou o rojão quando o baratismo entrou em parafuso e no comando do jornalismo comercial levou a outrora inimiga "Folha do Norte" a pique, matando-lhe o temido título e arrematando no final o histórico prédio de tantas batalhas: hoje a sede da "Fundação Rômulo Maiorana". Uma notável referência na história política do Pará que ainda não se escreveu com necessária imparcialidade.

Então, como eu estava dizendo, o Inferninho do Contrabando era um agulhão feito sob medida para fustigar o governo de Aurélio do Carmo e desbancar o velho PSD estadual, mais que para moralizar o comércio do Pará com as Guianas. Giusti era um cara sério e tranquilo, observador arguto da cena paraense. Com ele não aprendi muita coisa, mas pelo menos seu jeito civilizado de fazer jornalismo pisando terreno minado no pântano das máfias locais de diferentes calibres: o JD foi para mim um precioso aprendizado, sobretudo, quando vinte anos mais tarde fui a serviço do Itamaraty trabalhar como vice-cônsul do Brasil em Caiena para cuidar da chamada "imigração clandestina". A Guiana Francesa e o Suriname ocupavam a maior parte do noticiário do Inferninho; lá por ironia da história fiz ex-officio, por assim dizer, "PhD" em malandragens e patifarias que até Deus duvida. 

Além disto, como vestibular da carreira, no currículo pregresso eu havia pisado a lama do dilúvio nas paragens do purgatório das Ilhas e Cabo do Norte, lugares marginais onde andar certo é praticamente errado. Onde todo sujeito honesto, visto pela maioria da canalha ululante, não passa de bestalhão...  Tivera eu rica experiência social no Marajó velho de guerra, todavia mais ou menos como cego em meio ao tiroteio... Quando me mudei definitivamente a Belém, fustigado pelo derradeiro surto de malária e crise de desemprego; estava beirando já aos vinte anos de idade. Enfim, contava 23 anos quando fui ser foca de reportagem policial, nesse tempo eu lia tudo que caia ao meu alcance em letra de forma e escrevia, mais ou menos, com os erros de praxe de quem não havia concluído o curso primário. 

Até então eu escrevia versos de pé quebrado para matar o tempo e tinha horrível pretensão de vir a ser romancista. Devorei resmas de papel almaço e gastei milhares de canetas Bic a ponto de me fazer calo nos dedos da mão como se fosse o diploma que não tive. Li Dalcídio aos dezesseis anos de idade: eu era tapado que nem uma pedra, quando virei a última página caíram-me as escamas dos olhos... Danei-me a rabiscar papel. Muito tempo depois, já em Brasília, levei susto tremendo ao entrar em contato com a obra de Guimarães Rosa: pareceu-me familiar ao pessoal do Curral Panema meu vizinho por um par de tempo nos centros do Marajó, povoado provavelmente com alguns casais dos Açores, que ao longo do tempo perderam memória de suas origens, mas não a fala e alguns costumes insulanos.

Em nossa província àquele tempo não havia curso de jornalismo e se houvesse creio que não me interessaria, pois nem eu tinha preparo para ingressar em tal curso. Mas, se a gente tivesse queda pra bancar repórter era o que bastava para entrar no jornal. Se a notícia fosse 'quente', podia-se escrever "caxorro", "autofalante", estar "afim" de ganhar dinheiro no jogo do "bixo" ou assassinar concordância verbal, sem medo do leitor descobrir nossa "crasça" ignorância. Por que toda redação que se prezava havia bons revisores, não raro membro da academia de letras. Então, redação e oficina de jornal além de escola prática acabavam também a ensinar carentes das letras pátrias a se comunicar sem grandes traumas. 

Hoje sou grato à minha mãe e à primeira professora que me ensinaram o bê-á-bá, mas também ao saudoso amigo Claúdio de Sá Leal e ao corpo de redatores do extinto JD que me ensinaram a fazer jornal. Com que hoje me atrevo a embalar meus blogs estúrdios na rede. Aposentado de direito desde 1998 e de fato em 2007, acabei de completar setenta e sete anos de idade e gostaria agora de escrever umas linhas a respeito da primeira noite de natal e da melhor que tive dentre todos natais de minhas recordações. 

Nasci na maternidade da Santa Casa de Misericórdia do Pará, em Belém, mas toda minha infância distante transcorreu na pacata vila de Itaguari (Ponta de Pedras), na beira do rio Marajó-Açu, ilha do Marajó. Papai Noel lá não chegava, talvez por que o saco de presentes se esgotava na cidade grande antes mesmo de atender o subúrbio. Ou por que o trenó do tal velhinho com as renas fatigadas desde o Polo Norte não aguentassem maresia de verão na perigosa travessia da baía sob forte vento geral. O certo é que a gente só tinha natal de presépio na igreja matriz e as pastorinhas do Campinho. Nosso natal, de verdade, era São João no meio do ano.

Foi aí que mamãe resolveu nos engambelar com a velha estória de Papai Noel, a mim e à minha irmã pequena que teria ainda três ou quatro anos de idade. Acho que meu ceticismo sem graça puxou a meu pai. Eu queria pegar o velhinho em flagrante na hora que ele fosse deixar presentes debaixo da rede de dormir... Detalhe importante, pois não se conhecia cama em Itaguari, a não ser alguma rara casa de rico. E olhe lá!... Sapatos também não eram pra todo mundo, de modo que nossos tamanquinhos estavam prontos debaixo da rede a receber presentes naquela noite estranha, enquanto eu fingia dormir desconfiado da demasiada patranha materna.

Não me lembro bem, mas penso que minha mãe estava mais ansiosa que toda população naquela primeira noite de visita de Papai Noel à vila de Itaguari. Minha irmãzinha, cansada da espera e sonhando com as Pastorinhas dormia profundamente enquanto eu 
de sentinela vigiava para desmascarar a farsa natalina em terra de Curupira. Altas horas, percebi certo movimento suspeito... Levantei-me súbito e vi minha mãe correr quase caindo sobre o penico ao sair do quarto. Então, foi que vi sobre meus pobres tamancos o mais formoso guará jamais feito, artesanalmente, em papel crepon pelas amorosas mãos de mamãe. Qual criança da paróquia poderia ganhar presente igual naquela noite misteriosa? Dias mais tarde, deixado ao canto pela bola e a peteca lá se foi meu guará de natal a voar para o vasto mundo da saudade.

Anos depois já não sou mais um pirralho ingênuo metido a esperto. Outro natal, desta vez em Belém do Pará, estou sozinho com minha mãe numa velha casa de madeira alugada numa baixada triste. Era só o que meu magro salário de repórter sem carteira assinada permitia. A ceia desta feita foi uma única laranja repartida em gomos para mãe e filho. Nada mais... Mas, que rica foi aquela abençoada ceia! Eu estava orgulhoso do bendito fruto de meu trabalho e via minha mãe feliz de seu único filho. Pois ela saberia dali em diante que seu rebento não se corromperia por ouro ou prata... 

Aquela pobre barraca suburbana parecia-me naquela noite mais confortável que a manjedoura de Belém, onde santa Maria pariu o Menino Deus. E o motivo de alegria fora a reportagem que eu fizera, publicada na íntegra pelo amigo Leal; denunciando um mirabolante plano de empresários de torrefação de café para supostamente acabar o contrabando... Se a matéria saísse conforme o ditado eu receberia gorda propina de presente de natal, dissera o contato dos contrabandistas que me procurou a fim de plantar a notícia. 

Contei ao Leal, secretário do jornal, a malandragem e lhe disse que ao contrário do esperado iria denunciar na reportagem a tentativa do cartel do café em barrar a arraia miúda dos barquinhos de contrabando para concentrar a muamba em mãos de poucos. Leal limitou-se a rir da minha cara, dizendo ele do alto de sua experiência que eu ainda era "puto novo"... Ou seja, que na profissão o jogo de verdade era muito mais bruto do que eu imaginava.

De fato, aquela manobra seria apenas simples balão de ensaio. Uma isca para botar repórter noviço no bolso... Por acaso, o golpe militar de 1964 veio surpreender e abortar algo bem mais sofisticado que seria, com auxílio da própria Receita Federal, fechar as portas de entrada do Amazonas ao tráfico de barcos de contrabando. A máfia, todavia, com a barra cerrada passaria a "comer a paca" sozinha passando a operar hidroavião com deposito de muamba em alguma fazenda com pista aérea no centro da ilha do Marajó. Dali, em horas mortas, sairia a muamba a diversos pontos próximos à costa da ilha com barracão cheio de caixas de uísque, sandálias japonesas, peças de carro para montadora de automóvel "cotia" dentro do mato do 40 Horas, armas e munição, etc. através de canoas de pesca que, "sem dar na vista", fariam remessas para cercanias de Belém. 

O grande plano do cartel falhou. Mesmo assim, a Alfândega com ajuda da "Burra Preta" (lancha patrulha de velocidade, emprestada pela Petrobras) passou a dar combate ferrenho a pequenas embarcações suspeitas de praticar contrabando miúdo. Queixas de violência e corrupção de policiais não faltaram, casas ribeirinhas invadidas e revistadas sem mandato, casos de espancamento para forçar caboco a abrir o bico e vomitar tudo que sabia sobre movimentação de contrabandistas na área. 

Um tal teatro dos horrores ribeirinhos servia de cortina ao tráfico ilegal onde pontificava a imigração clandestina de "refugiados econômicos" para as Guianas -- donde o capitão Palheta furtou o café que foi prosperar em São Paulo --, e que só fazia aumentar dia após dia. Em compensação, pelo mesmo caminho vieram dentre costumeiros contrabandos ritmos e músicas do Caribe para se aculturar no Pará. Prova de que é bandalheira todo bloqueio econômico e fiscal para beneficiar apenas a poucos espertalhões. E outras histórias e outras maldades com ou sem consentimento oficial... Agora toda noite de natal em minha casa quanto vejo a mesa arrumada para ceia, a grande família reunida, eu me lembro daquela curiosa história duma laranja só para mãe e filho comemorem a Natividade da cristandade. 
 

 Othilia Varella Pereira, minha mãe, cerca de 1967 em Brasília-DF.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

GDM: 20 ANOS A PREGAR AOS PEIXES E REMAR CONTRA MARÉ


Doutor Camilo Martins Viana, veterano médico militante dos heroicos "porões" da Santa Casa do Pará, antigo Pro-Reitor de Extensão da Universidade Federal do Pará (UFPA) e decano dos ambientalistas da Amazônia, fundador da Sociedade de Preservação aos Recursos Naturais e Culturais da Amazônia (SOPREN) e padrinho do Grupo em Defesa do Marajó (GDM).




No dia 20 de dezembro de 1994, tendo por bagagem cerca de dez anos de atividades em educação ambiental nos campi de Breves e Soure da UFPA concluídas, ano a ano, no total de dez encontros municipais em Defesa do Marajó entre 1985 e 1995, a série de encontros anuais de defesa deu lugar ao denominado GRUPO EM DEFESA DO MARAJÓ (GDM), em reunião no campus central do Guamá em parceria com a SOPREN e Pro-Reitoria de Extensão da UFPA (PROEX), sob exercício do Doutor Camilo Viana, a fim de continuar em caráter permanente o processo até então alcançado.

Além de Camilo Viana, participaram da criação do GDM Téo Azevedo, que ficou encarregado de coordenar o grupo, Franklin Rabelo, Eloy Lins, Rui Maroja; este caboco que vos fala, hoje responsável pelas novidades do grupo com mais de 3000 membros no Facebook e pelo blogue aqui presente; e mais companheiros que a memória já me falha aos quais peço desculpa por não lembrar o nome agora. No decorrer da jornada, muitos vieram se somar aos primeiros tais como Alonso Lins, Abel Lins, Antonio José Soares, Waldemar Vergara Filho, Agostinho Batista e tantos outros mais.

A primeira tarefa do então novato GDM, como quaisquer pesquisadores interessados no assunto poderão constatar ao consultar arquivo da imprensa do Pará, foi organizar o derradeiro "Encontro em Defesa do Marajó" iniciado no CENTUR em Belém, no dia 28 de abril de 1995, prosseguido e concluído na cidade de Ponta de Pedras nos dias 29 e 30, no quadro dos 117 anos de autonomia municipal do mesmo.

O encerramento do citado encontro ocorreu na sede do Círculo Operário Pontapedrense (COP) -- patrimônio histórico municipal e lugar de memória da cidade natal do único romancista da Amazônia recebedor do Prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras; que bem merece um colóquio de recolha de depoimentos para história do dito lugar --, com honrosa presença do doutor Camilo Viana, então pro-reitor da PROEX/UFPA e presidente da SOPREN; do senhor Pedro Lucena, prefeito municipal de Cachoeira do Arari, município formador histórico do município anfitrião; do senhor Bernardino Ribeiro, prefeito municipal de Ponta de Pedras na ocasião; do senhor Theodomiro Calandrini de Azevedo (Téo Azevedo), coordenador do GDM; vereadores, secretários municipais, estudantes e diversas pessoas da comunidade. 

Para registro, foi assinada a Carta do Marajó-Açu datada em Ponta de Pedras, a 30 de abril de 1995, com referência ao rio que banha o município e que, segundo fontes históricas do século XVII (cf. Serafim Leite, "História da Companhia de Jesus no Brasil"), dá nome ao arquipélago e à famosa baía do Rio Pará separando as ilhas de Belém pela margem direita e das ilhas marajoaras pela margem esquerda; destinando-se aquele documento em nome do povo marajoara às autoridades municipais, ao governo do Estado do Pará e da União federal. Seu valor simbólico evoca a história da Extensão Universitária na região marajoara, onde a memória da SOPREN e imagem do Doutor Camilo se confundem desde os idos do CRUTAC conforme falarei mais adiante.

Em resumo, a Carta do Marajó-Açu reivindica uma pauta socioambiental focada numa saúde pública respeitosa dos conhecimentos tradicionais dos pajés, parteiras e outros curadores. Educação ribeirinha em sintonia com o trabalho familiar em função dos ciclos da natureza. Proteção aos sítios arqueológicos da ilha do Marajó, estudo e difusão da milenar Cultura Marajoara acompanhada de reconhecimento e assistência oficial ao Museu do Marajó, entre outras políticas públicas a fim de dar efetividade ao Parágrafo 2º, alínea VI, Artigo 13, da Constituição do Estado do Pará (implantação da Área de Proteção Ambiental do Arquipélago do Marajó (APA-Marajó) e planejamento socioeconômico levando em conta a melhoria das condições de vida da gente marajoara).

Sobre o roubo costumeiro de gado (abigeato) e o crime organizado envolvendo quadrilhas em municípios do Marajó, o GDM se posicionou claramente propondo bases para política social diferenciadora da repressão policial necessária, mas não suficiente para coibir e prevenir o crime. Para tal, fazendo distinção entre fazendeiros (grandes proprietários de terra) e criadores (pequena e média pecuária), nós defendemos organização de crédito subsidiado e assistência técnica na criação de búfalos em Agropecuária familiar. Mais que, isto um trabalho de apoio institucional de reconhecimento e registro oficial do 'Queijo Marajó' e promoção da carne de búfalo como produto 100% orgânico certificado dentro do programa geral de desenvolvimento socioambiental territorial sustentável.

Neste espírito, fomos convidados e tivemos a honra da introdução e apresentação ao documento da Igreja Católica, em 1999, assinado pelos bispos Angelo Rivatto, da Diocese de Ponta de Pedras, e José Luís Azcona, da Prelazia do Marajó; em advertência ao extremado nível de pobreza do povo marajoara. Este mesmo documento eclesial foi a base para demanda, pelos bispos Alessio Saccardo, da Diocese de Ponta de Pedras; e José Luis Azcona, da Prelazia do Marajo, em 2006, à Presidência a República que despachou para a Casa Civil a formação do Grupo Executivo Interministerial de Acompanhamento de Ações públicas no Arquipélago do Marajó (GEI-Marajó), que providenciou medidas de emergência contra malária, regularização fundiária pela SPU no Projeto Nossa Várzea; elaboração do "Plano de Desenvolvimento Territorial Sustentável do Arquipélago do Marajó (PLANO MARAJÓ)" e programa federativo Território da Cidadania - Marajó.

A participação evolutiva do GDM neste largo processo, que chega agora a vinte anos, se deve à Carta do Marajó-Açu que se tornou, invariavelmente, a diretriz de nossa militância continuamente atualizada no espírito dos 10 Encontros em Defesa do Marajó, de 1985 até 1995. 

Já no mesmo ano de 1995 e tendo recebido denúncia no decorrer do encontro de Ponta de Pedras sobre os costumeiros saques e contrabandos de cerâmica marajoara extraída de sítios arqueológicos, o grupo tomou iniciativa de levar as denúncias para providência da Secretaria de Estado de Cultura (SECULT). Com que, pela primeira vez, viu-se uma ação de estado com identificação de pessoas apontadas com responsáveis, advertência pública pelos meios de comunicação sobre o pertencimento de sítios arqueológicos à União (ver diversas matérias sobre o assunto na imprensa).

reserva da biosfera Marajó-Amazônia e criação da Universidade Federal do Marajó: joia dos 20 anos GDM

O GDM vai completar vinte anos de existência no próximo dia 20 do corrente. Com razoável portfólio deve-se ainda acrescentar destacada participação em conjunto com a Associação dos Municípios do Arquipélago do Marajó (AMAM), Diocese de Ponta de Pedras, Cooperativa Ecológica de Mulheres Extrativistas do Marajó (CEMEM), Grupo de Estudos de Desenvolvimento do Baixo Amazonas (GEDEBAM), ong CAMPA e outras entidades da sociedade civil na elaboração da moção de Muaná, de 08 de outubro de 2003, dirigida à I Conferência Nacional de Meio Ambiente demandando criação da Reserva da Biosfera do Marajó, em vista da oportunidade de obter reconhecimento internacional sobre o bioma correspondente à APA-Marajó supracitada.  

Desde o plebiscito sobre da divisão do Pará para criação dos Estados de Carajás e Tapajós, o GDM se engajou ao lado do parceiro Movimento Marajó Forte (MMF) em campanha pelo NÃO e terminou por convergir com o mesmo para criação da Universidade Federal do Marajó. 

Estas últimas demandas são como coroamento histórico de duas décadas de existência do GDM, então, se poderia mesmo assim perguntar o que foi que es te Grupo fez. E a resposta seria esta: não fizemos nada nem iremos fazer... O GDM, pela vontade de seus membros, não fez nada nem fará nada no sentido material das coisas feitas ou por fazer. Para começo de conversa, nosso grupo não tem sede, estatutos e não recebe nem aceita coisa nenhuma de terceiros... Nós fazemos nossa obrigação de brasileiros e cidadãos do mundo.

O papel do GDM é contribuir de maneira informal à erradicação do analfabetismo socioambiental incentivando a Criaturada grande de Dalcídio a defender os seus direitos. Antes de explicar como um grupo de cidadãos voluntários se reúne para nada fazer, cumpre relembrar que a "culpa" é do Doutor Camilo e os antecedentes do GDM vem dos tempos do CRUTAC em Ponta de Pedras, que o médico militante levou de Belém para ilha do Marajó. CRUTAC quer dizer, simplesmente, "Centro Rural Universitário de Treinamento e Ação Comunitária", atividade de extensão universitária em municípios do interior do Nordeste surgida, em 02 de agosto de 1966, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e que chegou à Universidade Federal do Pará (UFPA) encontrando na pessoa do Doutor Camilo Viana um grande entusiasta.

Junto com Camillo, a educadora Ana Rosa Bittencourt na equipe do CRUTAC/UFPA deixou seu nome ligado à educação na terra natal de Dalcídio Jurandir. Os conheci na década de 70 e me tornei amigo e discípulo de mestre Camilo no ano do "Centenário" de emancipação municipal de Ponta de Pedras, 1980, quando na verdade a data havia transcorrido em 1978, mas não se sabia, por falta de documentação oficial. Foi em 1980 que o pesquisador Jessé Dantas de Feitosa ofereceu ao então prefeito Mario André Coelho Noronha cópia autenticada da ata de instalação da Câmara Municipal da "nova villa" de Ponta de Pedras, em 30 de abril de 1878, desmembrada da Vila de Cachoeira por ato governamental de 1877, e que teve como primeiro presidente o cidadão Antonio Pereira de Moraes, suposto descendente do Sargento-Mor Domingos Pereira de Moraes, contemplado da fazenda São Francisco (atual Malato) na primeira sesmaria da Companhia de Jesus na ilha do Marajó e em cujas terras formou-se o município em apreço a partir da aldeia das Mangabeiras (1686), freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Ponta de Pedras (1737) e depois Lugar de Ponta de Pedras (1758), situado à margem da baía do Marajó donde foi transferida para a margem esquerda do rio Marajó-Açu, onde se instalou a dita Câmara de Vereadores e hoje está a sede municipal.

Em nome do GDM e da Criaturada grande:
muito obrigado Mestre Camilo. 
JMVP

terminando por render homenagem à prosa caboca prenhe de realismo mágico de um genuíno marajoara chamado Agostinho Batista, militante do GDM e digno representante da Criaturada grande de Dalcídio Jurandir.

 
Agostinho Quirino Batista, autor marajoara da autobiográfica "História de um Juricaba" onde acrescenta causos e histórias de outros cabocos, compartilhando inclusive texto de José Varella.


sexta-feira, 22 de agosto de 2014

UZINA DE LUZ



o chalé da família João Ramos da Silva


"UZINA DE LUZ" DE PONTA DE PEDRAS DA SAUDADE


Hoje meu pai completaria 110 anos de nascimento se ele ainda estivesse conosco. Todavia, como ele já se foi eu quero recordá-lo falando do progresso de outrora em nossa amada terra marajoara de Ponta de Pedras ao tempo do prefeito lavrador da Mangabeira, o gestor progressista Wolfango Fontes da Silva, mais conhecido como Fango.

'Seu' Rodolfo [Rodolpho Antonio Pereira, meu pai] era um naturalista nato e conservava de memória muita história do lugar que ele me contava repetidas vezes, entre as quais a história da colônia da Mangabeira e transformação da "Uzina de Luz" em fábrica de beneficiamento de produtos agrícolas pelo Fango, caso que vou recordar mais adiante. 

Me lembrei dessa história, por motivo da privatização da antiga "Força e Luz do Pará" (transformada em "Centrais Elétricas do Pará - CELPA"), antes avacalhada "Foi-se a Luz", de modernização em modernização, escorregou à boca do dragão da privatização. Agora, o monopólio que era da iniciativa pública ficou na privada, e olha nós aqui a ter que escolher entre o assalto via tarifaço ou o apagão.

Meu pai era caçula de uma família de sete filhos (Sophia Tautonila, Raymundo, Laudelina Diva, Ambrosina, Otaviano Celso, o natimorto Manuel e Rodolpho Antonio) formada pelo rábula da cidade, Alfredo Nascimento Pereira; e pela índia Antônia Silva, que foi aluna e depois mulher do professor meu avô, nomeado inicialmente para lecionar na vila de Muaná e transferido posteriormente para a vila de Ponta de Pedras, onde veio a conhecer a minha avó indígena e suas duas irmãs, Joana e Serafina, todas elas vindas da antiga aldeia da Mangabeira para aprender as primeiras letras e tabuada. Portanto, o ensino foi a liga que juntou a grande família do capitão Alfredo e suas três mulheres e virou tradição.

Rodolfo era gêmeo do natimorto Manuel e ficou ele órfão de mãe durante o parto difícil. Com a viuvez, o capitão meu avô formou sua segunda família, desta vez com dona Margarida Ramos, uma admirável mulher negra descendente de escravos em Ponta de Pedras; com esta meu avô teve mais seis filhos (Flaviano, Dalcídio José, Ritacínio, Lindinha, Mariinha que faleceu em tenra idade por afogamento acidental no quintal inundado da casa em Cachoeira, e Alfredina). 

O segundo filho deste segundo casamento veio a ser o romancista Dalcídio Jurandir e em sua obra premiada pela Academia Brasileira de Letras se acham vestígios da grande família marajoara, confundida com a criaturada grande do autor. A começar do alter-ego Alfredo, nome próprio do patriarca nascido na vila de Benfica, Benevides; filho do voluntário da pátria, na guerra do Paraguai, meu bisavô Raymundo Pereira. Alfredo pai de Dalcidio, por horas no romance anda como se o personagem Major Alberto fosse, em realidade, fosse a sombra do capitão Alfredo N. Pereira, redator da folha miúda "O Arary", e secretário da Intendência da vila de Cachoeira. 

Ficção e realidade se misturam no quebra-cabeças da crítica literária. Dalcídio é difícil, não todavia para boa parte da gente que lê romances nas três vilas Cachoeira, Muaná e Ponta de Pedras: por ali os personagens estão à flor da pele de determinados viventes, às vezes com desconforto. Dona Amélia é como retrato fosse de dona Margarida Ramos na vida real. E o capitão ficou viúvo pela segunda vez e se casou, pela derradeira; com dona Isabel Trindade, também negra como a segunda esposa e que acrescentou a esta família marajoara mais cinco filhos (pelos apelidos, que minha memória já claudica: Chuchuta, Anaspiano, Mimi, Vivi e Adeflorindo). Meu avô paterno somou 18 filhos, todos reconhecidos em cartório de registro civil com nome de família Pereira. Curiosamente, sou mais velho que meu último tio.

Rodolfo Pereira foi criado por sua irmã mais velha, Sophia Pereira; a qual ele chamava de mãe. Por isto eu e minhas duas irmãs nos acostumamos a chamar de avó à nossa tia. Vó Sophia e tia Lodica ficaram solteironas e muitas coisas que hoje sei aprendi com as duas e com o filho de criação das ditas duas. Tão unidas que às vezes pareciam ter até os pensamentos de uma só pessoa. De minha mãe (Othilia) vem a Espanha, aliás a Galiza; agrária, conservadora, católica apostólica romana até os miolos. Mas, também, na contraparte por necessidade incontornável tivemos aí a África marajoara enrustida na herdade deixada por um bisavô escravista contemplado nos sequestros do Marquês de Portugal. Onde tenho lá minhas raízes no purgatório sebastianista ou no inferno verde da utopia selvagem da Terra sem males: ninguém escapa de um labirinto assim sem feridas na alma e sequelas no corpo. Cada carência ou cicatriz uma história que leva a outra história e a outra e outra até o fim. Vale o dito: libertas e serás também. 

A VOZ DA GUERRA NO CHALÉ DO JOÃO RAMOS

Acho que foi isto -- libertar a si mesmo e os outros pela usina de luz do saber e da arte --, que meu avô Alfredo, descendente de cristão-novo português e suas três mulheres de "cor" tentaram, sem barulho, por toda vida com a criativa prole mestiça de dezoito Pereiras a se dispersar pelos caminhos mundo. 

Tal qual na profecia do preto velho Bibiano a seu neto Alfredo, na beira da mata de Areinha, em Muaná entre pés de miriti, "Passagem dos Inocentes" (se por acaso, a paisagem imaginária não tiver nascido no Campinho, em Ponta de Pedras; terra natal do autor do romance). Só os ossos dos avós restam naquela cidade... Dos dezoito filhos do capitão só a mais "nova" ainda está viva, bastante idosa, morando no Rio de Janeiro. Netos e bisnetos andam longe do Marajó a cuidar da vida.

Quando eu me entendi por gente era prefeito de Ponta de Pedras o senhor Fango e ele havia dois legítimos orgulhos de sua governança: a "Uzina de Luz", que trabalhava dia e noite -- respectivamente, no beneficiamento da produção agrícola e na iluminação pública e residencial; e a invejável colônia agrícola da Mangabeira, contando com valorosos colonos refugiados das grandes secas do Nordeste. "Seu" Fango, apesar de tudo, não era uma unanimidade entre os conterrâneos pois ele recebia críticas constantes da pequena burguesia da vila, que o chamava de "prefeito de tamancos" e fria indiferença dos grandes fazendeiros, que não careciam da prefeitura, absolutamente, para nada.

Meu pai era homem cordial e discreto, criava a familia e cuidava de sua mãe adotiva e da irmã Lodica com o empreguinho público de administrador do Mercado e do Curro Municipal. Mas, ele na intimidade da casa se vangloriava do sangue cabano que lhe corria às veias por parte daquela mãe índia que morreu no parto e se mordia por causa do Fango, adivinhando neste um parentesco tapuia talvez; toda vez que ouvia aquelas descabidas críticas contra o progresso da lavoura... Ouvi meu pai contar a história da eletricidade na vila, dizia que fora obra do coronel Manuel Lobato na intendência, logo após a gestão do major Djalma Machado, na interventoria do coronel Magalhães Barata no bojo de revolução de 1930 no Pará. Mas, quem de fato inaugurou a eletricidade na vila e deu melhor utilidade à "Uzina de Luz" fora o Fango e que este não visava luxo, mas trabalho honrado para todos.

A um pirralho pequeno, uma pequena vila é o mundo e o vasto mundo estava em guerra quando eu me dei conta de mim. Eu não vi a guerra de perto mas ela veio até Ponta de Pedras, por diversos modos. Se eu tivesse engenho e arte poderia dizer melhor como foi que a gente da vila e dos sítios conseguiu vencer aquela guerra. Me lembro, principalmente, de A Voz da América a trazer notícias da guerra pelo rádio fanho e periclitante do sr. João Ramos da Silva, dono da Casa da Beira, metido em pijamas no alto de seu chalé com ouvido colado ao "alto-falante" tarde da noite. De dia não se conta história por que cria rabo e não se ouvia rádio por que a onda não alcançava. Em volta, a vizinhança podia escutar os altos e baixos daquela voz do outro mundo, raios e trovões na estática, que estilhaçava as novidades. E eu na janela da modesta casa de minha avó acompanhava a guerra distante entre Aliados e o Eixo medonho como se fosse, mal comparado, uma partida de futebol. 

Não sei por que sempre chovia e relampejava quando a guerra ia mais animada no rádio do sr. João Ramos... A Voz da América sumia na noite chuvosa e na ventania. Tossia com os pigarros do sr. João Ramos. Pronto! Acabou a guerra, eu pensava cá comigo. E o silêncio reinava no campo do Marajoense futebol club... E, quando acaba, lá vinha ela de volta, a guerra... Isto é, A Voz da América no rádio altissonante que se podia ouvir até no canto na rua, em casa de dona Domingas Malato.

A coisa ia por ai quando, certa vez; correu boato à boca da noite que o Japão iria invadir Ponta de Pedras com paraquedistas ao escurecer. Então, aquele sisudo conselho da praça matriz deliberou ir ao prefeito Fango pedir para se fazer ensaio de defesa civil: a começar por um absoluto apagão da "Uzina de Luz". Quando cresci comecei a desconfiar que aquilo foi estratégia de um certo parente nosso, muito namorador, que ocupava posto de delegado de polícia. Dizque carecia preparar a população a colaborar com a defesa civil. No caso, naquela noite, decretou-se o apagão defensivo.

Jantarzinho rápido antes do sol sentar. E a escuridão chegou que nem a primeira noite do mundo. A pirralhada chorava com medo dos bichos que habitam a noite. Havia patrulhas pelas ruas a vigiar que ninguém acendesse uma lamparina, cachimbo, um cigarro que fosse... Se a aviação nipônica chegasse para despejar paraquedistas não iria achar nadinha embaixo... Acho que deu certo. Quando o dia raiou nem rastros de japonês. Já pelo mercado só risada e boatos sobre patrulheiros pulando cerca no escuro.





ECONOMIA MUNICIPAL DE 'SEU' FANGO

Meu primeiro desfile de 7 de setembro aconteceu enquanto Fango era prefeito. Me lembro bem: foi o mais belo espetáculo cívico que um aluno da primeira série do grupo escolar de Ponta de Pedras já viu. Então cresci e fiz o caminho pra fora da ilha como a maioria. Um dos esportes que a gente tem lá na terrinha é falar mal dos governantes e escolher, de tempo em tempo, mal e porcamente os governantes do lugar. Quando calha de estar longe a gente continua a conjecturar as melhores soluções e os projetos mais risonhos...

Em Belém, lá pelos anos de 1960, havia uns dois ou três lugares onde o pessoal de Ponta de Pedras como que marcava o "ponto" a fim de saber das "últimas"... Um desses pontos era o Café Albano em face ao Palácio Antonio Lemos, onde funcionou a Assembleia Legislativa. Numa manhã conheci aquele senhor já de seus setenta e tantos anos, voz rouca; média estatura. Senhor Fango? Sim... Sou filho do Rodolfo, de Ponta de Pedras... Meses depois, o ex-prefeito visionário e o jovem quixote estavam metidos numa aventura eleitoral. Um bom tempo de aprendizado para toda vida. Muito teria eu a falar sobre este inesquecível encontro.

Mas já falei demais agora e só quero contar sobre o que Fango achava a respeito da geração de energia elétrica em pequenos municípios de vocação agroextrativista e agricultura familiar rica em biomassa, como se diz agora; no popular, lenha... Mostrava-me a bico de lápis quando era "despesa" para a prefeitura comprar ou pedir ajuda ao estado a comprar gerador diesel para dar luz no município. E como, à moda antiga, era mais interessante investir na aquisição de caldeira à lenha para uso múltiplo na produção de eletricidade e beneficiamento de produtos agrícolas.

Segundo Fango, sem mais nada produzir que eletricidade de iluminação a petróleo, o sistema diesel favorecia indústria estrangeira e recolhia dinheiro dos consumidores locais para queimar petróleo importado. Quando, com caldeira a vapor seria a indústria brasileira a ser mais incentivada em milhares de pequenas cidades, vilas e colônias agrícolas a queimar restos de lavoura e extração de madeira ou restos de serraria. Ah, e ainda tinha o biogás e o gasogênio, dito gás pobre. Mestre Fango ficava empolgado, seus olhos brilhavam e eu me contagiava.


caldeira à lenha para geração de eletricidade

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

MUNICÍPIO MARAJÓ




O HOMEM MARAJOARA, SUA MILENAR HERANÇA DESDE ALDEIAS SOBRE TESOS EM CAMPOS ALAGADOS E SUA INCRÍVEL RESISTÊNCIA CULTURAL ATÉ SURGIMENTO DO MUNICÍPIO NO ARQUIPÉLAGO.

Marajó é um nome forte carregado de luta entre a vida e a morte num rico bioma de biodiversidade e diversidade cultural em milhares de sítios cheio de mistério desde os começos ainda pouco conhecidos da amazonidade. A geografia complexa do delta-estuário da maior bacia fluvial da Terra guarda o segredo profundo do maior arquipélago fluviomarinho do mundo: onde nasceu e se desenvolveu a Cultura Marajoara, a primeira sociedade indígena complexa (tipo cacicado) da Amazônia.

Em contraste a tanta riqueza prodigalizada pela mãe natureza, o povo marajoara foi historicamente despossuído pelos conquistadores e colonizadores da Amazônia, enquanto em nossos dias as promessas cívicas da República Federativa de 1988, para a "Criaturada grande de Dalcídio", ainda é esperança que não venceu o medo. E se, por acaso, o leitor é nativo do Marajó e não sabe exatamente quem de fato é a tal "criaturada", isto prova a tese do que estamos tentando dizer pela enésima vez.

A pergunta que não quer calar: será preciso proclamar a república marajoara? Criar o Estado do Marajó ou Território Federal? Para libertar a gente marajoara de suas antigas amarras... Acho que, antes de tudo, é preciso realizar o mais óbvio: a autonomia municipal de fato... Comemorada todos os anos em dezesseis municipalidades de direito, entre fogos de artifício, discursos, festas e bebedeiras; quando não acontece coisa pior.

Somos, em grande parte, cabocos que tem vergonha de ser chamados descendentes de índios e cafuzos que nem imaginam o que foi um mocambo em priscas eras. Falamos "quilombo" por que é moda, mas sem saber o quanto houve destes por estas bandas... Somos doidos para ser "branco" e repetir a velha história da abolição da escravatura; quando um preto velho tendo guardado um dinheirinho para comprar sua alforria e começar vida nova foi ao juiz pedir alvará com autorização para comprar três escravos... 

Quando o juiz lhe disse não já não se podia mais vender ou comprar escravos, ele se espantou e perguntou: 'pra que serve então a abolição?'. É uma antiga anedota dos Estados Unidos. Mas, na realidade, muitas vezes se vê que a chamada "melhoria de vida" não chega ser o desenvolvimento humano cantado em prosa e verso. No Marajó dezesseis vilas foram formalmente emancipadas como cidades como sedes do respectivo território municipal, porém na realidade a autonomia deixa a desejar... O "Município Marajó" deveria ser um conjunto de atividades integradas para o desenvolvimento territorial de cada um e de todos municípios juntos. Uma perspectiva nova, admitida a revisão territorial com permuta de distritos, fusão, desmembramento e criação de novos municípios. Falta autonomia aos nossos municípios entregues aos feudos do passado: não existe planejamento participativo e, portanto, muito menos controle social de orçamentos...

Posto que a Democracia Representativa se tornou domínio do mercado no Congresso Nacional, pesa uma interdição não declarada à Democracia participativa em suas bases, tanto mais quando o poder público se afasta do centro para as periferias. E Marajó é periferia da periferia... Mas, também por contradição a possibilidade de mudança da globalização está nas periferias do mundo, onde a dialética entre local e global se torna mais efetiva.

Por falta duma universidade marajoara autônoma, capaz de inventar centro de excelência do futuro do trópico úmido pelo resgate do passado milenar da brava gente, a juventude estudantil ribeirinha desconhece as raízes indígenas e a negritude original do povo destas ilhas deixadas à margem da História, entre chuvas e esquecimento. Não raro, jovens nascidos no "maior arquipélago fluviomarinho do mundo", berço da arte primeva do Brasil; formam-se mestres e doutores em grandes universidades do país e do exterior, continuando todavia perfeitamente ignorantes daquilo que a gente mais carece saber sobre o grande estuário da Amazônia oriental. Um fato mais grave do que o analfabetismo congênito, pois deste se espera um dia dar à luz seus conhecimentos tradicionais. Já a colonialidade adquirida do iluminismo imperial é pior que mata-pasto, em cuja sombra fenece toda resiliência da biodiversidade local. 

O Golfão marajoara com mais de duas mil ilhas dá espaço à mesorregião de 104 mil km² com mais de 400 mil habitantes, donde a microrregião de Portel é uma "ilha" na porção continental isolada pela floresta amazônica, notadamente a Floresta Nacional de Caxiuanã (Flona Caxiuanã), na qual a Estação Científica Ferreira Penna (ECFP), do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) realiza pesquisas importantes, sem dúvida, mas que a maioria do povo em sua ostensiva pobreza e crônico analfabetismo pouco entende dos motivos de existência apartada da vida local e não vê resultados significativos para a comunidade.

A se concluir da vasta e esquecida lista bibliográfica organizada por Eidorfe Moreira sobre variada gama de estudos sobre Marajó o conhecimento acadêmico não é menor que o saber tradicional das populações locais. Contudo, entre um saber e outro demora um largo fosso...

A mesorregião Marajó é constituída pelas microrregiões Arari (Cachoeira do Arari, Chaves, Muaná, Ponta de Pedras, Salvaterra, Santa Cruz do Arari e Soure); Breves (Afuá, Anajás, Breves, Curralinho e São Sebastião da Boa Vista) e Portel (Bagre, Gurupá, Melgaço e Portel), no total de 16 municípios.

Neste vasto território federativo controlado pela União, Estado do Pará e os supracitados municípios reunidos por uma entidade representativa de prefeituras denominada "Associação dos Municípios do Arquipélago do Marajó (AMAM)" e uma "Associação de Vereadores da Ilha do Marajó (AVIM)"; atuam diversas repartições federais: o Ministério do Meio Ambiente, através do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), instituição federal que gerencia a Flona Caxiuanã (Melgaço e Portel), Reserva Extrativista Gurupá-Melgaço (Resex Gurupá-Melgaço); Reserva de Desenvolvimento Sustentável Itatupã-Baquiá (RDS Itatupã-Baquiá, em Gurupá); Reserva Extrativista Mapuá (Resex Mapuá, em Breves); Reserva Extrativista Terra Grande - Pracuuba (Resex Terra Grande-Pracuuba, em Curralinho e São Sebastião da Boa Vista) e a Reserva Extrativista Marinha de Soure (Resex Extrativista Marinha de Soure).  Na prática, são "ilhas" dentro de ilhas... Se uns poucos analistas e agentes ambientais dedicados a orientar tecnicamente as comunidades de usuários podem nos fazer lembrar, no passado, aldeias de missões e freguesias ou vilas com seus diretores dos índios; donde provém nosso municipalismo capenga em fins do séculos XIX; por outra parte podemos conjecturar que tal "arquipélago" de áreas protegidas num bioma e território como este poderia ser, no mundo, um laboratório socioambiental extraordinário despertando inclusive a rede mundial de reservas da biosfera do dolce far niente em que, praticamente, se encontra.

Cada uma destas resex e outras unidades de conservação no Marajó tem uma história de luta da comunidade. Com o próprio exemplo de vida do seringueiro Chico Mendes, em Xapuri, no Acre; que se fez ambientalista por necessidade e acaso, o que motivou e mobilizou a comunidade a demandar estas e outras áreas protegidas foi, invariavelmente, a busca do uso da terra e dos recursos naturais que ela contém em oposição ao apartheid social da região historicamente formada por antigas invasões e expropriações do território ancestral pelo latifúndio colonial. 

A segurança jurídica oferecida pelo poder público -- no exemplo histórico da tentativa da missão pacificadora dos Nheengaídas pelos padres da Companhia de Jesus, no século XVII, a partir da lei de abolição do cativeiro indígena de 1655, obtida pelo padre Antônio Vieira junto ao rei de Portugal Dom João IV; e perdida pela doação da capitania hereditária da Ilha Grande de Joanes (Marajó) -- , encontra no século XX dois casos onde a falta dessa segurança jurídica jogou por terra os esforços empreendidos.

Antes cumpre advertir que a lei no papel sem correspondente vontade política e efetiva participação popular gera descrédito. Por outra parte, a boa vontade sem amparo legal e empoderamento real não basta. Os casos em tela se referem as cooperativas que a Prelazia e hoje Diocese de Ponta de Pedras realizou, sua fragilidade legal abriu porta à ruína da obra, embora algumas famílias possam ter sido recompensadas particularmente; como cooperativa e experiência kibutziana nem história se encontra. Também na história da prelazia se acha em meio a conflito irremediável a criação do Museu do Marajó pelo padre Giovanni Gallo em desacordo com o bispo Dom Angelo Rivatto. 

Tanto as cooperativas da então prelazia de Ponta de Pedras quando o Museu do Marajó são dois marcos históricos de grande importância para o desenvolvimento humano da gente marajoara, que todavia a leniência do poder público deixou perder. Só para arrematar o argumento: se o poder público acompanhasse corretamente a situação, poderia intervir a tempo de diferentes modos inclusive comodato para a própria igreja ou associação comunitária levar a cabo seu intento sob condições semelhantes do que ocorre com as chamadas "reservas extrativistas" a partir da experiência de Chico Mendes, onde a União é parte indispensável da segurança jurídica em apreço.

Mas, o Marajó é mundo a parte e a história demonstra como o estado privatiza o público sem maiores considerações de interesse da comunidade local. Haja vista o que reza a Constituição do Estado do Pará em seu Artigo 13, alínea VI, Parágrafo segundo; a respeito da área de proteção ambiental acompanhada de determinação condicionante do desenvolvimento econômico do arquipélago em face da especificidade da gente marajoara. Pois esta base constitucional, a meu ver, constitui o maior argumento para reconhecimento da APA-Marajó pela UNESCO como reserva da biosfera.


VERDE QUE TE QUERO VER ENCARNADO

O movimento ecológico sem história encarnada pelo ser humano do próprio meio a quem serve? O espaço vazio não se preenche de gado e peão sem rumo. Se Brasília, de repente, quisesse apostar na Amazônia Marajoara como efetiva demonstração de que o desenvolvimento sustentável é algo mais que retórica destinada a empurrar com a barriga problemas planetários que ora se apresentam em nosso território. Sem mais discursos, a União poderia colocar em prática tudo que já se acha disposto neste sentido, chamando o Estado do Pará e seus dezesseis municípios da mesorregião Marajó a realizar sem mais demora o PLANO MARAJÓ sob nova abordagem enfocando, principalmente, o combinado na Conferência Rio+20. 

Ora, os princípios e diretrizes da Rio+20 aplicados ao delta-estuário da maior bacia fluvial da Terra, tendo por espaço geográfico o maior arquipélago fluviomarinho do mundo e berço da primeira cultura complexa da Amazônia; em que outro lugar do Brasil com interesse mundial se poderia imaginar projeto demonstrativo como este?

E, no entanto, a importância mundial deste projeto poderia ser antes que tudo de cunho municipalista, sob assistência técnica federativa em cooperação internacional. Pois é precisamente o poder local que mais precisa se autoafirmar como realizador das inadiáveis mudanças globais reclamadas. Estamos sugerindo, então, que se estabeleça um modelo de município-conceito -- o Município Marajó --, para em condições concretas servir de espelho e farol aos reais municípios da mesorregião.

As Nações Unidas decidiram em 2012 realizar a Rio+20 no Rio de Janeiro para retomar a discussão sobre crescimento sustentável e do evento surgiu o documento "O futuro que queremos", que será aperfeiçoado neste ano, em Bogotá, na Colômbia. Os temas centrais das reuniões serão o crescimento baseado numa "economia ecológica" que permita "conseguir o desenvolvimento sustentável e tirar o povo da pobreza, melhorando a coordenação internacional para o desenvolvimento sustentável", segundo destaca a própria ONU.

Acrescenta que se trata "de uma oportunidade histórica para definir as vias rumo a um futuro sustentável, um futuro com mais empregos, mais energia limpa, uma maior segurança e um nível de vida digno para todos", diz a Organização das Nações Unidas. Desde a década de 1970 o mundo se conscientiza dos riscos do crescimento insustentável. São muitas declarações e diversos compromisso assumidos, que todavia não se realizam com a mudança necessária.

A escolha de biomas importantes para proteção da biosfera com vocação geográfica significativa para o desenvolvimento da nova ordem econômica desejada não é uma tarefa fácil. Porém, no caso do Marajó, plenamente realizável.

Acredito que sem empoderamento do povo a sua própria história, resta precária a inclusão social e o desenvolvimento econômico torna-se pouco ou nada sustentável. Deste modo, o meio ambiente santuarizado onde o Homem é apenas um intruso, se converteu ultimamente em espaço de fraternidade onde a comunidade se encontra com a Ciência e a tecnologia em busca de melhores dias para si e as futuras gerações, mediante metodologia de programas multilaterais como o programa "O Homem e a Biosfera" (MaB), da UNESCO, por exemplo.

O esquema brasileiro de reservas da biosfera, em que pese sua ambição; ainda não obteve as vantagens pretendidas em relação à pletora de reservas da biosfera na maior parte das nações. De maneira, que a criação de uma unidade desta modalidade de área de proteção ambiental no estuário do Amazonas deveria dar vigoroso impulso ao desenvolvimento sustentável tal como se declaram nos fóruns mundiais mais badalados ultimamente. 

Internamente, isto teria impacto sem precedentes em todo Brasil. São, portanto, seis importantes unidades de conservação na área de competência do Ministério do Meio Ambiente na mesorregião do Marajó, na alçada do ICMBio; com atuação em sete dos dezesseis municípios marajoaras. Além disso, estes sete municípios "verdes" -- Breves, Curralinho, Gurupá, Melgaço, Portel, São Sebastião da Boa Vista e Soure -- e os mais podem aderir ao Projeto ORLA que o Ministério do Meio Ambiente (MMA) realiza em parceria com o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MP) para regularização e gestão urbana ribeirinha.  Os municípios de Afuá, Anajás, Breves e Portel foram os primeiros a estabelecer parceria com o MP, através da Secretária do Patrimônio da União (SPU), para realização do Projeto NOSSA VÁRZEA de regularização fundiária.

O projeto já beneficiou cerca de 45.000 famílias em 50 municípios do Pará, com foco no Marajó e Baixo Tocantins, em atendimento a populações tradicionais ribeirinhas e quilombolas titulando terrenos de marinha pertencentes à União, através de “Termos de Autorização de Uso Sustentável”. Com esses titulos concedidos, preferencialmente em nome de mulheres responsáveis pela posse da terra; essas famílias ganham acesso a programas sociais do governo federal e governo estadual.

Se o problema mais urgente é o IDH indigente que se apresenta no Marajó, vemos, portanto, apenas pelo ângulo socioambiental da questão da pobreza da gente marajoara; que dentro do pacto federativo de 1988, sem necessidade de alterar a legislação, já deveriam ter alcançados índices de desenvolvimento humano mais significativos se o planejado fosse executado conforme deveria ser. 

De fato, a vigorosa integração de objetivos dos projetos Nossa Várzea, ORLA urbana, reservas extrativistas e de desenvolvimento sustentável deveriam constituir a coluna vertebral do malogrado "Plano de Desenvolvimento Territorial Sustentável do Arquipélago do Marajó (PLANO MARAJÓ)", desde seu lançamento, em 2007 em Breves, pelo Presidente da República e a Governadora do Estado do Pará naquele momento.

Aqui em nosso sítio, temos dito repetidas vezes, que somos muito agradecidos às políticas públicas de inclusão socioambiental da gente marajoara. Mas, também, ressaltamos a ressalva de que sem uma justa e perfeita inclusão desta mesma gente na História perde-se a memória dos acontecimentos e o empoderamento necessário da Cidadania fica prejudicada.


É uma pena perder oportunidade assim pelo desinteresse de todos, salvo honrosas exceções. 

sexta-feira, 25 de julho de 2014

1 VOTO VALENDO 100 MIL


fotografia de Luiz Braga: uma imagem que fala e por isto merece prêmio da UNICEF


25 DE JULHO: 
DIA DA MULHER AFRO-LATINO-AMERICANA E CARIBENHA

Essas mulheres internacionalizaram o debate que fez surgir o movimento das mulheres afro-latinas e caribenhas, contribuindo para criação da maior rede social preta feminista. Essa união permitiu aproximar profissionais de comunicação, cultura, acadêmicos e áreas afins que protagonizam a luta negra da diáspora no continente americano. A partir desta articulação, em Santo Domingo, na República Dominicana, ano de 1992, realizou-se o 1º Encontro de Mulheres Afro-latino-americanas e Afro-caribenhas, do qual decorreram duas decisões: a criação da Rede de Mulheres Afro-latino-americanas e Afro-caribenhas e a definição do  25 de julho como Dia da Mulher Afro-latino-americana e Caribenha.

Que isto tem a ver com democracia, búfalos e crianças na ilha do Marajó? Acima de tudo, na imortal lição de Nelson Mandela, democracia sem inclusão social é comparável a uma "concha vazia". A Negritude começou em 1500 na ilha do Marajó, antes do descobrimento do Brasil e do "rio das Amazonas" com o assalto espanhol a uma aldeia indígena e captura de 36 primeiros "negros da terra" (escravos indígenas) levados por Pinzón para a ilha Hispaniola (Santo Domingo e Haiti).

O búfalo quando bem manejado é animal salvador da lavoura e agropecuária familiar, mas solto a esmo na natureza se torna desastre ecológico e nas condições costumeiras de latifúndio sinônimo de trabalho análogo à escravidão, fator de concentração de renda e exclusão social. Somente acometido de alienação política se pode considerar o búfalo símbolo cultural do Marajó em lugar do grafismo original da Cerâmica Marajoara. 

Por conseguinte, proteger as crianças significa antes reconhecer os direitos humanos das mulheres e assumir o dever de cuidar das mães marajoaras, em maioria descendentes de índias, pretas e cafuzas, para que seus filhos tenham futuro.

É isto que desejo dizer a todas e todos candidatos aos cargos públicos eletivos nas próximas eleições no Brasil e em especial no Pará. Aos eleitos digo que os considero meus "colegas" de trabalho, enquanto Servidor Público que me prezo duma longa carreira desde nível municipal até o Serviço Exterior, onde completei tempo de serviço e fiz jus à aposentadoria. Dizem as más línguas que eu "me acho" grandes coisas e que devia ir contar estória aos netos e não me meter mais onde não fui chamado... 

Isto até que seria boa ideia se outros, mais capacitados que eu, falassem diretamente à Criaturada coisas como estas que os "nheengaíbas" do século XXI precisam saber para fugir da cerca do latifúndio e do cerco do trabalho precário, que os escravizam ainda a um antigo fado cruel. Do qual só se pode saber através de uma Educação libertadora, tal qual Paulo Freire ensinava.

Sob esta perspectiva marajoara votei e tenho intenção de voltar a votar na primeira mulher na Presidência da República, Dilma Rousseff; a qual concorre à reeleição para completar seu papel histórico na mudança social do País. Em primeiro lugar, a eleição de uma mulher na Presidência da República Federativa do Brasil com a biografia de Dilma jamais poderia passar sem impacto positivo numa região ultra-periférica, como é o caso do Marajó com sua ancestral cultura fundada historicamente no matriarcado. Acredito que pouca gente saiba e menos ainda achem isto importante, mesmo entre os chamados "militantes" de esquerda... Uma esquerda, aliás, bipolar oscilando do oportunismo caviar ao esquerdismo o mais pueril...

O velho Marajó de guerra com seu IDH "africano" dentre 120 outras regiões periféricas inseridas no programa federativo Territórios da Cidadania. Segundo ponto de vista, sem exceção do Estado do Pará e dos dezesseis Municípios da mesorregião, o governo federal sob a Presidenta está a dever ao Marajó, sobretudo às mulheres marajoaras e seus filhos; uma ação diferenciada emblemática, notadamente na erradicação do Analfabetismo e da Pobreza. 

No Marajó -- maior arquipélago fluviomarinho do planeta, berço da primeira cultura complexa da Amazônia e da Arte primeva brasileira criada por mulheres indígenas -- todo mundo deve saber que o apartheid social tem cara de Mulher. Por fim, a Amazônia Marajoara faz parte integrante da Guiana brasileira com antiga relação humana com o Caribe muito antes de Colombo e seus conquistadores cristãos genocidas. 

Mas, desgraçadamente, Brasília não sabe e Belém não quer saber... Era preciso amazonizar o Brasil a partir da Capital federal para, enfim, despertar o gigante da América do Sul sabendo ele afinal que é, por mérito próprio da nação Tupinambá com a sua utopia da Terra sem Mal; o maior país amazônico do mundo. É às mulheres, mães e mestras das futuras gerações, que compete a parte mais preciosa desta missão humana: homens fazem a guerra, mulheres preparam a paz.

Há 20 anos passados, no dia 25 de julho, na agrovila Antônio Vieira, à margem esquerda da baía do Marajó; tomei conhecimento do histórico encontro de paz entre os sete caciques rebeldes e o padre Antônio Vieira, investido do papel de superior das Missões; delegado d'El-Rei e tutor legal perante à sociedade colonial do Maranhão e Grão-Pará dos povos indígenas. Não por acaso, este encontro histórico concluído com formalidade no dia 27/08/1659, no rio Mapuá (hoje RESEX Mapuá), Igreja do Santo Cristo, ocorreu com a participação de guerreiros e canoeiros tupinambás (carta de Vieira, Belém do Pará, 11/02/1660). Após mais de 40 anos de guerra de conquista do rio das Amazonas, pela primeira vez foi ensaiado um processo de paz que hoje ainda falta terminar e para o qual criação de futura reserva da biosfera com a UNESCO há de ter uma importância extraordinária.

Tendo em conta a supracitada pax dos Nheengaíbas, escrevi em 1999 o ensaio "Novíssima Viagem Filosófica" e desde então invisto meu tempo livre à compreensão da expressão histórica e geográfica da Amazônia Marajoara e suas circunstâncias no presente. Deste modo, me arvoro a falar em nome desta gente sem vez e voz entre a qual se acha a memória de minha avó tapuia Antônia Silva, nascida na aldeia da Mangabeira, Ponta de Pedras, pelos fins do século XIX.


A cerca, o menino e o búfalo.

 Como diz uma amiga de luta pela cultura marajoara, tempo de eleição... lá vem batalhão de candidatos bater à porta! As necessidades são as de sempre e as promessas também. Dá vontade de NÃO VOTAR e pagar pra ver. Só pra saber com quantos paus se faz uma canoa e praticar desobediência civil ao VOTO OBRIGATÓRIO...

O título eleitoral, na triste situação da Criaturada grande de Dalcídio, acaba que só serve de escada para uns e outros que se locupletam do voto popular e depois esquecem dos necessitados. Outros, mais cara de pau que os demais, dizem logo que R$ 10,00 ou até R$ 50,00 por cabeça na boca da urna paga o trabalho do eleitor. São os tais bocudos que mais falam mal dos programas sociais tipo Bolsa Família, dizendo aos tolos que distribuição de renda é assistencialismo e "compra de voto"... 

Claro, com paciência, o pobre eleitor catando bem na lista de oferta de pencas de candidatos do barulho, poderá achar uns poucos que vale a pena experimentar pra ver se muda o disco. Ou, então, deixar ficar por que, para os ribeirinhos, mal ou bem o nobre representante já mostrou algum serviço e ajudouzinho a diminuir a exploração da pior marretagem. Que é aquela sina de morador sem eira nem beira, condenado a abastecer a feira sem nunca ter dinheiro de passagem para ver o Círio nem comprar um barquinho de miriti de lembrança para o filho. Esta gente que passa a vida subjugado a trabalhar para melhorar a vida do dono do sítio e piorar a vida da família na base do "metá-metá" (metade da colheita), como "aluguel" da varja no "apurado": quem é obrigado pela necessidade a trabalhar no mato sem cachorro faz subsídio social ao atravessador.

E ainda vem propagandista político dizer pra gente que VOTO OBRIGATÓRIO é um "direito"... Caboco velho não acha isto direito; quando sabe que noutros lugares onde o povo é quem mais comanda o voto popular é livre pra quem quiser ir ou não ir à urna manter ou mudar o que lá está. Então, o buraco é mais embaixo: se for o caso de deixar o caixa 2 e 3 funcionar a todo vapor que se venda caro o eleitor. Sabendo já que a doação da empresa, em regra geral, é fruto de sonegação e bandalheira na licitação. Logo, por vias tortas, um redistribuição de renda...

"Que se implante a moralidade ou que nos locupletemos todos". (Sérgio Porto).

 Mas, pelo menos, por obra do Divino Espírito Santo alguém poderia pensar o quanto de estrago à bandalheira estabelecida; poderiam fazer 200 mil analfabetos rebelados se acaso, sem dar na vista, os desletrados da vida pudessem fugir do curral e descarregar nas urnas seu descontentamento -- guardado desde séculos das passadas gerações "nheengaíbas" (falantes da "língua ruim") -- na forma de um ruidoso VOTO ZERO. Ou, melhor, uma puta jogada ensaiada com cartas marcadas tipo assim efeito Tiririca, Cacareco, Ararajuba e outros bichos verdes ou encarnados...

200 mil analfabetos correspondem à metade da população do Marajó com seus pouco mais de 400 mil habitantes. Calculo eu que em Belém, Macapá e outras paragens existem marajoaras perfazendo todos juntos qualquer coisa em torno de um milhão de pessoas. Deste suposto número de um milhão de marajoaras, talvez nem 10% possam ser considerados corretamente alfabetizados, sobretudo do ponto de vista político.

Portanto, é uma baita abstração que faço ao observar a fotografia em tela: o que ela tem a nos dizer? Um cenário grandioso e belo, mas também opressor e trágico, em toda profundidade captada pela sensibilidade da lente do artista. 

Penso o que cada um dentre 100 mil marajoaras poderiam fazer milagre, se se unissem em benefício de todos aqueles que não sabem ler e escrever. Penso nas crianças fora da escolas e nas escolas fora de condições de ensinar as crianças. Será que vamos tapar o sol com peneira e continuar a nos lamuriar e queixar da sorte, como se o IDH da gente marajoara fosse uma fatalidade? Na verdade, isto é uma irresponsabilidade municipal, estadual e federal nesta ordem.

Em tese, 200 mil analfabetos votantes podem votar NULO e registrar assim seu protesto. Melhor seria votação combinada sobre nome desconhecido a assinalar VOTO DE PROTESTO. Ora, isto é sonhar demais. Pois seria preciso passar por aí algum tipo de Nelson Mandela papa chibé.

Seja como for, sinceramente, não creio que as coisas possam melhorar como precisaria. Mas, não tenho dúvidas de que podem piorar. Do que adianta, por exemplo, a televisão chegar via satélite lá onde canta a saracura se a gente afetada pela imagem não sabe separar o que presta do que não presta? O telefone celular que poderia tirar do isolamento e a internet que deveria levar mais educação e meios de saúde preventiva, se tornam armas do crime organizado, tráfico de pessoas e corrupção de menores...

A cerca invisível deste "APARTHEID" tão antigo é pior que o arame farpado e a falta de meios de transporte. O enorme búfalo levado pela mão de uma criança representa a natureza instável, com nuvens que podem passar de céu azul a cinzento chumbo com chuvas e tempestade, rapidamente. E o menino roubado de sua infância o que será dele amanhã? Mais um analfabeto votante, ou um ladrão de gado, perigoso pirata dos rios, assaltante raivoso nas ruas da cidade grande sempre hostil e de costas para o rio?

Ah, se meu votinho solitário valesse por 100 mil analfabetos como, antigamente, vinte mil rebeldes nheengaíbas com seus dardos feitos de talo de patauá envenenados atirados com zarabatana de paxiúba sobre canibais e predadores invasores das ilhas!

quarta-feira, 16 de julho de 2014

S.O.S LAGO ARARI: PERENIZAR É PRECISO, PERENIZAR QUER DIZER MUITA COISA.






















vista aérea do lago Arari, berço da Cultura Marajoara de 1600 anos de idade.

O Ministério do Meio Ambiente vai financiar um projeto de perenização do Lago Arari, considerado o maior santuário ecológico do Marajó e um dos maiores de água doce no mundo - abrange os municípios de Cachoeira, Santa Cruz do Arari e Ponta de Pedras, numa área de quase 100 quilômetros de extensão.
Essa região possuía mais de 150 lagos, que foram secando e reduzindo as condições de sobrevivência da população.
Fonte: Reporter70.

Comunicação/AMAM
Sobre a perenização do lago Arari já correu rios de tinta. A notícia mais recente na mídia local, concisa porém festiva como de costume; diz que o Ministério do Meio Ambiente vai financiar projeto para tornar o lago Arari perene: quer dizer, um reservatório de água e de vida durante o ano inteiro. Não se deve regatear aplausos, todavia a experiência recomenda ter a prudência de São Tomé pois se sabe que cautela e caldo de galinha não fazem mal a ninguém, mormente em época de eleição e propaganda partidária.
Oxalá a pequena notícia de jornal venha ser um pequeno grande passo para o futuro de Povo Marajoara marginalizado pela história de invenção da Amazônia. Como para o meio ambiente a Amazônia é o futuro do Brasil sustentável, só podemos nos regozijar desta esperança tão antiga. 
Já o Barão de Marajó em sua obra clássica "As Regiões Amazônicas", em fins do século XIX, revelava preocupação com o regime hídrico da grande ilha do golfão marajoara sempre oscilando entre o dilúvio e secas certeiras no decorrer do ano. Os impactos sociais e ambientais previsíveis não comoveram governos após governos como bem atestam as obras de Dalcídio Jurandir e de Giovanni Gallo.
Nos anos 70 a Organização de Estados Americanos (OEA) deu ajuda ao Governo do Estado do Pará no estudo da ilha do Marajó que, certamente, ainda é base para aprofundamento de novos estudos atualizados, inclusive no que diz respeito a qualquer projeto de perenização de lagos e revitalização de rios. Fundamental, para o público leigo é compreender o fato principal da geologia do delta-estuário do maior rio do mundo onde se acha o maior arquipélago fluviomarinho do planeta. Isto a grande mídia não sabe. Portanto, só se ama o que se conhece...
Neste bioma extraordinário e complexo o lago Arari é como se fosse o coração pulsante, onde o Homem e a Biosfera interagem sem solução de continuidade. Daí por que a chegada do Ministério do Meio Ambiente deve ser comemorada com moderação, no sentido de não se reincidir na miopia que o mesmo Padre grande Antônio Vieira, autor do célebre "Sermão aos Peixes", ao elogiar o peixinho tralhoto dotado de quatro olhos para se defender dos predadores; cometeu em relação à gente reduzindo seus saberes milenares às lições do catecismo para conversão à santa doutrina cristã. Deu no que deu... E o IDH do povo marajoara não nos deixa mentir sobre a história do paraíso ecológico.
Com isto, quero chamar atenção para os chamados EIA-RIMA's à voo de pássaro... Vistas muito aéreas da realidade sob pressão de cronogramas orçamentários e metodologia cartesiana. Com advertência da linguística quando esta diz que o mapa não é o território...
É preciso perder tempo nos primeiros passos para ouvir o que o povo tem a dizer aos donos do poder. Ler, com paciência, autores leigos ou antigos como o mesmo Barão do Marajó, o sábio Alexandre Rodrigues Ferreira, Giovanni Gallo, sobretudo, em "Marajó, a ditadura da água".
Devemos saber que o orgulho técnico e civilizado nestas paragens deixou um "carma" dos diabos... Os mesmo missionários pacificadores lesaram a ancestralidade da gente marajoara tornando-a presa fácil dos "diretores dos índios" patriarcas das nossas dez e seis comunas. Lembrai-vos do Diretório dos Índios (1757-1798), donde nossas aldeias históricas foram "elevadas" da noite para o dia em vilas e lugares importadas de Portugal...
Perenizar as águas do lago não deve ser, exatamente, refazer um "santuário ecológico" que só existiu na imaginação de poetas e sonhadores da mítica Terra sem Mal, mas nunca existiu na dura realidade da vida dos povos originais do Trópico Úmido. Olhar o passado para inventar o futuro é mais seguro...
Um projeto de perenização que não se acanhe, pela vaidade nacional, em pedir consultoria de quem mais entende de hidrologia nas terras baixas do mundo, a Holanda, por exemplo. A reserva da biosfera nos traria o programa da UNESCO, "O Homem e a Biosfera" - MaB. Com a experiência de Mamirauá, no Amazonas; o MMA pode contemplar o lago Arari de uma RDS compatível. Se, de saída, algum especialista começar dizendo isto pode aquilo não pode; deve logo ser advertido a se informar melhor do invento de José Márcio Ayres e seus colegas macaqueiros.
Tudo pode quando Ciência e Conhecimento Tradicional concordam. 
ECOCIVILIZAÇÃO AMAZÔNICA SERÁ REFAZENDA DA CULTURA MARAJOARA DESDE SUA INVENÇÃO HÁ 1500 ANOS OU NÃO SERÁ ECOCIVILIZAÇÃO.


"... Na grande boca do Rio das Amazonas está atravessada uma ilha de maior comprimento e largueza que todo o Reino de Portugal, e habitada de muitas nações de índios, que, por serem de línguas diferentes e dificultosas, são chamados geralmente nheengaíbas. Ao princípio receberam estas nações aos nossos conquistadores em boa amizade; mas depois que a larga experiência lhes foi mostrando que o nome de falsa paz, com que entravam, se convertia em declarado cativeiro, tomaram as armas em defensa da liberdade, e começaram a fazer guerra aos portugueses em toda à parte. Usa esta gente canoas ligeiras e bem armadas, com as quais não só impediam e infestavam as entradas, que nesta terra são todas por água, em que roubaram e mataram muitos portugueses, mas chegavam a assaltar os índios cristãos em suas aldeias, ainda naquelas que estavam mais vizinhas às nossas fortalezas, matando e cativando; e até os mesmos portugueses não estavam seguros dos nheengaíbas dentro de suas próprias casas e fazendas, de que se vêem ainda hoje muitas despovoadas e desertas, vivendo os moradores destas capitanias dentro em certos limites, como sitiados sem lograr as comodidades do mar, da terra e dos rios, nem ainda a passagem deles, senão debaixo das armas. Por muitas vezes quiseram os governadores passados, e ultimamente André Vidal de Negreiros, tirar este embaraço tão custoso ao Estado, empenhando na empresa todas as forças dele, assim de índios como de portugueses, com os cabos mais antigos e experimentados; mas nunca desta guerra se trouxe outro efeito mais que o repetido desengano de que as nações nheengaíbas eram inconquistáveis, pela ousadia, pela cautela, pela astúcia e pela constância de gente, e, mais que tudo, pelo sítio inexpugnável com que os defendeu e fortificou a mesma natureza. É a ilha toda composta de um confuso e intrincado labirinto de rios e bosques espessos, aqueles com infinitas entradas e saídas, estes sem entrada nem saída alguma, onde não é possível cercar, nem achar, nem seguir, nem ainda ver ao inimigo, estando ele no mesmo tempo debaixo da trincheira das árvores, apontando e empregando as suas flechas. E por que este modo de guerra volante e invisível não tivesse o estorvo natural da casa, mulheres e filhos, a primeira coisa que fizeram os nheengabas, tanto que se resolveram à guerra com os portugueses, foi desfazer e como desatar as povoações em que viviam, dividindo as casas pela terra dentro a grandes distâncias, para que em qualquer perigo pudesse uma avisar às outras, e nunca ser acometidos juntos. Desta sorte ficaram habitando toda a ilha sem habitarem nenhuma parte dela, servindo-lhes porém em todas os bosques de muro, os rios de fosso, as casas de atalaia, e cada nheengaíbade sentinela, e as suas trombetas de rebate...." (carta do Padre Antônio Vieira, à Regente da coroa portuguesa, Dona Luísa de Gusmão, em 11/02/1660).
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"Excelente a reportagem do padre [Giovanni Gallo] sobre os mestres de ofício. Tenho uma grande admiração por esses mestres que desafiam a tecnologia sofisticada". (Dalcídio Jurandir / correspondência com Maria de Belém Menezes).

sábado, 12 de julho de 2014

RESERVA DA BIOSFERA AJUDARÁ A ELEVAR IDH DO MARAJÓ


Reserva Extrativista - rio Mapuá, município de Breves-PA: lugar de memória da Paz de 27 de Agosto de 1659 entre índios do Marajó e portugueses aliados aos tupinambás do Pará.




HÁ MAIS DE 10 ANOS A CRIATURADA GRANDE DE DALCÍDIO ESPERA O PROGRAMA "O HOMEM E A BIOSFERA" DA UNESCO, COM QUE A "ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL DO ARQUIPÉLAGO DO MARAJÓ (APA-MARAJÓ) DEIXARÁ DE SER "JABUTI" NA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DO PARÁ DE 1989 E O PLANO MARAJÓ HÁ DE SAIR DO ENCALHE ONDE AFUNDOU PARA ELEVAR O IDH DA GENTE MARAJOARA ACIMA DA HUMILHANTE LINHA DE POBREZA: CLARO ESTÁ, QUE UM PACTO PELO MARAJÓ LIVRE DO ANALFABETISMO DEVE SER O PRIMEIRO PASSO EM BUSCA DO BOM FUTURO.


Já contei como o equívoco do bispo diocesano de Ponta de Pedras, o falecido Dom Angelo Rivatto S.J.; o qual pretendia ser a agrovila Antonio Vieira, situada à margem esquerda do Rio Pará, na baía do Marajó em Ponta de Pedras; lugar histórico do célebre encontro de paz entre sete caciques Nheengaíbas e missão da Companhia de Jesus no papel que hoje é da FUNAI, nos termos da lei de Abolição dos cativeiros indígenas de 1655; aquele engano me motivou a pesquisar a respeito do verdadeiro lugar onde o fato realmente aconteceu. 

Segundo carta do dito "payaçu dos índios" datada em Belém do Pará aos 11 de fevereiro de 1660 e dirigida à regente do reino de Portugal, Dona Luísa de Gusmão; transcrita na obra "História da Companhia de Jesus no Brasil" do historiador jesuíta Serafim Leite, o encontro de paz aconteceu "no rio dos Mapuaises" [Mapuá], na ilha dos Nheengaíbas [Marajó], índios piratas terríveis pintados dos piores adjetivos que se podem atribuir aos "selvagens" face aos "civilizados" (cf. José Varella Pereira - "Uma Política sem lábia para o Príncipe" em "Novíssima Viagem Filosófica": Revista Iberiana, Secult, Belém, 1999). 

O contexto histórico e geográfico desta carta -- para os descendentes dos ditos falantes da "língua ruim" (nheengaíba) -- tem ou ainda deverá ter importância comparável à Carta de Pero Vaz de Caminha para todos brasileiros. Por aí, filtram-se olhares estrangeiros confundidos sobre os habitantes do maior arquipélago fluviomarítimo do planeta. Trata-se de um descobrimento tardio sobre a primeira cultura complexa da Amazônia... Onde a UNESCO deveria estar presente, como está em muitas partes do mundo, para afastar medos e ignorância que perturbam o relacionamento de países soberanos, como é o caso do Brasil, e o sistema multilateral consagrado pela Carta das Nações Unidas.

Vem daí o velho preconceito colonial lusitano contra milhares ou milhões de falantes da "língua ruim" (nheengaíba) adquirido dos conquistadores tupinambás (vide "Rio Babel" de José Ribamar Bessa Freire)que foram guias indispensáveis, canoeiros e guerreiros aliados aos portugueses, desde o Ceará, durante mais de 40 anos de guerra para tomada do Maranhão aos franceses e expulsão de holandeses e britânicos do Baixo Amazonas, Xingu, Marajó e Cabo do Norte (Amapá), contra multidão de povos Aruak há cinco mil anos ocupantes das Ilhas e margens da terra firme.

Se não fosse o "bom selvagem" com seu estranho costume canibal afincado na Terra sem Mal (utopia do paraíso na terra, onde não existe fome, escravidão, doenças, velhice e morte), por necessidade e acaso, aliado a odiosos soldados matabugres e mamelucos endiabrados não existiria a Amazônia portuguesa. 

Todavia, vista a coisa através da margem esquerda da história do Pará-Uaçu onde a criaturada habita o tempo desde sempre; sem padres catequistas danados pela conquista das almas dos gentios e pajés tapuios espertos que nem o diabo Jurupari, não se chegaria nunca a criar a imensa Amazônia brasileira coração pulsante do gigante Brasil e nós não estaríamos aqui para contar história nenhuma, certa ou errada. 

O que sobrevive sempre tem razão, mas a verdade é como uma semente nativa prenhe de resiliência e sempre prestes a reinventar o futuro da Terra.

Não carece ser um gênio para perceber o motivo principal desta guerra amazônica antiga que precedeu a chegada dos europeus, eles mesmos em guerra uns contras os outros, desde a Europa, por causa do célebre "testamento de Adão" (Tratado de Tordesilhas, de 1494) e que fez a Costa-Fronteira do Pará na suposta linha de Tordesilhas, deixando a margem ocidental da baía do Marajó na parte da Espanha e a margem oriental da terra firme a Portugal até a beira mar.

O problema da historiografia oficial é que ela incute ideia errada de que o Brasil começou com o descobrimento de Cabral, quando na verdade já fora achado e mantido bem escondido há mais tempo, inclusive confirmada a posse nos termos de 1494 em viagem secreta do cosmógrafo do rei de Portugal Duarte Pacheco Pereira, em 1498, ao Grão-Pará. Não há dúvida que o piloto e sócio de Colombo, Vicente Yañez Pinzón, esteve em "Marinatambalo" (Marajó, em tupi; aliás Analau Yohynkaku em língua Aruã) em fins de janeiro de 1500, quando ele atacou e capturou "negros da terra" (escravos indígenas) numa aldeia, provavelmente Aruã na Contracosta, levando-os para a ilha Hispaniola, Santo Domingo.

A revisão histórica do Brasil moderno começa com o etnógrafo alemão Curt Nimuendajú, nos idos de 1920, quando se sabe da razão que trouxe a nação Tupinambá ao litoral do Nordeste a conquistar terra dos Tapuias subindo enfim até o Alto Amazonas, a ponto de ter deixado fonte para história com o relato do mameluco Diogo Nunes, datada de 1538, portanto antes do descobrimento, em 1542, do rio Amazonas pelo espanhol Francisco de Orellana.

Ora, o equivoco de leitura do bispo Rivatto motivou a um leigo (este que vos fala) procurar pelas fontes históricas para esclarecer sobre o lugar de encontro de paz entre caciques rebeldes e missionários. Mas, respeitáveis pesquisadores e historiadores sentenciam negativamente sobre tudo isto: duma parte, dizem que a carta de Vieira conta história inverossímil (o que é fato, pois mistura desconhecimento e finta proposital de sua época, porém deixa preciosas pistas)e doutra parte, desdém de cátedra refugando as pazes de Mapuá como se elas fosse carentes de interesse acadêmico.

Interesse acadêmico! Vejam bem, como se pelo menos em hipótese não valesse a pena estudar e compreender do que trata de fato a suposta missão de paz iniciada pelo padre João de Souto Maior, em 1656, e concluída pelo padre Antônio Vieira, em 1659. E nada disto tivesse a ver com a fundação das aldeias missionárias de Aricará (Melgaço, por acaso o pior IDH de município brasileiro)e Aracaru (Portel). Lembranças desta carta histórica, sem nenhuma dúvida, se acham nos últimos capítulos da "História do Futuro", composta como defesa do padre Antônio Vieira como réu diante do Tribunal da Inquisição do Santo Ofício e introdução a obra, inacabada, de sua vida "O Reino de Jesus Cristo consumado na terra" ou o Quinto Império do mundo.

O Quinto Império do mundo, como se deve saber, é um longo repositório de tradições messiânicas desde o Cativeiro da Babilônia (toda história da Mesopotâmia, com as suas guerras, reinos e impérios que ainda ardem no Oriente Médio), e que alimentaram, antes as "Esperanças de Israel" no sonho visionário do rabino português da comunidade judaica de Amsterdã (Holanda), Menassés ben Israel. E que, no mês de abril na aldeia do Camutá (Cametá), Grão-Pará, pela pena sebastianista do payaçu dos índios, no mesmo ano da pax de Mapuá, deu o famoso brado "Bandarra é verdadeiro profeta!", na carta secreta "As Esperanças de Portugal", que lhe resultaram ser preso e condenado pro heresia judaizante.

Em que consistia tal heresia, na segunda metade do século XVII, que é o tempo de transição entre o fim da Idade Média e começo da Idade Moderna europeia em relação às colônias nas Índias Ocidentais?... E o que isto pode haver ainda de importante, no século XXI, em meio a tudo quando o primeiro Papa jesuíta chegou ao trono do Pescador e reza pela paz entre judeus, mulçumanos, cristãos e o resto do mundo? Nada disto para nós não haverá interesse acadêmico ou apenas informativo? Ah, sim tem ainda a geopolítica planetária em meio à mudança climática, a pressão econômica sobre florestas tropicais, recursos naturais de minérios e água doce...

Portanto, com a origem histórica do "uti possidetis" real, defendido por Alexandre de Gusmão nas difíceis negociações do Tratado de Limites de Madri de 1500, onde a farsa e a fraude do Mapa das Cortes esteve sobre a mesa para levar os espanhóis a revogar o acordo de Tordesilhas, caduco desde a viagem de Pedro Teixeira (1637-1639)por força da geografia humana amazônida e do grande rio Babel. A farsa e a fraude para fazer valer maior verdade no terreno: "o mapa não é o território"... 

RESERVAS DA BIOSFERA E RESERVAS EXTRATIVISTAS: TUDO A VER O PESO DA GENTE E A MARENTEZA DO MEIO AMBIENTE NA REFAZENDA PERMANENTE DA MEMÓRIA.

Na natureza, a necessidade e o acaso fazem grandes parcerias. A admirável vida de Chico Mendes, por exemplo, lá nos confins onde Abguar Bastos dizia que a cobra grande chamada Amazonas tanto embarrigou que pariu o Acre. E bote história nisso!

E depois disso tudo alguém vem dizer que a história do cacique Piié com o "imperador da língua portuguesa" (o padre Antônio Vieira, segundo o poeta Fernando Pessoa)não tem interesse acadêmico. Valha-nos Deus! É por isto que o Museu do padre Gallo também não faz parte das prioridades do Ministério da Cultura, em Brasília, nem da Secretária de Estado da Cultura, em Belém do Pará. Pela mesma via do desinteresse acadêmico e o IDH dos descendentes dos Nheengaíbas está mais raso que barriga de cobra.



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