sábado, 26 de abril de 2014

CACOS DE ÍNDIO E FRAGMENTOS DE MEMÓRIA: O MARAJÓ PARA OS MARAJOARAS QUE NÃO SABEM LER OU NÃO CONSEGUEM VER O PESO DA ANCESTRALIDADE.

ruína da antiga aldeia de Joanes, vila de Monforte (1758),
na visita de Alexandre Rodrigues Ferreira, em 1783.


Giovanni Gallo (Turim, Itália 27/04/1927 - Belém, Brasil 07/03/2003).




Neste 27 de abril, o padre Gallo completaria 87 anos de idade se ainda estivesse entre nós.  Com esta modesta postagem rendo tributo ao marajoara que veio de longe para se naturalizar, de tal modo, que enterrou os próprios ossos na terra que o acolheu. Quando a história claudica, a memória fabrica lendas como senhas que levam ao mapa de um tesouro escondido. É verdade que, no plano humano, nenhum criador pode prever aonde vai a criatura. Boa parte de meu ensaio "Novíssima Viagem Filosófica" (Revista Iberiana: Secult, Belém, 1999), com fictício convite a Saramago para visitar cidades no Pará com nomes portugueses, segue o roteiro da "Viagem Philosophica", de autoria do sábio Alexandre Rodrigues Ferreira, este naturalista começou sua viagem à ilha do Marajó por Joanes (Salvaterra) e a terminou em Cachoeira do Arari.

Com isto, era minha intenção estimular nosso incipiente turismo cultural e eu pensava àquela altura que a "Novíssima" iria servir para apressar a viagem do socorro à obra de Giovanni Gallo. Talvez alguns viajantes do mundo tivessem a notícia do Museu do Marajó e quisessem vir até Cachoeira conferir o potencial do turismo como instrumento de desenvolvimento humano para o povo do velho Marajó. Como também acreditei, ingenuamente, que com informações copiladas de obrar raras, sem demora, o turismo literário iria salvar a casa de Dalcídio Jurandir da perdição em vista. 

Mas, desgraçadamente, a morte do Gallo deixaria órfão o projeto e os herdeiros do padre não conseguiram mais se entender provocando desistência de importantes aliados sem paciência ou humildade suficiente para manter o dialogo com a parte oposta. A ideia de unir esforços em torno dos dois maiores nomes da cultura marajoara foi para o brejo no inferno verde das boas intenções. 

Assim a velha casa de Dalcídio foi ao chão e virou fantasma como os olhos mortos de Eutanazio vagando na escuridão da noite, depois da chuva, nos campos de Cachoeira... O lendamento do padre dos pescadores também não faltou, segundo alguns relatos jamais confirmados, certo dia um estranho visitante entrou mudo e saiu calado do museu só abrindo a boca diante do retrato do falecido padre no salão de reunião. Dizendo ele, alto e bom som: "este padre noutra vida foi um grande cacique marajoara"... Feita a mágica revelação que faria inveja a Garcia Marques, o viajante desconhecida desapareceu da cidade sem adeus ou deixar endereço.

Além destas fantásticas notícias, começaram timidamente especulações populares sobre poderes milagrosos atribuídos ao "homem que implodiu", o que faz dele um potencial beato a modo do padre Cícero Romão Batista no sertão de Juazeiro. Nada mal para quem em vida gostaria de ser santo depois de morto. Visto pelo ângulo da merecendência do céu, acho até que são Giovanni marajoara ficaria melhor na foto canônica que são José de Anchieta aos olhos dos descendentes de índios cristãos feitos presas fáceis de bandeirantes medonhos.

São Giovanni do Arari, pelo menos, fez o milagre de criar O Nosso Museu do Marajó a partir de simples coleção de objetos bizarros, como o bezerro de duas cabeças, por exemplo, na pequena e distante Santa Cruz do Arari à beira do lago plantada junto ao berço da extinta civilização marajoara de 1500 anos de idade. Aí, por acaso, "cacos de índio" que o caboco Vadiquinho lhe confiou a título de provocação, conforme se lê na obra "Motivos Ornamentais da Cerâmica Marajoara", viraram patrimônio material e imaterial do nascente museu. Além do criativo "Motivos Ornamentais", que salvaguarda o grafismo original copiado dos ditos cacos de índio para aplicativo de artesãos locais como incentivo a geração de renda familiar; o padre dos pescadores do Arari escreveu também o livro-reportagem "Marajó, a ditadura da água" e a autobiografia "O homem que implodiu". 

O diabo é que as pessoas que mais carecem ler o que o índio sutil Dalcídio e o padre Gallo dos pescadores escreveram, são analfabetos de pai e mãe e ninguém se lixa para os ensinar a ler e escrever. Como, por exemplo, Paulo Freire faria. É dizer a boa gente curte o admirável Dalcídio Jurandir e o extraordinário Giovanni Gallo, mas a criaturada grande que lhes deu inspiração fica na mão quando de trata de educação.

Todavia a trilogia do Gallo explica as razões excepcionais pelas quais o incrível museu foi criado no lugar menos indicado para a museologia. Ela é uma obra necessária à introdução a um ecoturismo educativo com base na comunidade. O qual, incontornavelmente, se deve praticar no polo Marajó a partir de Cachoeira do Arari tendo por guia principal Alexandre Rodrigues Ferreira, o naturalista de Coimbra, famoso pela "Viagem Philosophica" (1783-1792) iniciada exatamente pela "Notícia Histórica da Ilha Grande de Joanes, ou Marajó" (separata da Viagem Filosófica, cujo fragmento se lê adiante).

É fato que "o homem que implodiu" na ilha do Marajó, para ser fiel à missão humanitária que sua consciência ditou, teve que pisar no pé de muita gente cega daquela grave cegueira, que outro incompreendido jesuíta da época da invenção da Amazônia portuguesa, no século XVII, o célebre payaçu dos índios, Antônio Vieira, verberou no Sermão aos Peixes, em São Luís do Maranhão (1654), a caminho de Lisboa onde foi suplicar ao rei a lei de 1655, abolindo os cativeiros dos índios do Maranhão e Grão-Pará.

Se nós dissermos que, ainda hoje, no Brasil e notadamente no Pará; não são poucos os casos de trabalho escravo, com municípios ultraperiféricos vegetando em mísero IDH, enquanto a pequena burguesia local com sua oligarquizinha e seus representantes eleitos são geralmente acusados de má gestão e dilapidação da coisa pública. Por outro lado o número de analfabetos é alarmante em contraste com o aumento galopante da violência e do crime organizado que aproveita a necessidade casada com ignorância.

Então, se explica por que poucos cabocos se reconhecem descendentes de velhos Nheengaíbas e sabem eles ler e escrever, razoavelmente tal qual o índio sacaca Severino dos Santos, sargento-mor de Monforte; que Alexandre Rodrigues Ferreira encontrou naquela dita viagem filosófica. A leitura atenciosa da obra de Dalcídio mais os livros do Gallo mostra o por quê do sui generis museu causar tanta admiração a visitantes, mas não ser contemplado pelas políticas públicas como deveria ser, e também os motivos pelos quais tão interessante trabalho com caráter inegável de ecomuseu não consegue atravessar o rio Arari e chegar às mais comunidades ribeirinhas, em mil e tantas ilhas, dos dezesseis municípios da mesorregião.

É claro que o mundo acadêmico ouviu falar deste museu estranho inventado por um diletante, mais aprendiz que professor. Muitas vezes, o pesquisador diplomado ouviu o Gallo cantar mas não sabe donde. O melhor intérprete que o povo marajoara já teve, com reconhecimento de ninguém menos que o "índio sutil" Dalcídio Jurandir, em intensa correspondência entre as cidades grandes de Belém e do Rio de Janeiro, graças à fiel amizade da filha de Bruno de Menezes, Maria de Belém Menezes.

O museu do padre é para se "ver com a ponta dos dedos": estamos todos cegos de tanto ver e não entendemos grande coisa... Por isto, através de Maria de Belém, Dalcídio sugeriu a Giovanni Gallo: selecione suas reportagens publicadas nos jornais e faça um livro (cf. "Marajó, a ditadura da água"). Vá que, agora, o azar que aflige a brava gente leve a leniência das autoridades a tombar, ao pé da letra, o museu do Gallo da mesma maneira como foi tombado o chalé de "Chove nos campos de Cachoeira" e de "Três casas e um rio"! ... O glorioso São Sebastião nos livre e guarde!

Salvou-se, virtualmente, o chalé de Alfredo da incúria dos homens e do rigor do dilúvio cachoeirense graças ao romance dalcidiano. Mas, se o museu do Gallo for entregue à própria sorte sobrecarregando a uns poucos abnegados voluntários até esgotá-los? Serão, Deus não queira, o chalé e o museu como repetição da destruição dos tesos entre chuvas e esquecimento? Último recurso de sobrevivência: a leitura dos livros de Giovanni Gallo e romances de Dalcídio Jurandir, completados por João Viana e outros mais que beberam na mesma fonte. Turismo literário pra que vos quero?

Antes que tudo, uma cartilha de Alfredo para iniciar a meninada das escolas a trilhar os caminhos da hospitalidade e da boa convivência pela leitura dos livros a servir de guia do descobrimento do mundo marajoara biodiverso culturalmente original. Segundo, a fim de provocar analfabetos políticos a abrir os olhos sobre a tragédia do IHD deste povo descendente da primeira cultura complexa da Amazônia, herdeiro dos criadores da arte primeva do Brasil (a cerâmica marajoara pré-colombiana espalhada em grandes museus nacionais e estrangeiros, que poderiam nos ajudar caso estivéssemos capacitados a receber esta ajuda técnica, com possibilidade até de sonhar com algum repatriamento).

Mas, o turismo qualquer que seja a modalidade, sem o devido preparado e educação tecnológica é, por certo, morte certa da galinha dos ovos de ouro. 

Eu sou apenas um engajado da causa da Criaturada grande de Dalcídio... Sei, por isto, que o romancista agnóstico e o jesuíta insubmisso fazem parceria eterna pela recuperação da memória desta gentinha. Quando Marajó desencanta? A resposta aguarda nossa ação. O Marajó pode desencantar o turista que vem esperando maravilhas e bate de cara com uma realidade chocante... Ou o Marajó desencantado de mitos e lendas da cobragrande, poderá encantar os visitantes desde a descoberta iniciática do portal do Museu do Marajó: onde cada um, ao descobrir a antiguidade da Amazônia marajoara, desperta para o afeto desta terra molhada de suor e chuva tornando-se dela a mais nova peça de coleção dos amigos do Marajó profundo. (José Varella Pereira).


fragmento da
NOTÍCIA HISTÓRICA DA ILHA
GRANDE DE JOANES OU MARAJÓ
Alexandre Rodrigues Ferreira (1783)


Chama-se Ilha de Joanes porque, havendo sido povoada de diversas nações de índios, como foram os aroans, mucoans, ingaíbas, mariapans e cariponás, entre estes a povoou também a nação iuioanas. Eis aqui o nome que depois, com o tempo, se reduziu ao que hoje tem de Joanes, como se disséssemos Ilha de Iuioanas.
Tal é a informação que dá sobre diversas perguntas minhas o sacaca Severino dos Santos, sargento-mor da ordenança dos índios da vila de Monforte. É um índio, pelo que dele alcancei, suficientemente versado nas cousas do país, civilizado já pelo menos com a civilidade de haver aprendido a ler e escrever. Fala expeditamente a língua portuguesa, que entende como os nacionais. Conta de idade 70 e tantos anos e, portanto, nenhum escrúpulo faço em subscrever as suas informações.
Como eu disse acima, que esta era a informação do sacaca Severino dos Santos, para não deixar suspensos os juízos sobre a palavra sacaca, devo advertir desde agora que sacaca se ficou chamando a nação iuioana depois do caso seguinte. Trabalhavam na fortaleza da Barra da Cidade, não só os iuioanas, mas com eles outras nações.
Presidia ao trabalho dos primeiros certo espírito muito ativo que, dentre eles havia sido escolhido para feitor. E, como a palavra que, pela sua gíria, pronunciava para animar os seus era necessariamente sacacon, que vale o mesmo que “aviar com o trabalho”, as outras nações que a ouviam sem aperceberem, porque era gíria para ser entendida dos iuioanas, entravam a chamá-los sacacas, e sacacas ficaram [a]té o dia de hoje.
Habitaram sempre os sacacas de hoje (que então eram iuioanas), continua o sargento-mor, pelos centros da ilha, nos lugares que hoje chamam Laranjeiras, Figueiras, Três Irmãos, Curuxis e por outras ilhas mais, que ainda existem no meio dos campos em cabeceiras dos rios ou junto aos lagos, enquanto os não obrigou a perseguição dos aroans, seus inimigos, e juntamente a dos topinambás, a descerem deles para a costa em que ao presente se acha a vila de Monforte. Pela nação caripuná, que eram de parte a parte camaradas, foram informados os iuioanas que na parte em que ao presente está a cidade do Pará, se achava gente branca valerosa pelas suas armas e que faria timbre de os proteger. Continuavam as violências dos aroans, a fama do valor português os animava, o interesse do seu sossego e segurança veio a acabar com eles que
atravessassem a baía. Atravessaram-na, com efeito, para o lugar da cidade, e,
tendo logo a fortuna de nela encontrarem um parente seu que, em rapaz havia sido cativado pelos topinambás nos campos da ilha, batizado depois com o nome de João e, por alcunha, o Sapatu, deste se serviram como seu intérprete para pôr na presença do capitão-mor que então governava o Pará, a representação seguinte: 

Que as violências dos aroans os consternavam de modo que nenhum outro recurso lhes deixavam para a vida e liberdade mais que o que ousavam tomar de se abrigarem debaixo das armas portuguesas, de cujo valor e sucessos militares estavam bem informados. Que de boa mente se sujeitavam ao domínio d‘El-Rei de Portugal, protestando serem seus leais vassalos, se o capitão-mor os auxiliasse com soldados e oficiais que os ajudassem a vencer na guerra os aroans.
Foi aceita a sua fala e o sinal menos equivocado que levaram da sua boa aceitação foi o destacamento de soldados comandados por um capitão e mais oficiais, debaixo de cuja proteção se retiraram para a ilha e se apresentaram na aldeia que presentemente é a vila de Monforte. Ignorantes como estavam os aroans do reforço dos iuioanas, não tardaram em os assaltar. Incorporados com os soldados, saem-lhes ao encontro os iuioanas, baralham-se no conflito uns e outros. Os aroans, que querem escapar da morte, fogem para a praia do rio de água doce, distante da aldeia meia légua, costa abaixo; aqui são mortos os mesmos que fugiram. O que fica na praia são cadáveres. Apenas salvam as vidas os poucos que guardavam as canoas em que tinham vindo os aroans.
Estavam as tais canoas no rio Jovim, onde se tinha feito o desembarque. Daqui fugiram tão intimidados do que viram os aroans que as vigiavam, e tais notícias levaram aos poucos que as esperavam, que jamais intentaram outro combate. Tal foi o termo das violências que faziam os aroans da contracosta da ilha aos iuioanas, já há muito tempo retirados para a aldeia da costa fronteira. Conservou-se o destacamento de soldados até o tempo do Senhor Capitão-General Manoel Bernardo de Melo e Castro, em que ainda se nomeava o comandante da fronteira de Joanes, e foi o último nomeado Matias Paes de Albuquerque, que também era oficial maior da Secretaria do Estado do Pará.
O mesmo Senhor Capitão-General mandou recolher a última peça de artilharia que lá existia em um reduto de que apenas se percebem as ruínas. (En)quanto aos sucessos das nações na aldeia de Joanes, ficaram os iuioanas, por outro nome sacacas. Os seus inimigos aroans repartiram-se por várias aldeias, como eram a de Najatuba, na contracosta, hoje vila de Chaves; a aldeia da Conceição, hoje vila de Salvaterra; a aldeia de São José, hoje lugar de Mondim, todas da administração que foi dos capuchos. Os ingaíbas ainda existem nas duas vilas de Conde e de Beja, algum dia aldeias de Sumaúma e Murtigura, ambas da administração que foi dos jesuítas. Dos mocoans, mariapans e caripunás, por acaso existem alguns dos seus descendentes...
Até aqui a informação do sargento-mor pelo que respeita às antiguidades da ilha.
Eu a considero, no tocante a sua extensão, fertilidade e produções, rios, situações como o embrião, pelo menos, de uma vasta província. Corria o ano de 1757, quando ordenou o Senhor Capitão-General Francisco Xavier de Mendonça Furtado que para a Ilha Grande de Joanes partissem o ouvidor Pascoal de Abranches Madeira, o juiz de fora Feliciano Ramos Nobre Mourão e o inspetor geral que é da dita ilha, Florentino da Silveira Frade, para na ilha executarem as reais ordens de Sua Majestade, que mandava abolir o governo temporal e espiritual que tinham os missionários de Santo Antônio e São Boaventura nas aldeias chamadas missões, da sobredita ilha. Havia, no ano de 1756, descoberto o inspetor a contracosta do norte, por ordem que para isso teve do mesmo Senhor Capitão-General, como também atravessado o centro, depois de haver descoberto, no ano de 1754, o Camotim. Havia sido esta ilha da Baronia da Casa de Mesquitela no dia de hoje pertencendo-lhe de jure e herdade, e pondo nela como de alguns documentos consta o barão Luís de Souza de Macedo de Aragão Vidal, tanto ouvidor como as outras justiças, nomeado capitão-mor, ajudante, sargento-mor e criando a muitos desses capitães-mores seus lugartenentes; até nomeava o barão um juiz das demarcações, a quem pertencia demarcar as terras que em nome do barão dava o capitão-mor e o barão depois as confirmava. Havia Sua Majestade, em conseqüência das representações do seu capitão-general resolvido que era conveniente ao seu serviço entrar na propriedade da ilha, dando em seu lugar o viscondado de Mesquitela e, parece que, segundo ouvi, três mil cruzados mais, ficando Sua Majestade com o pleno domínio das suas terras.

[copia da internet, cf > http://www.filologia.org.br/pereira/textos/noticia_historica_da_ilha_grande_de_joanes.pdf ]

sexta-feira, 25 de abril de 2014

MÉRITO MARAJOARA: TER OU NÃO TER, EIS A QUESTÃO

Foto: Jetro Fagundes
Troféu mérito marajoara

Esse prêmio é do Jetro,
Nosso sumano querido,
Esse não foi comprado
Ele foi merecido.

Jetro é poeta de Deus,
É proclamador da Paz,
Marajoara de Breves,
Muito humilde esse rapaz.

Tiro o chapéu pra ele,
E lhe ofereço um café
Com farinha de tapioca,
E camarão com chibé.

Ubiraci Conceiçao





Além de todas as críticas justas ou injustas e de eventuais descontentamentos individuais ou partidários suscitados pela ideia de distinguir algumas personalidades e outras não, neste polêmico aniversário da entidade associativa de prefeitos da região do Marajó; não se pode pichar de demérito o prêmio que, doravante, irá aguçar interesse daqueles e daquelas que hão querer merecer semelhante distinção.

Já não venho à rede social fazer coro com um lado ou outro do público sobre as virtudes e defeitos do FÓRUM DO MARAJÓ (FDM), mas simplesmente agradecer aos que, entre funcionários e dirigentes da AMAM, gostam sinceramente da gente humilde marajoara. E que, por isto, viram-se obrigados a eleger entre tantos nomes alguns que mais representem os ribeirinhos que Eneida de Moraes da velha Academia do Peixe Frito chamou de "a Criaturada grande de Dalcídio". O povo marajoara que pela voz dos bispos do Marajó, desde 1999, pede socorro à nação brasileira no relutante PLANO MARAJÓ lançado em 2007 no municípios de Breves - palco da pax dos Nheengaíbas, que, segundo o Padre Antônio Vieira, deu termo a 44 anos de guerra de conquista do rio das Amazonas - e depois de sete anos de discussões redundantes, volta novamente à Casa Civil da Presidência da República para novas definições. 

Oxalá em 2015, último ano das metas do milênio pela ONU, pelo menos uma vigorosa ação federativa para erradicar o analfabetismo de adultos no Marajó se ache em curso. O que, por si só, faria subir alguns pontos positivos do triste IDH marajoara.

Foi tão só por causa desta gentinha tão insignificante, tão esquecida, tão marginalizada e de IDH tão pobre, que eu quis me dedicar ao fim da carreira pública de mais de 45 anos de serviços prestados aos três níveis de governo do País, nos últimos vinte anos de voluntariado com nome de fantasia GRUPO EM DEFESA DO MARAJÓ. O GDM de Theo Azevedo, Franklin Rebelo, Alonso Lins e Abel Lins com muitos outros velhos e novos sumanos, inclusive o governador Aurélio do Carmo e o ex-deputado Adenauer Góes. Não sou eu nem é meu o GDM que, deliberadamente, não tem sede fixa nem estatutos ou diretoria. Se alguém perguntar o que este inusitado grupo fez, nós respondemos: 'não fez nada nem irá fazer: nossa questão é cobrar daqueles que foram eleitos e são pagos para isto, que cumpram com seu dever... 

O GDM nasceu da extensão da UFPA nos encontros em defesa do Marajó, enquanto eu me encontrava no serviço consular brasileiro tratando de emigrantes brasileiros na vizinha Guiana francesa, muitos deles oriundos de municípios do Marajó. Fora do Consulado ainda me lembro de amigos e colegas que lá deixei e me preocupo com a situação fronteiriça que parece não melhorar ao longo do tempo. 

Embora tenha sido minha modesta pessoa portadora da homenagem representativa da comunidade de municípios marajoaras, na verdade foi em nome dos verdadeiros personagens representados na literatura de Dalcídio Jurandir que me levaram, de boa vontade, a aceitar o honroso prêmio da AMAM a qual também servi por pouco tempo. 

O "Mérito Marajoara" (simbolizado por peça igual a da foto acima, pertencente ao poeta Farinheiro Jetro Fagundes, que me honra com sua amizade) por ora se acha a meus cuidados é, sem dúvida, da criaturada que o GDM representou ou ainda representa. O GDM, a Academia do Peixe Frito, o Movimento Marajó Forte ou não importa quantos outros nomes venha ter a resistência desta brava gente, herdeira de direito e de fato de um singular patrimônio histórico que vem de tempos imemoriais sempre em marcha para o futuro, como foi dito neste mesmo blogue http://gentemarajoara.blogspot.com.br/2014/04/forum-do-marajo-conquistas-e-desafios.html.

Era isto que eu ainda precisava sublinhar, para expressar toda minha pessoal gratidão aos amigos que, talvez nas reuniões preparatórias do Fórum deste ano, lembraram-se de indicar meu nome entre tantos mais significativos. Obrigado e vamos adiante sem jamais esquecer o verdadeiro mérito desta luta de resistência: a gente marajoara (de quem fala, expressamente, a Constituição do Estado do Pará em seu Artigo 13, alínea VI, parágrafo 2º).

sábado, 19 de abril de 2014

FÓRUM DO MARAJÓ: CONQUISTAS E DESAFIOS PARA O DESENVOLVIMENTO



DIA 23, PELA MANHÃ E À TARDE, NO TEATRO DA ESTAÇÃO DAS DOCAS.



PROPOSIÇÕES PARA O II FÓRUM MARAJÓ (2015)
ANO DE ENCERRAMENTO DAS METAS DO MILÊNIO,
CONFORME COMPROMISSO DO BRASIL COM A ONU:
lembretes para uma possível e necessária

AGENDA MARAJÓ 2025


EM NOME DA CRIATURADA GRANDE DO CHAMADO 'ÍNDIO SUTIL' DALCÍDIO JURANDIR. 


É preciso desfulanizar os viventes e revivificar os mortos que mais tem merecendência a nossos olhos pela memória da gente. Inspiração do ritual xinguano do Kuarup, no DIA DO ÍNDIO. No caso do Marajó, não são poucos os nossos mortos que perpetuamente merecem ser relembrados por nós que um dia mais adiante iremos, inevitavelmente, nos juntar a eles na terra futura do além - não pelos que já partiram e atravessaram a fronteira desta vida, é claro. Mas, por nós mesmos, por nossos filhos, netos e mais parentes e aderentes da brava gente remanescente dos antigos Marajós.

Em primeiro lugar, todo marajoara decente carece lembrar o velho parente ÍNDIO DESCONHECIDO da nossa ancestralidade. O antigo marajoara de mil e quinhentos anos de idade, habitante da primitiva aldeia suspensa no primeiro teso (sítio arqueológico), da primeira cultura complexa da Amazônia. Aquele artesão imemorial que, com as próprias mãos, elaborou a cerâmica da CULTURA MARAJOARA transformada do barro dos começos do mundo. 

Pois é certo, nós devíamos saber -- como o MUSEU DO MARAJÓ ensina com "cacos de índio" --,  que cada teso foi uma das muitas e diversas aldeias históricas do Marajó. Mas, desgraçadamente, muito cedo começou a destruição dos índios marajoaras, poucos meses antes do descobrimento do Brasil. Quando, no ano de 1500, o espanhol Vicente Pinzón arrancou da ilha do Marajó os primeiros "negros da terra" da América do Sul.

Assim, com o brutal cativeiro indígena foi antecipada em cem anos, aproximadamente, a escravidão de nossos irmãos "negros da Guiné" que iriam começar a chegar com as feitorias holandesas e na fuga foram se refugiar, tal qual nas ilhas do Caribe e Guianas; junto a índios bravios formando deste modo os mocambos (quilombos) que existiram pelos centros da ilha grande, origem da Jebre medonha (esconderijo de ladrão de gado e piratas de rio) até nossos dias. E também com a chegada dos primeiros escravos africanos do engenho dos frades das Marcês, em Santana do Arari (1696), e mais fazendas desta mesma ordem e do Carmo. 

Como me disse um sumano, verão de 2003, em Santa Cruz do Arari à hora da sesta enquanto a fazenda dormia: "os cabocos sabem que os brancos não sabem...". Pensei eu, cá com meus botões, ignorância com ignorância se paga. E assim, o Marajó velho de guerra das tribos nheengaíbas é o reino da dormideira da Boiúna na enorme sesmaria insular do Gigante adormecido.  

É preciso recuperar a memória dos sumanos a respeito destes nossos primeiros parentes à entrada de cada cidade de nossos dezesseis municípios. Todos eles surdidos do controvertido Diretório dos Índios (1757-1798) -- a maior parte das cidades marajoaras teve origem em aldeia indígena como, por exemplo, Mariocai (Gurupá), Aricará (Melgaço), Arucaru (Portel), Iona (vulgo Joanes, Salvaterra), Aruã (Chaves), Maruaru (Curralinho). Mesmo Ponta de Pedras, algum dia Itaguari ONDE O MARAJÓ COMEÇA por via do rio Marajó-Açu, conforme vetustos documentos históricos comprovam, berço do "índio sutil" (Dalcídio Jurandir, assim saudado por Jorge Amado na solenidade de entrega do Prêmio Machado de Assis de 1972, primeiro e único prêmio da Academia Brasileira de Letras, até hoje, a um romancista da Amazônia) teve lá seus começos na "aldeia das Mangabeiras" (hoje Mangabeira) criada no ano de 1686, que mais tarde incorporou a velha aldeia nativa dos Guaianá (ditos "Guaianases"), transformada em Lugar de Vilar (convertido em agrovila Antonio Vieira, pelos anos de 1970, no interessante processo de desenvolvimento "kibutziano" empreendido pelas duas cooperativas da outrora Prelazia e hoje Diocese de Ponta de Pedras. 

O extinto Igarapé do Vilar hoje sepultado pelo barro e o matagal, outrora de frente para a baía do Marajó onde a velha aldeia nativa Guaianá existia (cf. "Notícia Histórica da Ilha Grande de Joanes, ou Marajó" (1783), do naturalista Alexandre Ferreira Rodrigues), com a aldeia das Mangabeiras meia légua acima foram elevadas, em 1758, respectivamente, em Lugar de Vilar e Lugar de Ponta de Pedras, antiga aldeia jesuíta como a Camboa dos Padres nos recorda e o povo desmemoriado já chama "camboa de pedra". 

Esta a origem histórica do município de Ponta de Pedras com sua sede transferida para a margem do Marajó-Açu, cerca de 1737, e autonomia alcançada com a instalação da Câmara da vila nova de Ponta de Pedras, em 30 de Abril de 1878, há 136 anos. A pergunta que não quer calar: e se a terra natal do índio sutil, despertando seu patrimônio e identidade na certeza de que, efetivamente, na coluna do Itaguari O MARAJÓ COMEÇA (não só pela ligação geoturística umbilical com Belém, mas também pela história da colonização); resolver empreender a refazenda da "Aldeia das Mangabeiras" e/ou a "Aldeia dos Guaianases"?

Na Mangabeira, a aldeia restaurada poderia ser escola-albergue para ecoturismo com a comunidade. E a revitalização do extinto Igarapé do Vilar daria espaço a uma aldeia de experimentação agroecológica voltada para a cultura alimentar integrada à agricultura familiar. Não podemos desistir da candidatura da APA-Marajó como reserva da biosfera reconhecido pelo Programa O Homem e a Biosfera (MaB) da UNESCO: ao mesmo tempo que o complexo do Ver O Peso, com a Academia do Peixe Frito inclusive, se acha em curso para ser considerado Paisagem Cultura e o Círio de Nazaré já é patrimônio da humanidade, tendo o "carnaval devoto" (lado profano da festa religiosa) como atrativo de turismo gastronômico.

É certo pois que o centro histórico de Belém e as Ilhas do entorno, em especial Marajó; constituem a mesma paisagem natural e cultural. Portanto, a pré-colonial aldeia Mayri que antecedeu a Cidade Velha deveria dialogar com a refazenda das citadas aldeias marajoaras, a partir de Ponta de Pedras (Mangabeira). 

Pois, com esta rememoração histórica pouco conhecida, infelizmente, pisada pelo esquecimento para triunfo da equivocada imagem do Búfalo como "símbolo" da cultura marajoara brega; queremos provocar discussão construtiva a fim de que cada cidade do Marajó venha a ter totem de informação turístico-cultural, como lugar de memória da antiga CULTURA MARAJOARA de mil e quinhentos anos de idade.

Considerando que Marajó é polo turístico reconhecido pelo Ministério do Turismo a proposição poderá ser objeto de projeto de SINALIZAÇÃO TURÍSTICA em parceria com o Estado e os ministérios da Cultura e da Educação sob demanda da AMAM através da SETUR. Deste modo, a comunidade marajoara deve ser informada de que, embora a comunicação institucional enfatize Ponta de Pedras, Salvaterra e Soure como municípios turísticos prioritários para o Plano Estratégico VER-O-PARÁ; este fato não exclui os mais municípios do Marajó de desenvolver atividades turísticas, contando com recursos adicionais. 

Chamo atenção do público para o Protocolo entre o Pará e a Martinica, assinado em Belém no dia 16 último. Um instrumento de cooperação internacional descentralizada que retoma e impulsiona o criativo processo de relações transfronteiriças com as Guianas (inclusive Amapá, sendo que no Brasil não se sabe que as ilhas do Marajó são partes geográficas das extensa área cultural guianense, que se estende além do Cabo do Norte até a ilha de Trininad, no Caribe, distante apenas 10 km da Venezuela, no golfo de Paria) e as Antilhas. 

Era honorário o primeiro consulado brasileiro na Guiana francesa, ele foi aberto pelo dentista brasileiro Dr. Chalu Pacheco para ajudar o povo guianense, isolado da França sob ocupação nazista na II Guerra Mundial, a buscar abastecimento através do porto de Belém do Pará. Subsistiu dali em diante vice-consulado diretamente ligado a Brasília, que em 1985 foi transformado em consulado dirigido por diplomata de carreira. Este intercâmbio com as Guianas foi implantado, ultimamente, para regularizar o comércio que sempre existiu e a combater o tráfico ilegal. Porém, a virada para promoção comercial e intercâmbio cultural deu-se mais com aproximação do Pará com as Antilhas francesas, há 25 anos em parceria com o Ministério das Relações Exteriores, através do então Consulado e hoje Consulado-Geral do Brasil em Caiena com jurisdição sobre a Guiana francesa, Guadalupe e Martinica. Apenas para registro, a presença do servidor marajoara que vos fala, nos quadros do Ministério das Relações Exteriores mandado servir em Caiena (1985-1990), se acha inserida no início desta história. Deste modo, fomos encarregados juntos à AMAM para organizar recepção à delegação do presidente do conselho geral da Guiana, o já falecido Elie Castor e comitiva de prefeitos e vereadores guianenses ao Marajó (Soure, Salvaterra e Cachoeira do Arari). E, reciprocamente, viagem a Guiana francesa de uma delegação da AMAM com prefeitos e vereadores do Marajó acompanhados de Giovanni Gallo, do MUSEU DO MARAJÓ, e representantes do campus da UFPA em Soure, Museu Goeldi e do IPHAN.

A seguir, no prosseguimento da tarefa determinada por minha consciência política e formação social, a título de colaboração com a comunidade de municípios marajoaras, através da AMAM, passo a listar algumas sugestões para discussão do FÓRUM DO MARAJÓ nesta e futuras oportunidades. 

Informando ademais, a quem interessar possa, que o caboco que vos fala tem tempo de serviço prestado à AMAM, notadamente entre 1994 e 1996; quando colocado pelo Ministério das Relações Exteriores à disposição da Prefeitura de Ponta de Pedras coordenou junto à AMAM intercâmbio com a Guiana Francesa e tentou implantar a denominada "Fundação Dalcídio Jurandir - FunDAL", autorizada em lei pela Câmara Municipal de Ponta de Pedras, assim como a frustrada realização do "Projeto de Execução Descentralizada - PED Guaianá", financiado pelo PPG7/Banco Mundial através da extinta SECTAM. Estes episódios citados, longe de ser um fracasso pessoal ou da gente marajoara constitui valioso acervo de experiências para futuras realizações.

Ideias que poderiam, perfeitamente, ser atualizadas em discussão permanente posterior ao FÓRUM DO MARAJÓ, que ora tem começo, com vistas à programação participativa duma agenda de médio prazo, fazendo parte de banco de dados para o desenvolvimento sustentável do Marajó.

  • Acredito que a arqueóloga Denise Shaan será homenageada no próximo dia 23 com o Mérito Marajoara. Ato que, sem dúvida, valorizará a comenda. Seu trabalho no Marajó tem fundamental importância para melhoria do IDH de nossa gente integrando o saber científico ao conhecimento tradicional representado, sobretudo, pelo ecomuseu do homem marajoara, que é de direito e de fato, O NOSSO MUSEU DO MARAJÓ com sua sede em Cachoeira do Arari e que deveria se estender a todos municípios, na forma de uma fundação; conforme última vontade de seu criador, o padre Giovanni Gallo, constante da obra "Motivos Ornamentais da Cerâmica Marajoara".  
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  • Enquanto povo, estamos devendo título de cidadã do Estado do Pará, através da bancada de deputados eleitos com os votos dos marajoaras na Assembleia Legislativa do Estado do Pará, à gaúcha Denise Pahl Shaan que nos ensinou mais do que já sabíamos sobre nosso antepassado "homem do Pacoval", para tomar emprestado título da obra do ilustre diletante Raymundo de Morais.

  • O problema que hoje se apresenta com a situação surrealista da conservação do MUSEU DO MARAJÓ e seu sub-emprego no desenvolvimento humano do povo marajoara é uma atitude acovardada do Poder Público que aproveita a boa vontade de umas poucas e abenegadas pessoas da comunidade de Cachoeira do Arari para não deixar a obra fechar, como o literal "tombamento" da casa do escritor Dalcídio Jurandir. Assim passam-se os dias como se ninguém tivesse nada a ver com nada disso, visto apenas como caso local: mas, a própria autobiografia do padre Giovanni Gallo - inconveniente para nossos costumes políticos - também é auto explicativo desta estranha leniência brasileira, enquanto o muro das lamentação do IDH da pobreza dos municípios do Marajó não tem fim. Mas se, justamente, o casamento da Ciência com o "savoir faire" da comunidade é a cara do MUSEU DO MARAJÓ... 
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  • Na qualidade de interlocutor federativo necessário nas relações institucionais entre os Municípios, Estado e União, a associação oficial de Prefeitos do Marajó AMAM face à polêmica execução do "Plano de Desenvolvimento Territorial Sustentável do Arquipélago do Marajó - PLANO MARAJÓ" e mais execuções de planejamento da região do Marajó poderia vir a criar, com apoio estadual e federal, agência de desenvolvimento sustentável, da qual a própria AMAM seria capacitada a exercer o gerenciamento compartilhado com as prefeituras. Inclusive, no que diz respeito à Carta de Muaná, datada de 08/10/2003, da qual a AMAM foi signatária em conjunto com a Diocese de Ponta de Pedras, Grupo em Defesa do Marajó (GDM), cooperativa de mulheres CEMEM, ong CAMPA além de outras entidades do movimento social; pedindo a candidatura da área de proteção ambiental do arquipélago do Marajó como reversa da biosfera, na lista amazônica do Programa O Homem e a Biosfera, da UNESCO.

  • Considerando que a AMAM já presta significativa homenagem com nome de DALCÍDIO JURANDIR ao auditório de sua sede em Belém, vislumbra-se aí oportunidade de parceria com a Secretaria de Estado de Turismo (SETUR), Secretaria de Estado de Cultura (SECULT), Secretaria de Estado de Meio Ambiente (SEMA) e a Universidade Estadual do Pará (UEPA) para elaboração de projeto específico em torno da promoção de um turismo de natureza e cultura tradicional mediante criação da fundação CASA DE DALCÍDIO JURANDIR destinada a geração de produtos sustentáveis com inclusão socioambiental em cooperação nacional e internacional descentralizada.
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  • Caso a fundação supracitada, sob coordenação geral da agência da AMAM antes sugerida, venha a ter existência legal parceria da Casa de Cultura Dalcídio Jurandir, com sede em Niterói, no Rio de Janeiro; poderia trazer a Editora da UFPA a participar deste arranjo de cultura criativa, assim como também a Editora da UEPA, contribuindo assim aos esforços gerais empreendidos pelo governo do Estado do Pará, com apoio do Consulado Geral do Brasil em Caiena, para aproximar as regiões das Guianas e Caribe ao norte brasileiro. Onde a literatura do maior escritor marajoara de todos os tempos faria excelente papel de marketing cultural num roteiro internacional de turismo literário, formador de opinião com referência aos mais setores de desenvolvimento regional sustentável.
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  • Estamos lembrados que nas tratativas para criação da Feira Internacional de Turismo da Amazônia (FITA), em 2004, há 10 anos passados; foi deixado convite ao eterno ministro da Cultura da França e sempre Deputado na Assembleia Nacional de Paris, Jack Lang, a visitar Marajó passando pela Guiana francesa e Belém com nítida intenção para demarcar roteiro de turismo sob égide do autor de "Chove nos campos de Cachoeira". No ano seguinte, Jack Lang veio ao Marajó em no meio da viagem telefonou ao ministro brasileiro da Cultura Gilberto Gil sugerindo atenção conjunta para difusão da obra para o público francófono (que vai muito além da França). Além disto, Lang ofereceu-se, gentilmente, a ser "embaixador honorário" do Pará, inclusive para articular geminação de Belém com Boulogne Sur Mer (maior centro oceanográfico e porto de pesca da França, na esperança de que finalmente teríamos em Belém o grande aquário amazônico pedido pelo trade de turismo marítimo, nos anos de 1970). Minhas lembranças sobre isto não são as melhores do meu currículo para mais de 40 anos de serviço público nos três níveis de competência municipal, estadual e federal, no que concerne às autoridades da parte brasileira, com as devidas exceções, naturalmente. Dentre as honrosas exceções é justo ressaltar o nome do amigo do Marajó, doutor Adenauer Góes, que aliás nunca fez campanha na ilha para pedir votos. 
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  • A iniciativa do FÓRUM DO MARAJÓ, por feliz coincidência, é um refrigério para mim: quando me dou conta que, depois de 25 anos de tentativas para melhorar a imagem do meu país nas Guianas e Antilhas, onde muitos de meus conterrâneos são vistos tão só como "imigrantes cladestinos" e ricos contrabandistas, de parte a parte, fazem fortunas sobre seus ombros; o acordo de cooperação Pará-Martinica pode ser um começo de uma nova história nas relações entre a Amazônia e o Caribe em 500 anos. O Marajó velho de guerra é descendente dos antigos Tainos e Kalinas mesclados nas famílias Nuaruaques. Na ilha Madinina (Martinica) um poeta amado por seu povo, chamado Aimé Cesaíre, pai da Negritude; fez uma revolução através da Educação e da Cultura e hoje uma população, comparável aos 400 mil marajoaras habitantes do maior arquipélago fluviomarinho do mundo ostentando IDH africano; num território de menos da metade do tamanho do município de Ponta de Pedras aparece, na lista da ONU, em posição de destaque entre os mais altos indicadores de desenvolvimento social, com IDH 0,904 um pouco acima da Dinamarca (IDH 0,901). "Quando Marajó desencanta?" Dalcídio Jurandir nos deixou esta grave questão para responder.
  •  
  •  Para finalizar, registro outra coincidência notável: no dia de aniversário da terra natal de Dalcídio Jurandir, ilustre desconhecido da gente marajoara; no próximo dia 30 de Abril, o país natal do poeta Amado da Martinica será oficialmente recebido na Associação de Estados do Caribe (AEC) em mais um passo para sua autonomia. Havendo entendimento, iniciativa da AMAM dentro do Protocolo de Cooperação Pará-Martinica, poderá chegar a importantes resultados. Como, por exemplo, estabelecimento da fundação Casa de Dalcídio Jurandir (talvez, um casarão da Ladeira do Castelo, por onde caciques Nheengaíbas desembarcaram em Belém na quaresma de 1659, atendendo a convite do Padre Antônio Vieira para conferência de paz no convento de Santo Alexandre, concluída na pacificação da ilha do Marajó, no rio Mapuá (Breves), em 27 de Agosto de 1659). O Pará do Brasil sentinela do Norte tem porto no Caribe, todo mundo já sabe pela canção caribenha de Paulo André e Ruy Barata. Porém a gente ainda não sabe que o velho circum-Caribe , muito antes de Colombo chegar às Bahamas, fez morada na ilha do Marajó. A sugerida fundação Casa de Dalcídio Jurandir sendo centro cultural da AMAM, com espaço disponível à exposição permanente do MUSEU DO MARAJÓ e rede de museus marajoaras - e por que não para nossa Academia do Peixe Frito com uma virtual "aldeia Mayri" em exposição da identidade indígena de Belém nos seus 400 Anos, criada pelo poeta da negritude amazônica, Bruno de Menezes, como cantina de degustação da culinária tradicional marajoara? - teria com certeza uma lugar cativo para Aimé Cesaire e galeria de personalidades tais como Léon Gontra Damas e outros que nos poderiam ajudar a conquistar um IDH decente até o horizonte de 2025, pelo menos.   

 QUEM ESTIVER DE ACORDO levanta a mão e vamos!

sexta-feira, 18 de abril de 2014

Viver para para contar (a estória de Vilarana, no fim do mundo, invasão paresque da periferia de Macondo meia légua abaixo de Santa Maria).






Gabriel Garcia Marquez
Gabo pegou o "Expresso Macondo" deu adeus e partiu de
volta à terra natal inventada por sua própria conta e risco.





"Ah moradores do Maranhão, quanto eu vos pudera agora dizer neste caso! Abri, abri estas entranhas; vede, vede este coração. Mas ah sim, que me não lembrava! Eu não vos prego a vós, prego aos peixes." -- Padre Antonio Vieira, "Sermão aos Peixes" (São Luís-MA, 1654).

 
DE VOLTA A MEU ACONCHEGO


É preferível sofrer cegueira dos olhos do que do espírito. Isto é, da inteligência. Por que a burrice é uma cegueira desconforme, posto que tem cura quando o cego neste caso queira curar-se a si mesmo. Porém a pior cegueira é de quem não quer ver. Entre fezes e urina nascemos. Todo mundo nasce cego, faminto, desdentado, ignorante e não anda com as próprias pernas.

Eu nasci assim, como todo mundo, num lugar chamado o "Fim do Mundo", à ilharga do Curro Municipal na beira do rio Marajó-Açu que dá nome a toda ilha do Marajó e adjacências, suburbiozinho da antiga vila Itaguari.  Sei que vou morrer não sei o dia nem a hora... Pode ser agora ou daqui a quarenta e tantos anos... Vou andando devagar e remando pela beira, passarei novamente pela velha aldeia da Magabeira, aonde um dia hei de voltar. Por que, uma certa vez, estive como asilado na Ilha do Diabo junto ao Inferno Verde e um camarada chileno exilado das diabruras da ditadura de Pinochet, naquelas bandas das Franças equinociais; me ensinou aquilo que eu já desconfiava desde quando eu era menino jito em Vilarana: 

a gente, paresque, tem que deixar nossa aldeia de infância pra trás e crescer na vida para descobrir o mundo. A fim de saber, enfim, que o melhor lugar do mundo é a nossa velha aldeia natal. Pois que, a parte que me cabe neste latifúndio eu mesmo faço, com régua e compasso do Fim do Mundo.

Agora nós estamos de pé, minha aldeia e eu! Desde a primeira manhã após a primeira noite do mundo...

Fronteira entre a dura realidade e o sonho da madrugada de uma Terra sem Males feliz para todos, vizinha ao Macondo, não longe de Santa Maria de além mar, vizinha de Madinina no reino encantado do poeta Cesário amado do povo do Caribe. Entre o céu profundo e as grandes combustões do funda da terra no mar negro das Antilhas.

Desde jito quis eu saber quem inventou o mundo. Por acaso e necessidade tive que sair do Fim do Mundo a procura do mundo lá fora. Buscar pelas respostas às mais angustiantes questões que ainda me perseguem depois de tonto (sic) tempo. Agora quero armar minha rede mítica e dormir ao pé do Araquiçaua: sítio utópico onde o sol se deita esperando a lua chegar no rio invisível além do horizonte...

Plantar estacas altas da atalaia do Norte e erguer minha tenda de judeu errante no deserto, negro da terra emigrante na diáspora afro-americana acamaradado de índios pretos e crioulos caribenhos; mouro cristianizado a muque; bárbaro celtíbero romanizado pelas falanges de César, índio bom civilizado sob sete palmos de terra para fertilizar verdes campos de plantation de cana e bananas e dar meu sangue e os próprios ossos do tempo ancestral como alicerce à santa madre Civilização acidental.

De pé ao fim da madrugada, a contemplar a estrela da manhã! Desde a primeira manhã na aldeia replantada rumo a porto Caribe na rota do contrabando e das grandes falsificações da história. Pelo avesso mar da estória. De derrota em derrota até a vitória final de Vilarana contra a aldeia global e o grande esquecimento da Criaturada grande de Dalcídio.

Levei comigo guardados mitos dos começos do mundo saídos da caixa de Pandora com a primeira noite do vasto mundo. Um caroço mágico de tucumã guardado pela cobragrande Boiúna no fundo do rio por baixo da ilha chamada do Coati, no sometume da história: passagem secreta para baixo do altar-mor da igreja da senhora do Tempo, na vila que nem vila era. 

Por ventura, Vilarana anda comigo aonde quer que eu vá. Que nem a imaginária Santa Maria seguiu a Juan Carlos Onetti como sua própria sombra e o Macondo se tornou carne e unha da ficcional pessoa de Gabriel Garcia Marques.

Por este autêntico princípio antropoético, creio por que é absurdo! Quem for cego e surdo que se cuide de tratar com os caruanas sacacas da ilha grande dos Marajós. Caso contrário a doidice do vasto mundo não terá remédio. E os donos do poder, pobres coitados, nunca mais hão de saber da glória insuperável de um babalorixá tal qual Bruno de Menezes, falado em verso e prosa no Ver O Peso, com certeza, nosso guia na academia do peixe frito da Terra sem Males a festejar São Benedito da Praia sob ritmos de Batuque. 

Grande solenidade em Vilarana, esta semana, para homenagear o retorno de Garcia Marques ao país natal. O pai da negritude Aimé Cesaire, em grande estilo, estava lá com Édouard Glissant, Franz Fanom, Carpentier, Léon Damas, Senghor, o genro de Marx, Paul Lafargue; acompanhado de sua amada Laura companheira na vida e na morte. Com estes, muitos outros a dar boas vindas ao autor de "Cem anos de solidão"...

Com a palavra, o venerável soberano da negritude arquetípica da Martinica: 
(tradução brega do caboco Zé Varela).

No fim da madrugada, poças dispersas, perfume errante, furacões naufragados,
navios encalhados, velhas chagas, ossos apodrecidos, lamaçal, vulcões acorrentados, mortos
mal enraizados, grito de amargura. Eu aceito!


        E também minha original geografia; o mapa do mundo 
feito para meu uso,
não pintado de arbitrárias cores acadêmicas, mas a geometria

de meu sangue espalhado, eu aceito
        e a determinação de minha biologia, não prisoneira 
dum ângulo facial, duma forma de cabelos,
dum nariz suficientemente achatado, duma tez suficientemente

dotada de melanina,
e a negritude, não mais um índice encefálico, ou um plasma, 

ou um corpo, mas medida ao compasso do sofrimento
        e o negro a cada dia mais baixo, mais acovardado, 
mais estéril, menos profundo,
mais excluído, mais apartado de si mesmo, menos ligado

consigo mesmo,
        eu aceito, eu aceito tudo isto
        e longe do mar de palácios que desfilam sob a maré de sizígia supurante de ampolas, maravilhosamente reclinado o corpo de meu pais no desespero de meus braços,
seus ossos alquebrados e, em suas veias, o sangue que hesita 

como a gota de leite vegetal na pointa cortada de um bulbo...
        Eis que de repente força e vida me assaltam como um touro
e a onda de vida contorna a papila do morro, eis todas veias 
e vasos que se empoderam no sangue novo e o enorme pulmão
dos ciclones que respira e o thesaurus de fogo dos vulcões
e o gigantesco pulso sísmico que bate agora
a medida de un corpo vivo em meu firme abraço.

        E nós estamos de pé agora, meu país e eu, 
cabelos ao vento, minha mão pequena agora 
dentro de seu punho enorme e a força não está em nós, 
mas acima de nós, com uma voz que gira na noite e se ouve como
penetrância duma vespa apocalíptica
. E a voz diz que a Europa durante séculos nos encheu de mentiras e nos inchou de pestilências,
        pois não é verdade que a obra humana está terminada
        que nós não temos mais nada a fazer no mundo
        que nós parasitamos o mundo
        e que basta que nós sigamos o passo do mundo
        mas a obra do homem vem apenas de començar
        e resta a humanidade conquistar toda proibição imobilizada aos cantos de seu fervor
        e nenhuma raça não tem o monopólio da beleza, 

da inteligência, da força
        e há lugar para todos no encontro da conquista e nós sabemos agora que o sol roda em torno de nossa terra clareando a parcela que a sido determinada por
nossa vontade unicamente e que toda estrela cai do céu em terra

a nosso comando sem limite.

(trecho original do célebre poema de Aimé Cesaire)

Au bout du petit matin, flaques perdues, parfum errants, ouragans échoués,
coques démâtées, vieilles plaies, os pourris, buées, volcans enchaînés, morts
mal racinés, crier amer. J'accepte !
        Et mon originale géographie aussi ; la carte du monde faite à mon usage,
non pas teinte aux arbitraires couleurs des savants, mais à la géométrie de mon sang
répandu, j'accepte
        et la détermination de ma biologie, non prisonnière d'un angle facial, d'une
forme de cheveux, d'un nez suffisamment aplati, d'un teint suffisamment mélanien,
et la négritude, non plus un indice céphalique, ou un plasma, ou un soma, mais
mesurée au compas de la souffrance
        et le nègre chaque jour plus bas, plus lâche, plus stérile, moins profond,
plus répandu au-dehors, plus séparé de soi-même, moins immédiat avec soi-même,
        j'accepte, j'accepte tout cela
        et loin de la mer de palais qui déferle sous la syzygie suppurante des
ampoules, merveilleusement couché le corps de mon pays dans le désespoir de mes bras,
ses os ébranlés et, dans ses veines, le sang qui hésite comme la goutte de lait
végétal à la pointe blessée du bulbe...
        Et voici soudain que force et vie m'assaillent comme un taureau et l'onde
de vie circonvient la papille du morne, et voilà toutes les veines et veinules qui
s'affairent au sang neuf et l'énorme poumon des cyclones qui respire et le feu
thésaurisé des volcans et le gigantesque pouls sismique qui bat maintenant la
mesure d'un corps vivant en mon ferme embrasement.
        Et nous sommes debout maintenant, mon pays et moi, les cheveux dans le
vent, ma main petite maintenant dans son poing énorme et la force n'est pas en nous,
mais au-dessus de nous, dans une voix qui vrille la nuit et l'audience comme
la pénétrance d'une guêpe apocalyptique. Et la voix prononce que l'Europe nous a
pendant des siècles gavés de mensonges et gonflés de pestilences,
        car il n'est point vrai que l'oeuvre de l'homme est finie
        que nous n'avons rien à faire au monde
        que nous parasitons le monde
        qu'il suffit que nous nous mettions au pas du monde
        mais l'oeuvre de l'homme vient seulement de commencer
        et il reste à l'homme à conquérir toute interdiction immobilisée aux coins
de sa ferveur
        et aucune race ne possède le monopole de la beauté, de l'intelligence, de la
force
        et il est place pour tous au rendez-vous de la conquête et nous savons
maintenant que le soleil tourne autour de notre terre éclairant la parcelle qu'a fixée
notre volonté seule et que toute étoile chute de ciel en terre à notre commandement
sans limite.

Aimé Césaire, Cahier d'un retour au pays natal, Ed. Présence africaine