sexta-feira, 22 de agosto de 2014

UZINA DE LUZ



o chalé da família João Ramos da Silva


"UZINA DE LUZ" DE PONTA DE PEDRAS DA SAUDADE


Hoje meu pai completaria 110 anos de nascimento se ele ainda estivesse conosco. Todavia, como ele já se foi eu quero recordá-lo falando do progresso de outrora em nossa amada terra marajoara de Ponta de Pedras ao tempo do prefeito lavrador da Mangabeira, o gestor progressista Wolfango Fontes da Silva, mais conhecido como Fango.

'Seu' Rodolfo [Rodolpho Antonio Pereira, meu pai] era um naturalista nato e conservava de memória muita história do lugar que ele me contava repetidas vezes, entre as quais a história da colônia da Mangabeira e transformação da "Uzina de Luz" em fábrica de beneficiamento de produtos agrícolas pelo Fango, caso que vou recordar mais adiante. 

Me lembrei dessa história, por motivo da privatização da antiga "Força e Luz do Pará" (transformada em "Centrais Elétricas do Pará - CELPA"), antes avacalhada "Foi-se a Luz", de modernização em modernização, escorregou à boca do dragão da privatização. Agora, o monopólio que era da iniciativa pública ficou na privada, e olha nós aqui a ter que escolher entre o assalto via tarifaço ou o apagão.

Meu pai era caçula de uma família de sete filhos (Sophia Tautonila, Raymundo, Laudelina Diva, Ambrosina, Otaviano Celso, o natimorto Manuel e Rodolpho Antonio) formada pelo rábula da cidade, Alfredo Nascimento Pereira; e pela índia Antônia Silva, que foi aluna e depois mulher do professor meu avô, nomeado inicialmente para lecionar na vila de Muaná e transferido posteriormente para a vila de Ponta de Pedras, onde veio a conhecer a minha avó indígena e suas duas irmãs, Joana e Serafina, todas elas vindas da antiga aldeia da Mangabeira para aprender as primeiras letras e tabuada. Portanto, o ensino foi a liga que juntou a grande família do capitão Alfredo e suas três mulheres e virou tradição.

Rodolfo era gêmeo do natimorto Manuel e ficou ele órfão de mãe durante o parto difícil. Com a viuvez, o capitão meu avô formou sua segunda família, desta vez com dona Margarida Ramos, uma admirável mulher negra descendente de escravos em Ponta de Pedras; com esta meu avô teve mais seis filhos (Flaviano, Dalcídio José, Ritacínio, Lindinha, Mariinha que faleceu em tenra idade por afogamento acidental no quintal inundado da casa em Cachoeira, e Alfredina). 

O segundo filho deste segundo casamento veio a ser o romancista Dalcídio Jurandir e em sua obra premiada pela Academia Brasileira de Letras se acham vestígios da grande família marajoara, confundida com a criaturada grande do autor. A começar do alter-ego Alfredo, nome próprio do patriarca nascido na vila de Benfica, Benevides; filho do voluntário da pátria, na guerra do Paraguai, meu bisavô Raymundo Pereira. Alfredo pai de Dalcidio, por horas no romance anda como se o personagem Major Alberto fosse, em realidade, fosse a sombra do capitão Alfredo N. Pereira, redator da folha miúda "O Arary", e secretário da Intendência da vila de Cachoeira. 

Ficção e realidade se misturam no quebra-cabeças da crítica literária. Dalcídio é difícil, não todavia para boa parte da gente que lê romances nas três vilas Cachoeira, Muaná e Ponta de Pedras: por ali os personagens estão à flor da pele de determinados viventes, às vezes com desconforto. Dona Amélia é como retrato fosse de dona Margarida Ramos na vida real. E o capitão ficou viúvo pela segunda vez e se casou, pela derradeira; com dona Isabel Trindade, também negra como a segunda esposa e que acrescentou a esta família marajoara mais cinco filhos (pelos apelidos, que minha memória já claudica: Chuchuta, Anaspiano, Mimi, Vivi e Adeflorindo). Meu avô paterno somou 18 filhos, todos reconhecidos em cartório de registro civil com nome de família Pereira. Curiosamente, sou mais velho que meu último tio.

Rodolfo Pereira foi criado por sua irmã mais velha, Sophia Pereira; a qual ele chamava de mãe. Por isto eu e minhas duas irmãs nos acostumamos a chamar de avó à nossa tia. Vó Sophia e tia Lodica ficaram solteironas e muitas coisas que hoje sei aprendi com as duas e com o filho de criação das ditas duas. Tão unidas que às vezes pareciam ter até os pensamentos de uma só pessoa. De minha mãe (Othilia) vem a Espanha, aliás a Galiza; agrária, conservadora, católica apostólica romana até os miolos. Mas, também, na contraparte por necessidade incontornável tivemos aí a África marajoara enrustida na herdade deixada por um bisavô escravista contemplado nos sequestros do Marquês de Portugal. Onde tenho lá minhas raízes no purgatório sebastianista ou no inferno verde da utopia selvagem da Terra sem males: ninguém escapa de um labirinto assim sem feridas na alma e sequelas no corpo. Cada carência ou cicatriz uma história que leva a outra história e a outra e outra até o fim. Vale o dito: libertas e serás também. 

A VOZ DA GUERRA NO CHALÉ DO JOÃO RAMOS

Acho que foi isto -- libertar a si mesmo e os outros pela usina de luz do saber e da arte --, que meu avô Alfredo, descendente de cristão-novo português e suas três mulheres de "cor" tentaram, sem barulho, por toda vida com a criativa prole mestiça de dezoito Pereiras a se dispersar pelos caminhos mundo. 

Tal qual na profecia do preto velho Bibiano a seu neto Alfredo, na beira da mata de Areinha, em Muaná entre pés de miriti, "Passagem dos Inocentes" (se por acaso, a paisagem imaginária não tiver nascido no Campinho, em Ponta de Pedras; terra natal do autor do romance). Só os ossos dos avós restam naquela cidade... Dos dezoito filhos do capitão só a mais "nova" ainda está viva, bastante idosa, morando no Rio de Janeiro. Netos e bisnetos andam longe do Marajó a cuidar da vida.

Quando eu me entendi por gente era prefeito de Ponta de Pedras o senhor Fango e ele havia dois legítimos orgulhos de sua governança: a "Uzina de Luz", que trabalhava dia e noite -- respectivamente, no beneficiamento da produção agrícola e na iluminação pública e residencial; e a invejável colônia agrícola da Mangabeira, contando com valorosos colonos refugiados das grandes secas do Nordeste. "Seu" Fango, apesar de tudo, não era uma unanimidade entre os conterrâneos pois ele recebia críticas constantes da pequena burguesia da vila, que o chamava de "prefeito de tamancos" e fria indiferença dos grandes fazendeiros, que não careciam da prefeitura, absolutamente, para nada.

Meu pai era homem cordial e discreto, criava a familia e cuidava de sua mãe adotiva e da irmã Lodica com o empreguinho público de administrador do Mercado e do Curro Municipal. Mas, ele na intimidade da casa se vangloriava do sangue cabano que lhe corria às veias por parte daquela mãe índia que morreu no parto e se mordia por causa do Fango, adivinhando neste um parentesco tapuia talvez; toda vez que ouvia aquelas descabidas críticas contra o progresso da lavoura... Ouvi meu pai contar a história da eletricidade na vila, dizia que fora obra do coronel Manuel Lobato na intendência, logo após a gestão do major Djalma Machado, na interventoria do coronel Magalhães Barata no bojo de revolução de 1930 no Pará. Mas, quem de fato inaugurou a eletricidade na vila e deu melhor utilidade à "Uzina de Luz" fora o Fango e que este não visava luxo, mas trabalho honrado para todos.

A um pirralho pequeno, uma pequena vila é o mundo e o vasto mundo estava em guerra quando eu me dei conta de mim. Eu não vi a guerra de perto mas ela veio até Ponta de Pedras, por diversos modos. Se eu tivesse engenho e arte poderia dizer melhor como foi que a gente da vila e dos sítios conseguiu vencer aquela guerra. Me lembro, principalmente, de A Voz da América a trazer notícias da guerra pelo rádio fanho e periclitante do sr. João Ramos da Silva, dono da Casa da Beira, metido em pijamas no alto de seu chalé com ouvido colado ao "alto-falante" tarde da noite. De dia não se conta história por que cria rabo e não se ouvia rádio por que a onda não alcançava. Em volta, a vizinhança podia escutar os altos e baixos daquela voz do outro mundo, raios e trovões na estática, que estilhaçava as novidades. E eu na janela da modesta casa de minha avó acompanhava a guerra distante entre Aliados e o Eixo medonho como se fosse, mal comparado, uma partida de futebol. 

Não sei por que sempre chovia e relampejava quando a guerra ia mais animada no rádio do sr. João Ramos... A Voz da América sumia na noite chuvosa e na ventania. Tossia com os pigarros do sr. João Ramos. Pronto! Acabou a guerra, eu pensava cá comigo. E o silêncio reinava no campo do Marajoense futebol club... E, quando acaba, lá vinha ela de volta, a guerra... Isto é, A Voz da América no rádio altissonante que se podia ouvir até no canto na rua, em casa de dona Domingas Malato.

A coisa ia por ai quando, certa vez; correu boato à boca da noite que o Japão iria invadir Ponta de Pedras com paraquedistas ao escurecer. Então, aquele sisudo conselho da praça matriz deliberou ir ao prefeito Fango pedir para se fazer ensaio de defesa civil: a começar por um absoluto apagão da "Uzina de Luz". Quando cresci comecei a desconfiar que aquilo foi estratégia de um certo parente nosso, muito namorador, que ocupava posto de delegado de polícia. Dizque carecia preparar a população a colaborar com a defesa civil. No caso, naquela noite, decretou-se o apagão defensivo.

Jantarzinho rápido antes do sol sentar. E a escuridão chegou que nem a primeira noite do mundo. A pirralhada chorava com medo dos bichos que habitam a noite. Havia patrulhas pelas ruas a vigiar que ninguém acendesse uma lamparina, cachimbo, um cigarro que fosse... Se a aviação nipônica chegasse para despejar paraquedistas não iria achar nadinha embaixo... Acho que deu certo. Quando o dia raiou nem rastros de japonês. Já pelo mercado só risada e boatos sobre patrulheiros pulando cerca no escuro.





ECONOMIA MUNICIPAL DE 'SEU' FANGO

Meu primeiro desfile de 7 de setembro aconteceu enquanto Fango era prefeito. Me lembro bem: foi o mais belo espetáculo cívico que um aluno da primeira série do grupo escolar de Ponta de Pedras já viu. Então cresci e fiz o caminho pra fora da ilha como a maioria. Um dos esportes que a gente tem lá na terrinha é falar mal dos governantes e escolher, de tempo em tempo, mal e porcamente os governantes do lugar. Quando calha de estar longe a gente continua a conjecturar as melhores soluções e os projetos mais risonhos...

Em Belém, lá pelos anos de 1960, havia uns dois ou três lugares onde o pessoal de Ponta de Pedras como que marcava o "ponto" a fim de saber das "últimas"... Um desses pontos era o Café Albano em face ao Palácio Antonio Lemos, onde funcionou a Assembleia Legislativa. Numa manhã conheci aquele senhor já de seus setenta e tantos anos, voz rouca; média estatura. Senhor Fango? Sim... Sou filho do Rodolfo, de Ponta de Pedras... Meses depois, o ex-prefeito visionário e o jovem quixote estavam metidos numa aventura eleitoral. Um bom tempo de aprendizado para toda vida. Muito teria eu a falar sobre este inesquecível encontro.

Mas já falei demais agora e só quero contar sobre o que Fango achava a respeito da geração de energia elétrica em pequenos municípios de vocação agroextrativista e agricultura familiar rica em biomassa, como se diz agora; no popular, lenha... Mostrava-me a bico de lápis quando era "despesa" para a prefeitura comprar ou pedir ajuda ao estado a comprar gerador diesel para dar luz no município. E como, à moda antiga, era mais interessante investir na aquisição de caldeira à lenha para uso múltiplo na produção de eletricidade e beneficiamento de produtos agrícolas.

Segundo Fango, sem mais nada produzir que eletricidade de iluminação a petróleo, o sistema diesel favorecia indústria estrangeira e recolhia dinheiro dos consumidores locais para queimar petróleo importado. Quando, com caldeira a vapor seria a indústria brasileira a ser mais incentivada em milhares de pequenas cidades, vilas e colônias agrícolas a queimar restos de lavoura e extração de madeira ou restos de serraria. Ah, e ainda tinha o biogás e o gasogênio, dito gás pobre. Mestre Fango ficava empolgado, seus olhos brilhavam e eu me contagiava.


caldeira à lenha para geração de eletricidade

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

MUNICÍPIO MARAJÓ




O HOMEM MARAJOARA, SUA MILENAR HERANÇA DESDE ALDEIAS SOBRE TESOS EM CAMPOS ALAGADOS E SUA INCRÍVEL RESISTÊNCIA CULTURAL ATÉ SURGIMENTO DO MUNICÍPIO NO ARQUIPÉLAGO.

Marajó é um nome forte carregado de luta entre a vida e a morte num rico bioma de biodiversidade e diversidade cultural em milhares de sítios cheio de mistério desde os começos ainda pouco conhecidos da amazonidade. A geografia complexa do delta-estuário da maior bacia fluvial da Terra guarda o segredo profundo do maior arquipélago fluviomarinho do mundo: onde nasceu e se desenvolveu a Cultura Marajoara, a primeira sociedade indígena complexa (tipo cacicado) da Amazônia.

Em contraste a tanta riqueza prodigalizada pela mãe natureza, o povo marajoara foi historicamente despossuído pelos conquistadores e colonizadores da Amazônia, enquanto em nossos dias as promessas cívicas da República Federativa de 1988, para a "Criaturada grande de Dalcídio", ainda é esperança que não venceu o medo. E se, por acaso, o leitor é nativo do Marajó e não sabe exatamente quem de fato é a tal "criaturada", isto prova a tese do que estamos tentando dizer pela enésima vez.

A pergunta que não quer calar: será preciso proclamar a república marajoara? Criar o Estado do Marajó ou Território Federal? Para libertar a gente marajoara de suas antigas amarras... Acho que, antes de tudo, é preciso realizar o mais óbvio: a autonomia municipal de fato... Comemorada todos os anos em dezesseis municipalidades de direito, entre fogos de artifício, discursos, festas e bebedeiras; quando não acontece coisa pior.

Somos, em grande parte, cabocos que tem vergonha de ser chamados descendentes de índios e cafuzos que nem imaginam o que foi um mocambo em priscas eras. Falamos "quilombo" por que é moda, mas sem saber o quanto houve destes por estas bandas... Somos doidos para ser "branco" e repetir a velha história da abolição da escravatura; quando um preto velho tendo guardado um dinheirinho para comprar sua alforria e começar vida nova foi ao juiz pedir alvará com autorização para comprar três escravos... 

Quando o juiz lhe disse não já não se podia mais vender ou comprar escravos, ele se espantou e perguntou: 'pra que serve então a abolição?'. É uma antiga anedota dos Estados Unidos. Mas, na realidade, muitas vezes se vê que a chamada "melhoria de vida" não chega ser o desenvolvimento humano cantado em prosa e verso. No Marajó dezesseis vilas foram formalmente emancipadas como cidades como sedes do respectivo território municipal, porém na realidade a autonomia deixa a desejar... O "Município Marajó" deveria ser um conjunto de atividades integradas para o desenvolvimento territorial de cada um e de todos municípios juntos. Uma perspectiva nova, admitida a revisão territorial com permuta de distritos, fusão, desmembramento e criação de novos municípios. Falta autonomia aos nossos municípios entregues aos feudos do passado: não existe planejamento participativo e, portanto, muito menos controle social de orçamentos...

Posto que a Democracia Representativa se tornou domínio do mercado no Congresso Nacional, pesa uma interdição não declarada à Democracia participativa em suas bases, tanto mais quando o poder público se afasta do centro para as periferias. E Marajó é periferia da periferia... Mas, também por contradição a possibilidade de mudança da globalização está nas periferias do mundo, onde a dialética entre local e global se torna mais efetiva.

Por falta duma universidade marajoara autônoma, capaz de inventar centro de excelência do futuro do trópico úmido pelo resgate do passado milenar da brava gente, a juventude estudantil ribeirinha desconhece as raízes indígenas e a negritude original do povo destas ilhas deixadas à margem da História, entre chuvas e esquecimento. Não raro, jovens nascidos no "maior arquipélago fluviomarinho do mundo", berço da arte primeva do Brasil; formam-se mestres e doutores em grandes universidades do país e do exterior, continuando todavia perfeitamente ignorantes daquilo que a gente mais carece saber sobre o grande estuário da Amazônia oriental. Um fato mais grave do que o analfabetismo congênito, pois deste se espera um dia dar à luz seus conhecimentos tradicionais. Já a colonialidade adquirida do iluminismo imperial é pior que mata-pasto, em cuja sombra fenece toda resiliência da biodiversidade local. 

O Golfão marajoara com mais de duas mil ilhas dá espaço à mesorregião de 104 mil km² com mais de 400 mil habitantes, donde a microrregião de Portel é uma "ilha" na porção continental isolada pela floresta amazônica, notadamente a Floresta Nacional de Caxiuanã (Flona Caxiuanã), na qual a Estação Científica Ferreira Penna (ECFP), do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) realiza pesquisas importantes, sem dúvida, mas que a maioria do povo em sua ostensiva pobreza e crônico analfabetismo pouco entende dos motivos de existência apartada da vida local e não vê resultados significativos para a comunidade.

A se concluir da vasta e esquecida lista bibliográfica organizada por Eidorfe Moreira sobre variada gama de estudos sobre Marajó o conhecimento acadêmico não é menor que o saber tradicional das populações locais. Contudo, entre um saber e outro demora um largo fosso...

A mesorregião Marajó é constituída pelas microrregiões Arari (Cachoeira do Arari, Chaves, Muaná, Ponta de Pedras, Salvaterra, Santa Cruz do Arari e Soure); Breves (Afuá, Anajás, Breves, Curralinho e São Sebastião da Boa Vista) e Portel (Bagre, Gurupá, Melgaço e Portel), no total de 16 municípios.

Neste vasto território federativo controlado pela União, Estado do Pará e os supracitados municípios reunidos por uma entidade representativa de prefeituras denominada "Associação dos Municípios do Arquipélago do Marajó (AMAM)" e uma "Associação de Vereadores da Ilha do Marajó (AVIM)"; atuam diversas repartições federais: o Ministério do Meio Ambiente, através do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), instituição federal que gerencia a Flona Caxiuanã (Melgaço e Portel), Reserva Extrativista Gurupá-Melgaço (Resex Gurupá-Melgaço); Reserva de Desenvolvimento Sustentável Itatupã-Baquiá (RDS Itatupã-Baquiá, em Gurupá); Reserva Extrativista Mapuá (Resex Mapuá, em Breves); Reserva Extrativista Terra Grande - Pracuuba (Resex Terra Grande-Pracuuba, em Curralinho e São Sebastião da Boa Vista) e a Reserva Extrativista Marinha de Soure (Resex Extrativista Marinha de Soure).  Na prática, são "ilhas" dentro de ilhas... Se uns poucos analistas e agentes ambientais dedicados a orientar tecnicamente as comunidades de usuários podem nos fazer lembrar, no passado, aldeias de missões e freguesias ou vilas com seus diretores dos índios; donde provém nosso municipalismo capenga em fins do séculos XIX; por outra parte podemos conjecturar que tal "arquipélago" de áreas protegidas num bioma e território como este poderia ser, no mundo, um laboratório socioambiental extraordinário despertando inclusive a rede mundial de reservas da biosfera do dolce far niente em que, praticamente, se encontra.

Cada uma destas resex e outras unidades de conservação no Marajó tem uma história de luta da comunidade. Com o próprio exemplo de vida do seringueiro Chico Mendes, em Xapuri, no Acre; que se fez ambientalista por necessidade e acaso, o que motivou e mobilizou a comunidade a demandar estas e outras áreas protegidas foi, invariavelmente, a busca do uso da terra e dos recursos naturais que ela contém em oposição ao apartheid social da região historicamente formada por antigas invasões e expropriações do território ancestral pelo latifúndio colonial. 

A segurança jurídica oferecida pelo poder público -- no exemplo histórico da tentativa da missão pacificadora dos Nheengaídas pelos padres da Companhia de Jesus, no século XVII, a partir da lei de abolição do cativeiro indígena de 1655, obtida pelo padre Antônio Vieira junto ao rei de Portugal Dom João IV; e perdida pela doação da capitania hereditária da Ilha Grande de Joanes (Marajó) -- , encontra no século XX dois casos onde a falta dessa segurança jurídica jogou por terra os esforços empreendidos.

Antes cumpre advertir que a lei no papel sem correspondente vontade política e efetiva participação popular gera descrédito. Por outra parte, a boa vontade sem amparo legal e empoderamento real não basta. Os casos em tela se referem as cooperativas que a Prelazia e hoje Diocese de Ponta de Pedras realizou, sua fragilidade legal abriu porta à ruína da obra, embora algumas famílias possam ter sido recompensadas particularmente; como cooperativa e experiência kibutziana nem história se encontra. Também na história da prelazia se acha em meio a conflito irremediável a criação do Museu do Marajó pelo padre Giovanni Gallo em desacordo com o bispo Dom Angelo Rivatto. 

Tanto as cooperativas da então prelazia de Ponta de Pedras quando o Museu do Marajó são dois marcos históricos de grande importância para o desenvolvimento humano da gente marajoara, que todavia a leniência do poder público deixou perder. Só para arrematar o argumento: se o poder público acompanhasse corretamente a situação, poderia intervir a tempo de diferentes modos inclusive comodato para a própria igreja ou associação comunitária levar a cabo seu intento sob condições semelhantes do que ocorre com as chamadas "reservas extrativistas" a partir da experiência de Chico Mendes, onde a União é parte indispensável da segurança jurídica em apreço.

Mas, o Marajó é mundo a parte e a história demonstra como o estado privatiza o público sem maiores considerações de interesse da comunidade local. Haja vista o que reza a Constituição do Estado do Pará em seu Artigo 13, alínea VI, Parágrafo segundo; a respeito da área de proteção ambiental acompanhada de determinação condicionante do desenvolvimento econômico do arquipélago em face da especificidade da gente marajoara. Pois esta base constitucional, a meu ver, constitui o maior argumento para reconhecimento da APA-Marajó pela UNESCO como reserva da biosfera.


VERDE QUE TE QUERO VER ENCARNADO

O movimento ecológico sem história encarnada pelo ser humano do próprio meio a quem serve? O espaço vazio não se preenche de gado e peão sem rumo. Se Brasília, de repente, quisesse apostar na Amazônia Marajoara como efetiva demonstração de que o desenvolvimento sustentável é algo mais que retórica destinada a empurrar com a barriga problemas planetários que ora se apresentam em nosso território. Sem mais discursos, a União poderia colocar em prática tudo que já se acha disposto neste sentido, chamando o Estado do Pará e seus dezesseis municípios da mesorregião Marajó a realizar sem mais demora o PLANO MARAJÓ sob nova abordagem enfocando, principalmente, o combinado na Conferência Rio+20. 

Ora, os princípios e diretrizes da Rio+20 aplicados ao delta-estuário da maior bacia fluvial da Terra, tendo por espaço geográfico o maior arquipélago fluviomarinho do mundo e berço da primeira cultura complexa da Amazônia; em que outro lugar do Brasil com interesse mundial se poderia imaginar projeto demonstrativo como este?

E, no entanto, a importância mundial deste projeto poderia ser antes que tudo de cunho municipalista, sob assistência técnica federativa em cooperação internacional. Pois é precisamente o poder local que mais precisa se autoafirmar como realizador das inadiáveis mudanças globais reclamadas. Estamos sugerindo, então, que se estabeleça um modelo de município-conceito -- o Município Marajó --, para em condições concretas servir de espelho e farol aos reais municípios da mesorregião.

As Nações Unidas decidiram em 2012 realizar a Rio+20 no Rio de Janeiro para retomar a discussão sobre crescimento sustentável e do evento surgiu o documento "O futuro que queremos", que será aperfeiçoado neste ano, em Bogotá, na Colômbia. Os temas centrais das reuniões serão o crescimento baseado numa "economia ecológica" que permita "conseguir o desenvolvimento sustentável e tirar o povo da pobreza, melhorando a coordenação internacional para o desenvolvimento sustentável", segundo destaca a própria ONU.

Acrescenta que se trata "de uma oportunidade histórica para definir as vias rumo a um futuro sustentável, um futuro com mais empregos, mais energia limpa, uma maior segurança e um nível de vida digno para todos", diz a Organização das Nações Unidas. Desde a década de 1970 o mundo se conscientiza dos riscos do crescimento insustentável. São muitas declarações e diversos compromisso assumidos, que todavia não se realizam com a mudança necessária.

A escolha de biomas importantes para proteção da biosfera com vocação geográfica significativa para o desenvolvimento da nova ordem econômica desejada não é uma tarefa fácil. Porém, no caso do Marajó, plenamente realizável.

Acredito que sem empoderamento do povo a sua própria história, resta precária a inclusão social e o desenvolvimento econômico torna-se pouco ou nada sustentável. Deste modo, o meio ambiente santuarizado onde o Homem é apenas um intruso, se converteu ultimamente em espaço de fraternidade onde a comunidade se encontra com a Ciência e a tecnologia em busca de melhores dias para si e as futuras gerações, mediante metodologia de programas multilaterais como o programa "O Homem e a Biosfera" (MaB), da UNESCO, por exemplo.

O esquema brasileiro de reservas da biosfera, em que pese sua ambição; ainda não obteve as vantagens pretendidas em relação à pletora de reservas da biosfera na maior parte das nações. De maneira, que a criação de uma unidade desta modalidade de área de proteção ambiental no estuário do Amazonas deveria dar vigoroso impulso ao desenvolvimento sustentável tal como se declaram nos fóruns mundiais mais badalados ultimamente. 

Internamente, isto teria impacto sem precedentes em todo Brasil. São, portanto, seis importantes unidades de conservação na área de competência do Ministério do Meio Ambiente na mesorregião do Marajó, na alçada do ICMBio; com atuação em sete dos dezesseis municípios marajoaras. Além disso, estes sete municípios "verdes" -- Breves, Curralinho, Gurupá, Melgaço, Portel, São Sebastião da Boa Vista e Soure -- e os mais podem aderir ao Projeto ORLA que o Ministério do Meio Ambiente (MMA) realiza em parceria com o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MP) para regularização e gestão urbana ribeirinha.  Os municípios de Afuá, Anajás, Breves e Portel foram os primeiros a estabelecer parceria com o MP, através da Secretária do Patrimônio da União (SPU), para realização do Projeto NOSSA VÁRZEA de regularização fundiária.

O projeto já beneficiou cerca de 45.000 famílias em 50 municípios do Pará, com foco no Marajó e Baixo Tocantins, em atendimento a populações tradicionais ribeirinhas e quilombolas titulando terrenos de marinha pertencentes à União, através de “Termos de Autorização de Uso Sustentável”. Com esses titulos concedidos, preferencialmente em nome de mulheres responsáveis pela posse da terra; essas famílias ganham acesso a programas sociais do governo federal e governo estadual.

Se o problema mais urgente é o IDH indigente que se apresenta no Marajó, vemos, portanto, apenas pelo ângulo socioambiental da questão da pobreza da gente marajoara; que dentro do pacto federativo de 1988, sem necessidade de alterar a legislação, já deveriam ter alcançados índices de desenvolvimento humano mais significativos se o planejado fosse executado conforme deveria ser. 

De fato, a vigorosa integração de objetivos dos projetos Nossa Várzea, ORLA urbana, reservas extrativistas e de desenvolvimento sustentável deveriam constituir a coluna vertebral do malogrado "Plano de Desenvolvimento Territorial Sustentável do Arquipélago do Marajó (PLANO MARAJÓ)", desde seu lançamento, em 2007 em Breves, pelo Presidente da República e a Governadora do Estado do Pará naquele momento.

Aqui em nosso sítio, temos dito repetidas vezes, que somos muito agradecidos às políticas públicas de inclusão socioambiental da gente marajoara. Mas, também, ressaltamos a ressalva de que sem uma justa e perfeita inclusão desta mesma gente na História perde-se a memória dos acontecimentos e o empoderamento necessário da Cidadania fica prejudicada.


É uma pena perder oportunidade assim pelo desinteresse de todos, salvo honrosas exceções.