sábado, 23 de maio de 2015

"Campus de Cachoeira": a desprezada lição de Giovanni Gallo inventando extensão universitária que a criaturada de Dalcídio carece.


memória do Centenário de nascimento de Dalcídio Jurandir (Ponta de Pedras 10/01/1909 - Rio de Janeiro, 16/06/1979). Fotografia da casa remanescente do antigo chalé do capitão Alfredo Nascimento Pereira, pai do romancista e editor da gazetilha "O Arary", retratado no romance "Chove nos campos de Cachoeira" escrito no ano de 1939 na vila de Salvaterra (distrito de Soure), com placa metálica alusiva ao Centenário e faixa com transcrição de anotação do acervo Dalcídio Jurandir depositado na Casa de Rui Barbosa (Botafogo, Rio de Janeiro).



imagem do escritor com o chalé original de "Chove nos campos de Cachoeira".



"Quando eu morrer levem-me para Cachoeira, enterrem-me debaixo da Folha Miúda (a minha árvore, defronte do chalé, toda a minha infância) quero ficar ali, perto do rio e perto de casa debaixo daquela sombra entre os ninhos e as estrelas, parece que todos os meus sonhos ficaram pendurados naqueles ramos todos, meu primeiro deslumbramento. Eis porque minha saudade me faz ter esse desejo romântico"... 
(Dalcídio Jurandir, setembro de 1932).



No próximo ano a Universidade Federal do Pará (UFPA)  completará, no Marajó, 30 anos de interiorização considerada a instalação do campus de Soure, em 1986, seguido do campus de Breves pouco depois. Exceto os tempos pioneiros do Centro Rural de Atendimento Comunitário (CRUTAC), na década de 70, quando a federal do Pará desembarcou com um exército Brancaleone na famosa "Ilha dos Aruans" ou "Capitania da Ilha Grande de Joanes" (1665-1757), por via de Extensão Universitária abrindo caminho à futuros cursos de graduação que hoje se realizam nos dois campi. Foi, pois, com a antecessora da PROEX que a UFPA chegou à ilha do Marajó e poderia ser com um projeto a ser talvez denominado "Campus de Cachoeira" - rememorando o romance "Chove nos campos de Cachoeira, evidentemente - o primeiro passo efetivo à desejada autonomia dos campi marajoaras em direção à futura universidade federal multicampi das Ilhas.

Por ironia da história, os anos setenta foram marcados a ferro e fogo pela luta de resistência à Ditadura e aos grandes projetos de desenvolvimento da Amazônia que à força de Incentivos Fiscais duvidosos levaram antes à devastação da floresta amazônica e ao agravamento do conflito de terras do que ao prometido desenvolvimento humano regional. Mas também, na contra corrente dos anos de chumbo, em 1972 viu-se florir a coincidência extraordinária de criação do Museu do Marajó pelo obstinado padre dos pescadores Giovanni Gallo e o reconhecimento da obra literária do índio sutil Dalcídio Jurandir pela Academia Brasileira de Letras com o Prêmio Machado de Assis. 

Dois acontecimentos emblemáticos para a amazonidade embora separados e ocorridos em locais díspares e distantes - o Rio de Janeiro cosmopolita e o pequeno e isolado município de Santa Cruz do Arari -, porém dotados de formidável importância histórica na construção da consciência social, cultural e política do povo marajoara. Como se pode constatar na correspondência de Maria de Belém Menezes e Dalcídio Jurandir, que suscitou à distância o livro-reportagem "Marajó, a ditadura da água", de Giovanni Gallo dando começo a uma renascença inesperada e vazão à resiliência inerente na bravura de uma gente incomparável remanescente de "índios bravios, desertores e escravos fugidos" nos centros a ilha (cf. Alexandre Rodrigues Ferreira, "Notícia Histórica da Ilha Grande de Joanes ou Marajó", 1783) que retardaram a colonização por mais de 50 anos desde a tomada de Mariocai (Gurupá), em 1623. 

Daí, certamente, a origem da pauperização das populações tradicionais, da cultura de marginalidade e do invencível abigeato que resiste a todas repressões policialescas e tentativas de controle social.  Até hoje o mundo acadêmico, empresarial e político do Pará, com raras exceções que confirmam a regra, não deu mostras concretas da importância convergente da presença da UFPA através do pioneirismo do velho CRUTAC no maior arquipélago fluviomarinho do mundo; a consagração nacional da literatura amazônica do Extremo Norte e a invenção magistral do primeiro ecomuseu do Brasil à margem do lago ancestral que viu nascer a primeira cultura complexa da Amazônia como elementos de integração territorial e inclusão socioambiental. E assim, em vez de um projeto de desenvolvimento humano sustentável, predomina a insustentável clivagem de interesses individuais e egoismo de classe que a colonialidade impõe com a pobreza de homens e ideias contra o descobrimento de 2000 anos de Cultura Marajoara que deveria orgulhar o Brasil em sua inata qualidade de maior pais amazônico da Terra, capaz de inspirar a invenção de um futuro melhor para todos.

O trigésimo aniversário do Campus de Soure será excelente oportunidade de balanço de pros e contras em cinco décadas de atividades da UFPA no Marajó já contemplando encerramento da etapa de interiorização nesta região e o futuro polo universitário marajoara multicampi integrando a educação integral desde a creche até a pós-graduação na comunidade dos dezesseis municípios adotada as mais avançadas tecnologias pedagógicas de ensino à distância. Visando a sua autonomia sob perspectiva do programa federativo Pátria Educadora a dar lugar a uma universidade nova específica para o maior arquipélago de rio e mar do planeta, sito no Golfão Marajoara, composto de mais de 500 comunidades ribeirinhas espalhadas em 2500 ilhas e grande "ilha" na floresta amazônica de Portel, na terra firme. 

Principal demanda do Movimento Marajó Forte - MMF ao qual o GRUPO EM DEFESA DO MARAJÓ - GDM aderiu com os seus 20 anos de militância socioambiental (1994-2014), a nova universidade multicampi que se deseja deverá cobrir toda mesorregião Marajó na expressão geográfica um "país" ou província insular de mais de 500 mil habitantes em território de 104 mil km², que soma dezesseis extensos municípios - microrregião Arari: Cachoeira do Arari, Chaves, Muaná, Ponta de Pedras, Salvaterra, Santa Cruz do Arari e Soure (em sentido horário a partir de Cachoeira do Arari, Ponta de Pedras, Muaná, Chaves, Santa Cruz do Arari, Soure e Salvaterra); microrregião Breves: Afuá, Anajás, Breves. Curralinho e São Sebastião da Boa Vista (em sentido horário a partir de Breves, Afuá, Anajás, São Sebastião da Boa Vista e Curralinho) e microrregião Portel: Bagre, Gurupá, Melgaço e Portel (em sentido horário a partir de Gurupá, Melgaço, Portel e Bagre).

O GDM é fruto direto da Pro-Reitoria de Extensão da UFPA (PROEX) a cabo de dez anos de educação ambiental no Marajó em parceria com a legendária Sociedade de Preservação dos Recursos Naturais e Culturais da Amazônia (SOPREN), entidade decana do movimento ambientalista na região a qual se associa inseparavelmente ao respeitável nome do médico Camilo Martins Vianna, em cuja gestão como Pro-Reitor de Extensão da UFPA o GDM se formou dia 20/12/1994. E que teve como resultado dez Encontros em Defesa do Marajó ao término de cada ano escolar: o último deles encerrando todo ciclo, ocorreu em Ponta de Pedras a 30 de abril de 1995, com a publicação da "Carta do Marajó-Açu" constituída de pauta de reivindicações sobre Educação e Saúde Públicas regionalizadas, implantação da APA-Marajó (Art. 13, VI, § 2º da Constituição do Estado do Pará), proteção aos sítios arqueológicos e difusão da Cultura Marajoara entre outros itens pontuais. 

Desde então, o GDM assumiu voluntariamente a tarefa de disseminar os princípios da Carta do Marajó-Açu de 1995, síntese dos dez anos anteriores de encontros em defesa do Marajó; o que até 2014 corresponde a 30 anos de voluntariado em educação popular. Todavia, este movimento de parceria entre a UFPA e a comunidade marajoara teve por antecedente o (CRUTAC), na década de 70, ao qual além de Camilo Vianna também o nome da professora Ana Rosa Bittencourt se perpetuou na terra natal de Dalcídio Jurandir, Ponta de Pedras. Vejam publicação de 07/12/ 2007, no sítio eletrônico da UFPA, transcrito abaixo:


" O médico e ambientalista Camilo Vianna foi  homenageado no último dia 07, durante o encerramento da 10ª Jornada de Extensão da UFPA, no Espaço Cultural do Vadião. Professor aposentado da instituição, já ocupou os cargos de pró- reitor de extensão e  vice-reitor, Camilo  recebeu das mãos da reitora em exercício  Regina Feio Barroso a medalha dos 50 anos da UFPA e dos 10 anos de realização da  Jornada.
Regina Feio destacou a importância da iniciativa da Pró-Reitoria de Extensão. “A UFPA não poderia deixar de fazer esta homenagem a quem tanto  ajudou a construir esta universidade”, disse.
Em agradecimento, Camilo Viana, que também coordenou o Centro Rural de Atendimento comunitário (CRUTAC) semente das ações de extensão universitária,  disse que não se pode falar em interiorização sem lembrar aqueles que atuaram nos projetos. “Não podemos deixar de falar  nos companheiros, ou melhor, companheiras, porque muitas foram as mulheres voluntárias que atuaram no primórdios da extensão. Era um esforço subumano mas também maravilhoso”, lembrou.
Conferência – A reitora em exercício da UFPA fez a conferência de encerramento da 10ª Jornada de Extensão da UFPA. Regina Feio, que já esteve a frente da PROEX, saudou os participantes da Jornada em particular os bolsistas dos campi do interior. “Sabemos dos desafios que vocês enfrentam”, frisou.
   Regina Feio discorreu sobre a trajetória da extensão na UFPA, com  um resgate histórico das iniciativas. “Extensão é definida como objetivo acadêmico a partir da reforma universitária de 68, quando foi definido que as universidades deveriam estender à comunidade, em forma de cursos e outras ações, o resultado de suas atividades.
    A extensão universitária no Pará  teve inicio  na década de 70, quando a Universidade de Viçosa (MG) e Universidade Federal de Santa Catarina começam a desenvolver atividades em Santarém e Altamira, onde hoje funcionam campi absorvidos pela UFPA. É nesse período que a UFPA cria a Coordenadoria de Assuntos Culturais e Estudantis que depois ganha status de Subreitoria coordenada pela saudosa professora  Anunciada Chaves. “É também por meio de ações no CRUTAC que a UFPA passa a cumprir seu papel junto a comunidade com atendimento médico odontológico”, lembra Regina.
    A aprovação do Estatuto da UFPA, em 1972, possibilitou  a criação da Pró-reitoria de Extensão  e da criação do primeiro plano diretor voltado para a área.
No final da década de 80, é criado o Fórum de Pró-Reitores de Extensão. “É nesse momento que se mostra o olhar diferente que se passa a ter para o conceito de extensão, porque  é fortalecido o debate sobre a indissociabilidade  entre o ensino, pesquisa e extensão, afirma Regina.
A extensão deixa assim  o seu caráter assistencialista para se tornar uma política acadêmica,  uma  atividade curricular pedagógica e importante ferramenta para articulação com projetos regionais e nacionais. Nos anos seguintes, começam as discussões sobre áreas, temáticas e indicadores de avaliação para projetos de extensão.
“Hoje o  nosso Estatuto atual  define a universidade multicampi e propicia a elaboração de uma política acadêmica dirigida a todos os campi.  Produzir conhecimento, formar profissionais capazes de transformar a região e estar a serviço da sociedade  é a nossa missão”, finalizou Regina."
No bojo da campanha contra a divisão territorial do Pará, no plebiscito sobre projeto de criação dos estados do Tapajós e Carajás, em 2011, surgiu o Movimento Marajó Forte (MMF) e o GDM convergiu com o mesmo manifestando-se conjuntamente contrários à divisão do território estadual. Ao mesmo tempo que GDM e MMF somavam forças contra o separatismo também coincidiram no discurso contrário ao status quo que levou à tentativa de divisão do Pará, notadamente o IDH dos municípios marajoaras colocados na rabeira do desenvolvimento humano do País. 

Era dizer NÃO à divisão territorial feita sob medida para multiplicar oligarquias da região e também NÃO à leseira do povo pobre do rico estado do Pará. Mais ainda NÃO ao estado vergonhoso de analfabetismo crônico de quase metade da população do Marajó em contraste à propaganda do "paraíso ecológico" ignorando o potencial ecoturístico de de base na comunidade, a riqueza cultural e biodiversidade da grande "ilha" no delta-estuário do maior rio do mundo! 

Não se aceita mais a colonialidade da velha empulhação oligárquica. E o MMF, audaciosamente, levantou bandeira para criação de uma nova universidade federal no Marajó, plataforma superior de uma educação ribeirinha libertadora. Projeto ao qual o GDM aderiu prontamente a caminho de provável fusão entre tribos marajoaras militantes do movimento social à exemplo dos antigos Nheengaíbas no século XVII em Mapuá (Breves), Aricará (Melgaço) e Aracaru (Portel) reunindo caciques Aruãs, Anajás, Cambocas, Pixi-Pixi, Guaianás, Tucujus e Mamaianás a fim de tratar as pazes com portuguese e tupinambás a cabo de 40 anos de guerra. 

De modo que o grande público brasileiro e internacional venha a compreender e a se engajar também num profundo movimento de resistência cultural que resgata a luta das populações tradicionais contra a conquista e colonização há mais de quatro séculos. Quem, para tamanha façanha, melhor para ser porta voz de sua criaturada que o próprio "índio sutil" (Dalcídio Jurandir no dizer amável de Jorge Amado: discurso de entrega do Prêmio Machado de Assis de 1972) que a imortalizou no ciclo romanesco do Extremo Norte? Portanto, a fim de dialogar com a Pátria Educadora seria preciso mandar Alfredo em embaixada a Brasilia representar a república antropoética marajoara. Quem sabe numa performance especial no espaço cultural do Congresso Nacional...




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Dalcídio Jurandir e Jorge Amado, academia Brasileira de Letras, entrega do Prêmio Machado de Assis de 1972.



OS CAMPOS DE CACHOEIRA COMO SUGESTÃO DE "CAMPUS" ECOCULTURAL DA PRIMEIRA OBRA LITERÁRIA AMAZÔNICA DISTINGUIDA PELO PRÊMIO MACHADO DE ASSIS E ROTEIRO PARA TURISMO LITERÁRIO MARAJOARA.



Está claro que esta gente não quer só comida de graça e circo da chuva movido a álcool turbinado por sonzão treme terra... Tampouco a criaturada grande de Dalcídio, que muito espera das promessas do Turismo e do desenvolvimento sustentável, não quer de jeito nenhum trocar seis por meia dúzia entre fogos e fanfarra para inaugurar amanhã grande placa colorida de marquetingue da desejada, falada e ardentemente imaginada "Universidade Federal do Marajó" onde ainda hoje nós lemos o nome de  "Federal do Pará": todavia, ao contrário de costumeira ingratidão de filhos pela velha mãe, daqui do sofrido solo do Marajó a venerável UFPA jamais há de ir embora: parceira para sempre. Quem sabe? Livre pensar é só pensar... Como prova de estima e eterna gratidão a nova universidade multicampi marajoara que há vir no futuro próximo, também esta novidadeira poderia ensinar alguma coisa à velha e querida mestra. Pelo menos, em matéria de Extensão ecocultural com participação interativa da comunidade, por exemplo.

Pois, como a história da UFPA nos ensina sob o olhar indiferente dos búfalos conformados com a liberdade perdida dos verdes campos sem fim entre chuvas e esquecimento, no Marajó foi a Extensão Universitária quem fez a ponte da interiorização e desembarcou primeiro a bordo do CRUTAC. Quem ainda se lembrará do pioneirismo do CRUTAC? Seria interessante que a PROEX através de Soure pudesse, efetivamente, com recursos do Pátria Educadora ensaiar os primeiros passos para autonomia dos campi do Marajó rumo á configuração da nova universidade da Ilhas que todos sonhamos e que a gente marajoara precisa. 

Como, outrora, na travessia da UFPA de Belém para a ilha do Marajó, a Extensão Universitária tendo desembarcado à frente do Ensino Superior; desta vez a PROEX poderia tomar a cargo talvez etapa de transição à autonomia dos campi de Breves e Soure para a futura universidade federal mediante inovador projeto, digamos assim, "Campus de Cachoeira" na provocação didática vanguardeira e abrangente de "Chove nos campos de Cachoeira" no romanceiro do Extremo Norte (algo mais que apenas a sugestão para um campus universitário na cidade de Cachoeira do Arari, por exemplo, para chegar a mais de 500 "aldeias-escola" - comunidades ribeirinhas conectadas a rede brasileira de educação - de todos dezesseis municípios do Marajó fazendo uso principalmente da rede social na internet).

Este campus imaginário e revolucionário ao mesmo tempo em matéria de extensão universitária, aqui ligeiramente esboçado a título de homenagem aos militantes e beneficiários do CRUTAC dos velhos tempos do mestre Camilo Vianna; poderia talvez se inspirar dentre outros mestres da amazonidade marajoara na vida e obra do autor de "Chove nos campos de Cachoeira", Dalcídio Jurandir. 

Filho do segundo casamento de seu pai, o mestre escola e rábula da vila de Ponta de Pedras Alfredo Nascimento Pereira, nasceu na humilde casa de seu tio materno Manoel Eustáquio Ramos no bairro do Campinho. Sua mãe, Margarida Ramos era uma jovem mulher negra solteira que ficara grávida do capitão viúvo de sua primeira mulher Antônia Silva, uma indígena da aldeia de Mangabeira (Ponta de Pedras) e ex-aluna da escola primária: o tio registrou o recém nascido com nome de "Darcidio José Ramos" (livro de registro de nascimento do Cartório Malato, comarca de Ponta de Pedras-Estado do Pará, ano de 1909).

No ano de 1910, o capitão Alfredo deixando os filhos de seu primeiro casamento em Ponta de Pedras mudou-se com sua nova família para a vizinha vila de Cachoeira (Arariúna e atual Cachoeira do Arari) onde ele adquiriu o famoso chalé retratado no romance de seu filho mais famoso e foi nomeado secretário da intendência municipal na administração do coronel Bento Lobato de Miranda, que hoje dá nome à rua do bairro de Petrópolis onde se achava edificado o dito chalé de Alfredo (alter ego de Dalcídio) e a árvore Folha Miúda na beira do rio debaixo da qual o romântico Dalcídio da mocidade queria ser enterrado depois de morrer: o chalé foi demolido pela desídia dos humanos descuidados de educação e cultura e a árvore de infância do escritor a erosão do rio levou abaixo no rebojo da cobra grande Boiúna ou o Navio encantado - mas apesar de tudo, tudo está a salvo do dilúvio a bordo de "Três casas e um rio" e outros livros da memória dalcidiana...

Em Cachoeira, o capitão Alfredo e dona Margarida se casaram formalmente de papel passado e terá sido no reconhecimento de paternidade que o registro de nascimento do escritor foi retificado como Dalcídio José Ramos Pereira (Dalcídio Jurandir ficou sendo o pseudônimo literário, mais tarde por vontade própria do "índio sutil"). Toda infância do escritor transcorreu em Cachoeira, entre 1910 e 1922: isto, contudo, não quer dizer que nesse período ele nunca tivesse viajado com seus pais para ir às vezes à vizinha Ponta de Pedras e Belém...

Com treze anos de idade, em Belém, frequenta o grupo escolar Barão do Rio Branco a fim de terminar o curso primário e começar a cursar o ginásio Paes de Carvalho. Se em "Passagem dos Inocentes" o "chalé se separa" com o pai agora metamorfoseado na pele do Major Alberto, supostamente em Muaná (na realidade Ponta de Pedras), retornando temporariamente à velha casa de sua viuvez com os filhos do casamento com a índia morta (hoje o terreno na cidade de Ponta de Pedras onde se edificou a sede da Associação Musical Antônio Malato); e dona Amélia (em figura de Margarida Ramos) com a sua ninhada de pretos passando direto para o bairrozinho de Areínha (suposto Campinho), bordado de pés cajueiros frondosos na beira do igarapé onde a mata se avizinhava da vila com o açaizal e os parrudos miritizeiros, donde o avô Bibiano tirava sustento e se confundia com os troncos escuros do palmeiral. No romance "Primeira Manhã" o chalé de Cachoeira com a estante de livros do Major é o elo pelo qual o ginasiano entediado da aula maçante se evade pela trama dalcidiana que coloca Alfredo a dois passos de Missunga, puxando o antropológico "Marinatambalo" ("Marajó") por um inesperado parágrafo adentro das artes mágicas do caroço de tucumã do arteiroso menino marajoara. Ademais, a fazenda Paricatuba onde "Marajó" começa na vadiagem de Missunga é bem a lembrança disfarçada do rio de mesmo nome, tributário do Marajó-Açu que banha Ponta de Pedras na literatura dalcidiana.

Aos 16 anos de idade Dalcídio já é um dos diretores da revista artesanal Nova Aurora, mas não termina o terceiro ano ginasial. Desde 1927 ele decide se tornar autodidata e contando com a preciosa ajuda e orientação de seu amigo Dr. Raynero Maroja, que viu o talento do jovem e lhe empresta livros; o moço do Marajó entra em contato com grandes mestres da literatura como Balzac, Cruz e Sousa, Guerra Junqueiro, Augusto dos Anjos e outros notáveis escritores do primeiro tempo de sua formação.

Na sequência desse aprendizado e amizade, em outubro de 1929, com apenas 20 anos de idade Dalcídio foi nomeado secretário-tesoureiro da Intendência Municipal de Gurupá pelo seu amigo Dr. Raynero Maroja, então no cargo de Intendente daquela municipalidade histórica. Então, durante as horas vagas que, certamente, não seriam poucas começou a escrever a primeira versão de "Chove nos Campos de Cachoeira" que ele iria descartar dez anos depois quando em 1939 reescreveu a versão definitiva.

Dalcidio permaneceu na intendência de Gurupá cerca de um ano, donde se afastou em novembro de 1930 e passou a trabalhar num barracão de seringal à margem do rio Baquiá Preto, região das Ilhas de Gurupá, hoje fazendo parte da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Itatupã-Baquiá. Nesse tempo, ensinou as primeiras letras a dois filhos do seringalista Paes Barreto, que se tornara seu amigo. 



Conclui um livro de contos e um romance, onde narra lembranças da infância em Marajó, em 1931, exercícios de mocidade certamente para a obra que viria mais tarde. Faz versos e descreve paisagens. Com a memória desse período de perambulação pelas Ilhas, Dalcídio em plena maturidade e já doente escreveu, no Rio de Janeiro, "Ribanceira" seu último romance: resulta então que Gurupá é lugar de memória do começo e fim do ciclo Extremo Norte.

Retorna a Belém sem emprego, todavia com auxílio de amigos é nomeado auxiliar de gabinete da Interventoria do Estado. Era a revolução de 3 de Outubro chegando ao Pará velho de guerra... Ele colabora nos jornais "O Imparcial", "Crítica" e "Estado do Pará" as redações fervilham de ideias e parcialidades. O colapso econômico da Borracha era recente na província onde o futuro romancista de "Primeira Manhã" faz sua formação intelectual à margem do ensino formal, inclusive frequentando a Academia do Peixe Frito em companhia de Bruno de Menezes, Tó Teixeira, Rodrigues Pinagé, Eneida de Moraes, Jacques Flores e tantos mais modernistas. Conheceu o antropólogo Manoel Nunes Pereira que teria grande importância na sua orientação de escritor, notadamente na elaboração de "Marinatambalo", publicado com título de "Marajó", saudado pela crítica como o primeiro romance sociológico brasileiro.


Para saber mais, leia:


Tragédia e Comédia de um Escritor Novo do Norte...

Dalcídio Jurandir
acessando o link
http://www.releituras.com/djurandir_tragedia.asp



Campus de Soure (Marajó), Universidade Federal do Pará (UFPA), criado em 1986