segunda-feira, 7 de setembro de 2015

CARNAVAIS E PATRIOTADAS


"A função do historiador é lembrar a sociedade daquilo que ela quer esquecer".
   Peter Burke



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Li na internete que, na cidade do Recife, durante marcha de opositores ao governo federal um paraense que ali mora, também contrário aos governistas; colocou a bandeira do Pará em sua janela com ideia de manifestar adesão ao protesto e foi miseravelmente insultado pelos revoltados. Os quais gritavam "fora comunista", "fora PT"... 

O parauara ficou pasmo com a ignorância da turma, gritou-lhes "é a bandeira do Pará seus idiotas!". Os babaquaras dispersaram, todavia um deles avisou: "quando a gente tomar o poder vamos rever isto"... Dizia o comentário que o cara ficou encucado disposto a não mais tomar partido nenhum

Cá no meu canto eu me pergunto como ficaria, então, a bandeira paraense caso os contras dessem marcha ré à história do Povo Brasileiro, apagando seus feitos patrióticos mais notáveis? No Pará, notadamente a Cabanagem, cujo sangue derramado tingiu nossa bandeira de vivo encarnado. Por acaso, na antiga corte carioca e em São Paulo, andaram em passeata esses mesmos revoltados de araque a levantar o velho pendão imperial aposentado em 1889 pela República Velha café com leite. 

Sabem lá os paraenses quanto nos custou, na adesão do Pará à Independência, a bandeira escravista anglo-americana do império de Dom Pedro? Essa bandeira manchada pela submissão aos ditames de Londres em repressão aos brasileiros na chamada guerra da independência. Em particular no Grão-Pará pela mortandade de 40 mil cabanos numa população de cem mil almas, primeiramente traiu a revolução liberal do Porto (Portugal) para enfim amortalhar o sonho de liberdade do Brasil. 

Se soubéssemos a história do Povo Paraense, mais seria respeitada a Bandeira do Pará e melhor comemorada a data de adesão à República em 16 de Novembro. Pois a luta de libertação paraense é federativa e republicana desde os princípios no bojo da Confederação do Equador, com o "contágio" das tropas paraenses egressas de Caiena, em 1817, trazendo oculta em suas mentes a notícia da revolução do Haiti, com o fim do colonialismo e da escravidão inerente ao regime de exploração de povos e terras de além mar.

OUTROS CARNAVAIS

Minha netinha de três anos de idade viu o desfile escolar de 5 de setembro e chegou em casa com seus pais dando vivas ao Palá (Pará) dizendo ela que havia participado do carnaval... Por suposto carnaval patriótico. Então eu me lembrei do carnaval devoto de Dalcídio Jurandir, no qual aos olhos do menino de Cachoeira a procissão do Círio, mal comparado, era paresque desfile de carnaval com carros alegóricos. Como então não misturar os carnavais e me lembrar também de meu primeiro desfile escolar na semana da Pátria na terrinha de infância distante em Itaguari (Ponta de Pedras), na ilha do Marajó?

Naquele tempo a Guerra destruía a velha Europa e a gente sabia notícias pela Voz da América; faltavam alimentos na região devido aos afundamento de navios da Costeira por submarinos alemães; o grupo escolar marchava pelas ruas poeirentas de Itaguari enquanto a Voz do Brasil chegava fraca e distante para nós. A Ilha e a Cidade ligadas apenas por canoas à vela de acordo com os ventos e as marés.

Hoje o tempo gira na memória tal qual o catavento multicor que a menina que tem nome de minha avó trás à mão. Não é que meu avô galego camponês, com sua voz de vagamundo, fatigado de minha hiperatividade infantil me chamava Corrupio? Ando devagar agora porque, como diz a canção, já tive pressa de viver e rodei mundo afora. Até descobri, por acaso, conversando com um asilado político chileno trabalhando na Ilha do Diabo (Guiana francesa) que cada um de nós em sua odisseia carece sair de sua aldeia a fim de descobrir o mundo a saber, em meio à guerra que a vida parece ser; que o melhor lugar do mundo é a sua aldeia natal. 

Eu acredito que o mundo só terá paz quando as aldeias unidas do planeta revogarem a ditadura imperialista da aldeia global. Claro, trata-se da utopia da democracia planetária. Como todas mais -- que nem a indígena Terra sem Mal -- um tempo que corre por trás do horizonte conforme a espiral evolutiva do espaço pelo progresso ou decadência de nossos sonhos. Oras parece que tudo se acabou e, de repente, lá vem a virada e a coisa avança como nunca.

Compreendi a revolução antropoética na leitura carbonária do "Caderno de um returno ao pais natal" do pai da Negritude, Aimée Cesaire, o libertador amado da Martinica. O poema nègre me ensinou que, de certo modo, 99% da população da Terra é feita de "negros da terra" na senzala deste mundo, enquanto apenas 1% de "brancos" -- não importa a cor da pele, olhos e cabelos contanto tenha lá muito dinheiro para comprar e vender todo mundo -- adona-se da casa-grande. Onde quer que se instale a grande empresa e a plantation no vasto mundo sobre cláusulas pétreas do pacto colonial. 

O SAPIENS TAPUYA NÃO É BESTA, NÃO!

Então, o Marajó velho de guerra é meu país natal!  

Ilha-aldeia onde eu me achei, numa ponta de pedras do Fim do Mundo, à ilharga da ilinha mágica onde mora a cobragrande Boiúna do rio Marajó-Açu guardião do mito da Primeira Noite do mundo:

todo mundo deve saber que o Marajó de que falo é um país encantado sito no maior arquipélago de rio e mar do planeta, além disto é um mundo: portal da mítica Terra sem Mal). Neste caso, Adler mais que Freud explica a compensação de todos roubos da História pela triunfo sem par da revolução antropoética mundial... E o evolucionismo de Wallace informa que o caboco marajoara é um tremendo despistador, um bicho inteligente (o Homo sapiens Tapuya, da "Viagem Philosophica") frente aos predadores.

A gente quer esquecer a "ilha" quase continente no golfão marajoara, mas ela habita o coração da gente e ocupa a terra firme. Por isto, por bem ou por mal, a grande Belém capital do país que se chama Pará não desiste do fado da memória da criaturada grande no extremo norte, ao lado das ilhas filhas da pororoca até o Cabo Norte seguindo a sina da pesca e contrabando, desde o Salgado pela corrente das Guianas além fronteira. 

Quem já ouviu falar: Oiapoque, aqui o Brasil começa? Do Oiapoque ao Chuí quem sabe? O Oiapoque ancestral é reino imemorial do cacique Anakaiury na Paricuria, esquecida saga da confederação do Cruzeiro do Sul, por seu nome próprio Arapari; debaixo do céu bordado de estrelas buscado desde as ilhas de mar através de Trinidad e Tobago, no Caribe, e o delta do Orenoco. 

Um mapa-múndi invisível que se começou a desenhar pelo sonho dos pajés, pelo menos, cerca dos anos de 1300 e tantos nos trilhos de vento e maré da grande migração Aruã em guerra antropofágica com os Kalina do mar, parindo os inventivos Nuaruaques comedores de farinha de mandioca brava, donos do segredo mortal do curare; invadindo as ilhas Caviana, Mexiana até a ilha grande Analáu Yohynkaku (Marinatambalo, dos Nheengaibas, Aruans, Joanes ou Marajó), fazendo o diabo contra as mais velhas nações insulanas, inclusive o povo Iona notável pela antiga arte cerâmica Marajoara. 

Foram estes bárbaros aruacos, com certeza, que com suas guerrilhas e emboscadas armados de zarabatanas feitas de paxiúba e dardos de talo de patauá envenados criaram fama de malvados marajós, aprendizes de vespas assassinas e afilhados da cobra jararaca; freando assim, nas Ilhas; a avassaladora avançada dos guerreiros canibais Tupinambás conquistadores da antiga terra dos Tapuias, Pará-Uaçu ou Grão-Pará na tradução colonial portuguesa.

Então, sem que reis e filósofos soubessem coisa nenhuma desta história sem escrita cedo ou tarde seria fatal o choque entre as bravas gentes de Norte e Sul. Como entre marajós "malvados" ditos Nheengaíbas (falantes da "língua ruim') e valentes guerreiros de nação Tupinambá que, cerca de 1500, já vinham pelo Caminho do Maranhão e sertões adentro a bom pelejar contra os Tapuya em geral até o Baixo Tocantins, em marcha de guerra a fim de ocupar o Pará na ambição utópica da Yvy Marãey (terra sem mal), paraíso mítico onde não há fome, trabalho escravo, doenças, velhice e morte. 

Utopia selvagem motora da construção territorial de Pindorama, digo da terra Brasílica pré-brasiliana.

Haverá revolução geocultural mais ambiciosa que esta, cujo apogeu ocorreu paresque na Costa-Fronteira do Pará a duas marés de distância até as portas do Paraíso guardado zelosamente pela mãe d'água, Cobragrande? Terra sem males nenhum, que afinal de contas naufragou num rio-mar de suor, sangue e lágrimas nos confins do imaginário rio das Amazonas em seu cruel despertar no mítico país do El Dorado...  

Qual seria o desengano final da demanda da Yvy Marãey no regresso da viagem de Pedro Teixeira a Quito? Esperanças de Portugal em vésperas da restauração da independência do reino de Dom João IV, de 1640. Último suspiro do mito fecundador tupi-guarani nascido livre no Peabiru para vir morrer de fadiga entre escravos indígenas no Alto Amazonas, nos contrafortes dos Andes tomados por conquistadores ignorantes e cruéis?

Sonho do bicho-homem em se tornar abaeté (verdadeiro homem), íntimo dos deuses ao encontro do Paraíso procurado na terra dos Tapuias, caminhos de infinitos males guiados por caraíbas medonhos fiéis do Jurupari e adoradores do Jaguar a custo de carne humana pelas virtudes da guerra através de sendeiros luminosos de Guaraci (mãe dos viventes) -- o Sol -- na faina dura de cada dia.

Todavia, dialeticamente falando, se o Sol fazia guerra a Lua havia de tecer as pazes entre inimigos mortais pela atração dos contrários. Quando o guerreiro tupi inebriado pela visão do paraíso procurado ao por do sol tocava flauta e a tapuia apaixonada tendo lá seu amor distante, rezava a poderosa oração do sol à boca da noite enquanto o dia ia sentando para atar rede no Araquiçaua ("lugar onde o sol adormece") e anoitecia com as criaturas do dia a se agasalhar e os bichos da primeira noite do mundo a se alvoraçar nas férteis imaginações tropicais. Que é isto? Uma ecologia socioambiental do rio Babel com suas sete mil línguas e milhares de "tribos perdidas".

Desta reza forte no extremo norte, paresque saiu o casamento da filha da Cobragrande: foi assim que nasceu o mito da Primeira Noite do mundo e as cantigas amorosas ao sair da Lua (Jaci, "nossa mãe") envolveram guerreiros abaetés, com que a antiga guerra à margem da História foi amansando pouco a pouco até a primeira geração da etnia dos cabocos ("caa bok", saídos do mato). Para quem inventou o Mito, custava engendrar História? 

UM PAIS QUE SE CHAMA PARÁ

Quem hoje sabe, todavia, desta velha história da Babel tapuia na universidade da maré no Ver O Peso, onde outrora o peixe frito em azeite de patauá alimentava as letras paraenses a par do pato no tucupi da elite e mais produções do tipiti e os gados do rio, mata fome de pobres e ricos?

Eu sou de um país que se chama Pará
Que tem no Caribe o seu porto de mar
E sei,  pelos discos do velho Cugat
Que yo, yo non puedo vivir sin bailar

  Paulo André Barata / Ruy Barata



Mambo, merengue, salsa, cumbia, Calypso, rumba... Contrabandos mil, reinvenções sem fim, lambadas e guitarradas cá te espero. O Haiti é aqui desde a passagem lendária do rei mandinga Abu Bakari, duzentos anos antes de Colombo. Nunca ouviu falar? Pudera! Nossos colonizadores além de ignorantes em todas estas coisas cuidaram de demonizar os deuses africanos e a religiosidade natural de nossos antepassados nativos.

Por exemplo, a falsificação premeditada da Adesão do Pará à Independência do Brasil, de fato manifesta na cidade de Belém no dia 14 de Abril de 1823, foi ela proclamada na heroica vila de Muaná em 28 de Maio: querendo ou não, não passa de uma vexatória rendição o ato de 15 de agosto passado no palácio do governo (hoje Palácio Lauro Sodré, sede do Museu Histórico do Estado do Pará) entre o governo colonial português do Grão-Pará e o jovem mercenário inglês John Pascoe Greenfell, de apenas 23 anos de idade;  emissário do corsário inglês graduado almirante  Thomas Cochrane, contratado pelo filo-anglicano José Bonifácio em nome do imperador Pedro I do Brasil e príncipe herdeiro, Pedro II de Portugal. Nosso primeiro desfile carnavalesco no Rio de Janeiro.

Cochrane e Greenfell ficaram bem na foto da historiografia anglo-brasileira na "independência" do Brasil em oposição à independência americana começada pela República federativa dos Estados Unidos, mais a revolução anti-escravista do Haiti e a revolução anti-colonialista bolivariana. 

Mas, na verdade, a história do Povo Brasileiro é mais antiga e mais vasta que tudo isto. Assim nasceu o império brasileiro, protetorado da Inglaterra por conta ainda do comboio inglês à Família Real portuguesa em fuga frente às tropas invasoras de Napoleão (dizem que Dona Maria I, a louca, que mandou esquartejar Tiradentes; era a pessoa mais sensata na real comitiva ao indagar: "se não estamos a fugir, por que vamos com tanta pressa?").

Não fosse pelo martírio de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes; e a decisão secreta dos maçons republicanos, no dia 20 de Agosto de 1822, no Rio de Janeiro; o teatro do Ipiranga não teria efeito ao que parece. Pois o medo geral era de fato a revolução francesa de 1789, por sua vez tendo por estopim a Independência Americana. Para ver como é a dialética entre as duas beiras do Atlântico desde eras muito recuadas até nossos dias.

Nos Estados Unidos, as colônias do Norte foram formadas por colonos protestantes desejosos de fugir a perseguições religiosas na Europa, fundaram a Nova Inglaterra com trabalhadores livres, pequenas propriedades, comércio e produção para consumo interno numa colônia de povoamento. Já as colônias do Sul como a Virgínia, Georgia e Carolina do Norte e do Sul sofreram uma colonização de exploração para exportar à Inglaterra conforme o Pacto Colonial baseado no latifúndio, trabalho escravo e monocultura. 

Entre 1756 e 1763, a Inglaterra e França travaram a Guerra dos Sete anos pela posse da América do Norte da qual os ingleses saíram vencedores. Apesar da vitória, Londres resolveu cobrar dos colonos o custo da guerra pelo aumento de taxas e impostos: começam aí protestos e agitações que levariam à independência americana em 1776, seguindo-se a guerra de 1776 a 1783 vencida pelos Estados Unidos com apoio da França e Espanha: quer dizer as duas margens do Atlântico enlaçadas pelo Pacto Colonial estavam fadadas a construir uma história comum. Pintada com fortes tintas iluministas a Constituição dos Estados Unidos (1787), garantindo a propriedade privada, direitos e garantias individuais do cidadão; embora mantendo a escravidão, inovou com o sistema de república federativa. Pelo qual influenciou a Revolução Francesa de 1789 e a derrocada das colônias americanas. 

Já o Haiti, em 1791 -- do aruaque "Hayti", "terra montanhosa" -- sacudiu fora o jugo do colonialismo francês e assombrou as Américas com a revolução anti-escravista de Toussaint l'Ouverture e seus jacobinos negros. 

Ato seguido, em 1806, com ajuda britânica Francisco de Miranda invade a colônia espanhola da Venezuela onde pela primeira vez a bandeira da independência foi hasteada. Entre os combatentes liderados por Miranda se achava David Burnet, dos Estados Unidos, mais tarde governador do estado do Texas após a separação do México, em 1836.

Desde 1810, a Venezuela iniciou a guerra de libertação sob liderança de Simon Bolívar proclamando a independência em 5 de julho de 1811.
As forças coloniais espanholas contra-atacaram e Miranda, temendo derrota arrasadora, assinou armistício com os espanhóis em julho de 1812 (Tratado de La Victoria). Bolívar e outros revolucionários julgaram a rendição de Miranda traição à causa republicana e o entregaram ao exército espanhol que o levou à prisão na Espanha, onde morreu em 1816. 

O IMPÉRIO ANGLO-AMERICANO MEXE OS PAUZINHOS POR BAIXO DOS PANOS

Apesar do independentismo republicano das Américas, o Reino Unido sempre fez jogo duplo onde houve oportunidade: contanto que causasse prejuízos a seus inimigos na Europa, França e Espanha. Na revolução paraense de 1835, a pretexto de punir responsáveis pelo saque do navio britânico Clio, em Salinas, trazendo contrabando de armas; emissário inglês ofereceu ao presidente cabano Eduardo Angelim apoio para declarar a independência da Amazônia. Proposta repelida entre outros motivos pela lembrança de Greenfell nos episódios de 1823 que legaram à Tragédia do Brigue Palhaço, causa principal da Cabanagem. Além disto, o cônsul britânico em Belém fomentava o comércio entre o Pará e a Inglaterra durante a insurreição e os irmãos Aranha foram agentes comerciais dos Estados Unidos.

Já o Povo Paraense fiel às suas raízes oriundas da antiga Terra dos Tapuias (bote aí algo como cinco mil anos, além de nossa primeira civilização amazônica -- a Cultura Marajoara -- de quase dois mil anos) movia-se pelo sentimento ancestral da confederação do Arapari (o país do Cruzeiro do Sul, Brasil pelo nome português). Enquanto comerciantes portugueses no Pará e Maranhão tinham todos seus interesses ligados a Portugal, com destaque ao Porto antes que Lisboa.

A dialética entre a Europa imperial e a América republicana estava inflamada. Para Joaquim José da Silva Maya (1811-1893), um dos membros da esquadra portuguesa recém-chegada da Bahia no Maranhão, a tensão que tomava conta de São Luís se devia ao crescente apoio à independência por homens “de cor”. No Pará a situação não seria diferente. O percentual de “pretos livres”, “pretos cativos”, “mulatos livres” e “mulatos cativos” era superior a 77% da população maranhense. 

Para os escravos, aliarem-se aos “brasileiros” era esperança de liberdade e as notícias do Norte confirmavam os sucessos abolicionistas no Haiti e na Guiana francesa. No interior do Maranhão muitos fugiram para aderir às tropas da independência e em São Luis participavam de conflitos de rua. O mesmo no Pará entre partidários do cônego Batista Campos e portuguesistas.

A situação pendeu de vez para o lado da independência em 26 de julho, quando aportou em São Luís o navio "Pedro I", cujo nome indicava a astúcia costumeira dos ingleses nas colônias. O navio estava sob comando do almirante britânico lorde Cochrane (1775-1860) e vinha da Bahia, onde a força mercenária inglesa apoiara a independência do Brasil. Então, chegou a vez de conquistar o Maranhão e Pará. No dia 27 de julho, 200 homens desembarcaram em São Luís e no dia seguinte intimaram os maranhenses a proclamar a Independência.

Nem sinal de festa e comoção popular. Foi uma pífia cerimônia com seis tripulantes do navio aos quais se juntaram 91 cidadãos, entre eles membros da Junta de Governo e da Câmara e outras autoridades locais. Sem entusiasmo saudaram a “Adesão ao Império Brasílico, e Governo do Imperador, o Senhor Dom Pedro Primeiro”. Do lado de fora do Palácio poucas pessoas observavam e a independência foi assinalada por simples repicar dos sinos, uma salva de tiros e o reconhecimento da “Bandeira Brasílica”. Muito pouco, comparado à multidão que celebrou a adesão maranhense à Revolução do Porto (1821) e nascimento de membros da família real.

Porém, mesmo sem manifestações públicas os homens “de cor” acreditavam que a independência lhes traria benefícios. O escritor João Dunshee de Abranches Moura, no romance "A Setembrada" (1931), diz que às vésperas da proclamação alguns negros escravos teriam tomado canoas e se dirigido ao navio "Pedro I" a fim de pedir asilo ao almirante Cochrane, na esperança de liberdade, em vão. 


Desde a fundação de Belém do Pará (1616) se sabe que as notícias circulam rápidas através do Caminho do Maranhão. Após a independência, os negros e tapuios participaram de saques às lojas e das surras aplicadas aos "portugueses" contrários à emancipação política. Libertos foram voluntários às tropas de segurança da cidade. No Maranhão, em meio à agitação nos dezoito meses após a adesão à independência, alguns negros foram convocados para participar da política. ( cf. Marcelo Cheche Galves, professor de História da Universidade Estadual do Maranhão e autor da dissertação “Jornais e políticos no município de Avaré” (UNESP, 2000).

No Pará, a proclamação de adesão à Independência do Brasil já fora feita em 28 de Maio. Mas o desprezo de Cochrane aos paraenses chegou a ponto de mandar um jovem tenente, com mentira para fazer crer que uma esquadra estava estacionada na entrada da barra em Salinas. E assim, o brigue "Maranhão" com marinheiros mercenários afeitos a todas violências do ultramar, por ironia do destino cruzou com a charrua "Andorinha do Tejo" conduzindo os patriotas paraenses condenados a prisão perpétua, depois de comutada pena de morte a rogo do bispo do Pará, Dom Romualdo Coelho.


Debaixo de canhões do brigue "Maranhão" renderam-se os portugueses do Pará em ato de 15 de agosto de 1823, denominado de "adesão" à independência. O truculento mercenário longe de se informar a respeito dos verdadeiros partidários da Independência deu posse aos mesmos portugueses contrários à Adesão... E o resto já se sabe, ou deveria saber.



 
A PERIGOSA IDEIA DE DARWIN


Tupã tenondé: revelação da profunda comunhão
entre Homem e Natureza no espírito das coisas.


Como Daniel Dennett escreveu em "A perigosa ideia de Darwin", não sei se deveria rezar a ela. Mas, toda vida é sagrada. Depois de um milhão de anos desde o berço da humanidade, na África, dois primatas da espécie Homo sapiens -- Charles Darwin (1809-1882) e Alfred Russel Wallace (1823-1913) -- vieram a América do Sul e em suas viagens compreenderam que a vida, por uma longa espiral evolutiva, desde os princípios do cosmo, se expande criando as espécies.

Claro que foi uma bomba com efeito de Nagasaki e Hiroxima sobre o Jardim do Éden: a humanidade desamparada do "pecado original" de Adão e Eva havia que ser responsabilizada por tudo, o bem e o mal da aventura do Homem neste vasto e complexo mundo. Inclusive da mudança climática hoje em dia.

O Homem, dotado naturalmente de cérebro proeminente e polegar opositor, evoluiu de espécies de hominídeos e ocupou todo planeta tornando-se consciente da história natural e responsável pelos acontecimentos gerados por sua própria espécie em relação de uns com outros e com a própria natureza individual e coletiva.

Vindos da Ásia, há cerca de dez mil anos atrás, o homem americano criou neste continente diversas culturas e civilizações ao longo do tempo. Entretanto, em pouco mais de quinhentos anos o homem europeu dedicou-se a matar física e espiritualmente seu irmão americano, passando a destruir tudo quanto ele havia construído escravizando-o para extrair e exportar riquezas alheias ao modo de vida deste ramo da humanidade.

Os primeiros viajantes e naturalistas do Novo Mundo, com seu preconcebido modo de ver os "índios" ocidentais; cunharam a frase equivocada: "índio vê a árvore, mas não vê a floresta". Em realidade, era o europeu em sua cega avidez que via a floresta como um vasto manto sob o qual escondiam-se tesouros imaginários afinal só revelados depois da revolução industrial (borracha, balata, madeira e diversos minérios, inclusive o fatídico ouro das maiores desgraças da humanidade).

O enganoso símbolo da riqueza foi a causa imediata da destruição das Índias Ocidentais conforme o dantesco relato do padre dominicano Bartolomeu de Las Casas. A história do cacique taino Hatuey -- o primeiro rebelde das Américas, cujo martírio foi memorizado em Cuba em monumento -- revela que os "bárbaros", logo do "descobrimento" da América em 1492; cedo perceberam que a religião dos conquistadores era o ouro é nada além. Para quem não enxergava a floresta onde a árvore existia foi demais... Curiosamente, com a morte do líder Hatuey surge na história de resistência americana indígena o nome do cacique Guamá que continua a luta anti-colonial. 

O mesmo nome gestáltico Guamá -- sabendo-se ademais, que além da perspectiva individual terapêutica segundo a teoria da Gestalt, o verdadeiro nome de um índio é um segredo íntimo do indivíduo e daqueles parentes assistidos do pajé que lhe deram o nome indizível pelo qual: portanto, um nome indígena ostentado externamente é como uma segunda persona de função coletiva -- seria registrado nas lutas indígenas contra os espanhóis no México ou Belize e arredores.  

No Pará, por acaso, o nome do cacique dos Aruãs e Mexianas, Guamã; ficou memorizado no rio que banha a cidade de Belém. Donde, de tempo em tempo até cerca de 1723, os valentes marajoaras enganados e traídos no acordo de paz de Mapuá (1659) pela expulsão do payaçu dos índios, Padre Antônio Vieira e seus confrades (1661) para criação dativa da Capitania hereditária da Ilha Grande de Joanes (1665); vingavam-se de seus antigos inimigos hereditários Tupinambás e de seus aliados portugueses, assaltando aldeias de índios "mansos" (negros da terra) às ilhargas da capital paraense.

No longínquo Rio Negro, estado do Amazonas hoje; Ajuricaba, cacique dos Manaus; levantou-se contra as "tropas de resgate" (caçadores de escravos): é dizer, do Amazonas ao Pará nos inícios do Século das Luzes a tapuiada aruaca estava revoltada contra a escravidão na Amazônia colonial portuguesa. Embora decadente era a nação Tupinambá com seus arcos e remos imprescindíveis comandados por mamelucos (filhos de índias e portugueses) façanhudos que, para os cronistas da época, adotava nome de "portugueses" embora já essencialmente fossem eles brasileiros em formação. 

Até aí a língua geral amazônica ou Nheengatu era o instrumento colonizador, na Redução missionária onde se forjava, sobre as ruínas pagãs tapuias; a civilização cristã-nova brasílica. Este projeto messiânico casando o útil ao agradável entre colonizadores e colonizados, todavia, teve sua história cortada rez ao chão pelo império de Dom José I mediante a expulsão dos Jesuítas (1760), cem anos depois de Vieira dar por concluída a missão de paz aos Nheengaíbas a deixar o Pará tranquilo e seguro, após 44 anos de guerra de conquista do rio das Amazonas, desde a tomada de São Luís do Maranhão (1615). 

Desde então, o Iluminismo lançou as suas sombrias consequências ultramarinas na Amazônia. E o Diretório dos Índios (1757-1798) decretou a extinção geral dos indígenas para invenção original dos cabocos: ao contrário dos Yankees para os quais "índio bom é índio morto"; nossos avós portugueses incapazes de caçar, pescar e fazer roças para seu próprio sustento no trópico úmido, cuidaram de transformar "negro da terra" em súdito e importar "negro da Guiné" para as mais tarefas de escravo.

Foram estes portugueses abrasileirados de outrora que provocaram a guerra civil chamada Cabanagem (1835-1849) e plantaram o pendão do Império do Brazil sobre o chão ensanguentado da extinta terra Tapuia.