sábado, 16 de janeiro de 2016

ARTE MARAJOARA CONVERSA COM O MUNDO.





Segundo Dalcídio Jurandir, o caboco marajoara é cidadão do mundo. Todavia, o cidadão em questão já se queixou ao bispo, pediu socorro ao presidente da república e só falta agora levar os seus protestos junto ao Papa e à ONU na última esperança da Agenda 2030, pra valer! O 'índio sutil' Dalcídio e o marajoara que veio de Turim fazer no Marajó o museu mais improvável do mundo, padre insubmisso ao bispo mandão, Giovanni Gallo, já morreram. Porém, toda vez que o dilúvio cai em cachoeira sobre os campos do Marajó a vida renasce em todo o maior arquipélago de rio e mar do planeta: mas, infelizmente, não recobra a memória ancestral desta pobre gente sem eira nem beira, espoliada secularmente pelo orgulhoso império da cristandade.

Pena que no Golfão Marajoara dispartido em ilhas e terra firme entre o grande rio Amazonas e o Atlântico equatorial, mais de meio milhão de brasileiros não sabem nada desta antiga conversa escrita em cerâmica, há coisa de mil anos aproximadamente, quando Colombo e todos mais supostos ou verdadeiros descobridores das Américas ainda não haviam eles saído dos cueiros. Não são apenas cem anos de solidão, mas cinco milênios que o Homem tapuia aprendeu a lição do barro e cerca do ano 400 até 1400 mandou recado ao mundo inteiro. Por necessidade e acaso, o encontro da fome com a vontade de comer inventou na ilha grande do Marajó a primeira cultura complexa da Amazônia e, sem sombra de dúvida, a arte primeva do Brasil.

Como dar agora esta notícia desprezada desde a Viagem Filosófica (1783-1798), do sábio de Coimbra, Alexandre Rodrigues Ferreira, na curiosa separata Notícia Histórica da Ilha Grande de Joanes ou Marajó (1783)? A Notícia Histórica devia estar atualizada e comentada por educadores da própria região, disponível pelo menos nas bibliotecas dos dezesseis municípios no território estadual maior que Portugal. Trata-se do vestibular do naturalista de Coimbra ao alto curso da Amazônia... E se, agora, Boaventura de Souza Santos, armado cavaleiro andante com o projeto da Universidade de Coimbra "Conversas dos Mundo", sonhasse viajar na Viagem Filosófica?

A Notícia Histórica nos informa muitas coisas: a teoria do índio arariuara sobre a abertura e dragagem do rio Arari por muitas cobras grandes e pequenas que viviam no lago; a primeira notícia do Rio dos Anajás e sua estupenda biodiversidade; a perigosa travessia das correntadas da baía do Marajó; o tucumã como substituto de azeite de dendê ("comida da pobreza"), isto é: a canhapira marajoara casando cultura alimentar do índio com a do preto a caminho do apogeu gastronômico guianense chamado bouillon d'Awara (que se poderia traduzir, mais ou menos, como "cozido de tucumã"). 

A Notícia Histórica dá uma dica para descobrir o autor anônimo da anterior "Notícia da Ilha Grande de Joanes" (provavelmente, o fundador da freguesia de Nossa Senhora da Conceição da Cachoeira do rio Arari (1747), Florentino da Silveira Frade, que disse ter achado o teso do Pacoval (primeiro sítio arqueológico de Cultura Marajoara que se teve notícia) no dia 20 de Novembro de 1756. Por acaso, dia nacional da consciência negra. Forte coincidência, quando se sabe que Vicente Pinzón em janeiro de 1500 atacou e levou da ilha do Marajó os primeiros 36 "negros da terra" (escravos indígenas) da América do Sul...

Falar em tucumã (Astrocarium vulgare) é como pegar uma chave que abre a porta do passado na mitologia da Primeira Noite do Mundo e do futuro com a pesquisa da canhapira e do "óleo de bicho", por exemplo. Sem esquecer o famoso "caroço de tucumã" da literatura do maior romancista da Amazônia. Assim como o ciclo das águas com a piracema atraiu nômades de diversos horizontes da região a levantar do chão encharcado o teso para, ao longo do tempo, edificar aldeias suspensas. Estes mesmos sítios exóticos atraíram naturalistas e arqueólogos para adivinhar a charada do homem amazônico "primitivo"... Começa aí a destruição formidável da antiga Cultura Marajoara, fruto da ignorância e da arrogância. Não que, cerca de 1300, a barbaridade Aruã não tivesse aparentemente feito o tempo recuar pelas bandas do Norte com a invasão das Ilhas de Fora (Bailique, Viçosa, Caviana, Mexiana) até deslocar e destroçar as mais velhas etnias para a Costa-Fronteira do Pará, onde elas vieram se refugiar tal qual a nação Iona ou Sacaca (Joanes, na corruptela em língua portuguesa). Alexandre Ferreira lastimou a sorte destes índios escravizados na pesca no Pesqueiro Real que, pelo relato do sargento-mor de milícias da vila de Monforte (aldeia velha de Joanes), índio sacaca Severino dos Santos; poderiam ser descendentes dos famosos artistas ceramistas "marajoaras". Quem sabe? Quando o padre Vieira caiu em desgraça diante da Inquisição os mais prejudicados foram os seus protegidos índios "nheengaíbas" (marajoaras) que tiveram as suas terras tomadas pelo monarca português para doação a seu secretário de estado e criação da capitania hereditária da Ilha Grande de Joanes (1665) - vésperas do apocalipse de 1666, vaticinado por Vieira para volta de Cristo à terra - o mundo não acabou. Porém, de fato, muita coisa mudou por aqui, inclusive a babel das línguas amazônicas no entrechoque do Iluminismo aux bàs fonds da amazonidade com o Diretório dos Índios (1757-1798) operando o milagre brasileiro da hegemonia da língua portuguesa falada do Oiapoque ao Chuí, extinção dos "índios" por decreto elevados em súditos do rei de Portugal juntos a suas rústicas aldeias que passaram a ser vilas e lugares lusitanos migrados a Amazônia colonial. Tais quais Chaves, Curralinho, Melgaço, Portel, Oeiras. Salvaterra, Soure...

Dentre as diversas histórias dos Marajós, a história dos "Joanes" é caso exemplar da destruição dos índios do maior arquipélago fluviomarinho do mundo no contexto geral da destruição das Índias |Ocidentais. Pois é disto que se trata, quando o Marajó quer conversar com o mundo. A "ilha" do Marajó está no mundo desde quando o padre grande Antônio Vieira com a sua utopia evangelizadora escreveu a famosa carta a el-rei dom Afonso VI, em 1659, publicada em folheto em 1660; na pessoa de sua mãe e regente de Portugal, a espanhola dona Luísa de Gusmão... Me lembro que a Viagem a Portugal de Saramago inspirou minha estúrdia Novíssima Viagem Filosófica a bordo da Revista Iberiana (1999). Seguiu-se a Amazônia latina e a terra sem mal (2002) onde abracei a utopia selvagem dos Tupinambá como efetiva conquista do rio Babel (tiro chapéu ao mestre José Ribamar Bessa Freire), e tenho inédita a Breve História da Amazônia Marajoara... Trabalho agora num texto apimentado chamado 1835 - As classes miseráveis na beira da História onde procuro parentescos da revolução paraense nas sete guerras da Regência (1835-1840) e na luta universal contra o trabalho escravo desde os quilombos originais, na África, dos Jagas e Bijagós em luta contra caçadores de escravos.

Hoje somos meia dúzia de quixotes fazendo das tripas coração a fim de dar voz a tantos outros que não sabem ler nem escrever, com que por certo saberiam o que o autor de Chove nos campos de Cachoeira por sua Criaturada grande dedicou toda sua vida em dar testemunho do homem aí largado em plena maré. Quem saberá a história do Pesqueiro Real com os índios Joanes escravizados para pescar e defumar peixe que era o dinheiro com que se pagava o soldo dos militares, os vencimentos dos servidores e a côngrua dos padres? Eis os banco social das comunidades àquele tempo com a tainha ovada em lugar de moeda corrente até quase fins do século XVIII.

Atualmente o Pesqueiro é uma unidade federal de conservação ambiental (Resex Marinha de Soure), a primeira reserva extrativista marinha da Amazônia. E deve-se saber que as Resex são invenção histórica de Chico Mendes: de Xapuri, no Acre, até Soure, no Pará; passando por Santa Catarina a luta popular venceu muitos obstáculos e estirões.

terça-feira, 5 de janeiro de 2016

LEVANTANDO BANDEIRA MARAJOARA PARA CRIAR O FUTURO ESTADO DO MARAJÓ.


motivo emblemático para criação da bandeira do Marajó com as cores originais da ancestral Cultura Marajoara. Em tela, como modelo, a bandeira da Paraíba a dar lugar da palavra "NEGO" a desenho estilizado de uma urna marajoara e talvez as duas seções separadas em diagonal.




Faltando só dois dias a mais um aniversário da Cabanagem de 7 de Janeiro de 1835 e sete para os 400 anos de Belém, creio eu ser este um bom momento para refletir sobre a importância geoestratégica e cultural do berço da arte primeva do Brasil e primeira cultura complexa da Amazônia: a Cultura Marajoara, nascida há mil anos na ilha do Marajó. Hora de repensar a divisão territorial da Amazônia brasileira, como senha de uma nova república federativa onde a amazonidade faça valer o fato de o Brasil ser de direito o maior país amazônico do mundo. Tudo a ver com a agenda do milênio, tendo nosso país oportunidade de exercer liderança nunca dantes a impulsionar os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (2015-2030) como paradigma planetário.

Mais que nunca, neste século, o maior país amazônico do mundo se vê desafiado a desenvolver a Amazônia na perspectiva do Tratado de Cooperação Amazônica (TCA), tendo em Brasília a sede multilateral da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), ultimamente convertido em patinho feio da diplomacia sul-americana. No imaginário brasileiro dominado pelo eixo hegemônico Sul-Sudeste, Marajó é uma "ilha" como outra qualquer no estado da "Amazônia" cuja capital se chama Manaus... 

Se a gente falar em Amazonas o primeiro pensamento que vem à mente é o vasto Estado do Amazonas com a ilha da SUFRAMA cercada de floresta por todos os lados, raramente vão lembrar do Teatro Amazonas e que o maior estado brasileiro em tamanho tem a maior população indígena do país. Donde o "exótico" município de São Gabriel da Cachoeira, no Alto Rio Negro, apresenta a particularidade de ter quatro línguas oficiais (a língua-geral amazônica ou Nheengatu; baniwa, tukano e naturalmente o português de expressão nacional e internacional).

Nosso ufanismo verde amarelo odeia reconhecer o fato de que, salvo uns poucos especialistas; os brasileiros imaginam uma Amazônia de cinema e TV: isto mesmo em plena Belém e Manaus, onde a elite ilustrada conhece melhor o exterior do que os subúrbios da cidade. Como vivem quase trinta milhões de brasileiros da Amazônia a maior parte da sociedade nacional não faz ideia. A maior bacia fluvial do Planeta donde a Floresta Amazônica pontifica reunindo oito países (Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador. Guiana, Peru, Suriname e Venezuela) e um departamento ultramarino francês (Guiana francesa, última colônia europeia na América), vem em segundo plano para grande parte da população brasileira. 

No entanto, o que hoje chamamos de Amazônia brasileira (portuguesa até 1823) vem de completar só quatro séculos desde a conquista do Maranhão (1615) e fundação de Belém do Grão-Pará (1616): toda esta gigantesca construção territorial não poderia ser realizada exclusivamente por uns poucos denodados e mal apetrechados conquistadores e colonizadores portugueses. Sem a aliança de arcos e remos da nação Tupinambá não teria existido jamais uma chamada Feliz Lusitânia e sem adesão tapuia - apesar da horrível destruição das nações indígenas amazônicas e do monstruoso cativeiro do Maranhão e Grão-Pará -, não teria o luso-brasileiro Alexandre de Gusmão alcançado êxito com a tese de uti possidettis do Tratado de 1750 em Madri, que revogou o de 1494 em Tordesilhas. E o Brasil ficaria caranguejando pela costa do Nordeste...

Então, o pós-400 anos de Belém deve provocar uma revisão de mentalidade com respeito a Amazônia brasileira e Marajó mais uma vez terá que ser descoberto para reconquista do rio Babel... Desta feita pelos próprios brasileiros: há uma dívida histórica a ser cobrada pelas populações tradicionais amazônicas. Sabemos que a hegemonia do Sul-Sudeste mantém status neocolonial nas relações federativas em desvantagem do Norte-Nordeste, apenas na última década o povo nordestino vem recebendo melhor atenção dos poderes da República.

O antigo estado do Grão-Pará e Maranhão pouco a pouco foi sendo subdividido, primeiro pela separação do Pará e do Maranhão, depois a emancipação do Amazonas e Mato-Grosso, Acre, Rondônia, Amapá, Roraima e Tocantins. Cedo ou tarde será a vez do Tapajós e de Carajás. A especificidade do Marajó clama e o Pará tem que se preparar a exercer a sua expressão geográfica voltada mais para a relações externas na fronteira marítima ao fim da antiga função colonial de boca de sertão.

Viva o grande Brasil amazônico do século XXI!




domingo, 3 de janeiro de 2016

LULA FOI A BREVES SALDAR UM DÍVIDA HISTÓRICA DE 350 ANOS


Projeto de Bancos Comunitários no Marajó. Articulações em andamento nos municípios de Muaná e Curralinho (Rio Canaticu), em breve os dois primeiros Bancos Comunitários marajoaras a fazer parte do Banco Nacional das Comunidades.





Não dá para tapar o sol com peneira. O Brasil parece um grande navio cargueiro em alto mal em meio à tempestade. Mas os brasileiros não inventaram a crise, muito pelo contrário, estamos enfrentando-a e adiando o seu maior impacto desde o tsunami de 2008, na bolsa norte-americana. É claro que o Brasil é grande e a crise vai passar, todavia durante a travessia os passageiros de terceira classe vão passar maus pedaços dizem profetas do caos. Principalmente, os mais pobres e os trabalhadores assalariados que vão ficar desempregados.  Lá do alto, na cabine de comando, não há muita coisa a fazer a curto prazo até retomar a rota a porto seguro.

Desde 2003, com a eleição do primeiro sindicalista na história do Brasil para a presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva; a esperança venceu o medo e nós de tanto insistir com apoio dos Bispos católicos do Marajó - com base no documento eclesial assinado por dom Angelo Rivatto S.J., bispo da Diocese de Ponta de Pedras e dom frei José Luís Hermoso Azcona OSA, bispo da prelazia do Marajó (Soure), denunciando o estado de extrema pobreza do povo marajoara -; no ano de 2006 foi estabelecido na Casa Civil da Presidência da República o "Grupo Executivo de acompanhamento de ações institucionais no arquipélago do Marajó - GEI-Marajó". 

Sabemos como a gente sofre de um tipo de mal de Alzheimer coletivo sobre estas coisas. Por isto, de vez em quando carece refrescar a memória a fim de que pescadores de águas turvas não virem com suas costumeiras cantilenas pra boi dormir. O povinho, por sua parte, adora se fazer de coitadinho e agradece mais depressa a seus exploradores de que a outros menos interessados em traficar influência no mercados de compra e venda de consciências. Os quais marreteiros, naturalmente, apostam no quanto pior melhor para ganhar no apurado da miséria. Viajando sempre de primeira classe os barões assinalados nem percebem as turbulências do mar revolto... Mas, como Deus é brasileiro e a Amazônia marajoara também é Brasil, viu-se certo dia o parto do "Plano de Desenvolvimento Territorial Sustentável do Arquipélago do Marajó", que por economia a gente prefere chamar vulgarmente de PLANO MARAJÓ. A ele se agregou, em 2008 - ano em que a bolha imobiliária estourou, nos Estados Unidos -, o programa "Territórios da Cidadania" - Marajó, conduzido na mesorregião marajoara pelo "Colegiado de Desenvolvimento Territorial do Marajó - CODETER".

Fato histórico sem precedentes, inclusive porque nunca dantes um presidente da República havia visitado Marajó para anunciar um plano de desenvolvimento socioambiental desta justa ambição. [ver http://gentemarajoara.blogspot.com.br/2012/02/rio-mapua-um-case-fora-de-serie-no.html]. Dirão os menos esquecidos, o general-presidente Geisel veio antes a Soure. Sim é verdade, mas vejam lá as diferenças de tempo e lugar. O ditador veio a convite de fazendeiros assistir a feira da pecuária; já Lula foi a Breves em viagem oficial de trabalho com a governadora Ana Júlia, em 2007, lançar o PLANO MARAJÓ e fazer entrega dos primeiros títulos de regularização fundiária do Projeto NOSSA VÁRZEA, que até hoje é a parte mais saliente do referido Plano, beneficiando a mais de 20 mil famílias ribeirinhas (cerca de 100 mil pessoas). Neuton Miranda, o saudoso coordenador do Projeto no Pará (prêmio ENAP de inovação em políticas públicas) foi o primeiro a reconhecer que o Título de Autorização de Uso (TAU) de terras da União é documento provisório, o primeiro passo numa estrada de mil léguas para o pleno desenvolvimento socioambiental sustentável das comunidades ribeirinhas na Amazônia.  Fato que não podemos esquecer face à Agenda 2030 da ONU sobre os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS).

O segundo passo na inclusão socioambiental dos cabocos seria o reconhecimento pleno dos cidadãos como passaporte para benefício dos programas municipais, estaduais ou federais de promoção social, incluindo aí planos de manejo agroextrativista acompanhado de orientação técnica. 

O terceiro passo vai ao encontro da sustentabilidade econômica da Criaturada, cantada em prosa e verso. É disto que quero falar, um pouco animado pelos primeiros sucessos do BANCO COMUNITÁRIO TUPINAMBÁ, na Baía do Sol (ilha do Mosqueiro, município de Belém). Copio antes trechos de entrevista de Paul Singer, pai da economia solidária em nosso país, em 2006, mesmo ano que, na Casa Civil, o GEI tateava para saber se Marajó é ilha, arquipélago ou uma mesorregião maior que Portugal: no maior arquipélago fluviomarinho do planeta, onde, por exemplo, podia caber dois estados como Alagoas ou Sergipe; com sua mal assistida população de 500 mil habitantes em 16 municípios repartidos em mais de 500 comunidades em cerca de duas mil ilhas:


"Apesar de o nome ter sido criado no Brasil, economia solidária é um movimento que ocorre no mundo todo e diz respeito a produção, consumo e distribuição de riqueza com foco na valorização do ser humano. A sua base são os empreendimentos coletivos (associação, cooperativa, grupo informal e sociedade mercantil).
Hoje, o Brasil conta com mais de 30 mil empreendimentos solidários, em vários setores da economia, com destaque para a agricultura familiar. Eles geram renda para mais de 2 milhões de pessoas e movimentam anualmente cerca de R$ 12 bilhões.
Nesta entrevista, Singer mostra como o movimento surgiu no Brasil, inicialmente para combater a miséria e o desemprego gerados pela crise do petróleo na década de 1970, e se transformou em um modelo de desenvolvimento que promove não só a inclusão social, como pode se tornar uma alternativa ao individualismo competitivo das sociedades capitalistas.
Relembre na RBA: "Lembro exatamente quando aportamos em Santos, dia em que completei 8 anos. Minha família estava tão extasiada por chegar, que o único que se lembrou do meu aniversário fui eu"
Quando e como surgiu a economia solidária no Brasil?
Ainda sem esse nome, a economia solidária surgiu no Brasil no bojo da mais terrível crise pela qual o País passou desde Pedro Álvares Cabral. Foi a crise dos anos 70, que atingiu toda a América Latina, resultado do choque do petróleo. Os países não produtores de petróleo ficaram com dívidas enormes. Tiveram que comprar petróleo a preços cinco vezes maiores dos que pagavam antes da crise. E o Brasil foi um dos que mais se endividaram. Não tinha opção. O País já estava no processo de abertura, mas o regime estava sem nenhuma preparação para enfrentar o desemprego, que atingia milhões de brasileiros. Esse era o quadro.

A economia solidária foi uma alternativa para enfrentar o desemprego, a fome e a miséria que atingiram milhões de brasileiros?
Foi isso mesmo. Quem tentou fazer isso de uma forma correta foi a Igreja, através da Cáritas, que começou a organizar os desempregados para que eles voltassem a viver, a ganhar. Isso acabou sendo o impulso inicial para a economia solidária no Brasil. Portanto, a semente da economia solidária foi plantada nos anos 80 por uma ação extremamente adequada, e no momento certo, da Cáritas. Alguns anos depois, o esforço da Cáritas foi secundado pelos sindicatos e pelas universidades. A essa altura eu já estava envolvido.

Qual foi o papel dos sindicatos, nesse início da economia solidária no Brasil?
Os sindicatos viram que os trabalhadores de empresas que iam falir – e muitas faliram nessa época – poderiam arrendar a massa falida, preservar a empresa e, portanto, seus próprios empregos. Os primeiros casos causaram muita sensação: fábricas sem patrões. Logo mais, isso se tornou um modelo. Surgiu a Anteag (Associação de Empresas Recuperadas), que se especializou nisso, a partir do Dieese (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos). Então, foi o início da economia solidária no Brasil. Os sindicatos apoiaram seus trabalhadores na formação de cooperativas de trabalho.

Os trabalhadores assumiram a direção dessas empresas falidas e as recuperaram?
Sim, assumiram a direção das empresas. Eles passaram a ser trabalhadores sem patrão, ou trabalhadores autoempregados coletivos ou sociais. Sempre associados.

E qual foi o resultado disso?
Centenas de empresas recuperadas no Brasil pelos seus próprios trabalhadores, mais de mil. A maior da América Latina administrada por trabalhadores é a Uniforja (Cooperativa Central de Produção Industrial de Trabalhadores em Metalurgia), que fica em Diadema.

Isso mostrou, na prática, a capacidade de gestão do trabalhador, de administrar com sucesso uma fábrica, coletivamente e sem patrões?
É preciso lembrar que, do ponto de vista capitalista, o trabalhador é alguém que cumpre tarefas. Ele não tem nenhuma participação na gestão, muito menos conhece os problemas do negócio. Os donos da empresa só divulgam o que lhes parece vantajoso. Portanto, os trabalhadores não têm aparentemente nenhuma capacidade de gerir uma empresa. A realidade mostrou o contrário. As empresas recuperadas pelos trabalhadores levam uma média de 2, 3 meses para voltar à plena atividade. Não mais que isso. É surpreendente.

E quando surgiu o conceito e o nome economia solidária?
A história é mais o menos o seguinte: quem não se lembra do Betinho (Herbert José de Sousa)? Sociólogo e ativista social, militante político que liderou o “Natal sem Fome”, mobilizou milhões e milhões de pessoas no Brasil. Isso também está na história da economia solidária.

De que forma?
Começou-se a perceber que era preciso fazer alguma coisa direta contra o desemprego. Como a campanha do Betinho avançou bem, tomamos a decisão de nos reunirmos nos anos 1990 (92 e 93) para lutar diretamente contra o desemprego, fomentando a economia solidária, que ainda não tinha esse nome. Incentivando a autoiniciativa econômica de trabalhadores associados.
Inclusive a campanha do Betinho foi muito apoiada pela Igreja. Ele mesmo era um católico, um cristão socialista. Militante da AP (Ação Popular, organização da esquerda cristã). Bem, esse foi o passo decisivo para a criação das incubadoras e cooperativas populares. Não surgiram imediatamente, mas não demorou muito. A primeira cooperativa foi criada no Rio de Janeiro, creio que em 1994, e agiu especificamente na Maré (Complexo da Maré). As incubadoras tecnológicas e cooperativas populares foram decisivas para o desenvolvimento da economia solidária no Brasil."


 QUE OS MARAJOARAS ESPERAM DE 2016?

Sinceramente, não esperam muita coisa. Já esperaram até demais. Desde as falsas pazes de Mapuá no século XVII a cabo de 44 anos de guerra desde a tomada de São Luís do Maranhão para fundação de Belém do Grão-Pará que de hoje a nove dias completa 400 anos. Como sucessor de Portugal no bônus e no ônus da Amazônia brasileira, o Brasil é responsável pelos descendentes da brava gente "nheengaíba" (marajoara) roubada em seus direitos humanos e territoriais para dar lugar à capitania hereditária da Ilha Grande de Joanes [Marajó], de 1665 a 1757.

A República Federativa do Brasil e o Estado do Pará, sem saberem exatamente, começaram a saldar esta dívida histórica com a Carta Magna de 1988 e a Constituição estadual de 1989, respectivamente. Esta última, mais precisamente em seu Art. 13, VI, parágrafo 2º considerando o arquipélago do Marajó área de proteção ambiental condicionando o desenvolvimento econômico das ilhas ao bem-estar da gente marajoara.

Eis, que decorridos dezenove anos da Constituição-Cidadã o Presidente da República foi a Breves - podia-se dizer, quase em Mapuá -, dar o primeiro passo que se dizia linhas acima. Falta muito, mas já andamos um bom estirão. Neste começo de ano muito me apraz compartilhar com a Criaturada grande de Dalcídio esta notícia de que a experiência do Banco Comunitário Tupinambá está prestes a ser replicada em Muaná e na comunidade do rio Canaticu (município de Curralinho). Falar o nome "Tupinambá", quando a capital do Pará faz 400 anos e Marajó demanda reparo histórico é tocar o nervo da História do Pará velho de guerra. Portanto, os nossos votos de que o Povo Marajoara saiba fazer a hora em paz, esperar não é saber. 


REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA: PRIMEIRO PASSO AO DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL SUSTENTÁVEL



 Depois de séculos de violência, expropriação e marginalização das populações tradicionais marajoaras, pela primeira vez o governo da República Federativa do Brasil atendeu aos apelos da comunidade por intermédio da Igreja Católica. A presença da igreja na região, como vimos acima, é um fato histórico negar isto ou as suas contradições como pretendeu o Diretório Pombalino e seus imitadores é uma tolice. Quem fala não é de nenhuma igreja. Muito mais é negar o dever do Estado-Nação, justamente demandado pela comunidade.

O Marajó já tem um rumo e não está mais à matroca como um barco à deriva: porém é preciso dar mais velocidade ao processo de desenvolvimento e integração com a participação da "Criaturada grande de Dalcídio" [populações tradicionais] e controle social sem preconceitos.

(em baixo foto da visita de Lula em Breves)
 em 06/12/2007

Fotos
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