sábado, 13 de agosto de 2016

A GENTE FOI SE QUEIXAR AO BISPO


Dom Frei José Luis Azcona Hermoso OSA, Bispo Emérito da Prelazia do Marajó.

"O Movimento Direitos Humanos (MHuD) concedeu o prêmio João Canuto 2011 ao prelado agostiniano recoleto por denunciar corajosamente os casos de violação dos direitos humanos em se tratando das mulheres, das crianças e adolescentes da ilha de Marajó. José Luis Azcona está ameaçado de morte pelas máfias traficantes de pessoas, especialmente menores; pessoas que posteriormente são utilizadas como mercadoria sexual em países como Itália, Espanha, Suriname e Guaiana Francesa. O bispo de Marajó receberá o prêmio no dia 10 de novembro na Universidade Federal do Rio de Janeiro, junto com outros sete homenageados." (Wikipedia).




ENTRE PADRES E PAJÉS: 
UMA HISTÓRIA DA GENTE MARAJOARA



De tanto ver bater porta de palácio, repartição pública, fábrica e empresa na cara de caboco e preto; de tanto ouvir branco da terra escarnecer da miséria dos pobres, lhes dizendo 'vá se queixar ao bispo'; esta gente aprendeu o caminho das pedras e foi desfiar o rosário de suas mágoas não só a um, mas aos dois bispos do Marajó. Agora as súplicas e rogos dos lesados descendentes dos índios Nheengaíbas ganharam o mundo e chegaram até ao trono do Pescador que, por obra e graça do Divino Espírito Santo, é exercido na terra por Francisco, Bispo de Roma.

Poucos como o escritor agnóstico e comunista Dalcidio Jurandir e a sua fiel correspondente Maria de Belém Menezes, filha do poeta da Negritude e cooperativista anarquista Bruno de Menezes; enxergaram o inovador trabalho da Diocese de Ponta de Pedras com o Bispo diocesano Dom Angelo Rivatto SJ e sua "reforma agrária" pacífica e duas cooperativas kibutzianas, com estaleiro naval, olaria, marcenaria, centro de artesanato e mais de uma dezena de agrovilas. Aquilo sim, foi uma revolução socioambiental que ainda deixou sementes para germinar no amanhã. Pena que o sucesso social não tenha tido sustentabilidade econômica...

Como todo processo histórico em todo mundo, a igreja particular da Amazônia Marajoara, desde suas origens no século XVII; não ficou isenta de contradições dilacerantes. A cultura marajoara envolvente não se muda facilmente com bulas e sermões, ela é rica em dialética de luta e resistência desde tempos imemorias, como se pode depreender do esquema científico de fases arqueológicas da cerâmica. A invenção, no berço da Civilização Marajoara de mais de mil anos de idade; do ecomuseu do Arari, conhecido pelo nome social de O Nosso MUSEU DO MARAJÓ, pelo insubmisso padre Giovanni Gallo, é um fato histórico extraordinário, a par das cooperativas de Ponta de Pedras. 


A história acontece como tragédia e se repete como farsa. Aqueles que preferem a farsa para fugir da libertação dos povos, atacam o Papa latino-americano por causa da encíclica ecológica "Louvado Seja". Francisco revela no texto da sua carta circular, para cristãos e não-cristãos; especial atenção sobre a Amazônia e a bacia do Congo... Explica ele que a encíclica inspirada no Santo de Assis, antes de ser endereçada ao meio ambiente contempla a grave questão social de nosso tempo, no qual uma minoria de apenas 1% da população da Terra possui mais que os 99% restantes.

Quem me conhece sabe, como disse Jack Lang a meu respeito em reunião na reitoria da Universidade da Amazônia (UNAMA), no Natal de 2005, que a ilha do Marajó é o centro do mundo para mim. Portanto, todos que tratam bem a Criaturada grande de Dalcídio tem meu respeito.



no interflúvio Pará-Amazonas dos chamados Furos de Breves, imagem perturbadora captada pela rede árabe de televisão Al Jazeera, mostra cena do dia a dia de crianças ribeirinhas arriscando a vida nos barcos que cruzam o furo do Tajapuru.


A MISÉRIA E A MORTE NÃO PEDEM DESCULPA


Se na verdade Zeus não é pai dos deuses e homens, pelo menos o Homem criou deuses e a História, o que é quase a mesma coisa. De qualquer modo, a inevitável morte não é nada mais, nem nada menos que o outro lado da vida de todos viventes. Segundo o historiador José Honório Rodrigues, na "Teoria da História do Brasil", Deus e a História não são para os mortos: aos olhos do Eterno todos estão vivos e a História reside nas mãos das gerações, sempre presentes através do arco da memória.



Tais pensamentos vinham-me à lembrança quando das infindáveis discussões para elaborar o Plano de Desenvolvimento Territorial Sustentável do Arquipélago do Marajó (PLANO MARAJÓ), onde certa vez Dom José Luis perguntava onde está uma tal "Terra Indígena"citada nos esboços burocráticos vindos de Brasília. De repente, o bispo se dirige a mim para saber se ainda há índios no Marajó... Oportunidade para eu dizer: "ainda existem índios no Marajó, mas eles não sabem que são índios". 

333 anos depois do apocalipse previsto pelo padre grande para acontecer no ano de 1666; eis que a gente marajoara deu um pequeno grande passo, em 1999, rumo ao fim da história de pilhagem e humilhação da Criaturada; herdeira legítima da Cultura Marajoara arruinada pelo colonialismo, abandonada e amnesiada pela oligarquia dos donos do patrimônio histórico e artístico nacional. 

Pela primeira vez na Amazônia Marajoara, dois Bispos Católicos do maior arquipélago fluviomarinho do planeta publicaram juntos um alerta geral sobre a extrema pobreza das populações ribeirinhas. Nunca dantes a gentinha sem eira nem beira havia escutado falar em IDH: sem saber do que se trata, como 'havera' então de entender a razão pela qual a nossa querida Melgaço figura no rabo da cobra do desenvolvimento humano brasileiro? Por acaso ou Divina Providência, 356 anos depois do Padre Antonio Vieira ter fundado a aldeia de Aricará (vila de Melgaço em 1758) com índios nheengaíbas trazidos de Breves, conforme o acordo de paz de 27 de Agosto de 1659 do rio dos Mapuá; viu-se o professor Roberto Mangabeira, da Universidade de Havard; no cargo de ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos, da Presidência da República; atravessar o Parauhaú em lancha voadeira de Breves a Melgaço, ida e volta, para ver e escutar aquela gente descendente dos antigos Marajós.



De 1985 a 1995, a Pro-Reitoria de Extensão da Universidade Federal do Pará (UFPA), com base nos 'campi' de Breves e Soure, desenvolveu atividades de educação ambiental que a cada ano numa cidade diferente realizava um Encontro em Defesa do Marajó. No dia 20 de dezembro de 1994, na PROEX-UFPA no Campus do Guamá, foi criado o Grupo em Defesa do Marajó (GDM), que se encerrou em 2014, a fim de organizar o Décimo e último encontro anual e prosseguir em atividades permanentes. 



Desta maneira, o GDM realizou o último Encontro em Defesa do Marajó aberto em Belém a 28/04 e concluído em Ponta de Pedras entre 29-30/04/1995, donde saiu a Carta do Marajó-Açu reivindicando saúde pública integrada ao conhecimento tradicional de parteiras, rezadeiras e curadores. Educação ribeirinha com calendário escolar compatível a usos e costumes da agrocultura extrativista. Proteção aos sítios arqueológicos e difusão da arte cerâmica marajoara a par da implantação da área de proteção ambiental do arquipélago do Marajó, conforme o Art. 13, VI, Parágrafo 2º; dentre outras providências.


Deste então, a Carta do Marajó-Açu serviu de roteiro de militância do GDM durante vinte anos de sua existência. Como tal, tive a honra de assinar apresentação do documento dos Bispos do Marajó sobre o ínfimo IDH do povo marajoara. Documento de base para demanda à Presidência da República que resultou na organização do Grupo Executivo Interministerial de Acompanhamento de políticas públicas para o arquipélago do Marajó, em 2006, na Casa Civil da Presidência da Repúbllica. E, em 2007, o Plano de Desenvovimento Territorial lançado na cidade de Breves pelo Presidente Lula e a Governadora Ana Júlia.



O tempo da História, que nem o rio de Heráclito onde não se mergulha duas vezes, é muito lento. Já o tempo da Política é mais rápido do que o Diabo quando pisca um olho. Há então um enorme descompasso entre a política e a história, que entretanto se a gente não prestar atenção está fadada a se repetir infinitamente... Sobre a viagem do Professor Mangabeira a Melgaço, gostaria eu de saber o que lhe disse Dom José Luís ao ouvido sob olhares curiosos da prefeita de Ponta de Pedras e presidenta da Associação dos Municípios do Marajó, senhora Consuelo Castro, pós-graduada em agronomia, fazendeira e evangélica da Igreja Quadrangular presente à reunião. Sou grato à Consuelo por ter se lembrado de indicar o nome de Dalcídio Jurandir para denominar a escola estadual de segundo grau na terra natal do romancista. Assim como o auditório da Associação dos Municípios. Sou grato também a Dom Alessio Saccardo, Bispo Emérito da Diocese de Ponta de Pedras, pela amizade fraterna e disponibilidade em ouvir algumas vezes preocupações do militante marajoara agnóstico. 


Ao agradecer mais uma vez a Dom José Luiz, Bispo Emérito da Prelazia do Marajó, tenho na lembrança despedida em Soure após reunião inesperada -- no dia de Natal, em 2005 -- na Paróquia do Menino Jesus com Jack Lang, famoso ministro da Cultura francês, deputado nacional do Partido Socialista e hoje presidente do Instituto Árabe de Paris; professores, pescadores convidados... E Dom Azcona em gentil saudação a minha modesta pessoa de neto de imigrante galego, dando até logo, dizendo ele à porta do micro-ônibus "Varella, viva Galícia!". Agora o agostiniano da País Basco passa o báculo o descencente alemão nascido em Santa Catarina, no sul do Brasil, missionário em Angola, frade franciscano - a entrar em função no dia 27 vindouro, aos 357 anos da Paz de Mapuá... Dom Teodoro Mendes, padre espiritano nascido em Cabo Verde e missionário no Amazonas, já está pilotando a barca da Diocese de Ponta de Pedras. Que eu lhes poderia desejar?


Faz escuro mas eu canto, com o poeta manaura planetário Thiago de Mello. E com Chico Buarque, que igual a mim não crê, peço a Deus por minha gente, a gente humilde.

terça-feira, 2 de agosto de 2016

O SONHO DA TERRA SEM MAL NÃO ACABOU






Sonhei um dia ainda jovem
como se eu estivesse na beira de um rio
tranquilo na tipacoema de maré cheia
a primeira manhã após
a primeira noite do mundo
me vi chegando à casa coletiva 
de meus antepassados
vinha eu paresque do fim do mundo
muito cansado depois duma longa viagem
a curiosidade do conhecimento
a saber quem inventou o mundo 
e o desejo de riqueza tal qual Marco Polo
me levaram longe pelos caminhos das Índias
em busca de aventura.

Sem rumo andei por terras estranhas
e naveguei mares nunca dantes
até me tornar amigo do rei do Congo
e conhecer as mulheres que me aceitaram
a compartilhar com elas
o prazer e a dor da vida
para criação de uma outra humanidade
a qual não há de conhecer

guerras
fomes
escravidão
doenças
velhice
mortes
mentiras

Então, a cabo daquela desconforme viagem
Me vi chegar por acaso ao porto do sítio antigo 
varando já para o terreiro dessa grande oca comunal
silenciosa e vazia, todavia cheia de recordações
de tantas vidas vividas.
Só e só a respirar aquele ar
eu sentia uma paz infinita
que nem um filho pródigo
em busca do tempo perdido
e juro que nunca fui tão feliz.

Vi o rio antigo levando índios sobre o dorso
que nem a Cobragrande Boiúna em sua sina
canoas mágicas indo por si para o centro da ilha 
grande como um planeta novo
entre o Sol poente e a Lua nova.
O remo encantado pingando água clara
entrando no mistério do rio
e o rio entranhando-se na alma da gente.