quinta-feira, 23 de maio de 2013

UMA HISTÓRIA DE AMOR E DESAMOR ENTRE MARAJÓ E O MUNDO EXTERIOR

MUSEU DO MARAJÓ - cerâmica representando
a obra revitalizadora de Giovanni Gallo com
a invenção do primeiro ecomuseu no Brasil.


Convite de lançamento do livro "A Terra dos Aruã"



A "verdadeira" história do Marajó ainda não foi escrita. Talvez jamais será, pois vários são os Marajós e o consenso sobre uma única "Amazônia Marajoara" ainda é precoce e escasso. Mas, desde o jesuíta Luiz Figueira supostamente "devorado" por índios Aruã nas praias de Joanes, em 1645, algumas mentiras deliberadas ou não sobre a brava gente marajoara começaram a circular nos meios civilizados do Pará...  Para desmentir a acusação de canibais que pesava sobre os Aruã e Anajá, rotulados todos com os mais povos marajoaras da época como "nheengaíbas" jurados de cativeiro e extermínio em "guerra justa", foi preciso fazer a paz do rio Mapuá (28/08/1659) numa iniciativa do Padre Antônio Vieira, superior dos Jesuítas, que haviam papel legal de tutela dos índios como hoje a FUNAI tem. Acontece que a intelligentsia tupiniquim, a qual ainda conserva o equívoco geográfico de Colombo ao apelidar de "índios" aos nativos da América; acha inverossímil o relato destas pazes e sem interesse acadêmico. E nós com isto? Temos que nos pegar às crinas do vento que varre os campos do Marajó a ver até onde vamos chegar daqui pra frente. Se o civilizado Portugal celebra Vieira como profeta da "História do Futuro", por que o iletrado Marajó tem que ficar no escuro desta história quando nela deveria se reconhecer? Outro caso é a trapaceira estória da Data magna que faz sombra em Muaná ao 28 de Maio libertador.

Agora senta que lá vem barulho treme-terra. O lançamento da obra do pesquisador Pedro L.B. Lisboa nem foi lida e já desperta viva controvérsia. Que leitura a gente pode tirar duma atitude tipo assim "não li e não gostei"? Este modesto blogueiro ao saber, através da rede de computadores, de mais esta desavença pediu moderação aos amigos e tentou introduzir no debate algumas sugestões levando ao diálogo entre o saber popular e o conhecimento acadêmico. Esta nossa utopia não é de hoje. O comportamento cordial dos índios ao receber as caravelas de Colombo vai ao encontro da tese ora aplicada à cultura popular marajoara, porém a longa história da infâmia a partir do descobrimento dos caminhos marítimos - com o testemunho do padre Las Casas, por exemplo - não deixa dúvida quanto ao "apartheid" americano e a violência da chamada "civilização". Claro, esta herança perversa deixou sequelas que se traduzem em comportamentos antagônicos entre "brancos" e "pardos"... E já se sabe com o naturalista Bates que, no Pará de outrora, todo preto que se tornasse livre e rico passava automaticamente à categoria social dos "brancos".

Há um rosário de queixas que não vale a pena voltar agora. O que nos deveria interessar é o futuro. Mas como inventar um futuro sem alicerce seguro no presente? Aqui está o problema. Que o presente é filho do passado e que povo sem passado é povo sem futuro.

Então, a brava gente marajoara - "Criaturada grande de Dalcídio" - tem fome e sede de História, assim que fome e sede de Justiça.  Todavia, Justiça e História de verdade... O povo do Marajó já está escolado das manipulações e falsificações da história que fizeram fortuna intelectual de instituições imperiais como o venerável Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), por exemplo, sustentado pelo monarca Pedro II copiado da matriz aristocrática francesa. 

Noves fora alguma precipitação e preconceito das nossas tribos em pé de guerra, não nos parece que a batalha de Itararé que se está levantando seja exatamente contra o livro em tela ou contra o seu autor na berlinda. Mas, sim contra certo padrão de relacionamento tecnoburocrático entre instituições e a população eleitora e pagadora de impostos. Um fato criticado há tempo sem grande melhora até agora. 

No Brasil nós demos azar de sofrer o AI-5 de 1968, verdadeiro início da Ditadura mais sinistra aniquilando as melhores inteligências do país ou exilando pesquisadores e intelectuais, como Fernando Henrique Cardoso (então um promissor sociólogo de esquerda) que beberam da rebeldia estudantil da França, no mesmo ano de 1968.  Já disseram que nada é pior que um intelectual no poder, assim que a república de Platão é uma anedota espetaculosa para entreter aquilo que o carnavalesco Joazinho Trinta deixou patente, dizendo ele "povo gosta de luxo, quem gosta de miséria é intelectual"...

Nós temos certeza que 99% dos marajoaras, ou mais ainda; não entenderia nadinha do que se está a falar nestas linhas tortas. Para eles tudo que passar de um parágrafo, em linguagem bem rasteira, será complicado... A culpa é da gente? Claro que não. Caboco pode não saber do que é certo, entretanto do errado ele desconfia logo pelo faro... 

Alfred Wallace, in loco, pôde constatar que "o caboclo marajoara é tremendo". Agora pergunta numa escola de segundo grau quem foi esse cara... Será milagre que o próprio professor em sala já ouviu falar desse um e muito menos que o tal inglês andou pelo Marajó, inclusive na ilha dos Mexiana, que eram parentes do Aruã.

Então, se o parceiro plebeu do nobre Darwin logo compreendeu o caráter suspicaz da gente marajoara, nos fins do séc. 19, por que hoje no séc. 21 pesquisadores do mais antigo centro de pesquisas da Amazônia, o Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), fundado pelo diletante Domingos Soares Ferreira Penna, que dá nome à Estação Científica Ferreira Penna, na Floresta Nacional de Caxiuanã; parecem ignorar noção básica para pesquisas na Amazônia? O cientista paraense Marcio Ayres, "macaqueiro" notável, ficou célebre em Mamirauá (Amazonas) ao inventar parceria entre Ciência e Comunidade Tradicional. Ainda querem mais?

Nós, do lado dos amadores apaixonados pela história do povo marajoara, acreditamos que algo deve estar errado na relação acadêmica entre Extensão e Pesquisa. E, por isto, ainda que só por pura intuição estamos reagindo sobre um livro que ainda não se leu dele uma linha sequer.  Qual poderia ser a leitura do fato?

Em primeiro lugar, é preciso abrir a "caixa preta" do financiamento de pesquisas. Depois, abrir arquivos que colecionam a poeira do tempo e disponibilizar reservas técnicas. É muito interessante acelerar o crescimento econômico do país com um programa de Ciência sem Fronteiras. Entretanto, é necessário abolir fronteiras entre saberes erudito e popular, com exemplo do Cultura Viva que também carece ser acelerado. E, nas ilhas filhas da pororoca, por acaso, sem verba de governo foi e é o Museu do Marajó, primeiro ecomuseu brasileiro (pena que o Brasil não reconheça oficialmente e os prórprios marajoaras não estão interessados a saber toda esta história). 

Lembramos o padre Giovanni Gallo, em seu purgatório até implodir  e morrer enterrando os próprios restos mortais à ilharga do museu que ele inventou, como "cacos de índio", a fim de informar uma comunidade de pescadores acusados, todo dia, de ser ladrões de gado. O impossível museu desse quixote diz por diretas contas que os cabocos são herdeiros da famosa Cultura Marajoara três vezes mais velha que o "jovem país" chamado Brazil. Um patrimônio da humanidade saqueado em seus sítios arqueológicos para mandar a obra de arte mais antiga do Brasil a grandes museus que não dizem nem alô aos analfabetos do Marajó...  O testamento escrito do "marajoara que veio de longe" se chama "Motivos Ornamentais da Cerâmica Marajoara" com bases a uma indústria regional para o desenvolvimento humano e cultural desta gente. Qual foi o nobre representante do povo que leu e aplicou a receita do Museu do Marajó através de uma das dezesseis câmaras municipais, da Assembleia legislativa ou Congresso Nacional?

E já que se está a lembrar de Aruãs e de Ferreira Penna, amante da Cultura Marajoara e fundador do Museu Paraense; que tal uma provocação para fumar o cachimbo da paz? Façam um projeto de Extensão Científica no espírito diletante de Ferreira Penna, Curt Nimuendaju (sabiam que ele era leigo como o padre Gallo?), Raymundo de Moraes (escritor diletante da obra "O homem do Pacoval", que é referente ao teso do Pacoval, o primeiro sítio arqueológico marajoara que se teve notícia no mundo civilizado), Vicente Chermont de Miranda e tantos outros pioneiros, com formação acadêmica ou não. Um sistema integrado de todos órgãos federais e estaduais atuando no Marajó, dentro do PLANO MARAJÓ.

A queixa é antiga: que os doutos nos façam mais de cobaia sendo sempre bem recebidos como os índios receberam Colombo; mas quando acaba, adeus morena pra nunca mais... Em tempo de internet não dá mais para aturar colonialismo. É disto que se trata, e caboco está mandando recado: tempo de besta acabou, meu doutor!

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