sábado, 28 de setembro de 2013

REFAZENDA MARAJOARA, ECOCIVILIZAÇÃO PARA TODO MUNDO.

situada no delta-estuário da maior bacia hidrográfica da Terra, a Amazônia Marajoara - berço da mais antiga cultura complexa amazônica e da arte primeva brasileira, a Cerâmica Marajoara - apresenta a diversidade cultural do Homem face à Biosfera no maior arquipélago fluviomarinho do mundo com a sua porção continental no entremeio das Amazônias azul e verde. Mas, desgraçadamente, se perde em pobreza entre chuvas e esquecimento. Enquanto uns bravos descendentes dos Nheengaíbas lutam para ser cidadãos brasileiros e planetários.



ECOCIVILIZAÇÃO AMAZÔNICA SERÁ REFAZENDA DA CULTURA MARAJOARA DESDE SUA INVENÇÃO HÁ 1500 ANOS OU NÃO SERÁ ECOCIVILIZAÇÃO.


"... Na grande boca do Rio das Amazonas está atravessada uma ilha de maior comprimento e largueza que todo o Reino de Portugal, e habitada de muitas nações de índios, que, por serem de línguas diferentes e dificultosas, são chamados geralmente nheengaíbas. Ao princípio receberam estas nações aos nossos conquistadores em boa amizade; mas depois que a larga experiência lhes foi mostrando que o nome de falsa paz, com que entravam, se convertia em declarado cativeiro, tomaram as armas em defensa da liberdade, e começaram a fazer guerra aos portugueses em toda à parte. Usa esta gente canoas ligeiras e bem armadas, com as quais não só impediam e infestavam as entradas, que nesta terra são todas por água, em que roubaram e mataram muitos portugueses, mas chegavam a assaltar os índios cristãos em suas aldeias, ainda naquelas que estavam mais vizinhas às nossas fortalezas, matando e cativando; e até os mesmos portugueses não estavam seguros dos nheengaíbas dentro de suas próprias casas e fazendas, de que se vêem ainda hoje muitas despovoadas e desertas, vivendo os moradores destas capitanias dentro em certos limites, como sitiados sem lograr as comodidades do mar, da terra e dos rios, nem ainda a passagem deles, senão debaixo das armas. Por muitas vezes quiseram os governadores passados, e ultimamente André Vidal de Negreiros, tirar este embaraço tão custoso ao Estado, empenhando na empresa todas as forças dele, assim de índios como de portugueses, com os cabos mais antigos e experimentados; mas nunca desta guerra se trouxe outro efeito mais que o repetido desengano de que as nações nheengaíbas eram inconquistáveis, pela ousadia, pela cautela, pela astúcia e pela constância de gente, e, mais que tudo, pelo sítio inexpugnável com que os defendeu e fortificou a mesma natureza. É a ilha toda composta de um confuso e intrincado labirinto de rios e bosques espessos, aqueles com infinitas entradas e saídas, estes sem entrada nem saída alguma, onde não é possível cercar, nem achar, nem seguir, nem ainda ver ao inimigo, estando ele no mesmo tempo debaixo da trincheira das árvores, apontando e empregando as suas flechas. E por que este modo de guerra volante e invisível não tivesse o estorvo natural da casa, mulheres e filhos, a primeira coisa que fizeram os nheengabas, tanto que se resolveram à guerra com os portugueses, foi desfazer e como desatar as povoações em que viviam, dividindo as casas pela terra dentro a grandes distâncias, para que em qualquer perigo pudesse uma avisar às outras, e nunca ser acometidos juntos. Desta sorte ficaram habitando toda a ilha sem habitarem nenhuma parte dela, servindo-lhes porém em todas os bosques de muro, os rios de fosso, as casas de atalaia, e cada nheengaíbade sentinela, e as suas trombetas de rebate...." (carta do Padre Antônio Vieira, à Regente da coroa portuguesa, Dona Luísa de Gusmão, em 11/02/1660).

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"Excelente a reportagem do padre [Giovanni Gallo] sobre os mestres de ofício. Tenho uma grande admiração por esses mestres que desafiam a tecnologia sofisticada". (Dalcídio Jurandir / correspondência com Maria de Belém Menezes).
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NOVA UTOPIA DA TERRA SEM MAL COM O SEBASTIANISMO DA HISTÓRIA DO FUTURO, DESCOBERTA NA PAISAGEM RIBEIRINHA INVISÍVEL E REFEITA PELAS MARGENS DA HISTÓRIA ATRAVÉS DE PONTOS DE MEMÓRIA DA CRIATURADA GRANDE DE DALCÍDIO.

Hoje, mais que nunca, carece confiar à Ciência & Tecnologia a tocha acesa que outrora, na escuridão do tempo, pertencia tão só à Fé cega, faca amolada, de temerários guias da Civilização. 

Travessia do Homem a pé do deserto do primeiro de todos os mundos, após a idade mítica dos deuses na primeira noite do mundo.

Ciência é coisa séria para ficar somente com os cientistas, como a guerra em mãos dos generais. Sobretudo entregue a pesquisadores que se alugam por trinta dinheiros a políticos alienados e donos do mercado. É preciso dar ouvidos a outros sábios: pais e mães de santo, pajés e xamãs: aprender a ver o peso da maré pelos olhos de poetas e profetas no parto das manhãs. 

Hugo Chávez, por exemplo, discípulo visionário de Bolivar teve razão quando disse ser Jesus Cristo o primeiro comunista do mundo. Claro está por que seus inimigos fariseus o entregaram ao poder de Roma para matar o Filho do Homem na Cruz, se antes o subversivo João Batista havia sido degolado na Cidade Santa para calar a voz que clama no deserto. 

Tal é, hoje ainda, a expectativa global da re-evolução do planeta Terra desde as beiras do Mar Morto. Todavia, quem visitar o interior da terra achará a pedra filosofal e poderá saber que Lao Tsé foi marxista avant la letre.  Nas Índias Ocidentais, velhos pajés chegaram a pé antes do búfalo filosófico que levou o grande mestre taoista da China as Índias Orientais: muito antes da criação de búfalos da ilha grande do Marajó.

Não se espante se eu lhe disser que a nova história do Futuro é uma universidade da maturidade do vasto mundo sem fronteiras. Que a dita cuja se achava latente nas mal traçadas linhas da pintura rupestre, de acordo com as mais antigas estórias da história oral do Rio Negro e outras regiões amazônicas.

Pré-história da ditadura da água na boca da cobragrande Boiúna (codinome, "rio das Amazonas"). Eu não sei porquê. Só sei que foi assim... 

Pajés-açus ou verdadeiros converteram o conde Ermano Stradelli à pajelança geral adotando-o como colega, lá deles. No vestibular aos altos cursos da amazonidade nas funduras do Rio Negro, na Guainia. Tal qual em Piratininga os Guarani-Apapokua naturalizaram o alemão Curt Unckel adotando-o como Nimuendajú. Em Jaguaribe (Ceará) foi a vez dos caraíbas Tupinambá, fiéis de Jurupari diabolizado pelos padres franceses do Maranhão; fazer cunhado o aventureiro cristão-novo do Marrocos, Martim Soares Moreno, a fim de arrastar à conquista da Tapuya tetama (terra dos Tapuias) as armas portuguesas.

Masporém, na historiografia chapa branca do Império do Brazil - ignorante da Yby marãey (Terra sem mal), aviltante do bon sauvage e estigmatizadora da "eucaristia bárbara" (antropofagia sagrada) que fez Cristo nascer na Bahia ou Belém do Pará segundo o grão canibal Oswald de Andrade - a histórica conquista do Maranhão e Grão-Pará é outra história.  

O avesso do academicismo imperial, mumificado pela República Velha, é a revolução permanente na academia do peixefrito e no clube da madrugada: ecos amazônicos da Semana de Arte Moderna de 1922 no país de Macunaíma e Cobra Norato. 

Raízes da ecocivilização do futuro da qual estamos falando se encontram no passado da Cultura Marajoara e das mais Amazônias, como também em todas regiões da Biosfera; nas quais pontificaram sábios especialistas em generalidade das sociedades primitivas afins ao Tao ("caminho" cósmico, paresque, no qual se acha cheia de graça nossa senhora, a Vida; recém-nascida e sempre em infinito estado de gestação). Antes da notícia da Vida, Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo já tínhamos aqui a arte e magia da ressurreição na cerimônia solene do Kuarup.

Sábios pajés impressionaram, deveras, a Alfred Russel Wallace, quando o co-fundador da teoria da evolução com Charles Darwin visitou a Amazônia e viu ao vivo como esta gente tira de letra a dialética do Sol com a Lua na influência das marés, notadamente na grande ilha grande do Marajó, com a precoce luta de classes de seus primitivos cacicados.

Por isto, na aurora do terceiro milênio, enquanto o devastador mal de Alzheimer (nossa popular caduquice de velho) continua incurável, a sociedade humana - cada vez mais velha - há de se empoderar da memória do Homem e da Biosfera a fim de achar tratamento e cura a infinitos males do esquecimento e alienação planetária. 

Os marginalizados povos da Terra não podem se deixar arrastar ao suicídio global por loucos perigosos no comando da nave mãe da Humanidade. 

De todas ilhas do arquipélago do verde oceano florestal amazônico, a ilha do Marajó é a joia da coroa brasílica. Aqui sob a linha do equador o meridiano de partição do mundo, "testamento de Adão", entre as coroas ibéricas, por acaso no espaço curvo de Einstein, veio realizar a fusão dos extremos Oriente e Ocidente há pouco mais de 400 anos. E poucos deram-se conta disto, apesar do Sermão aos Peixes contra a cegueira da mente, proferido em São Luís do Maranhão (1654) pelo Padre Antônio Vieira: ele mesmo, por acaso, atirou no que viu e acertou no que não viu...

Que são quatro séculos na longa escala da Humanidade de mais de um milhão de anos desde a primeira Diáspora africana? Portanto, apesar da destruição das Índias Ocidentais e devastação da "última fronteira da Terra" para miserabilizar o "celeiro do mundo", do qual o pobre IDH da gente marajoara dá mostras; tudo isto ainda é uma primeira manhã.

Sobre ruínas físicas e culturais da antiga Tapuya tetama (terra dos Tapuias), há dez mil anos ocupada por multidão de povos originais desde o Extremo Oriente; o Extremo Ocidente conquistou e inventou a Amazônia ("país das amazonas", lendárias mulheres guerreiras da Capadócia, transportadas por naus de imaginação).

Como se deve saber, a fim de refazer o futuro, existiram distintas civilizações nas Américas quando a Niña, a Pinta e Santa María com aventureiros de Colombo a bordo tocaram a ilha Guaanani (depois São Salvador e hoje Bahamas famosas pelo turismo e o paraíso fiscal).

Civilizações de pedra mesmo arruinadas sobrevivem ao colonialismo e pela ambição do turismo começam a ser revitalizadas. Porém nas terras baixas a civilização do barro descoberta tardiamente (a arqueologia marajoara, por exemplo, só revelou sua cara, por acaso, no dia 20 de novembro de 1756, quando o "teso do Pacoval" foi descoberto), está entregue a chuvas e esquecimento. Porém a arqueologia experimental pós-industrial poderia em Marajó fazer sucesso sem precedentes aqui.

Sem tempo para gozar maravilhas do novo Éden e fazer amizade e conhecimento com os Lucayos, os Conquistadores (cariuá, malvado) entraram a cavar terra a procura de ouro escravizando os donos das ilhas do Caribe. Até hoje este tão grande desastre humanitário passa aos confins da terra-firme, indo das margens do Atlântico ao Pacífico. 

Está aí o padre Las Casas que não me deixa mentir. Depois dele o "payaçu" dos índios, imperador da língua portuguesa, Padre Antônio Vieira, com sua utopia sebastianista dando testemunho da cegueira fatal da Colonização. 

Também ele cego à paisagem invisível dos primeiros cacicados no maior país amazônico do mundo, hoje a República Federativa do Brasil; infelizmente, agora, apossada de caciques políticos e negociantes desalmados em companhia de piratas estrangeiros piores que os do Caribe outrora. Tudo igualzinho com os começos da farsa da História (apesar de sisudos avisos do barbudo Karl Marx).

O erro cartográfico que levou espanhóis a chamar de Índias Ocidentais ao continente, este engano ficou sendo verdade e seus habitantes originais foram apelidados "índios" até hoje. Mas, os tais índios ocuparam o Caribe desde o Rio Negro, na Amazônia brasileira, através do Orinoco, na Amazônia venezuelana muito antes dos judeus ser expulsos de Espanha e Portugal e a familia de Colombo ser obrigada a se cristinizar, pelo menos, da boca pra fora.

E os índios enquanto não eram índios dilataram o circum-Caribe para o oeste até os contrafortes dos Andes e ao sul além do Pantanal... Lutaram e resistiram à invasão guerreira dos Tupi-Guarani enquanto de norte a sul buscavam o país do Cruzeiro do Sul ("Arapari"). 

E, em sentido contrário, o Bom Selvagem abria os caminhos do sertão demandando o paraíso chamado Yby marãey (terra sem mal): lugar mágico onde não existe fome, trabalho escravo, doença, velhice e morte. Existirá melhor projeto de Civilização? Como então, o "jovem país" do pau-brasil despreza todas estas coisas? A joia rara da nacionalidade brasileira.

Desta dialética enormíssima - no fim da estória ou a idade dos deuses -, confundida a interesses divergentes das cinco potências colonizadoras (Portugal, Espanha, França, Holanda e Inglaterra) com a Independência sul-americana acabaram nascendo o Tratado de Cooperação Amazônica (TCA), com a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), sua sede em Brasília; o Tratado de Assunção criando o MERCOSUL; e ultimamente a UNASUL. Andamos na modernidade, que nem nossos antepassados na antiguidade americana, rumo à Pátria grande.


NO ESPAÇO CURVO SEM FRONTEIRAS OS EXTREMOS SE FUNDEM: MARAJÓ É ELO ENTRE O NORTE E O SUL, ENTRE OCIDENTE E ORIENTE: O MUNDO ESTÁ NO MARAJÓ E O MARAJÓ ESTÁ NO MUNDO 
("MARAJÓ" NÃO É ILHA, MAS HOMEM DA ILHA NO ARQUIPÉLAGO DAS REGIÕES AMAZÔNICAS E DOS BRASIS, NO CONJUNTO DE BIOMAS DA BIOSFERA).

Importante descobrir, na paisagem humana invisível, pontes e conexões do espaço-tempo planetário. A íntima ligação do indivíduo com a sua personalidade: como, na verdade, a pessoa é construída  genéticamente, socialmente, politicamente, culturalmente em um meio ambiente singular fazendo parte de um sistema qualquer nacional e planetário. 

O qual, afinal de contas, do átomo passando pelas moléculas e células acaba sendo parte da eterna dialética do cosmo e do caos numa infinita relação de causa e efeito. A mudança climática, por exemplo, pode ter causas naturais agravadas pelo Homem: com certeza certa, porém, paga o justo pelo pecador...

Depois de séculos de Magia, Mistérios, alquimia, esoterismo e todas estas coisas nebulosas que prepararam o advento da Ciência; hoje a Física está pronta a ensinar que o Átomo deixou de ser "indivisível" como os antigos gregos deduziram, faz tempo, a Matéria mãe do Espírito (santo ou de porco) não tem apenas uma, duas três ou quatro dimensões, mas onze dimensões subatômicas. 

A física das partículas aponta à existência de um universo muito mais maravilhoso e complexo que nem o guru mais delirante não conseguiria sonhar, onde tudo vibra como uma harpa de onze cordas (teoria das cordas). E a "partícula de Deus" (bóson de Higgs está saindo da boca do forno da grande bruxaria energética). Pela primeira vez uma sonda espacial bisbilhota corpos celestes fora do sistema solar... 

E o Homem ainda geme impotente (com mais de 400 milhões de bocas podendo chegar até ao absurdo de 1 bilhão de pessoas abaixo da linha de pobreza extrema, lá pelo ano de 2030) acorrentado à Fome, Escravidão, Doenças, Velhice e Morte: tudo isto que a utopia da Terra sem mal queria para sempre deixar para trás... E foi o sonho do Bom Selvagem se afogar no rio das Amazonas, onde jaz para ser novamente encontrado e resgatado pela Ciência iluminada pelo Humanismo, tal qual anuncia o poeta profeta Thiago de Mello contemplando o monumento natural do Encontro das Águas.

Se você tem consciência metódica e explicativa dos fenômenos da vida em sua expressão física e material. Se aceita a precariedade e progressividade deste conhecimento, você se acha em face da Ciência e está usando o hemisfério esquerdo do seu cérebro onde a deusa Razão habita. Entretanto, se o que predomina em sua vida são crenças míticas ou religiosas, as artes, diversão e mais atividades lúdicas; então você utiliza bastante o hemisfério direito de seu miolo onde moram as filhas da Emoção.

Na verdade, a coisa não é simples assim. Em 98% dos seres humanos, a parte cerebral dominante é o hemisfério esquerdo, encarregado pelo pensamento lógico e a comunicação. O hemisfério direito fica responsável pelo pensamento simbólico e a criatividade. Quem diz isto é uma ciência nova, a neurociência; nem ela fez suas descobertas e já pesquisas recentes contradizem as certezas duramente adquiridas no tempo, comprovando que existem setores do hemisfério esquerdo destinados à criatividade e do hemisférios direito capacitados a realizar atividades lógicas.

Nos canhotos, por exemplo, as funções estão invertidas. O hemisfério esquerdo diz-se dominante, pois nele localizam-se duas áreas especializadas: a área de Broca, o córtex responsável pela motricidade da fala, e a área de Wernicke, córtex da compreensão verbal. Já o corpo caloso, situado na geografia do corpo no fundo da fissura entre os dois lados do cérebro, ou ou fissura sagital, é a estrutura da conexão entre os dois hemisférios. Esta estrutura é formada de fibras nervosas de cor branca chamadas axónios envolvidos em mielina. O corpo caloso faz a troca de informações internas entre as diversas áreas do córtex cerebral.

Por que, então, para falar duma região (Marajó) da Amazônia imaginária e real faço eu uma tal comparação, científica, entre um indivíduo qualquer e o corpo planetário de nossa mãe Terra, também chamada Gaia? Se não bastasse o planeta e o corpo humano serem ambos constituídos por cerca de 60% de água; a vida é um "milagre" (singularidade) física feita de interatividade e complexidade das relações entre coletividades e indivíduos em diferentes contextos históricos e sistemas geográficos que formam o todo num equilíbrio instável.

Assim, não só o Homem nasce, cresce, vive e morre. Mas também a Biosfera onde todos estes fenômenos acontecem dentro de uma relação dinâmica e complexa. Com auxílio do conhecimento da diversidade das línguas e culturas da Humanidade, o descobridor de novos mundo na Terra ou fora dela, deve estar sempre alerta para o fato de que o mapa não é o território... E que a realidade não é o que parece. Destarte, a Religião e a Ciência não só são os grandes títulos do Conhecimento humano e se apresentam como produtos do relacionamento entre homens e deuses ou da pessoa humana com o todo; como também se influenciaram mutuamente na intimidade do corpo caloso entre os dois hemiférios cerebrais da espécie Homo sapiens

Ou, para a maior parte dos seres humanos que cultivam uma religião, o "templo" sagrado e verdadeiro onde o Divino veio habitar entre os mortais e cujo modelo todos mais templos ou lugares sagrados são meras reproduções. 

No caso de Marajó, há que se ter em conta que se trata de um lugar venerado para diversas tradições de diferentes origens. Como a arqueologia marajoara demonstra e a cerâmica ritual encontrada nos sítios arqueológicos, chamados tesos ou aterros - com sua aldeia suspensa sobre campos e várzeas inundáveis, necrópole (verdadeiramente, "cidade dos mortos" ao lado da cidade dos descendentes vivos), horta e pomar - evidencia uma religiosidade na qual um manifesto parentesco cultural com outras culturas ameríndias e asiáticas. 

Para pesquisadores como Denise Shaan, em estudo comparativo com sociedades da Ásia e Oceania, a decoração zoomorfa da cerâmica marajoara lembra a arte corporal identitária da tatuagem. Comparável, doutra maneira, a múmias do Peru pré-incaico como expressão de desejo de "imortalidade" ou renascimento de um líder notável pela sua comunidade. Decorações totêmicas da cobra jararaca, escorpião e lacraia na cultura marajoara sugerem sistema de parentesco onde natureza e religião se entrelaçam.

Além de sua religiosidade nativa, Marajó tornou-se um dos vários lugares onde Guaracy ("mãe dos viventes", o Sol) adormece ao fim do dia e renasce na baía a cada amanhecer, segundo a religião dos Tupinambás reciclada durante o choque colonial a partir do Nordeste para o Norte. Em língua tupi tais lugares se chamavam Araquiçaua (ara, dia; ky, rede e xawa, sítio ou lugar onde o sol ata rede para pernoitar).

O Araquiçaua hoje é um sítio no município de Ponta de Pedras, à margem direita do rio Arari. Existiram outros lugares desde nome ao longo do chamado Caminho do Maranhão até o Pará e ainda existiria um sítio deste mesmo nome no rio Araguari, no Amapá. O certo é que o dito caminho é parte da paisagem cultural da Terra sem mal na Amazônia. Migrações tupinambás desde Pernambuco e Paraíba alcançaram o Tocantins e Pará antes da ocupação estrangeira com holandeses inicialmente, franceses e portugeses afinal.

A conquista amazônica pelos Tupinambás ocorreu através do Maranhão pelo litoral do Salgado Paraense ou pela calha do Tocantins: em ambos casos a ilha do Marajó foi vista, pela posição geográfica em relação ao movimento da Terra em torno do Sol, como lugar do paraíso terreno procurado segundo a antiga religião dos Tupis e Guaranis elaborada em condições concretas na fronteira entre a Bolívia e o Paraguai sobre pressão, provavelmente, do império Inca, no Peru.

Os espanhóis, através de Francisco Orellana, pretenderam colonizar o Amapá e Marajó com título de Nueva Andaluzia, porém a aventura morreu no nascedouro, com o desaparecimento do descobridor das "amazonas", em 1544, nas águas do Pará. Em fins do século XVI foi a vez dos protestantes holandeses tentar ocupar o Baixo Amazonas e Xingu, inclusive Amapá e Marajó. Os famosos Aruãs à frente das etnias nuaruaques, chamadas "Nheengaíbas" faziam comércio de escambo e relações amistosas com as feitorias holandeses onde trocavam produtos da floresta e "gados do rio" (peixe-boi, tartaruga e pirarucu) por facas, machados, anzóis, espelhos e contas de vidro. Esses mercadores europeus trouxeram seus familiares entre mulheres e filhos, assim como introduziram na região os primeiros escravos negros. Por suposto, no período que vai de 1599 até cerca de 1647, contatos entre marajoaras e os estabelecimentos protestantes servidos de escravos africanos deram início, além do comércio de mercadorias, a trocas culturais no domínio das línguas, crenças religiosas, costumes e valores simbólicos. Por exemplo, mestre Vicente Salles ensina que o nome do município Afuá é puro africanismo. Como foi lá parar? Pode-se imaginar... Não faltam motivos para boas hipóteses. Provar é que são elas.

Inimigos hereditários dos Tupinambás, os Marajoaras resistiram à invasão de seus territórios tradicionais tanto na Terra-Firme quanto nas Ilhas mediante guerra de guerrilhas usando zarabatana feita de paxiúba e dardos de talos de patauazeiro envenenados de curare. A morte súbida do guerreiro tupi surpreendido pela emboscada do guerrilheiro ilhéu seria o motivo do "nheengaíba" Aruã ficar apelidado "marãyu" (marajó, malvado).

Já se sabe que caraíbas ou pajés-açus praticavam a antropofagia no conjunto de sua religião. Este fato não deve passar em brancas nuvens no que tange à invenção da Amazônia. Pela guerra e pela paz, invasores e nativos terminam sempre por fazer empréstimos culturais até o domínio final de um dos dois opositores.

No fim da história dos Índios, nem os Nheengaíbas conseguiram conservar sua ilha ancestral, nem os Tupinambás a conquistaram. Coube, brevemente, aos Jesuítas a posse provisória do cobiçado paraíso para perdê-lo logo em seguida com a expulsão pelos colonos, em 1661, e doação da capitania da Ilha Grande de Joanes (1665), somente ocupada por prepostos do donatário a partir de 1680, diante da brava resistência dos Aruãs, Anajás e outros "nheengaíbas" restantes, que viviam em camaradagem com desertores e escravos refugiados pelos centros da ilha.

Seis anos após o primeiro curral de gado no rio Arari, voltaram os Jesuítas ao Marajó, começando pela sesmaria da fazenda São Francisco, pela margem da baía com fundos para o rio Marajó-Açu: rio que dá nome a toda ilha e mais acidentes geográficos deste nome. Além dos padres da Companhia de Jesus, os frades das Merces tiveram (1696) sesmaria na ilha de Sant'Ana, na foz do rio Arari. Os guerreiros Tupinambás, pouco a pouco, foram sendo aculturados e catequizados juntos aos inimigos Nheengaíbas: estes perderam sua "língua ruim", os primeiros seus maus costumes antropofágicos. Despossuídos de território e cultura, venceu o Nheengatu ("boa língua") apropriada pelos colonizadores até final triunfo da língua portuguesa imposta a peso de palmatória, a santa Férula.

Finalmente, o antigo paraíso na terra dos Tapuias virou purgatório antes de ser o inferno verde. Com o Diretório dos Índios (1757-1798), pela segunda vez os Jesuítas foram expulsos, aldeias missionárias foram "elevadas" em vilas e lugares de Portugal; os índios promovidos por decreto, a "civilizados" sob codinome de "caboclos" do dia para a noite. Agora o choque do IDH da historicamente fabricada pobreza da gente marajoara. Nada, entretanto, que já não se tivesse mostrado desde 1999, pelo menos.

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