quinta-feira, 8 de março de 2012

A MULHER MARAJOARA NA OBRA DE DALCÍDIO

O PCdoB, no 8 de março —Dia Internacional das Mulheres —, saúda as brasileiras ao mesmo tempo que manifesta seu apoio às comemorações desta data, sempre marcada pela luta das mulheres, do Brasil e do mundo inteiro, por sua emancipação. No ano em que se comemora os 80 anos da conquista do voto feminino, esta data tem um significado especial na trajetória das brasileiras que querem avançar na construção de um mundo de igualdade.


A literatura de Dalcídio Jurandir é povoada pela presença da mulher. O menino Alfredo e sua mãe, dona Amélia; mulher negra casada com o major Alberto, branco letrado e secretário de prefeitura governada por fazendeiro compõem o ciclo Extremo-Norte tendo a ilha do Marajó como centro da paisagem cultural. Marajó, tradicionalmente, é berço do matriarcado amazônico.

Não espanta, portanto, a resistência marajoara ancorada no feminismo contra o poder patriarcal colonizador, bem patente no romance "Marajó" (aliás, o único do ciclo no qual Alfredo não está presente). O professor José Ribamar Bessa Freire, na obra "Rio Babel" cita o padre João Daniel informando que as índias marajoaras se negavam a falar português e que suportavam palmatória, até os dedos sangrarem, para não repetir a lição.

Por outra parte, Dalcídio realça o esforço de dona Amélia para mandar seus filhos a Belém para estudar: tema de "Primeira Manhã". Em correspondência com Maria de Belém Menezes a respeito da obra do padre Giovanni Gallo, com o Museu do Marajó, o romancista diz que são como seus netos as crianças filhas de pescadores do lago Arari.

Autor de uma literatura singular, apenas o romance "Linha do Parque" com tema político do Rio Grande do Sul; é uma obra partidária. Mas, ainda assim foge de ser uma obra de propaganda política. Entretanto, o camarada Dalcídio Jurandir Ramos Pereira fazia questão de explicar que era ele um intelectual comunista profundamente engajado com os sentimentos e lutas do povo brasileiro. Para isto, ele não precisava fazer alarde em sua arte literária. Pois, sendo apenas fiel intérprete da sua "Criaturada grande das ilhas, do Baixo Amazonas, da ilha do Marajó" e subúrbios de Belém era mais do que suficiente para manifestar qual era, de fato, o partido por ele adotado.

Neste DIA INTERNACIONAL DA MULHER, no blogue, esta pálida lembrança de todas as mulheres do romanceiro do "índio sutil" como homenagem às mulheres marajoaras de sangue ou coração.

sexta-feira, 2 de março de 2012

OS MARAJOARAS NO MUNDO

Família Ribeirinha.

O Marajó com 471.744 habitantes (IBGE, 2010) em um território de 104.410 quilômetros quadrados, apresenta IDH (índice de desenvolvimento humano) dentre os piores da América Latina. Muitos países independentes tem população equivalente a esta e outros em território menor sustentam demografia várias vezes maior e melhor padrão de vida.

Com uma geografia peculiar, localizada no delta-estuário da maior bacia fluvial do mundo - o rio Amazonas -, já não se trata apenas da célebre "ilha' (na verdade, arquipelágo de 50 mil quilômetros quadrados; maior do que os Países-Baixos; com duas microrregiões Arari e Furos de Breves tendo 12 municípios), mas da Amazônia Marajoara incluindo parte continental e Floresta Amazônica na microrregião de Portel, totalizando 16 municípios dispersos em mais de 500 comunidades locais. Esta região amazônica, pacificada e incorporada ao reino de Portugal na segunda metade do século XVII pelo "payaçu dos índios" Padre Antônio Vieira, coadjuvado por dois índios escravos do convento de Santo Alexandre em Belém e o cacique Piié Mapuá, na própria ilha insubissa e até então invulnerável apesar de três tentativas militares e uma abordagem pacífica (padre João Souto Maior, 1656) também infrutífera; foi vista como uma província autônoma, no século XVIII, pelo naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira. Berço no distante passado pré-colonial amazônico da primeira cultura complexa das terras baixas do trópico sul-americano: a Cultura Marajoara. Ou seja, lugar de nascimento do que se pode dizer a civilização amazônica genuína.


Antes mesmo do descobrimento do Brasil, a região marajoara foi visitada pelo navegador espanhol Vicente Pinzón, em fins de janeiro de 1500, vindo ele pelo Nordeste brasileiro, quando atacou uma aldeia provavelmente aruã à altura de Chaves atual, levando dali os 36 primeiros índios escravos da América do Sul... Conquistada por uma combinação de armas portuguesas e arcos e remos tupinambás, a Amazônia Marajoara - graças à bravura dos povos originais que a habitavam (Aruãs, Anajás, Mapuás, Mamaianás, Cambocas, Guaianás, Pixi-Pixi e muitos outros) resistiu à colonização até 1680, quando no rio Arari foi levantado o primeiro curral de gado cabo-verdiano. Ela manteve-se fechada e intocada em seus centros até a segunda metade do século do século XVIII,quando com ajuda de uma das mais velhas etnias da ilha, os Iona (chamados Joanes, pelos portugueses) se achou o primeiro sítio arqueológico (20 de novembro de 1756), o teso do Pacoval do rio Arari; e se começou a devassar a Contracosta e o rio Anajás.

Zona da fronteira terrestre e marítima Norte, Marajó foi palco de continuada guerrilha levada a efeito pelos Aruãs apoiados por seus parentes Palikur e acamaradados aos franceses de Caiena contra os Tupinambás aliados aos portugueses do Pará. Cerca de 1723, enquanto no Rio Negro (estado do Amazonas) o cacique dos manaus Ajuricaba sustentava guerra contra caçadores de escravos ("tropas de resgate"), no rio Guamá o cacique dos aruãs e mexianas Guaiamã assaltava aldeias de índios cativos para os levar a Guiana francesa a troco de armas e munições com que continuar a velha guerra hereditária do Grão-Pará. Deste modo, armou-se a tropa de guarda costa comandava por João Paes do Amaral para buscar vivo ou morto o cacique marajoara até o Oiapoque. Sem sucesso, a tropa de guarda costa retornou ao Pará enquanto seu comandante foi mandado reforçar as tropas contra a revolta de Ajuricaba no Rio Negro e Francisco de Mello Palheta passou a comandar a tropa de guarda costa do Cabo do Norte: daí o furto do café de Caiena e sua aclimatação no Pará para ir, finalmente, plantar a riqueza dos cafezais de São Paulo...

DESCOBRIMENTO TARDIO E DIÁSPORA

Somente na metade do século XX a curiosidade inicial sobre a arqueologia e antropologia marajoaras deu lugar a estudos científicos sistemáticos. Trata-se, então, de um descobrimento tardio malgrado a exploração da ilha, as sesmarias da capitania da Ilha Grande de Joanes (1665-1757), fazendas das missões, Diretório dos Índios (1755-1798), adesão de Muaná à independência do Brasil (28 de maio de 1823), a Cabanagem (1835-1840) e o relançamento da pecuária com imigrantes de Espanha, Portugal e Itália após a abolição da escravatura (1888).

Talvez por que o Brasil é muito diverso e desigual demais. O Pará tão grande para a falta de ambição de sua elite, a Amazônia Marajoara é uma destas regiões invisíveis perdidas na imensidão amazônica do país do Futuro... O êxodo rural faz trampolím das cidadezinhas insuladas com suas pequenas burguesias clientelistas, que se revezam com estropício nas prefeituras e câmaras municipais num festival de siglas partidárias, manipuladas por caciques na Capital, de "direita" e "esquerda" que trocam de cargo como quem troca de camisa...

O resultado desta peculiar geografia humana das bocas do Amazonas é uma diáspora considerável. Há marajoaras espalhados no mundo que não se pode dizer, com certeza, quantos são além daqueles pouco mais de 470 mil habitantes das ilhas. Os marajoaras de Belém e Macapá em grande parte fazem travessia o ano inteiro: de lá pra cá, de cá pra lá sempre na expectativa de achar a sorte grande... Os mais ousados atravessam a fronteira do Oiapoque e chegam até às Guianas. Ali são clandestinos e não raro trocam de nome, de família, de comportamento... Quando voltam para a ilha já são outros, sem esquecer que as comunicações invadem a ilha e vão mudando os costumes antes mesmo que os ribeirinhos se deem conta dos acontecimentos. O contrabando, o tráfico ilícito, o crime, pirataria, formação de quadrilha acompanhante do antigo roubo de gado costumeiro, mais a malária e outras endemias assombram as populações tradicionais e os antigos donos de latifúndios também eles acuados e prontos a reagir por bem ou mal.

Para prevenir e remediar o prejuízo geral os próprios marajoaras, desde os anos 90, estão pedindo socorro ao governo do Estado e da União. Com a velocidade de uma tartaruga em 2007 foi lançado o "Plano de Desenvolvimento Territorial Sustentável do Arquipélago do Marajó" (PLANO MARAJÓ), complementado no ano seguinte pelo programa Territórios da Cidadania - Marajó. Neste conjunto de politicas públicas, forma um tripé o projeto Nossa Várzea: Cidadania e Sustentabilidade na Amazônia Brasileira destinado à regularização fundiária de terras da União. Aí também está inserido pedido da comunidade para candidatura do Marajó como reserva da biosfera da UNESCO. Um misto de desinformação pela comunidade marajoara e má fé dos donos do poder político, econômico e cultural faz com que se minimize a abastarde todos estes consideráveis esforços de mudança, no sentido de que em 2015, no Marajó, a metas do Milênio sejam devidamente atintigidas.

Do ponto de vista conceitual e de planejamento, pode-se dizer que quase tudo já foi feito. Mas, para o povo tudo isto ainda é uma caixa-preta e aparentemente estamos todos na estaca zero. Não é verdade! Como também não é verdade que as coisas estejam andando como deveria ser... Ironicamente, estão instalados na região campi e núcleos da Universidade Federal do Pará (UFPA), Universidade Estadual do Pará (UEPA), Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA), Instituto Federal de Educação Científica e Tecnológica do Pará (IFPA), Empresa Brasileira de Pesquisa Agrapecuária (EMBRAPA) e Museu Paraense Emilio Goeldi (MPEG). Cada um falando para seu lado numa conversa de surdos... Sem olvidar o apoio do Fundo Vale apesar de tímido ainda, para execução do muito importante programa não-governamental VIVA MARAJÓ pelo Instituto Peabiru, que tem por missão articular as peças espalhadas desta arquitetura... Visto de longe este aparato todo de ajuda dá inveja a muitos países e regiões, todavia de perto pode mais depressa recordar, com exceções de praxe; o paradoxo do extinto Serviço de Proteção aos Índios (SPI), cuja leitura nos últimos dias era, "serviço de proteção dos índios" a burocratas tendo cabide de emprego e renda ali...


DESENVOLVER A AMAZÔNIA BRASILEIRA PELA DEFESA DO MARAJÓ


Que se poderia fazer para salvar e fazer andar o demandado e esperado PLANO MARAJÓ e mais instrumentos supracitados, estimulando e amparando o Conselho de Desenvolvimento Territorial do Marajó (CODETEM),a par da Associação de Municípios do Arquipélago do Marajó (AMAM),a realizar seus objetivos?


Não existe fórmula infalível nem panaceia. Porém, se o maior mal do Marajó é também e contraditoriamente sua singularidade insular; o primeiro socorro é a Comunicação antes mesmo dos transportes e outros meios. A internet banda larga de alta velocidade, por exemplo, é coisa que não se fala no Marajó... E se for esperar pelas empresas privadas é coisa para o fim do século: talvez o SIVAM/SIPAM devesse criar alternativa para isto. Entretanto, por ela a Educação à distância (EaD) principalmente para educação continuada de professores e agentes de saúde seria uma lança em África.

Mas, na concepção e elaboração do PLANO MARAJÓ em vão algumas vozes isoladas queriam avisar aos técnicos de Brasília que as complicadas e dificultosas audiências públicas nos municípios, teriam que considerar interpostas pessoas a fazer eco por terceiros dos seus interesses privados antes de consultar aqueles mais excluídos e isolados em 500 e tantas comunidades ilhadas na distância e no esquecimento. Como dar voz a esta gente que é a "Criaturada grande de Dalcídio" {populações tradicionais]?. Lendo o romancista da Amazônia, o "índio sutil" marajoara, entendendo o Museu do Marajó e os livros do Gallo. Claro, ninguém pensaria em fazer da Casa Civil da Presidência da República e do Ministério da Integração um centro de literatura. Mas, então porque as universidades atuantes em Marajó não dariam um parecer preliminar para orientar os técnicos a elaborar o plano piloto? O que, nesta altura, já estaria encerrado para dar lugar a sua segunda fase, exatamente, como começou: com audiências públicas já tarimbadas pelo processo...

Perdeu-se demasiado tempo e se teve capital político desperdiçado por discussões enfadonhas, onde cada representante de si mesmo repetia o que todo mundo está farto de ouvir. Mas, os Marajoaras da diáspora o que tem a ver com isto? Os que se acham longe não podem ainda dizer alguma coisa e contribuir? Acho que sim. A globalização produziu este fenômeno identitário em que cada um se agarra a sua aldeia como pode para não virar geléia geral na formidável massa informativa.  Às vezes desinformativa...

Assim, não me admiro que um marajoara emigrado lá no Japão, por exemplo, possa entrar na rede e conversar diretamente com um aluno ou professor usuário de reserva extrativista ou reserva de desenvolvimento sustentável, fazendeiro, morador de sítio, comunidade, irmandade, etc. Hora dos Marajoaras espalhados no mundo dizer alô aos que ficaram lá nas ilhas entre chuvas e esquecimento. Marajoaras de todo mundo, ligaí-vos à internet!