sexta-feira, 25 de março de 2016

VELHO SONHO DA TERRA DE DALCÍDIO JURANDIR: CULTIVAR A PAZ, PRATICAR A EDUCAÇÃO PELO BARRO E REVIGORAR A CULTURA MARAJOARA






Gosto de São Francisco por causa de meu pai caboco, filho de índia da aldeia da Mangabeira com descendente português; ele se vangloriava de ter sangue cabano a correr em suas veias e se pegava com o santo dos pobres nas horas de necessidade... Na juventude, deixei de lado a igreja católica por causa de minha pobre mãe descendente galega fanatizada pelo catolicismo apostólico romano, em grande parte culpado pela colonialidade e misérias da América latina

Gosto da inculturação (pra não dizer dialética, tu me ensinas a fazer renda e eu te ensino a namorar...) no diálogo sincero entre religiões, ecumenismo supimpa para além da grande família do velho Abraão envolvendo também outras grandes famílias da mamãe Terra; a boa paz e convivência entre crentes e não-crentes com a complexidade de Edgar Morin. Gosto do Deus de Baruch de Espinoza a fazer a ponte entre Emoção e Razão ou conexão nervosa entre os hemisférios direito e esquerdo do cérebro humano, por exemplo, da filosofia militante de Antônio Gramsci, do jovem Marx e o velho Engels, no que tange a evolução da animalidade à humanidade... Gosto da ecocultura da pajelança marajoara temperada com o catolicismo popular e crenças afro-amazônicas sem nenhum pecado. 

Dirão os pobres de espírito, é presepada. Pois que seja... Certo dia, jogando conversa fora na cela duma antiga cadeia por acaso transformada em secretaria de cultura; encomendei ao escultor Ismael (Ismaelino Ferreira), então secretário municipal de cultura de Ponta de Pedras, meu saudoso amigo; que ele esculpisse em madeira a imagem do santo de Assis que hoje em minha casa está em riba da estante de livros à ilharga de Dom Quixote de La Mancha, num arranjo feito a propósito (foto acima).

Meu São Francisco marajoara não é santo de igreja, mas simplesmente uma obra de arte neotropical com o 'Poveretto' rodeado de plantas e bichos da Floresta Amazônica. Por causa de São Francisco e da encíclica ecológica "Louvado Seja" fiquei fã do Papa Chico argentino humilde, 'pero no chico'... Muito pelo contrário, grande sábio jesuíta e valente guerreiro da Paz. E a boa gente marajoara, depois de se queixar ao bispo, já convidou o sucessor do Pescador a visitar a ilha grande do Marajó, ano que vem. A ver Bergoglio se Deus quiser onde o padre grande dos índios Antonio Vieira "andou" a remos a fim de fazer as pazes entre índios e portugueses, ou melhor entre índios das ilhas e índios da terra-firme...  Esta gente descendente dos antigos nheengaíbas a ver se, com ajuda de Francisco sob a benção do Espírito Santo, o Brasil e o mundo tratará melhor a Criaturada grande de Dalcídio.

"Índios cristãos" (tupinambás catequizados) e "nheengaíbas" (pagãos falantes da bárbara língua ruim) mataram-se mutuamente, com agravante daqueles caçarem estes para ser escravos dos colonos. Na verdade, o que mais houve nestas paragens foi guerra entre índios, entre civilizados católicos e civilizados hereges; entre colonos, negros da terra(escravos indígenas) e negros da Guiné (escravos africanos). Começando desde a altura dos anos de 1300, pelo menos, quando belicosos Aruãs começaram a chegar pela costa norte a fustigar as mais velhas aldeias nas ilhas Caviana, Mexiana, Marajó grande... 

Pela costa-fronteira do Pará, vindos do Maranhão através do Salgado e do Tocantins, os canibais da Terra sem mal (yvy marãey) também começavam a aperrear esta gente antes mesmo dos europeus aparecer por estas bandas.  E, todavia, desde 1492 com a chegada dos primeiros cristãos no Caribe nunca mais os povos originais americanos tiveram paz até o presente. Mas, de repente, na boca do maior rio do mundo, numa modesta "ponta de pedras" - onde o rio Marajó começa -, o milagre da paz poderá, renovada 357 anos depois das pazes dos Nheengaíbas!

Não é por acaso que a gente diz que o Marajó começa no velho Itaguari ("ponta de pedras"). Marãyu ("gente malvada", marajó) é o destemido aruã, guerrilheiro de zarabatana em punho e dardos envenenados do mortal curare para repelir e matar o antropófago invasor. Portanto, a ilha grande é do Marajó. Assim, os marajós falantes da "língua ruim" foram barreira viva que brecou a marcha avassaladora dos Tupinambás desde o Nordeste, antigamente, Amazonas acima no rumo do Araquiçaua (sítio sagrado onde o Sol ata rede para dormir). 

A cabo de quarenta e tantos anos de guerra, as pazes pouco a pouco deitaram raízes ao longo da trilha do padre João de Souto Maior e sua tumba na terra dos Pacajás, como uma parruda samaumeira que começa por germinar no seio de uma semente 'jitinha' carregada pelo vento; com as gentes outrora inimigas de parte a parte pelas margens dos rios. A começar de Aricará (Melgaço) e Arucará (Portel) onde, primitivamente, os Aruak e os Tupi mediram forças violentamente. Por fim, juntos e misturados inventaram a etnia dos cabocos... Mas, apesar de tudo, ainda continuam a guerra velha por novos meios de assalto e pirataria nos rios.

Para quem tem preguiça de pensar ou não sabe ler, como os tantos quantos marajoaras analfabetos, infelizmente, estas coisas antigas e não sabidas, não passam de ser muitas suposições face a rebatidas historiografias da província... Entretanto, está tudo na crônica antiga dos padres jesuítas do século XVII, que o historiador da obra rara "História da Companhia de Jesus no Brasil" compilou nos arquivos do Vaticano. 

Da parte que me toca, o ponto de partida para as pazes entre os sete caciques do Marajó e os portugueses do Pará - ver carta do pe. Antonio Vieira ao rei dom Afonso VI, de 28/11/1659, publicada em 11/02/1660, acessível pela internet - teve início na homilia do bispo de Ponta de Pedras, dom Angelo Maria Rivatto S.J., durante missa campal na agrovila Antônio Vieira, antigo povoado Pau Grande; dia do produtor rural e de São Tiago, 25 de julho de 1995. Nós tínhamos acabado de realizar o décimo e último Encontro em Defesa do Marajó e de celebrar a Carta do Marajó-Açu, em Ponta de Pedras, no dia 30 de abril do mesmo ano (117° aniversário de emancipação do município), a dita carta foi guia de vinte anos de militância do Grupo em Defesa do Marajó (GDM), continuado ultimamente pelo Movimento Marajó Forte (MMF), notadamente com a campanha pró-criação da Universidade Federal do Marajó.

Confesso nunca antes ter escutado falar das pazes dos Nheengaíbas... E parece que dom Angelo havia lido o palimpsesto de Serafim Leite apressadamente: ele acreditava que o lugar de encontro de Vieira com os bárbaros Nheengaíbas havia acontecido ali mesmo, antigo povoado chamado Pau Grande, depois agrovila Antônio Vieira: às ilhargas do igarapé da antiga aldeia dos "Guaianases" [Guaianá], que foi porto de pesca na costa-fronteira da ilha servindo também à velha aldeia das Mangabeiras, a meia légua de distância [cerca de 3 km] em terras da primeira sesmaria dos Jesuítas e fazenda São Francisco Xavier [Malato] (1686). 

Quem tiver curiosidade e paciência de ler a prolixa carta de Vieira ao rei, verá que o cacique dos "Guaianases" (grafia de Vieira, em 1659) ou "Guaianazes" (grafia do naturalista Alexandre Rodrigues, em a "Notícia Histórica da Ilha Grande de Joanes ou Marajó", 1783), com uma comitiva teria estado presente à inusitada cerimônia da igreja do Santo Cristo (simples barraca de palha "ad hoc", levantada pelos índios), juntamente com os anfitriões Mapuás, Aruãs, Anajás, Pixi-Pixi, Cambocas, Mamaianás e Tucujus, a fim de receber os padres com escolta de portugueses e remadores tupinambás vindos de Cametá até o rio Mapuá (Breves).

Na verdade, o sítio da Paz dos Nheengaíbas se acha no "rio dos Mapuaises" [Mapuá, município de Breves], segundo a supracitada carta do pe. Antonio Vieira. Hoje na Reserva Extrativista de Mapuá, que aliás mereceria ser declarada nos termos da legislação das unidades de conservação do meio ambiente Monumento Natural de relevante interesse histórico, caso a comunidade não fosse tão displicente e as autoridades desinteressadas,

Com a expulsão dos Jesuítas do Pará, em 1759, a velha "aldeia das Mangabeiras" (1686), depois freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Ponta de Pedras (1737), passou a se chamar Lugar de Ponta de Pedras e a aldeia dos Guaianases foi chamada Lugar de Vilar sob orago de São Francisco, com o tempo ambos povoados fundiram-se na atual vila de Mangabeira e os antigos Lugares deram espaço para emancipação do município de Ponta de Pedras (30/04/1878), com sede na margem esquerda do rio Marajó-Açu; hoje nem mesmo o "igarapé do Vilar" existe mais, extinto que foi pelo assoreamento...   

Como eu sei de todas estas coisas? Primeiro ouvindo os senhores da praça da igreja matriz contar história na boca da noite, aprendendo com a minha avó Sofia e por campos e rios escutando o povo contar. Meu ecomuseu da memória... Depois a escola, os livros e a curiosidade insaciável em descobrir se a história contada confere com a história escrita e vice-versa. Coisa parecida à penitência de um frade velho. 

Direto ao ponto: 

AS PEDRAS QUE SOMOS


Os conterrâneos da antiga Itaguari não se esquecem de conservar a velha igreja de Nossa Senhora da Conceição de Ponta de Pedras e sempre avivar no frontespício os dizeres, atribuídos à madre Olvídia Dias; do velho sonho de fraternidade pontapedrense: 

Bem Vindos e Vejam Que As Pedras Que Somos Não estão de Ponta Mas Ligadas Entre Si. Eu que dentre outros sonhos, amaria ver convertido em ecomuseu o rio da minha infância - o Marajó-Açu, que no porto da Casa da Beira não fosse meu colega preto apelidado Niquelado, filho do preto Camilo compadre de meu pai; que quase me matou afogado quando criança eu aprendia a nadar -, considero a velha igreja de Ponta de Pedras pedra angular da memória e ecocultura do lugar onde o Marajó começa. 

O velho relógio ainda marca as mesmas horas da maré, quando outrora as canoas faziam velas para travessia da baía rumo a Belém do Grão Pará com suas histórias tremendas. Cada viagem uma odisseia a ser eternamente recordada à boca da noite por senhores sisudos, sentados nos bancos da praça a contar o tempo. Pena que eu não tenho dom para sensibilizar meus conterrâneos com minhas quixotescas ideias! Mais sorte houve meu finado padrinho Antonico Malato ao abraçar a Banda, que tomou fama e se tornou a obra coletiva mais feliz de nossa gente: a AMAM (associação musical Antônio Malato) com seus belos feitos, numa terra de vocação e tradição musical a toda prova. Sem esquecer jamais o tio nascido no Campinho, consagrado escritor com o prêmio nacional "Machado de Assis" (1972), da academia brasileira de letras (ABL), apelidado carinhosamente "índio sutil" por seu camarada de letras e sonhos Jorge Amado, autor do seminal "Chove nos campos de Cachoeira" donde o menino Alfredo saiu para conquistar o mundo.

A sacristia da antiga matriz guarda lembrança de casamentos e batizados da vila, ao tempo do padre Navegantes; pouco depois da mudança da freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Ponta de Pedras, da velha aldeia da Mangabeira para a beira do rio Marajó. Aí nasceu, pois, a lenda risonha dos passeios noturnos da virgem mãe dos pescadores, com saudades de sua humilde capela na beira da praia da Mangabeira. Alguém na passagem do Campinho pelo caminho do Belém ao Santo Lenço viu sob pálido luar um vulto branco caminhando rumo à velha aldeia da praia. E o sacristão, pela manhã ao abrir a igreja como um presépio onde ovelhas e cabritos se abrigavam às vezes, se espantava ao ver no altar vestígios de areia da praia na barra do manto sagrado da santa ainda úmida de orvalho. Tempos maravilhosos eram aqueles, onde o divino habitava a casa dos homens, tal qual o profeta Isaías prometeu a paz universal, vacas e cavalos mansos soltos pelas ruas não assustavam crianças nem os adultos maltratavam os animais. Mas já se sabe que o paraíso existe realmente, no tempo da infância e a terra sem males depois da velhice na recordação.

É certo que não esquecemos de reproduzir a frase feliz de madre Olvídia, mas nos olvidamos de ligar entre si as pedras que nós somos. Sim, apesar do desejo manifesto da educadora católica a verdade é que ainda "estamos de ponta" e desligados uns dos outros... Não podemos esperar a paz dos cemitérios, ou somente a esperança de após a morte, um dia estar no céu com nossa mãe. Nós devemos ter coragem de viver em paz e reconhecer a longa história de rixas e desavenças no maior arquipélago de rio e mar do planeta.  Fazer acontecer, aqui e agora, o paraíso na Terra: refazer a aldeia comum e cultivar nosso jardim.

Marajó, Marajó! Quando concluirás a paz de Mapuá? Ou, na correspondência de Dalcídio Jurandir a sua fiel amiga Maria de Belém de Menezes, "quando Marajó desencanta?" Isto é, quando quebrará o velho fado (sina, carma...) ou quando a gente marajoara irá,de fato, deixar de estar "de ponta" entre si para se empoderar da paz, do desenvolvimento e da felicidade?...






No verão de 1999, pela primeira vez, Ponta de Pedras entrou nos telejornais em rede nacional. Naquela boca da noite os senhores contadores de história não estavam abancados na praça da Matriz a tecer a rede das recordações. Mas, a população corria atônita para ver a Prefeitura pegar fogo... E lá se foi o vetusto Palácio Municipal que a revolução de 1930, com a mudança do nome do município de Ponta de Pedras para Itaguari; fez o prefeito major Djalma da Costa Machado levantar (inaugurado em 1938, tinha eu um ano de idade e morava com meus pais no Fim do Mundo, perto do Curro velho em frente à ilhinha encantada do Quati e começo da avenida 30 de Abril, onde o paço municipal está situado). 

O major Djalma ficou célebre com a construção da Prefeitura a par da Estrada da Mangabeira interligando a antiga aldeia da praia à vila na beira do Marajó-Açu. Com a abertura da estrada o prefeito Fango cuidou de trazer refugiados da seca do Nordeste para os assentar na colônia agrícola da Mangabeira. Começava assim uma nova história na velha Ponta de Pedras que, no ano de 1999, impactava com o motim popular e destruição criminosa do patrimônio público dilacerado no incêndio das contrariadas paixões partidárias.

Até parece que as queimadas de canaviais da antiga encrenca que fez remover a freguesia da Mangabeira para a margem do rio Marajó-Açu, com engenhos de "águas ardentes" e fazendas de gado; se alastrou pelos campos lavrados de sol e atingiu o coração da pacata cidade... É uma metáfora incendiária. Quero dizer na verdade que o zinabre do tempo atiça velhos ressentimentos e rancores. Nossos filhos e netos vem ao mundo despidos de maldade, mas nem sempre nossas mulheres e filhas os amamentam com leite puro da fraternidade; cedo as crianças são contaminados do antigo mal da colonialidade. Nós mesmos e nossos filhos, muitas vezes, sem querer, atiçamos preconceitos e ódio à alteridade...

Como depois, da casa para a rua e da igreja ou da escola para a sociedade, vamos interligar as pedras que nós somos? Foi assim que dois bandos contrários ao fim de não resolvidas desavenças em outras eras atacaram-se para, enfim, tocar fogo à Prefeitura como num antigo rito de guerra e vingança coletiva. Durante anos as ruínas da Prefeitura queimada acusava a consciência da cidade e afastava visitantes como um fantasma que grita decifra-me ou devoro-te!... Uma luta para evitar a ruína final com a descaracterização do patrimônio histórico ou derrubada total dos paredões para fazer do lugar, quem sabe, um puta supermercado...

Mas, não, felizmente o prefeito Pedro Paulo Boulhosa Tavares, herdeiro de antigos senhores da terra; levou a peito reconstruir o prédio lhe conservando as principais linhas arquitetônicas. E lá está de novo orgulhoso Palácio Municipal, resgatado do incêndio das águas ardentes e da louca fumaça do bicho folharal. Seria melhor se, acima de nomes e partidos, o paço renovado fomentasse a paz em toda a municipalidade. Ainda há tempo, todavia, de reconciliar as famílias e passar adiante com a restauração geral do patrimônio histórico e cultural de todos e todas pontapedrenses.

PAZ, EDUCAÇÃO E CULTURA

Para que haja o progresso carece um pacto de sinceridade e tolerância mútua pelo diálogo em busca da paz. Sem a premissa da paz a educação se torna frustração e a cultura uma mercadoria sem nenhum valor. Sim, nós poderemos ligar as pedras que somos! Não é fácil e nem será por decreto presidencial nem encíclica papal. Somos nós mesmos que venceremos ou seremos derrotados no caminho para a paz e o desenvolvimento humanos sustentável.

Se temos já a experiência da reconstrução do palácio incendiado. Se o exemplo de união e perseverança da Banda que se tornou Banda Sinfônica e leva o nome de Ponta de Pedras para todo Brasil e quiçá, em breve, ao mundo todo. Que nos falta para ousar? Aí está a ruína do Chalé dos Ramos que diz a quem passa, salve-me!... E a sede da AMAM a poucos passos poderia se engajar num projeto integrado capaz de restaurar o chalé e ocupá-lo como Conservatório de Artes do Marajó dando espaço, também, em sua sede à implantação um centro para a Paz, Educação e Cultura em parceria público-privada nacional e internacional.

Por que não? Estou delirando? Candidatando-me a mecenas? Prometendo fazer milagre? Dizendo que é fácil? Absolutamente, não. Eu apenas estou dando uma ideia factível e mostrando a experiência local e alhures para quem quiser e puder, o caminho das pedras. Vamos?







sábado, 12 de março de 2016

Carta do Marajó ao Sucessor do Pescador





"Na grande bôca do rio das Amazonas está atravessada uma ilha de maior comprimento e largueza que todo o reino de Portu­gal e habitada de muitas nações de índios, que, por serem de lín­guas diferentes e dificultosas, são chamados geralmente Nheengaíbas. Ao princípio receberam estas nações os nossos conquistado­res em boa amizade; mas, depois que a larga experiência lhes foi mostrando que o nome de falsa paz com que entraram, se convertia em declarado cativeiro, tomaram as armas em defesa da liber­dade, e começaram a fazer guerra aos Portuguêses em tôda a par­te". (padre Antonio Vieira, carta ao rei de Portugal escrita em Belém do Grão-Pará, 28/11/1659 - publicada em Belém Ocidental (Lisboa), 11/02/1660).








A Sua Santidade o Papa Francisco,


Santidade,


Com esperança de que se realize em fraterna paz vossa próxima visita pastoral ao Brasil, prevista para 2017, assim a oportunidade que a mesma se estenda a Amazônia com estada muito especial na célebre ilha do Marajó; como Vossa Santidade sabe, tão carente de desenvolvimento humano no presente, de memória do passado e, consequentemente, de confiança no Porvir

Na verdade, Marajó não é apenas uma ilha no golfão marajoara, que serviu de berço à ecocivilização amazônica nascida há mais de mil anos e da arte primeva do Brasil com a cerâmica marajoara mais conhecida no mundo. o mais de duas mil ilhas grandes e pequenas do maior arquipélago de rio e mar do planeta, além da extensa terra firme na mesopotâmia Xingu-Tocantins. Portal da Amazônia pacificada no passado por filhos de Loyola, após mais de 40 anos de guerra de conquista colonial desde a tomada da França Equinocial

A memória destas pazes inconclusas até hoje relembra os jesuítas Luiz Filgueira, João de Souto Maior, Gabriel Malagrida, João Daniel e tantos mais envoltos pelo manto do tempo, notadamente a obra missionária do padre Antônio Vieira sobre os direitos humanos dos povos indígenas e as esperanças da fraternidade universal entre os povos tendo os filhos de Abraão reconciliados, finalmente, segundo a Clavis Prophetorum.

Águas da Amazônia: esperança e solidão do "payaçu" dos índios, profeta do Reino de Jesus Cristo consumado na terra... Há meio século, mais ou menos, o autor destas estúrdias letras deliberou afastar-se da igreja no seio de uma família devota na qual nasceu e cresceu. A fim de ficar mais à vontade para falar e escrever em nome de seus pobres parentes que não sabem ler nem escrever. Ao modo de Chico Buarque de Holanda, que não crê, eu também peço a Deus por minha gente humilde... Posto que são muitos os cabocos ribeirinhos nesta triste condição estrangeira na própria terra onde seus ancestrais habitaram há mais de dez mil anos atrás.

Ninguém me pediu para tomar esta atitude. Sobretudo, os que mais precisavam de escribas e griôs assim: os esquecidos índios "nheengaíbas" lesados da História da invenção da Amazônia e agora seus descendentes excluídos dos frutos do desenvolvimento social e econômico. Um caboco fiel às suas raízes é índio sutil de alma e coração tal qual o romancista da Amazônia, Dalcídio Jurandir. Índio urbano, suburbano, destribalizado. Do mesmo modo, o nome genuíno de um indígena é segredo ou senha da identidade selvagem jamais catequizada: embora desde o famigerado "Diretório dos Índios" (sic) para passar neste mundo de enganos os evadidos da floresta ostentem um nome civilizado para imitar os brancos: adotaram os descendentes dos antigos nheengaíbas ou marajoaras o catolicismo tropical ou já ultimamente o pentecostalismo popular. 

Todavia, na prática das suas necessidades psicossociais quotidianas, em verdade, os cabocos ribeirinhos em geral não professamos nenhuma religião em particular, mas um conjunto de crenças que acho eu se poderiam chamar também ecumênicas, além de abraâmicas. Posto que integradas de conceitos afroamazônicos, ameríndios e outras antigas heresias importadas do ultramar desde tempos imemoriais.

Esta gente, com o depoimento do padre Antônio Vieira em a "História do Futuro" e do padre Giovanni Gallo no livro-reportagem "Marajó, a ditadura da água"; foi espoliada das suas terras ancestrais, das suas línguas maternas na diversidade da Babel amazônica, cultura natural, identidade original e até mesmo da sua espiritualidade tradicional. Como sabe, na tragédia americana da civilização, a Igreja Católica Apostólica Romana muitas vezes teve papel de responsabilidade, seja ao defender os índios ou a participar da destruição das Índias que Las Casas denunciou ao seu tempo. 

Infelizmente, a Igreja de Roma também muitas vezes colaborou na ruína da primeira civilização da Amazônia, que atestam o abandono dos sítios arqueológicos da ilha do Marajó e a cerâmica marajoara recolhida por boa vontade da comunidade no singelo MUSEU DO MARAJÓ de difícil acesso aos habitantes dos mais 15 municípios do mesorregião. Muito mais difícil a Criaturada grande ter notícia do acervo levado da ilha do Marajó e espalhado numa dezena de grandes museus no exterior e no Brasil

Já nos queixamos não só ao bispo, como diz o velho ditado; mas aos dois Bispos do Marajó os quais deram eco a nossos gritos. Agora é hora de ampliar o pedido de socorro junto ao Bispo de Roma sucessor de Pedro e representante de Jesus Cristo na Terra. As paróquias na comunidade de dezesseis municípios marajoaras se não são ainda, poderiam ser escolas de alfabetização e educação continuada. Animadoras de escolas de arte e cultura popular, dedicadas a promover o renascimento da Cultura Marajoara e a estimular a solidariedade entre comunidades diferentes na construção de uma verdadeira cultura de justiça e paz mundial.

O Brasil conhecido como o país do futuro e o maior país católico do mundo, seja também o maior promotor da tolerância mútua, da fraternidade e do ecumenismo radical. Como náufrago que confia às correntes marítimas sua garrafa da sorte com o pedido de socorro; por esta minha missão voluntária escrevo continuamente a todos e a ninguém. Seriam por acaso cartas ao futuro: ao modo das nascentes de um rio caudaloso, o caboco descendente de índios cristianizados saídos dos matos e malmente alfabetizado; emite seus sentimentos locais sem saber aonde vão chegar na grande corrente de ideias a qual o padre Teillard de Chardin chamou de 'noosfera' emanada da biosfera

Respeitosa saudações.

José Varella Pereira 

terça-feira, 8 de março de 2016

Unico Presidente da República a escutar apelo da criaturada de Dalcídio, Lula marcou presença na história da brava gente marajoara.





Num dia triste, a data de 4 de março de 2016 entra na história como demérito aos foros da cidadania brasileira. Dia de abuso da autoridade e violência jurídica contra direitos constitucionais do povo brasileiro. Logo neste mês marcante do DIA DA MULHER, das águas grandes e da Ditadura de 1964... 

Nunca dantes na história deste país viu-se ex-presidente da República na rua da amargura, conduzido sob vara por batalhão do poder discricionário da Polícia Federal a mando de juiz famoso que, tendo extraordinária oportunidade de conduzir com isenção uma operação Mãos Limpas brasileira e gravar seu nome nos anais da Justiça; claudicou no cumprimento do dever do sigilo de justiça para ceder à tentação do show midiático pela ostentação do mandado de condução coercitiva do maior presidente do Brasil de todos os tempos... 

É claro que Lula ou qualquer outro cidadão, seja ele famoso ou não; não está acima da Lei. Nem mesmo ministro do Supremo Tribunal Federal ou Juiz de instância inferior. Entretanto, fica claro que as ditas "forças ocultas" que atuaram de maneira sub-reptícia na renúncia de Jânio Quadros à presidência da República e já manifesta à luz do dia no golpe de estado que derrubou Jango Goulart; demonstram novamente desprezo à legalidade democrática e ojeriza à Constituição. Acham-se intocáveis os agentes dessas forças reacionárias em sua paranoia entre o Bem e o Mal... 

Agora, mostram o pé de cabra pela atração preferencial à caça ao Lula. Logo será a vez de defenestrar Dilma, quebrar toda resistência democrática no Congresso deixando-o entregue aos 300 picaretas que se revezam no Legislativo... Por que será? Para deixar a economia nacional em petição de miséria e o Gigante acorrentado à Dívida Pública (esta eterna escravidão dos povos aos impera/dores do mundo). Até os calangos da caatinga nordestina sabem o porquê, assim que os peixinhos quatro-olhos, o tralhoto do Sermão aos Peixes (pe. Antonio Vieira, São Luís do Maranhão, 1654), na bacia amazônica; já sabiam desde o tempo de caça aos índios para escravidão de "negros da terra". Velhas matriarcas marajoaras - iniciadas na pajelança sob a antiga ordem totêmica da Jararaca - adivinham o veneno de tal perseguição aos que tomam as dores dos pobres. De Jesus Cristo a Che Guevara, a ordem imperial pela boca dos inocentes úteis que "não sabem o que fazem" é "crucifiquem-no, crucifiquem-no!"... 

Mas, apesar de tudo, ao contrário do que informou o jornalista e maçom republicano Aristides Lobo sobre a Proclamação da República de 15 de Novembro de 1889: neste 4 de março o povo não assistiu "bestificado" a condução coercitiva do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva... Ele próprio, pleno de indignação dos justos, protestou dizendo ser uma "jararaca" que os inimigos do povo brasileiro não conseguem esmagar a cabeça, mas feriram a cauda no afã do golpe. Logo levantou-se a indignação cívica do Lula Jararaca que ganhou as ruas e se reproduziu nas redes sociais, num misto quente de republicanismo franco-brasileiro, na expressiva divisa popular JE SUIS JARARACA.


Ora, pois Jararaca! Era aí que o caboco marajoara queria chegar a respeito da história de Lula com a brava gente marajoara. Os filhos da cobra grande são afilhados da jararaca. Por sina desta gente analfabeta de pai e mãe o índio sutil Dalcídio Jurandir se tornou o maior romancista da Amazônia. Giovanni Gallo veio da Itália se naturalizar marajoara e, na falta destes dois, enquanto a morte não vem eu faço o que posso para dar testemunho do homem marajoara "largado aí em plena maré" (como Dalcídio me aconselhou certo dia).

A madrinha totêmica Jararaca ensinou a esta gente o segredo da vida e da morte, a diferença entre o veneno e o remédio. Está "tudinho" escrito nos motivos "ornamentais" da cerâmica marajoara [leiam "Cultura Marajoara", da arqueóloga Denise Shaan].








"Do ninhal metafísico selvagem surdiram-se curupiras, matintas-pirera e bichos do fundo. Donde também nasceu e cresceu, desmesuradamente, a Cobra grande neolítica "cultura marajoara dentre outras amazônicas criações", com suas fases da lua e datações arqueológicas determinadas por Betty Meggers e Clifford Evens: Ananatuba, 3.500 anos, Mangueiras na ilha Caviana e costa da ilha grande, ano 900 a.C., Formiga em Chaves e lago Arari, 100 a.C. Marajoara, lago Arari, 400 da era cristã. Aruã, Chaves, Caviana e Mexiana, ano 1400. Rastos mortais de gente ancestral nos sítios de bichos encantados...

Bothropos marajoensis: mistério da vida e da morte no tempo da vela de jupati. Aqueles que têm o sentimento da terra e conservam respeito à antiguidade neotropical dizem que do negro ventre da primeira noite do mundo o tempo paleolítico surdiu-se como a larva que se transforma no besouro caturra dos campos dentro de um caroço de tucumã (Astrocarium vulgare). Pra não dizer que era o ovo primordial da Boiúna. O andar do tempo ficou impresso na tatuagem da epiderme das pedras na serra Paytuna, Carajás, Serra das Andorinhas e outras partes do corpo mágico tapuia, tal qual como reza o mito fecundador da amazonidade profunda." (José Varella / "Bothropos marajoensia: o mistério da vida e da morte no tempo da vela de jupati")

Totem significa o símbolo sagrado adotado como emblema por tribos ou clãs por considerarem como seus ancestrais e protetores. O totem costuma ser um poste ou coluna e pode ser representado por um animal, uma planta ou outro objeto.
Totem é uma palavra derivada de "odoodem"que significa "marca da família", na linguagem indígena Ojibwe dos índios da América do Norte.
Os totens são vistos como talismã, objetos de veneração e de culto entre o grupo. Em algumas tribos, o totem pode ser simbolizado por um desenho do brasão do grupo, utilizado em diversos objetos como identidade da família à qual pertence.
Um totem poderia ser um animal, planta, objeto ou fenômeno considerado sagrado por uma determinada sociedade. Consiste em um símbolo familiar com poderes sobrenaturais e com características protetoras. Os totems eram rodeados por uma aura de medo, superstição e magia.
Entre os índios da América do Norte, o totem é geralmente um desenho meticulosamente trabalhado em madeira formando uma enorme escultura. Totens originais construídos no século XIX podem ser vistos em museus dos Estados Unidos e Canadá. Nos Estados Unidos, o totem é visto como um espírito protetor da pessoa em questão.
O totemismo é crença religiosa que utiliza o totem como elemento espiritual de veneração em que existe uma relação próxima e misteriosa entre um ser humano e um ser natural. Esse relacionamento tem como fundamento uma origem em comum entre os dois seres. Esta religião é muitas vezes associada ao xamanismo por ser também uma religião com origem indígena.
Crentes do totemismo não podem matar, comer a carne ou mesmo tocar no animal que representa o totem. O totemismo surgiu em comunidades de caçadores, principalmente nos Estados Unidos, no Sul da Ásia, Áustralia, Nova Guiné, República Democrática do Congo e Sudão.






em Breves-PA (2007), ilha do Marajó, o Presidente Lula acompanhado da Governadora Ana Júlia, do Estado Pará, lança o PLANO MARAJÓ e faz entrega histórica do primeiro título de autorização de uso de terras de marinha no arquipélago do Marajó pelo projeto NOSSA VÁRZEA de regularização fundiária. Coube o título à moradora da comunidade Alto Anajás (foto), documento histórico de reconhecimento público - três séculos e meio depois - do esbulho de direitos dos antepassados marajoaras com a doação real da "Ilha dos Nheengaíbas" para criação da capitania hereditária da Ilha Grande de Joanes. Belém e Brasília não conhecem realmente a história da Amazônia brasileira, onde o povo marajoara teve papel de alta relevância na paz de Mapuá (27/08/1659), que deu termo a mais de 40 anos de guerra de conquista do rio Amazonas; e na construção territorial do antigo estado do Maranhão e Grão-Pará.