sábado, 2 de fevereiro de 2013

GUERRA NO PARAÍSO


imagem dos Jogos Indígenas em Paragominas (Pará)

Antropólogos especializados na cultura Tupinambá a sintetizaram ao dizer: "se a guerra não existisse, precisava inventá-la" (Pierre Clastres). Nisto pelo menos os índios se parecem aos civilizados que os catequizaram...

Felizmente, foi inventado o "rude esporte bretão" (futebol), que simbolizou o jogo macabro com cabeças de inimigos degolados, aos chutes (foot-boll), com que soldados se divertiam durante intervalos de batalhas na Idade Média europeia. E os Jogos Olímpicos modernos relembram a sublimação da guerra antiga, onde os deuses no monte Olimpo testavam a bravura individual dos mortais.

A guerra antiga está morta e hoje apenas se ressuscita pela memória dos heróis no ritual do Kaurup ou na regulamentação de competições nas diversas modalidades esportivas modernas. Não tem nada a ver com a covardia moral do Holocausto ou o império tecnológico do terror atômico experimentado em Nagazaki e Hiroxima até os drones assassinos e armas de destruição em massa de nossos dias.

Se não fossem panemas as autoridades esportivas do Pará, a ilha do Marajó, por exemplo, já teria sido arena mundial de uma estupenda olimpíada indígena rememorando a luta pela conquista da mítica Terra sem mal (Yvy Marãey) e a resistência marajoara oposta à invasão das ilhas do estuário Pará-Amazonas. Mormente, na perspectiva dos 400 anos de fundação de Belém do Grão-Pará a recordar os 44 anos de guerra de conquista do "rio das Amazonas", desde a tomada de São Luís do Maranhão (1615) até as pazes entre os Nheengaíbas, portugueses e Tupinambás aliados aos colonizadores (1659).

Todavia, a falta de imaginação e vigor aos esportes pan-amazônicos no Grão-Pará, menos por desinformação das autoridades públicas; não interessa aos pesquisadores da cultura brasileira que não conseguem fazer conexão entre Etnologia e História do povo brasileiro capaz de guiar políticas públicas sobre conservação do patrimônio e desenvolvimento. 

Não entra na cabeça desta gente que 1500 anos de Cultura Marajoara represente grande coisa diante de 200 anos do barroco mineiro. Apesar da pesca de gapuia e manejo de peixes em açudes escavados à mão durante o estio, invenção de aldeias suspensas em aterros sobre campos alagados e a curiosa cerâmica, sem favor nenhum, arte primeva do Brasil criada cerda do ano 400 da era cristã. Sim, povos originais do Brasil já ocupavam a Amazônia brasileira muito antes de Cristóvão Colombo lançar-se ao mar. Sem esta brava gente nós não poderíamos hoje estar aqui. Uma releitura das fontes históricas sob entendimento novo da arqueologia e antropologia amazônicas pré-colonial, deixará claro que cinco mil anos de nomadismo paleo-indígena pariram a primeira ecocilivização da Amazônia, na ilha do Marajó.

Quem quer saber se aos olhos dos caraíbas ou pajés-açus, o pouso do sol [Araquiçaua, "lugar onde o sol ata rede para dormir"] sobre a grande ilha na boca do rio Amazonas; sinalizava o sítio sagrado onde, segundo a utopia selvagem, não há fome, trabalho escravo, doenças, velhice e morte? 

O primeiro grupo da nação Tupinambá após vencer os tapuias do Maranhão e chegar a Tapuirama (terra dos Tapuias) no Pará-Uaçu  (Grão-Pará), longamente buscado desde o Peabiru ("caminho do Peru" para o litoral do Brasil); quedou maravilhado com o crepúsculo na baía do Marajó contemplado desde a Ilha do Sol ou Ilha dos Tupinambás (Colares atual). A geografia oriental do Pará brinda a cultura tupi com topônimos notáveis, tais como Araquiçaua, rio Tupinambá, ilha dos Tupinambás, rio Araci, Baía do Sol, Icoaraci... 

A saga dos Tupinambás abre os caminhos do sertão em direção ao pôr do sol, depois de se desenganar (provavelmente, na Paraíba) de chegar ao paraíso sonhado pelos seus profetas através do caminho do nascente. Daí o verdadeiro fascínio que as "igaras" (caravelas) capazes de atravessar o Oceano lhes causara e a razão pela qual os índios buscaram aliança com os primeiros viajantes europeus que viram, franceses na Guanabara e também no Maranhão. A virada tupi em Jaguaribe (Ceará) deveu-se à astúcia do cristão novo Martim Soares Moreno, que ao conquistar a amizade do cacique Jacuúna e se amancebar com a filha deste, a índia Paraguassu; mudou o curso da história e determinou a literatura de José de Alencar.

Conforme a historiografia regional, o Bom Selvagem tupinambá faz triste figura de abestado sob ordens de matabugres odiosos, servindo tão-só de escravos a pobres e estúpidos colonos. Já os bárbaros tapuias estavam, nessa escala historiográfica, definitivamente igualados aos bichos do mato e outros bens da natureza a ser conquistada e domesticada em proveito da Civilização (isto é, da deusa Europa). Na história da Amazônia tudo é falso, a começar do mito do El-Dorado e o reino das Amazonas importado da Capadócia em contrabando da mitologia grega.

Nossos estudantes não indagam e os professores talvez não saibam responder que diabo os Tupinambás estavam fazendo na Amazônia, tão longe do seu lugar de origem; bem mais antes que Cabral tivesse "descoberto" o Brasil... Embora a "Heresia dos Índios", de Ronaldo Vainfas; tenha se limitado a estudar a repressão religiosa sofrida pelos índios pela Visitação do tribunal do Santo Ofício à Bahia e Pernambuco; esta obra ilumina o Caminho do Maranhão explicando os primeiros impactos da colonização, desde a chegada dos jesuítas Manoel da Nóbrega em São Paulo, que dá as primeiras pistas sobre a santidade dos índios em longas migrações do Paraguai para o litoral.

O pesquisador Nelson Papavero, na obra "O Novo Éden", apresenta relato atribuído ao mameluco português Diogo Nunes onde se lê que uma grande migração de 14 mil tupinambás chegou ao Peru através do rio Solimões, no ano de 1538, despois de ter partido de Pernambuco através do sertão. Portanto, antes da viagem de Francisco Orellana e Gaspar de Carvajal, que dizem ter descoberto o "rio de Orellana" em 1542... O informante de Tomé de Sousa desconhecia o Amazonas, ele havia seguido de São Paulo ao Peru pelo Peabiru. Não soube explicar como seus parentes pernambucanos fizeram o percurso com mulheres e crianças durante doze anos...

Se tivesse imagens satélites no século XVI poderia concluir sem dificuldade que aquele trajeto formidável só podia ser feito através do Tocantins abaixo e que este termina no Pará, em face da enorme ilha do Marajó. Aventurar-se pelo labirinto das ilhas era guerra certa! E guerra antropofágica como costumava ser a marcha guerreira tupinambá. Tudo mais, dali em diante, seria guerra entre nativos e invasores. A paz somente seria esboçada com a missão do payaçu Antonio Vieira, no rio Mapuá e fundação das aldeias de Aricará (Melgaço) e Arucaru (Portel), no ano de 1659, cuja conclusão ainda se está a fazer ultimamente com a Constituição federal de 1988 e estadual de 1989. Esta, principalmente, com o enunciado em seu parágrafo 2º, alíena VI, do Artigo 13; determinando criação da área de proteção ambiental do arquipélago do Marajó e priorização dos interesses da gente marajoara no desenvolvimento da região insulana.