quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

Porto Santo



O Porto Santo é um município de Portugal na ilha do Porto Santo, região da Madeira, com sede na Vila Baleira. Tem 42,48 km² de área. É referida como ilha Dourada pelos madeirenses. A ilha do Porto Santo foi descoberta em 1418 por João Gonçalves Zarco e Tristão Vaz Teixeira, um ano antes da ilha da Madeira. A Madeira foi a primeira capitania hereditária do sistema colonial português que depois se estendeu ao Brasil, incluindo a capitania hereditária da Ilha Grande de Joanes ou Marajó (1665-1757), doada ao secretário de estado dr. Antônio de Sousa de Macedo, patriarca dos Barões de Joanes. Donde se originaram as sesmarias da ilha do Marajó, dentre estas a de São Francisco Xavier (1686), dos Jesuítas (depois fazenda Malato) que deu origem ao município de Ponta de Pedras (emancipado de Cachoeira em 30/04/1878) e da ilha de Sant'Ana (1696), das Mercês, a qual introduziu os primeiros escravos africanos na ilha do Marajó.

Segundo a história da ilha do Porto Santo, Cristóvão Colombo (aliás Salvador Fernandes Zarco, de seu nome próprio, português, nascido na vila de Cuba, no Alentejo), morou nesta ilha tendo se casado com uma das filhas do primeiro capitão donatário Bartolomeu Perestrelo. Em virtude de sucessivos ataques de piratas, entre os quais se destacou o de 1619 (mesmo ano do levante de 7 de janeiro dos Tupinambás comandados por Cabelo de Velha ao Forte do Presépio, em Belém do Pará), no qual pereceu ou foi escravizada quase toda população com exceção de apenas 18 homens e 7 mulheres. Durante a União Ibérica (1580-1649) a ilha foi repovoada e fortificada. A capitania do Porto Santo foi extinta em 1770 (a da Ilha Grande de Joanes (Marajó) em 1757) no governo do Marquês de Pombal. O concelho foi criado em 1835 (ano da Cabanagem no Pará).

Porto Santo do rio Arari

Esta breve nota serve de introdução a respeito do lugar Porto Santo sito à margem direita do Baixo Arari, município de Ponta de Pedras, na ilha do Marajó, Estado do Pará. Não sei dizer como e quando este nome português foi dado ao dito lugar. Este sítio do Porto Santo foi uma das principais propriedades do coronel Antero Augusto Lobato, grande dono de terras e influente fazendeiro na ilha do Marajó, político em Ponta de Pedras chegou a exercer o cargo de Intendente (prefeito), partidário do conservador Antônio Lemos participou da virada em favor da eleição do republicano Lauro Sodré. Foi proprietário da fazenda Diamantina, no lago Arari; e do barco-motor "Perge" que hoje ainda existe.

A história do coronel Antero daria um romance de desfecho infeliz. Homem rico e voluntarioso, fazia parte de uma elite de fazendeiros com residência na outrora famosa Estrada de São Jerônimo (avenida Governador José Malcher), um belo casarão próximo ao Palacete Bolonha. Passava largas temporadas no Porto Santo e eventualmente na fazenda Diamantina. Casado com dona Adalgisa da Silveira Lobato o casal quase de meia idade, tardiamente, teve um único filho chamado Raimundo. Raimundinho entre os íntimos, foi criado como príncipe e poderia ser comparado algumas vezes ao personagem Missunga, do romance "Marajó" de Dalcídio Jurandir...

O coronel, já idoso, decidiu ainda em vida passar em cartório todos seus bens ao herdeiro. Os empregados, agregados, amigos e o povo em geral na cultura marajoara tem por tradição folclorizar a vida dos "brancos". Como se sabe, branco é o estamento latifundiário não importa a cor da pele do "patrão"... No trabalho, nas viagens, em reuniões a gente conta o certo e o inventado, de modo que com certo tempo não dá mais para destrinchar a estória da história verdadeira... Foi assim que personagens reais viraram lenda: o malvado senhor de escravos João "Maçaranduba" Calandrini; a avarenta dona Leopoldina; a falência do perdulário Raimundinho... Sem dúvida, criativa literatura oral que no Nordeste alimenta os famosos cordéis.

Conta a lenda que o herdeiro único do rei do gado meteu os pés pelas mãos. Começou com um casamento infeliz com uma linda moça caprichosa, vinda do Sul e que depois de lhe tomar quase tudo o abandonou na rua da amargura. Raimundinho caiu no vício da jogantina e acabou por perder o que ainda lhe restava. Na história marajoara ele não foi o primeiro nem o último... O velho coronel ultimamente passava mais tempo no Porto Santo e sua satisfação era ver o "Perge" encostar, tanto na subida quando na descida, a trazer encomendas e novidades de Belém ou para levar alguma coisa à Cidade. 

Entretanto, certo dia o barco veio do Lago e passou ao largo sem encostar no Porto Santo como de costume... O coronel se alarmou. Aquilo nunca antes aconteceu, era uma falta de respeito para com o branco velho. Ele chamou o fiel criado intimando-o a falar a verdade e dizer tudo que estava acontecendo. Então, o criado lhe contou: o "Perge" não era mais propriedade da família, Raimundinho havia vendido o barco, fazendas, casas na Cidade... O coronel Antero deu-se conta do erro cometido e passou mal com uma vertigem. Não demorou ele veio a falecer. Raimundinho continuou sua sina e acabou de torrar tudo quanto ainda havia para depois sumir no mundo. Dizem que, tempos depois, o encontraram trabalhando de taxista em Fortaleza (Ceará). Muita gente achava aquilo castigo por tantas humilhações e explorações dos pobres praticadas pelo coronel e por seu vaidoso herdeiro.

O Porto Santo parou no tempo até vir a ser adquirido, anos 70; pela hoje extinta "Cooperativa Mista Irmãos Unidos de Ponta de Pedras - COOPIUPE", controlada pela Diocese de Ponta de Pedras ao tempo de dom Angelo Rivatto. O sítio foi transformado em agrovila entre mais de uma dezena de outras como a agrovila de Praia Grande (projeto "Pobreza e Meio Ambiente na Amazônia - POEMA, da UFPA em cooperação internacional), agrovila de Jaguarajó (parceria de Agricultura Familiar Sustentável, com a EMBRAPA): foi uma experiência importante das chamadas cooperativas de Dom Angelo (atacadas pelos adversários como 'cooperativas da Nella', referência à colaboradora do bispo Nella Remella, alvo de críticas e maledicências). A par da COOPIUPE existiu também a "Cooperativa Mista de Produção, Recursos Humanos e Turísticos - COMIFRHUT", dedicada à construção naval, marcenaria, indústria cerâmica e ao turismo que na verdade nunca praticou. Nesta cooperativa foram formados diversos artesãos dentre os quais o notável Ismaelino Ferreira, a cerâmica marajoara foi relançada em Ponta de Pedras antes do sucesso comercial de Icoaraci. Hoje poderiam se interessar professores e alunos por esta experiência para elaboração de trabalho de conclusão de curso, dissertação de mestrado e tese de doutorado de modo a ofertar ao público através de extensão algo importante para projetos de desenvolvimento socioambiental sustentável.

Poucos hoje tem clareza do impacto da Prelazia e depois Diocese de Ponta de Pedras na região. Entre erros e acertos destaca-se a célebre desavença entre o bispo Rivatto e o padre Giovanni Gallo, criador do Museu do Marajó, de que trata o livro autobiográfico deste "O homem que implodiu". Dom Ângelo não era santo e o padre Gallo também não, embora este último deixasse escrito que desejava muito a santidade. Do ponto de vista da Criaturada grande da Dalcídio, que é o que interessa a este caboco que vos fala; misturando a criatividade do padre com a ousadia do bispo eu que não creio peço a Deus por minha gente, a gente humilde. E tento como posso despertar a memória desta gente a encontrar algum apoio para recomeçar todos os dias.

Creio que o Porto Santo é uma referência histórica em diversos sentidos. Principalmente por ter sido asilo aos refugiados do Gurupá e ter se tornado uma florescente agrovila que, afinal, sucumbiu ao próprio fracasso dos assentamentos promovidos pela igreja católica no Marajó com origem remota ainda na Aldeia das Mangabeiras (vila de Mangabeira) em terras de sesmaria da fazenda São Francisco (1686). Sim, seria muito interessante aos pontapedrenses, mas também a todos os cerca de 500 mil habitantes do Marajó uma cultura histórica. A fim de saber quem somos nós, donde viemos e aonde vamos.

Ainda em fins dos anos 90, pessoas idosas de Porto Santo choravam ao relembrar o fatídico dia em que o quilombo do Gurupá foi destruído para desocupar a suposta terra do 'branco" tendo as casas queimadas, pessoas violentamente expulsas de sua posse. Gurupá, na margem esquerda do rio Arari, município de Cachoeira do Arari, tem uma história de resistência e luta da comunidade afrodescendente. A negritude do Arari começou com os escravos dos frades das Mercês em Sant'Ana e se espalhou pelas margens do rio, Tartarugueiro, Gurupá, a vila de Cachoeira e outras localidades. 

Sem memória esta gente estaria totalmente derrotada. Por isto, Porto Santo não deve esquecer da acolhida que foi dada à gente do Gurupá e como as "cooperativas" (que, de fato, eram outra coisa) fizeram uma diferença enorme na história da indiferença social e da pobreza extrema. Quero dizer que, algumas vezes, não deixei de fazer críticas a Dom Ângelo pelo modo como ele queria fazer as coisas, mas na divergência fomos amigos e parceiros, inclusive como se pode ler no documento da Igreja Católica (1999) denunciando a miséria do IDH do povo marajoara; a apresentação que fiz em nome do Grupo em Defesa do Marajó (GDM). Sabia Dom Ângelo e sabe Dom Alessio que não sou praticante de nenhuma religião, todavia defendo que ninguém pode falar de História no "maior arquipélago fluviomarinho do mundo" desconhecendo a missão dos Jesuítas e a capitania da Ilha Grande de Joanes: duas instituições dialeticamente opostas.

Interessante saber, por exemplo, a inspiração kibutziana (modelo de fazenda coletiva de Israel) das ditas "cooperativas" extintas sem que os "cooperados" jamais soubessem do que se tratava. Nem fossem devidamente preparados a realizar a experiência mais significativa que poderia haver. Para isto, havia uma "onça": a Ditadura... E não faltaram inimigos para atacar o bispo assim mesmo com o cooperativismo caboclo meia sola. Antes de dom Ângelo ser substituído ele mesmo já havia jogado a toalha: uma curiosidade estava posta, os católicos exerciam o controle das cooperativas e a suposta esquerda com o PT e o PSB mariscavam as cerca de 14 comunidades de agrovilas; mas os votos dali elegiam vereadores e deputados evangélicos de partidos de direita... Assim, apesar do evidente sucesso socioambiental, no aspecto econômico e político a coisa acabou sendo um fiasco. 

Dom Alessio Saccardo veio de Terezina (Piaui) para a Diocese de Ponta de Pedras com fama de administrador e educador. Achou pela frente um enorme desafio e frieza da comunidade. Mesmo assim, junto ao bispo da Prelazia do Marajó (Soure), dom frei Luís Azcona; foi bater à porta da Presidência da República em busca de parceria: nasceu assim o famoso Plano Marajó, em 2007, com suas esperanças e decepções até agora. Antes dele teria a Diocese desperdiçado recursos que hoje, com os Objetivos do Milênio 2030, talvez Marajó estivesse preparado a assumir uma liderança que está longe de chegar. 

Por ironia da história, a velha "Colônia da Mangabeira" e suas adjacências de cerrado e campos altos "imprestáveis" que, nos anos 30, recebeu migrantes das secas do Nordeste produzindo arroz de sequeiro, malva, feijão, milho, etc. e foi esteio das agrovilas virou uma emergente classe média rural de maioria evangélica e capitalista. A pecuária decadente deixou de ser a principal atividade econômica do município e o meio rural esvazia-se para ocupar o meio urbano com aumento da pauperização e da violência social. O extrativismo de açaí faz contraponto, mas a sustentabilidade deixa dúvidas. 2016 será ano eleitoral, sem muitas esperanças de novidade.

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

CARNAVAIS E PATRIOTADAS


"A função do historiador é lembrar a sociedade daquilo que ela quer esquecer".
   Peter Burke



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Li na internete que, na cidade do Recife, durante marcha de opositores ao governo federal um paraense que ali mora, também contrário aos governistas; colocou a bandeira do Pará em sua janela com ideia de manifestar adesão ao protesto e foi miseravelmente insultado pelos revoltados. Os quais gritavam "fora comunista", "fora PT"... 

O parauara ficou pasmo com a ignorância da turma, gritou-lhes "é a bandeira do Pará seus idiotas!". Os babaquaras dispersaram, todavia um deles avisou: "quando a gente tomar o poder vamos rever isto"... Dizia o comentário que o cara ficou encucado disposto a não mais tomar partido nenhum

Cá no meu canto eu me pergunto como ficaria, então, a bandeira paraense caso os contras dessem marcha ré à história do Povo Brasileiro, apagando seus feitos patrióticos mais notáveis? No Pará, notadamente a Cabanagem, cujo sangue derramado tingiu nossa bandeira de vivo encarnado. Por acaso, na antiga corte carioca e em São Paulo, andaram em passeata esses mesmos revoltados de araque a levantar o velho pendão imperial aposentado em 1889 pela República Velha café com leite. 

Sabem lá os paraenses quanto nos custou, na adesão do Pará à Independência, a bandeira escravista anglo-americana do império de Dom Pedro? Essa bandeira manchada pela submissão aos ditames de Londres em repressão aos brasileiros na chamada guerra da independência. Em particular no Grão-Pará pela mortandade de 40 mil cabanos numa população de cem mil almas, primeiramente traiu a revolução liberal do Porto (Portugal) para enfim amortalhar o sonho de liberdade do Brasil. 

Se soubéssemos a história do Povo Paraense, mais seria respeitada a Bandeira do Pará e melhor comemorada a data de adesão à República em 16 de Novembro. Pois a luta de libertação paraense é federativa e republicana desde os princípios no bojo da Confederação do Equador, com o "contágio" das tropas paraenses egressas de Caiena, em 1817, trazendo oculta em suas mentes a notícia da revolução do Haiti, com o fim do colonialismo e da escravidão inerente ao regime de exploração de povos e terras de além mar.

OUTROS CARNAVAIS

Minha netinha de três anos de idade viu o desfile escolar de 5 de setembro e chegou em casa com seus pais dando vivas ao Palá (Pará) dizendo ela que havia participado do carnaval... Por suposto carnaval patriótico. Então eu me lembrei do carnaval devoto de Dalcídio Jurandir, no qual aos olhos do menino de Cachoeira a procissão do Círio, mal comparado, era paresque desfile de carnaval com carros alegóricos. Como então não misturar os carnavais e me lembrar também de meu primeiro desfile escolar na semana da Pátria na terrinha de infância distante em Itaguari (Ponta de Pedras), na ilha do Marajó?

Naquele tempo a Guerra destruía a velha Europa e a gente sabia notícias pela Voz da América; faltavam alimentos na região devido aos afundamento de navios da Costeira por submarinos alemães; o grupo escolar marchava pelas ruas poeirentas de Itaguari enquanto a Voz do Brasil chegava fraca e distante para nós. A Ilha e a Cidade ligadas apenas por canoas à vela de acordo com os ventos e as marés.

Hoje o tempo gira na memória tal qual o catavento multicor que a menina que tem nome de minha avó trás à mão. Não é que meu avô galego camponês, com sua voz de vagamundo, fatigado de minha hiperatividade infantil me chamava Corrupio? Ando devagar agora porque, como diz a canção, já tive pressa de viver e rodei mundo afora. Até descobri, por acaso, conversando com um asilado político chileno trabalhando na Ilha do Diabo (Guiana francesa) que cada um de nós em sua odisseia carece sair de sua aldeia a fim de descobrir o mundo a saber, em meio à guerra que a vida parece ser; que o melhor lugar do mundo é a sua aldeia natal. 

Eu acredito que o mundo só terá paz quando as aldeias unidas do planeta revogarem a ditadura imperialista da aldeia global. Claro, trata-se da utopia da democracia planetária. Como todas mais -- que nem a indígena Terra sem Mal -- um tempo que corre por trás do horizonte conforme a espiral evolutiva do espaço pelo progresso ou decadência de nossos sonhos. Oras parece que tudo se acabou e, de repente, lá vem a virada e a coisa avança como nunca.

Compreendi a revolução antropoética na leitura carbonária do "Caderno de um returno ao pais natal" do pai da Negritude, Aimée Cesaire, o libertador amado da Martinica. O poema nègre me ensinou que, de certo modo, 99% da população da Terra é feita de "negros da terra" na senzala deste mundo, enquanto apenas 1% de "brancos" -- não importa a cor da pele, olhos e cabelos contanto tenha lá muito dinheiro para comprar e vender todo mundo -- adona-se da casa-grande. Onde quer que se instale a grande empresa e a plantation no vasto mundo sobre cláusulas pétreas do pacto colonial. 

O SAPIENS TAPUYA NÃO É BESTA, NÃO!

Então, o Marajó velho de guerra é meu país natal!  

Ilha-aldeia onde eu me achei, numa ponta de pedras do Fim do Mundo, à ilharga da ilinha mágica onde mora a cobragrande Boiúna do rio Marajó-Açu guardião do mito da Primeira Noite do mundo:

todo mundo deve saber que o Marajó de que falo é um país encantado sito no maior arquipélago de rio e mar do planeta, além disto é um mundo: portal da mítica Terra sem Mal). Neste caso, Adler mais que Freud explica a compensação de todos roubos da História pela triunfo sem par da revolução antropoética mundial... E o evolucionismo de Wallace informa que o caboco marajoara é um tremendo despistador, um bicho inteligente (o Homo sapiens Tapuya, da "Viagem Philosophica") frente aos predadores.

A gente quer esquecer a "ilha" quase continente no golfão marajoara, mas ela habita o coração da gente e ocupa a terra firme. Por isto, por bem ou por mal, a grande Belém capital do país que se chama Pará não desiste do fado da memória da criaturada grande no extremo norte, ao lado das ilhas filhas da pororoca até o Cabo Norte seguindo a sina da pesca e contrabando, desde o Salgado pela corrente das Guianas além fronteira. 

Quem já ouviu falar: Oiapoque, aqui o Brasil começa? Do Oiapoque ao Chuí quem sabe? O Oiapoque ancestral é reino imemorial do cacique Anakaiury na Paricuria, esquecida saga da confederação do Cruzeiro do Sul, por seu nome próprio Arapari; debaixo do céu bordado de estrelas buscado desde as ilhas de mar através de Trinidad e Tobago, no Caribe, e o delta do Orenoco. 

Um mapa-múndi invisível que se começou a desenhar pelo sonho dos pajés, pelo menos, cerca dos anos de 1300 e tantos nos trilhos de vento e maré da grande migração Aruã em guerra antropofágica com os Kalina do mar, parindo os inventivos Nuaruaques comedores de farinha de mandioca brava, donos do segredo mortal do curare; invadindo as ilhas Caviana, Mexiana até a ilha grande Analáu Yohynkaku (Marinatambalo, dos Nheengaibas, Aruans, Joanes ou Marajó), fazendo o diabo contra as mais velhas nações insulanas, inclusive o povo Iona notável pela antiga arte cerâmica Marajoara. 

Foram estes bárbaros aruacos, com certeza, que com suas guerrilhas e emboscadas armados de zarabatanas feitas de paxiúba e dardos de talo de patauá envenados criaram fama de malvados marajós, aprendizes de vespas assassinas e afilhados da cobra jararaca; freando assim, nas Ilhas; a avassaladora avançada dos guerreiros canibais Tupinambás conquistadores da antiga terra dos Tapuias, Pará-Uaçu ou Grão-Pará na tradução colonial portuguesa.

Então, sem que reis e filósofos soubessem coisa nenhuma desta história sem escrita cedo ou tarde seria fatal o choque entre as bravas gentes de Norte e Sul. Como entre marajós "malvados" ditos Nheengaíbas (falantes da "língua ruim') e valentes guerreiros de nação Tupinambá que, cerca de 1500, já vinham pelo Caminho do Maranhão e sertões adentro a bom pelejar contra os Tapuya em geral até o Baixo Tocantins, em marcha de guerra a fim de ocupar o Pará na ambição utópica da Yvy Marãey (terra sem mal), paraíso mítico onde não há fome, trabalho escravo, doenças, velhice e morte. 

Utopia selvagem motora da construção territorial de Pindorama, digo da terra Brasílica pré-brasiliana.

Haverá revolução geocultural mais ambiciosa que esta, cujo apogeu ocorreu paresque na Costa-Fronteira do Pará a duas marés de distância até as portas do Paraíso guardado zelosamente pela mãe d'água, Cobragrande? Terra sem males nenhum, que afinal de contas naufragou num rio-mar de suor, sangue e lágrimas nos confins do imaginário rio das Amazonas em seu cruel despertar no mítico país do El Dorado...  

Qual seria o desengano final da demanda da Yvy Marãey no regresso da viagem de Pedro Teixeira a Quito? Esperanças de Portugal em vésperas da restauração da independência do reino de Dom João IV, de 1640. Último suspiro do mito fecundador tupi-guarani nascido livre no Peabiru para vir morrer de fadiga entre escravos indígenas no Alto Amazonas, nos contrafortes dos Andes tomados por conquistadores ignorantes e cruéis?

Sonho do bicho-homem em se tornar abaeté (verdadeiro homem), íntimo dos deuses ao encontro do Paraíso procurado na terra dos Tapuias, caminhos de infinitos males guiados por caraíbas medonhos fiéis do Jurupari e adoradores do Jaguar a custo de carne humana pelas virtudes da guerra através de sendeiros luminosos de Guaraci (mãe dos viventes) -- o Sol -- na faina dura de cada dia.

Todavia, dialeticamente falando, se o Sol fazia guerra a Lua havia de tecer as pazes entre inimigos mortais pela atração dos contrários. Quando o guerreiro tupi inebriado pela visão do paraíso procurado ao por do sol tocava flauta e a tapuia apaixonada tendo lá seu amor distante, rezava a poderosa oração do sol à boca da noite enquanto o dia ia sentando para atar rede no Araquiçaua ("lugar onde o sol adormece") e anoitecia com as criaturas do dia a se agasalhar e os bichos da primeira noite do mundo a se alvoraçar nas férteis imaginações tropicais. Que é isto? Uma ecologia socioambiental do rio Babel com suas sete mil línguas e milhares de "tribos perdidas".

Desta reza forte no extremo norte, paresque saiu o casamento da filha da Cobragrande: foi assim que nasceu o mito da Primeira Noite do mundo e as cantigas amorosas ao sair da Lua (Jaci, "nossa mãe") envolveram guerreiros abaetés, com que a antiga guerra à margem da História foi amansando pouco a pouco até a primeira geração da etnia dos cabocos ("caa bok", saídos do mato). Para quem inventou o Mito, custava engendrar História? 

UM PAIS QUE SE CHAMA PARÁ

Quem hoje sabe, todavia, desta velha história da Babel tapuia na universidade da maré no Ver O Peso, onde outrora o peixe frito em azeite de patauá alimentava as letras paraenses a par do pato no tucupi da elite e mais produções do tipiti e os gados do rio, mata fome de pobres e ricos?

Eu sou de um país que se chama Pará
Que tem no Caribe o seu porto de mar
E sei,  pelos discos do velho Cugat
Que yo, yo non puedo vivir sin bailar

  Paulo André Barata / Ruy Barata



Mambo, merengue, salsa, cumbia, Calypso, rumba... Contrabandos mil, reinvenções sem fim, lambadas e guitarradas cá te espero. O Haiti é aqui desde a passagem lendária do rei mandinga Abu Bakari, duzentos anos antes de Colombo. Nunca ouviu falar? Pudera! Nossos colonizadores além de ignorantes em todas estas coisas cuidaram de demonizar os deuses africanos e a religiosidade natural de nossos antepassados nativos.

Por exemplo, a falsificação premeditada da Adesão do Pará à Independência do Brasil, de fato manifesta na cidade de Belém no dia 14 de Abril de 1823, foi ela proclamada na heroica vila de Muaná em 28 de Maio: querendo ou não, não passa de uma vexatória rendição o ato de 15 de agosto passado no palácio do governo (hoje Palácio Lauro Sodré, sede do Museu Histórico do Estado do Pará) entre o governo colonial português do Grão-Pará e o jovem mercenário inglês John Pascoe Greenfell, de apenas 23 anos de idade;  emissário do corsário inglês graduado almirante  Thomas Cochrane, contratado pelo filo-anglicano José Bonifácio em nome do imperador Pedro I do Brasil e príncipe herdeiro, Pedro II de Portugal. Nosso primeiro desfile carnavalesco no Rio de Janeiro.

Cochrane e Greenfell ficaram bem na foto da historiografia anglo-brasileira na "independência" do Brasil em oposição à independência americana começada pela República federativa dos Estados Unidos, mais a revolução anti-escravista do Haiti e a revolução anti-colonialista bolivariana. 

Mas, na verdade, a história do Povo Brasileiro é mais antiga e mais vasta que tudo isto. Assim nasceu o império brasileiro, protetorado da Inglaterra por conta ainda do comboio inglês à Família Real portuguesa em fuga frente às tropas invasoras de Napoleão (dizem que Dona Maria I, a louca, que mandou esquartejar Tiradentes; era a pessoa mais sensata na real comitiva ao indagar: "se não estamos a fugir, por que vamos com tanta pressa?").

Não fosse pelo martírio de Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes; e a decisão secreta dos maçons republicanos, no dia 20 de Agosto de 1822, no Rio de Janeiro; o teatro do Ipiranga não teria efeito ao que parece. Pois o medo geral era de fato a revolução francesa de 1789, por sua vez tendo por estopim a Independência Americana. Para ver como é a dialética entre as duas beiras do Atlântico desde eras muito recuadas até nossos dias.

Nos Estados Unidos, as colônias do Norte foram formadas por colonos protestantes desejosos de fugir a perseguições religiosas na Europa, fundaram a Nova Inglaterra com trabalhadores livres, pequenas propriedades, comércio e produção para consumo interno numa colônia de povoamento. Já as colônias do Sul como a Virgínia, Georgia e Carolina do Norte e do Sul sofreram uma colonização de exploração para exportar à Inglaterra conforme o Pacto Colonial baseado no latifúndio, trabalho escravo e monocultura. 

Entre 1756 e 1763, a Inglaterra e França travaram a Guerra dos Sete anos pela posse da América do Norte da qual os ingleses saíram vencedores. Apesar da vitória, Londres resolveu cobrar dos colonos o custo da guerra pelo aumento de taxas e impostos: começam aí protestos e agitações que levariam à independência americana em 1776, seguindo-se a guerra de 1776 a 1783 vencida pelos Estados Unidos com apoio da França e Espanha: quer dizer as duas margens do Atlântico enlaçadas pelo Pacto Colonial estavam fadadas a construir uma história comum. Pintada com fortes tintas iluministas a Constituição dos Estados Unidos (1787), garantindo a propriedade privada, direitos e garantias individuais do cidadão; embora mantendo a escravidão, inovou com o sistema de república federativa. Pelo qual influenciou a Revolução Francesa de 1789 e a derrocada das colônias americanas. 

Já o Haiti, em 1791 -- do aruaque "Hayti", "terra montanhosa" -- sacudiu fora o jugo do colonialismo francês e assombrou as Américas com a revolução anti-escravista de Toussaint l'Ouverture e seus jacobinos negros. 

Ato seguido, em 1806, com ajuda britânica Francisco de Miranda invade a colônia espanhola da Venezuela onde pela primeira vez a bandeira da independência foi hasteada. Entre os combatentes liderados por Miranda se achava David Burnet, dos Estados Unidos, mais tarde governador do estado do Texas após a separação do México, em 1836.

Desde 1810, a Venezuela iniciou a guerra de libertação sob liderança de Simon Bolívar proclamando a independência em 5 de julho de 1811.
As forças coloniais espanholas contra-atacaram e Miranda, temendo derrota arrasadora, assinou armistício com os espanhóis em julho de 1812 (Tratado de La Victoria). Bolívar e outros revolucionários julgaram a rendição de Miranda traição à causa republicana e o entregaram ao exército espanhol que o levou à prisão na Espanha, onde morreu em 1816. 

O IMPÉRIO ANGLO-AMERICANO MEXE OS PAUZINHOS POR BAIXO DOS PANOS

Apesar do independentismo republicano das Américas, o Reino Unido sempre fez jogo duplo onde houve oportunidade: contanto que causasse prejuízos a seus inimigos na Europa, França e Espanha. Na revolução paraense de 1835, a pretexto de punir responsáveis pelo saque do navio britânico Clio, em Salinas, trazendo contrabando de armas; emissário inglês ofereceu ao presidente cabano Eduardo Angelim apoio para declarar a independência da Amazônia. Proposta repelida entre outros motivos pela lembrança de Greenfell nos episódios de 1823 que legaram à Tragédia do Brigue Palhaço, causa principal da Cabanagem. Além disto, o cônsul britânico em Belém fomentava o comércio entre o Pará e a Inglaterra durante a insurreição e os irmãos Aranha foram agentes comerciais dos Estados Unidos.

Já o Povo Paraense fiel às suas raízes oriundas da antiga Terra dos Tapuias (bote aí algo como cinco mil anos, além de nossa primeira civilização amazônica -- a Cultura Marajoara -- de quase dois mil anos) movia-se pelo sentimento ancestral da confederação do Arapari (o país do Cruzeiro do Sul, Brasil pelo nome português). Enquanto comerciantes portugueses no Pará e Maranhão tinham todos seus interesses ligados a Portugal, com destaque ao Porto antes que Lisboa.

A dialética entre a Europa imperial e a América republicana estava inflamada. Para Joaquim José da Silva Maya (1811-1893), um dos membros da esquadra portuguesa recém-chegada da Bahia no Maranhão, a tensão que tomava conta de São Luís se devia ao crescente apoio à independência por homens “de cor”. No Pará a situação não seria diferente. O percentual de “pretos livres”, “pretos cativos”, “mulatos livres” e “mulatos cativos” era superior a 77% da população maranhense. 

Para os escravos, aliarem-se aos “brasileiros” era esperança de liberdade e as notícias do Norte confirmavam os sucessos abolicionistas no Haiti e na Guiana francesa. No interior do Maranhão muitos fugiram para aderir às tropas da independência e em São Luis participavam de conflitos de rua. O mesmo no Pará entre partidários do cônego Batista Campos e portuguesistas.

A situação pendeu de vez para o lado da independência em 26 de julho, quando aportou em São Luís o navio "Pedro I", cujo nome indicava a astúcia costumeira dos ingleses nas colônias. O navio estava sob comando do almirante britânico lorde Cochrane (1775-1860) e vinha da Bahia, onde a força mercenária inglesa apoiara a independência do Brasil. Então, chegou a vez de conquistar o Maranhão e Pará. No dia 27 de julho, 200 homens desembarcaram em São Luís e no dia seguinte intimaram os maranhenses a proclamar a Independência.

Nem sinal de festa e comoção popular. Foi uma pífia cerimônia com seis tripulantes do navio aos quais se juntaram 91 cidadãos, entre eles membros da Junta de Governo e da Câmara e outras autoridades locais. Sem entusiasmo saudaram a “Adesão ao Império Brasílico, e Governo do Imperador, o Senhor Dom Pedro Primeiro”. Do lado de fora do Palácio poucas pessoas observavam e a independência foi assinalada por simples repicar dos sinos, uma salva de tiros e o reconhecimento da “Bandeira Brasílica”. Muito pouco, comparado à multidão que celebrou a adesão maranhense à Revolução do Porto (1821) e nascimento de membros da família real.

Porém, mesmo sem manifestações públicas os homens “de cor” acreditavam que a independência lhes traria benefícios. O escritor João Dunshee de Abranches Moura, no romance "A Setembrada" (1931), diz que às vésperas da proclamação alguns negros escravos teriam tomado canoas e se dirigido ao navio "Pedro I" a fim de pedir asilo ao almirante Cochrane, na esperança de liberdade, em vão. 


Desde a fundação de Belém do Pará (1616) se sabe que as notícias circulam rápidas através do Caminho do Maranhão. Após a independência, os negros e tapuios participaram de saques às lojas e das surras aplicadas aos "portugueses" contrários à emancipação política. Libertos foram voluntários às tropas de segurança da cidade. No Maranhão, em meio à agitação nos dezoito meses após a adesão à independência, alguns negros foram convocados para participar da política. ( cf. Marcelo Cheche Galves, professor de História da Universidade Estadual do Maranhão e autor da dissertação “Jornais e políticos no município de Avaré” (UNESP, 2000).

No Pará, a proclamação de adesão à Independência do Brasil já fora feita em 28 de Maio. Mas o desprezo de Cochrane aos paraenses chegou a ponto de mandar um jovem tenente, com mentira para fazer crer que uma esquadra estava estacionada na entrada da barra em Salinas. E assim, o brigue "Maranhão" com marinheiros mercenários afeitos a todas violências do ultramar, por ironia do destino cruzou com a charrua "Andorinha do Tejo" conduzindo os patriotas paraenses condenados a prisão perpétua, depois de comutada pena de morte a rogo do bispo do Pará, Dom Romualdo Coelho.


Debaixo de canhões do brigue "Maranhão" renderam-se os portugueses do Pará em ato de 15 de agosto de 1823, denominado de "adesão" à independência. O truculento mercenário longe de se informar a respeito dos verdadeiros partidários da Independência deu posse aos mesmos portugueses contrários à Adesão... E o resto já se sabe, ou deveria saber.



 
A PERIGOSA IDEIA DE DARWIN


Tupã tenondé: revelação da profunda comunhão
entre Homem e Natureza no espírito das coisas.


Como Daniel Dennett escreveu em "A perigosa ideia de Darwin", não sei se deveria rezar a ela. Mas, toda vida é sagrada. Depois de um milhão de anos desde o berço da humanidade, na África, dois primatas da espécie Homo sapiens -- Charles Darwin (1809-1882) e Alfred Russel Wallace (1823-1913) -- vieram a América do Sul e em suas viagens compreenderam que a vida, por uma longa espiral evolutiva, desde os princípios do cosmo, se expande criando as espécies.

Claro que foi uma bomba com efeito de Nagasaki e Hiroxima sobre o Jardim do Éden: a humanidade desamparada do "pecado original" de Adão e Eva havia que ser responsabilizada por tudo, o bem e o mal da aventura do Homem neste vasto e complexo mundo. Inclusive da mudança climática hoje em dia.

O Homem, dotado naturalmente de cérebro proeminente e polegar opositor, evoluiu de espécies de hominídeos e ocupou todo planeta tornando-se consciente da história natural e responsável pelos acontecimentos gerados por sua própria espécie em relação de uns com outros e com a própria natureza individual e coletiva.

Vindos da Ásia, há cerca de dez mil anos atrás, o homem americano criou neste continente diversas culturas e civilizações ao longo do tempo. Entretanto, em pouco mais de quinhentos anos o homem europeu dedicou-se a matar física e espiritualmente seu irmão americano, passando a destruir tudo quanto ele havia construído escravizando-o para extrair e exportar riquezas alheias ao modo de vida deste ramo da humanidade.

Os primeiros viajantes e naturalistas do Novo Mundo, com seu preconcebido modo de ver os "índios" ocidentais; cunharam a frase equivocada: "índio vê a árvore, mas não vê a floresta". Em realidade, era o europeu em sua cega avidez que via a floresta como um vasto manto sob o qual escondiam-se tesouros imaginários afinal só revelados depois da revolução industrial (borracha, balata, madeira e diversos minérios, inclusive o fatídico ouro das maiores desgraças da humanidade).

O enganoso símbolo da riqueza foi a causa imediata da destruição das Índias Ocidentais conforme o dantesco relato do padre dominicano Bartolomeu de Las Casas. A história do cacique taino Hatuey -- o primeiro rebelde das Américas, cujo martírio foi memorizado em Cuba em monumento -- revela que os "bárbaros", logo do "descobrimento" da América em 1492; cedo perceberam que a religião dos conquistadores era o ouro é nada além. Para quem não enxergava a floresta onde a árvore existia foi demais... Curiosamente, com a morte do líder Hatuey surge na história de resistência americana indígena o nome do cacique Guamá que continua a luta anti-colonial. 

O mesmo nome gestáltico Guamá -- sabendo-se ademais, que além da perspectiva individual terapêutica segundo a teoria da Gestalt, o verdadeiro nome de um índio é um segredo íntimo do indivíduo e daqueles parentes assistidos do pajé que lhe deram o nome indizível pelo qual: portanto, um nome indígena ostentado externamente é como uma segunda persona de função coletiva -- seria registrado nas lutas indígenas contra os espanhóis no México ou Belize e arredores.  

No Pará, por acaso, o nome do cacique dos Aruãs e Mexianas, Guamã; ficou memorizado no rio que banha a cidade de Belém. Donde, de tempo em tempo até cerca de 1723, os valentes marajoaras enganados e traídos no acordo de paz de Mapuá (1659) pela expulsão do payaçu dos índios, Padre Antônio Vieira e seus confrades (1661) para criação dativa da Capitania hereditária da Ilha Grande de Joanes (1665); vingavam-se de seus antigos inimigos hereditários Tupinambás e de seus aliados portugueses, assaltando aldeias de índios "mansos" (negros da terra) às ilhargas da capital paraense.

No longínquo Rio Negro, estado do Amazonas hoje; Ajuricaba, cacique dos Manaus; levantou-se contra as "tropas de resgate" (caçadores de escravos): é dizer, do Amazonas ao Pará nos inícios do Século das Luzes a tapuiada aruaca estava revoltada contra a escravidão na Amazônia colonial portuguesa. Embora decadente era a nação Tupinambá com seus arcos e remos imprescindíveis comandados por mamelucos (filhos de índias e portugueses) façanhudos que, para os cronistas da época, adotava nome de "portugueses" embora já essencialmente fossem eles brasileiros em formação. 

Até aí a língua geral amazônica ou Nheengatu era o instrumento colonizador, na Redução missionária onde se forjava, sobre as ruínas pagãs tapuias; a civilização cristã-nova brasílica. Este projeto messiânico casando o útil ao agradável entre colonizadores e colonizados, todavia, teve sua história cortada rez ao chão pelo império de Dom José I mediante a expulsão dos Jesuítas (1760), cem anos depois de Vieira dar por concluída a missão de paz aos Nheengaíbas a deixar o Pará tranquilo e seguro, após 44 anos de guerra de conquista do rio das Amazonas, desde a tomada de São Luís do Maranhão (1615). 

Desde então, o Iluminismo lançou as suas sombrias consequências ultramarinas na Amazônia. E o Diretório dos Índios (1757-1798) decretou a extinção geral dos indígenas para invenção original dos cabocos: ao contrário dos Yankees para os quais "índio bom é índio morto"; nossos avós portugueses incapazes de caçar, pescar e fazer roças para seu próprio sustento no trópico úmido, cuidaram de transformar "negro da terra" em súdito e importar "negro da Guiné" para as mais tarefas de escravo.

Foram estes portugueses abrasileirados de outrora que provocaram a guerra civil chamada Cabanagem (1835-1849) e plantaram o pendão do Império do Brazil sobre o chão ensanguentado da extinta terra Tapuia. 

domingo, 23 de agosto de 2015

REMANDO PELA MARGEM ESQUERDA DA MEMÓRIA




CUTUCANDO O ESPINGARITO DA MEMÓRIA PARA ACORDAR IDEIAS ADORMECIDAS NA ESPICHADA SESTA DA CASA GRANDE: 
Pra que servem "cacos de índio" achados ao acaso na paisagem cultural?


Já se sabe a história dos cacos de índio achados pelo caboco Vadiquinho e que, através do olhar e das mãos criativas de Giovanni Gallo, se transformaram em O Nosso Museu do Marajó e também na obra provocadora aos artesões paraenses, Motivos Ornamentais da Cerâmica Marajoara.

Pelo mesmo princípio do barro dos começos do mundo, um certo índio sutil chamado Dalcídio Jurandir recolheu junto à sua criaturada grande um sem número de palavras e expressões idiomáticas que compõem um mundo original na obra monumental do Extremo Norte. O romance seminal "Chove nos campos de Cachoeira" contém em germe todos os mais romances do ciclo, com exceção de Marajó, primeiro romance sociológico brasileiro nascido Marinatambalo.

Esta palavra é um mistério sem fim. Diante de Marinatambalo ou Marinatambal quedam-se inúmeras indagações, todas elas sem resposta conclusiva. E o silêncio que brota do princípio das coisas, abraça a breve notícia da suposta ilha Marinatambalo no nevoento relato da viagem de Pinzón, piloto de Colombo; querendo ser a primeira viagem de um navegador europeu às partes marítimas do Brasil apenas alguns meses antes da frota do tal descobrimento de Pedro Álvares Cabral.

Então, como já se deve saber, segundo Pinzón os 36 índios que ele escravizou na dita ilha a conheciam por Marinatambalo, como hoje nós a conhecemos por Marajó. Mas, afinal quem eram os "marinatambalos" que se supõe foram desembarcados na ilha Hispaniola (Haiti outrora e República Dominicana agora) como escravos dos espanhóis? Podiam ser nativos de uma aldeia qualquer na figurada "Punta de los Esclavos" na cartografia amazônica do século XVI, organizada por Isa Adonias? O golfão Marajoara (Aziz Ab'Saber), com as suas duas mil e tantas ilhas grandes e pequenas, fluviais e marítimas; está povoado de vestígios toponímicos por todas partes.

Rastros toponímicos, talvez, de até cinco mil anos deixados por grupos paleo-índios nômades se apagaram no tempo, mas certas palavras do Homo sapiens Tapuya, na classificação "errada" do sábio de Coimbra, Alexandre Rodrigues Ferreira; soltas ao vento como aves encantadas passaram de geração a geração, forjando etnias, línguas e culturas diferentes da babel linguística amazônica. Antes que chegassem cá os jesuítas, no século XVII, com sua boa língua catequista, o Nheengatu; e o Diretório de Pombal com o português civilizado obrigatório, no século XVIII.

Euclides da Cunha foi preciso ao cunhar a obra "À margem da História": desta marginalização colonizadora foi parido o "espaço vazio" que engoliu uma multidão de seis milhões de índios e milhares de línguas amazônicas nativas. E tudo isto em nosso século seria apenas uma curiosidade de almanaque, se não nos interrogasse o futuro: aonde vai o povo marajoara, por exemplo, com os seus 2.000 anos de Cultura Marajoara. Que povo foi aquele da Cerâmica Marajoara dos começos da civilização amazônica pré-colonial? Donde veio? O que a fez desaparecer ou ser assimilada por outras? Que deixou de fazer ou ainda talvez podia fazer? O que permanece de antigas etnias na gente marajoara de nossos dias?

Antes de mais nada, quem quer que se meta a responder há que estar prevenido da colonialidade de suas próprias ideias a respeito do espaço e do tempo em que vive. Aprender a separar a ciência dos acontecimentos (história) e o registro temporário do curso desse mesmo rio (historiografia). Semelhante à descida do Amazonas e do Rio Negro desde o encontro das águas elas não se misturam. Se as fontes historiográficas estão mais ou menos organizadas; a literatura oral, mitologia, cultura tradicional formam o "rio Babel" propriamente dito (ver a obra de José Ribamar Bessa Freire deste nome) num verdadeiro caos.

A obra de Armando Levy Cardoso, "Toponímia Brasílica", geógrafo que trabalhou no serviço de demarcação de fronteiras da Amazônia está prenhe duma enormidade de palavras bárbaras como "cacos de índio". Fragmentos descosidos, todavia, que provocam mais a imaginação do que trazem a certeza. Está mais para a arqueologia do verbo brasílico pré-colombiano e combate a 'tupimania' para adentrar às camadas mais profundas da massagada aruaca: alma mater da amazonidade perene.

A formação humana do Brasil acha nos nomes indígenas de lugares muito antigos as verdadeiras raízes de nossa gente. E neste particular ainda Marajó desafia nossa curiosidade para empreender arqueologia das ideias e psicanálise da história. Nisto, com certeza, o romance dalcidiano ajuda a decifrar o enigma da amazonidade.

O índio "malvado" (marãyu / marajó), falante da língua ruim (nheengaíba), está assinalado negativamente como todos mais Tapuya (tamoio, tamu, avôs) na voz do conquistador tupi-guarani. O qual - na busca guerreira da utopia selvagem, Terra sem mal, chamada -, foi escravo e depois peão dos colonizadores na dura faina cheia de males sem fim: esta barreira humana falante da "língua ruim" (na verdade muitas línguas e culturas Nu-Aruak) na luta de resistência à invasão se confundiu com o território das ilhas (dos Nheengaíbas, Joanes, Marajó)... Marinatambalo, Analau Yohynkaku para os endiabrados Aruãs (talvez, o verdadeiro marajó da história).



DIALÉTICA DA CULTURA MARAJOARA: 
SEMPRE SE DEUS QUISER, MAS TAMBÉM HÁ QUE BOTAR O DIABO A DAR AJUDA À GENTE.

No dia 24 de agosto o Diabo costuma andar solto em Paris e também na história do Brasil já fez diabruras mil. Neste outro lado do mundo chamado Marajó, o considerado dia do Berto não é dia santo nem feriado não. Porém, mais guardado que o feriado do dia da Pátria... Reza a lenda que o Berto (nome local do Capeta, derivado da célebre Noite de São Bartolomeu, em Paris, quando furiosos católicos, diz-que tomados pelo Cão, massacraram milhares de protestantes) vaga pelas varjas e matas sombrias.  O grande medo pânico, herdade da humanidade, reina na ilha do Marajó neste dia. Casos de acidentes fatais ocorridos neste dia reforçam a lenda na memória da ilha.
No dia do Berto caboco não trabalha nem pra tecer paneiro dentro de casa. Ou, pelo menos, nos tempos antigos não se levantava da rede nem pra cuspir... Hoje tudo está modificado: sem memória, então, que que as coisas ficam como o Diabo gosta. Quem, então, poderia ter dado a notícia da Noite de São Bartolomeu aos índios do Maranhão e Grão-Pará? Em São Luís do Maranhão os pajés tupinambás consultavam o espírito Jurupari (manifestado em sonhos, pesadelos e na dança pela voz do maracá) para as suas guerras e aventuras.

Isto encheu de pavor aos padres capuchos da França Equinocial, que sem maior explicação diabolizaram Jurupari declarando-o o próprio Satã em pessoa vindo ao Maranhão atrapalhar a obra de Cristo. Deixa estar que os índios interpretaram a história como melhor lhes convinha. Já que o velho espírito indígena passava a ser visto pelos cristãos como o coisa que não presta; urgia os pajés achar serviço que preste para ele.

Foi assim que o Berto, em seu dia, vai pelas varjas mijar nos pés de açaizeiro a fim de fazer a safra toda pretejar (amadurecer). Por isto, dizem os velhos cabocos, que para ser veneno o "vinho" de açaí falta só "um grau". Portanto, não se deve misturar açaí com nada mais, exceto farinha e peixe assado na hora da boia.




O que é toponímia? https://pt.wikipedia.org/wiki/Topon%C3%ADmia

sábado, 15 de agosto de 2015

DIÁLOGOS INSULANOS: 'SUMANOS' DAS ILHAS DEVEM CONVERSAR ENTRE SI PARA DIALOGAR COM O ARQUIPÉLAGO BRASIL




A DATA 'MAGNA' ESCONDE O DEDO DECEPADO DA HISTÓRIA.

A Criaturada grande de Dalcídio Jurandir está cansada de ouvir falar desta tal "Data Magna" de 15 de agosto. Estamos roucos de gritar a ouvidos de mercador das cortes palacianas do Brasil para lhes dizer que a verdadeira história é outra muito diferente dos compêndios oficiais. E o que esta gente escuta como resposta? O profundo silêncio secular das capitanias hereditárias, a lenda ecológica dos "pulmões do mundo" e a estória dos 500 anos do Descobrimento. 

A Adesão do Pará à Independência do Brasil deu-se na heróica vila de Muaná (Marajó), a 28 de Maio de 1823: consequência histórica do acordo de paz de Mapuá (Breves) entre índios e portugueses do Pará, em 27 de Agosto de 1659, concluído de fato pela fundação das aldeias nheengaíbas de Aricará (Melgaço) e Arucará (Portel), ato contínuo ao dito acordo. 

Sem as pazes de Mapuá, dando termo há 44 anos de guerra para conquista do rio das Amazonas (carta de 11/02/1660 do padre Antônio Vieira a El-Rei Dom Afonso VI na regência de Dona Luísa de Gusmão); não existiria tratado de limites de Madri (1750) entre Espanha e Portugal: logo, não existiria a Amazônia portuguesa e depois brasileira, com a Adesão do Pará.

O Macondo é aqui, nós estamos esperando Godot a bordo de auspiciosas conversações federativas face a um declamado PLANO MARAJÓ - até hoje tímida carta de intenções face ao escândalo do IDH da gente marajoara usurpada da grande Ilha dos Nheengaíbas para doação da "Ilha Grande de Joanes" ao secretário de estado de El-Rei de Portugal, donatário fidalgo que, portanto, nunca veio ao feudo amazônico nem jamais meteu um prego no costado de uma canoa de pesca ou cerca de curral de gado, prenunciando o que seria o comportamento padrão de grandes fazendeiros herdeiros das sesmarias, parasitários tais quais retrata o primeiro romance sociológico brasileiro, Marajó - meu primeiro livro de alfabetização política - escrito por Dalcídio Jurandir recém saído da cadeia de São José, em 1939, na velha vila de pescadores de Salvaterra.

Um plano meia sola deixado no caritó do desenvolvimento da Amazônia devastada, PLANO MARAJÓ cantado em prosa e verso que já dura quase nove anos nas desmemoriadas ilhas do maior arquipélago fluviomarinho do Planeta! 

Agora, supostamente, BrasIlha em meio ao gigantesco arquipélago Brasil nos convida a dialogar. Como assim, cara pálida? Há décadas a gente espera pela devida resposta de Brasília... A bem dizer, os antigos ceramistas do Marajó, desde o ano 400, escreveram em terracota e sua mensagem está no mundo (cf. Denise Schaan "Cultura Marajoara", Giovanni Gallo, criador do MUSEU DO MARAJÓ, em "Motivos Ornamentais da Cerâmica Marajoara"). É claro, para dialogar estamos aqui há tempo... Nós não nos faremos de rogados. 

Eu, pessoalmente, acho que a União e o Estado do Pará (notadamente face ao § 2º, VI, artigo 13, da Constituição do Estado) devem atenção especial ao Marajó, inclusive no que tange ao Custo Amazônico e à integração estratégica nacional fora parte da política geral de editais. De acordo com o reconhecido pensamento político de Luís Inácio Lula da Silva, em matéria de desenvolvimento mundial - a fim de corrigir as injustiças históricas -, exemplo geral das políticas públicas de quotas raciais e de pessoas portadoras de deficiência: não se deve tratar igualmente os desiguais... 

No delta-estuário do maior rio da Terra, nós somos mais de 500 mil Marajós repartidos em mais de duas mil ilhas e porção de terra firme, com cerca de quinhentas e tantas aldeias ou comunidades pertencentes a dezesseis municípios; dos quais, praticamente, metade da população é analfabeta de pai e mãe... Mais, os muitos analfabetos funcionais e não muito menos analfabetos políticos, os piores de todos analfabetos dos ditos municípios cuja soma da superfície é maior que o território de Portugal. O educador Paulo Freire se um dia passou por estas paragens do antigo limbo teológico, "promovido" a Purgatório; foi de modo clandestino e, sem dúvida, há muito tempo... Como então burgueses marcham nas ruas contra a Presidenta da República com faixas analfabetas, que dizem: BASTA DE PAULO FREIRE? Ao contrário, nos cafundós e periferias do Brasil há a maior urgência e necessidade de Paulo Freire ainda desconhecido!

A capital federal é muito longe da "ilha" do Marajó e Belém do Pará - embora a quinze minutos de táxi aéreo pra quem pode - fica a muitas léguas de distância em termos sociais, políticos e econômicos, sobretudo. Por falta de meios e de oportunidade, a grande maioria dos marajoaras nunca viajou à capital do estado ou mesma até Macapá, no estado vizinho. Nem sonha com computador e internet... Como, então, agora esta gente vai dialogar com a República federativa que não seja através de notórios "representantes" do Povo? Estes uns, com raras exceções, mal conhecem como a gente ribeirinha consegue sobreviver. Numa hipotética prova do ENEM, certamente, os nobres representantes tirariam zero caso formuladores pedagógicos introduzissem questões vitais de história e geografia da região amazônica. E já se sabe da duríssima "conversa" entre o Império do Brasil (1822) e o Povo Paraense mobilizado para Adesão à Independência (14 de Abril de 1823) que terminou na tragédia da Cabanagem (1835-1840), com 40 mil mortos numa população de apenas 100 mil habitantes.

Enquanto, ingenuamente ou por astúcia da colonialidade reinante na Amazônia, se festejar a tal "data magna" de 15 de agosto no Grão-Pará, escondendo o "dedo decepado da História" (segundo Oscar Niemeyer sobre o Monumento da Cabanagem), não poderá haver verdadeiro diálogo entre os diversos Brasis, mas só conversa mole pra boi dormir. 


NA FARSA HISTÓRICA E VAZIO DA APA-MARAJÓ, MAIS TRAGÉDIA ANUNCIADA: MORTE NA RESERVA AMBIENTAL DE JACUPI.


Prontas para o cinema as ruínas idílicas da belle époque estão lá nas páginas dilaceradas de Ribanceira, último romance do ciclo literário Extremo Norte do nosso "índio sutil" Dalcídio Jurandir, Prêmio Machado de Assis (1972), da Academia Brasileira de Letras (ABL), único até hoje para romancista amazônida...  Retrato vivo de Gurupá, no fim do ciclo da Borracha amazônica, onde a imagem enigmática do arruinado forte de Santo Antônio e a exclusão social assombram o cenário.

"A geografia serve para fazer a guerra" (Yves Lacoste). E a história ainda será capaz de fazer a Paz? Libertas Quae Sera Tamem: "libertas e serás também"... traduz lindamente o iconoclasta Carlinhos Oliveira: zero em latim e dez em filosofia da História da libertação. Não fosse a ruína da educação nacional, todo Brasil brasileiro já saberia a verdadeira história da conquista de Gurupá, primordialmente pelo feito de arcos e remos da brava nação Tupinambá, por acaso vinda antes dos conquistadores europeus pelos sertões da Bahia e Pernambuco, de passagem através do Baixo Tocantins e o Rio Pará; em busca guerreira da Terra sem Mal até os confins do grande rio Babel sob pendão da União Ibérica arvorado na antiga terra Tapuia pelas armas e os barões assinalados. Também não nos podemos esquecer que foram tupis que guiaram o bandeirante Raposo Tavares, do Tietê ao Amazonas, pelo Pantanal conforme registro em placa história no forte de Gurupá...

"Deus escrevendo certo por linhas tortas", diz a sabedoria popular: todavia, a História não é para os mortos ("Teoria da História do Brasil", José Honório Rodrigues). "Fizemos Cristo nascer na Bahia ou em Belém do Pará" ("Manifesto Antropofágico", 1928) Oswald de Andrade) escrevendo em Paris devorando a Semana de Arte Moderna de 1922. O gaúcho Raul Bopp levou Cobra Norato do Xingu ao Rio de Janeiro para sentar praça como marinheiro. Ah, desgraçadamente, o povo brasileiro, enfeitiçado pela TV e o cinema americano; não sabe nadinha do que se está falando aqui e agora, neste estranho feriado estadual da "data magna" (sic) paraense de 15 de agosto; debaixo do desgosto da tragédia amazônica na antiga aldeia de Mariocai!...

Cinco mil anos de nomadismo e dois mil dos sítios arqueológicos da vetusta Cultura Marajoara, nos contemplam do cimo do forte de Gurupá com seus canhões frios e silenciosos apontados a inimigos invisíveis e fantasmas do rio Babel na memória abandonada da conquista portuguesa para expulsão dos estrangeiros desde o Maranhão até o Amapá... 44 anos de "guerra das amazonas" até as mal cosidas pazes de Mapuá.

Se as nossas crianças nas ilhas do Marajó, especialmente de Gurupá; tivessem por padrinho a Paulo Freire como guia e mestre duma escola ribeirinha onde se lessem, perfeitamente, Dalcídio Jurandir no entendimento da crítica ao ensino capenga, em Primeira Manhã, o analfabetismo não tisnaria tanto o IDH da Criaturada tal qual como ora acontece. Todo sujeito desemburrado seria logo voluntário para ensinar os outros que ainda restam analfabetos, sobretudo políticos; que são multidão. 

E, assim, se o nosso Brasil já houvesse se empoderado oficial e efetivamente da milenar Cultura Marajoara como deveria ser, hoje - 15 de agosto - não haveria feriado estadual da farsa da Adesão do Pará, que pariu a guerra dos cabanos traídos tantas vezes pelos coloniais luso-brasileiros. Em compensação, os marajoaras brasileiros desde Muaná (28 de Maio de 1823), não estariam chorando a tragédia de Jacupi com a morte estúpida de um menino de 14 anos de idade e o trauma fatal da família de um ambientalista nascido francês e que se fez brasileiro por amor a uma mulher marajoara.

Então, a esquecida paz celebrada na igreja do Santo Cristo, improvisada na mata pelos índios guerrilheiros nheengaíbas e consagrada pelo padre Antônio Vieira, na beira do rio dos "Mapuaises" [Mapuá], floresceria hoje como uma bela vitória-régia na educação socioambiental justa e perfeita, recepcionando o evangelho da alegria na leitura coletiva da encíclica "ecológica" - na verdade, social - "Louvado seja", do Papa Francisco.

Desperta, ó meu Marajó marajoara!


Leiam a íntegra da carta do MPEG:

"À população da cidade de Gurupá (PA), 

O Museu Paraense Emílio Goeldi, consternado com a trágica perda de vida do jovem João Paulo Lima da Silva, 14 anos de idade, e com a violência que eclodiu na cidade, manifesta sua solidariedade às famílias e a toda comunidade atingida por este episódio. 

O Museu Goeldi está no município desde 2013 realizando estudos arqueológicos e ações de educação patrimonial sempre em colaboração com a população e os gestores locais. No mês de julho, a equipe de pesquisa esteve concentrada na Reserva Ambiental do Jacupi, que revelou grande potencial histórico. Em agosto, estava prevista mais uma etapa de ação educativa nas escolas e continuidade das escavações no Forte Santo Antônio de Gurupá, que é de grande interesse para turismo e economia municipal. 

Os sítios arqueológicos de Gurupá são importantes porque revelam uma história milenar de presença indígena e de intensos contatos interculturais, com legados de holandeses, portugueses, quilombolas e judeus. 

Pedimos a todos que protejam e não permitam a destruição da Reserva Ambiental do Jacupi, um patrimônio ecológico e cultural da população de Gurupá e de todos os brasileiros. 

Museu Paraense Emílio Goeldi"

sábado, 27 de junho de 2015

SOMOS TODOS ÍNDIOS.





Você se olhou hoje no espelho? Caso sim, sugiro que faça de novo. Em caso contrário, olhe-se agora com mais atenção como estivesse frente a uma pessoa desconhecida. Se você é de "raça" branca, tem cabelos louros e olhos azuis pense donde vieram seus pais. Se você for negro ou "pardo", se tiver cara de "japa" ou de "china" como foi que isto lhe aconteceu? Quem é você afinal de contas? Como se sente? O que lhe parece o povo brasileiro em sua diversidade e desigualdade social profunda? O que o Brasil significa para ti e aos teus? 

A humanidade filha da animalidade, certamente, ainda muito tem a evoluir. E o racismo é uma moléstia culturalmente adquirida para mascarar, sem dúvida, diferenças étnicas e linguísticas, traços genéticos e desigualdades entre classes sociais. O mito da "raça pura" ou "superior" deu no que deu... E, felizmente, a mestiçagem de corpos e espíritos vai cada vez mais fraternizando o mundo, apesar de tudo... 

Pense um "jovem" país pujante, malgrado suas agudas contradições históricas, com um vigoroso povo de alguns milhares de anos de idade, no qual os "mestiços" são atualmente grande maioria: se pensou Brasil agora sabe porque ele foi chamado o "país do futuro" e porque o avenir já vem chegando no antigo Pindorama de muito mais que seus 500 janeiros dilacerados pela conquista exterior. Agora, pensando bem, mande o famoso complexo de viralata pr'aquele lugar. E dê muitos vivas ao Povo Brasileiro com fé e orgulho, que nem Darcy Ribeiro fazia em priscas datas.

Todos nós somos índios! Não importa os cabelos louros, olhos azuis, pele branca como a Lua... Você deve saber que essa belezura, na verdade, é deficiência de melanina. Num país tropical abençoado por Deus e bonito por natureza, com certeza, a brancura é fonte perene da indústria de bronzeadores e de protetor solar. Tudo bem se o padrão estético dominante não implica com os cabelos pretos e lisos ou crespos, se não avacalha a beleza natural de sua pele morena, nem menospreza os olhos castanhos ou pretos que nem caroco de açaí maduro.

A Negritude para além da melanina, no patropi, abraçando "negros" de todas as "raças" começou antes de Pedro Álvares Cabral topar com os índios Pataxós na Bahia em abril de 1500. Em fins de janeiro do mesmo ano foram arrancados 36 índios marajós para escravos dos espanhóis, levados a ferros da ilha do Marajó a Hispaniola (Haiti e República Dominicana agora, donde o povo Taino se levantou para lutar em Cuba contra os conquistadores sob comando do bravo Hatuey e onde, em 1992, o Papa foi pedir perdão aos índios e aos negros nos 500 anos da América) - se você estiver por dentro da amazonidade saberá que "ilha de Marajó" ou cidade "de" Recife, ficam lá na ponte que partiu. O rio Marajó que deu nome à ilha e tudo mais derivado deste topônimo é, sim, do "homem mau" ('marãyu'), guerrilheiro aruã invencível na peleja, falante da "língua ruim" (nheengaíba) que ali viveu, lutou e deixou descendência após 5 mil e tantos anos de nomadismo atrás de peixe para comer pelas beiras do grande rio das Amazonas e beira-mar desde as ilhas do Caribe. 

Esta gente arteira que, há quase 2.000 anos, inventou por acaso a primeira 'universidade pés descalços' da Amazônia donde saíram "engenheiros do Arari", práticos do barro dos começos do mundo, arquitetos de aldeias suspensas sobre campos alagados ("tesos" ou 'mounds') donde a cerâmica marajoara, Arte primeira do Brasil e primeira cultura complexa das regiões amazônicas foi parida. 

Os Marajoaras, portanto, somos filhos dos primeiros "negros da terra" (escravos indígenas) da América do Sul (cf. viagem de Vicente Yañez Pinzón, 1500). Certo, os negros da Terra, propriamente ditos, chamados "negros da Guiné" na crônica racista colonial luso-brasileira, são descendentes dos primeiros seres humanos, na África ancestral, há coisa pra lá de um milhão de anos donde a Diáspora original foi habitar o nosso mundo comum até a última fronteira do planeta. 

Os seis mil anos de Adão e Eva são uma antiga lenda da Mesopotâmia, copilada na Bíblia com graça alegórica, mas não devem tapar o irmão sol com peneira nem obscurecer os beneditinos esforços dos cientistas. Entre estes, o jesuíta paleontólogo Pierre Teilhard de Chardin que, na China profunda onde o Taoismo e o Confusionismo se confundem em busca das conexões sutis entre os extremos Oriente e Ocidente, teve que resolver seus íntimos problemas de convivência entre a Fé e a Ciência e, ainda assim, resistir ao obscurantismo do Santo Ofício encastelado na igreja de Roma. Para vir, enfim, com o santo de Assis inspirar o Papa Francisco sob a luz do divino Espírito a editar a encíclica ecológica do catolicismo ecumênico do século XXI, "Louvado seja": consequência lógica daquele histórico pedido de perdão pela Igreja, em 1992, em Santo Domingo. Não por acaso, com certeza, às vésperas da Conferência Mundial do Clima, a COP-21, em Paris.

Somos todos Índios, desde quando o andarilho Marco Polo saiu da Itália a caminho das Índias. Mais ainda quando Colombo, enganadamente, chegou às Índias acidentais (sic) e Vasco da Gama descobriu o caminho marítimo das Índias.

Na verdade, nossos antepassados índios vindos da Ásia já estavam na América, Amerik (o "país do vento", em língua Maya, região de montanhas do lago Nicarágua) há dez mil anos antes dos 500 anos pós-colombianos. Então, depois do "descobrimento" do país do pau-brasil, com as caravelas portuguesas vieram ao Brasil o cravo da Índia, a pimenta do reino, a árvore de fruta pão, a mangueira, o jambo, a noz moscada, o cânforo, o açúcar, o gado zebu e o búfalo onipresente na ilha do Marajó muito tempo depois... Agora estamos ainda mais juntos à velha Índia dos marajás no BRICS (bloco formado pelo Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).

De todo modo, os próprios hindus como os chineses saímos todos do seio da mãe África que civilizou o Egito através do Nilo e a Grécia através do Delta do grande rio africano, cujas fontes em Uganda são cortadas pela linha equatorial, assim que o gigantesco Amazonas equatorial, no novo mundo. E assim, somos todos índios e todos temos os nossos mitos e utopias da Terra sem males, antes do engano cartográfico de Colombo (na verdade, Salvador Fernandes Zarco, cristão-novo, nativo da vila de Cuba, no Alentejo, Portugal).

No Nilo e no Gânges as águas batismais da Antiguidade, no rio das Amazonas a última fronteira da Terra: aqui seis milhões de índios pré-colombianos foram engolidos pelo rio Babel e canibalizados pela civilização ocidental-cristã. Nós não podemos deixar extinguir os últimos entre os últimos de nossos parentes. Ou não poderíamos reclamar de invasores do Brasil e da cobiça estrangeira sobre a fabulosa Amazônia, considerada "celeiro do mundo" por Humboldt.


Bilhete para Dilma em Washington

Ainda não nasceu um Champollion para decifrar a "escrita" das gravuras e pinturas rupestres da Amazônia ou o grafismo da Cerâmica Marajoara e Tapajônica. Esta gente da primitiva diáspora queria nos dizer alguma coisa importante, há 10 mil anos atrás? Durante conversações nem sempre amenas entre os dois presidentes da República Federativa do Brasil e dos Estados Unidos da América, respectivamente, Dilma Rousseff e Barak Obama uma pauta densa estará servida na Casa Branca. Portanto, não cabe acrescentar coisa nenhuma no tabuleiro previsto.

Mesmo assim, o momento é emblemático para anotar no quadro das relações bilaterais entre os dois respectivos maiores países americanos dos hemisférios Norte e Sul a continuação da cooperação, iniciada no século XIX, em busca do "Homem americano" original... Ou seja, o Índio do Novo Mundo para alguns visto como remanescente das tribos perdidas do Cativeiro da Babilônia... Quantas lendas e mitos saídos desse longínquo passado! "Índio bom é índio morto" e mesmo assim o fantasma pele-vermelha fez a glória dos cow-boys e o lucro da indústria de cinema americano.

Todavia, esse espectro do passado está mais vivo do que antes. Com a internet, a inteligência coletiva segundo a bíblia de Pierre Levy e a filosofia lusíada do Espírito Santo do filósofo luso-brasileiro Agostinho da Silva.

A história comparada Brasil-Estados Unidos ensina que nossos velhos bandeirantes e pioneiros não nos deixaram lições éticas a fim de repassá-las as novas gerações. Pelo contrário, herdamos uma dívida ambiental enorme e um passivo humano nada menos que à dimensão de um extraordinário genocídio, causa pela qual o Papa João Paulo II pediu perdão, nas solenidades dos 500 anos de descoberta da América, em Santo Domingo, aos Índios e Negros. Porém, pedir desculpas ou perdão embora não seja fácil, de fato não resolve nada se não for acompanhado de sincero arrependimento e medidas materiais reparadoras.

Conhecemos as barreiras geopolíticas sobre a Amazônia desde o "testamento de Adão" abençoado pelo Papa em 1494, segundo a partição do mundo por um meridiano a 370 léguas a oeste desde Cabo Verde. Aqui, no espaço curvo de Einstein, os extremos Oriente e Ocidente se encontram na linha do equador terrestre e corrente equatorial marítima. O maior arquipélago de rio e mar do Planeta apresenta o pior IDH do gigante Brasil e aqui também, Anna Roosevelt, bisneta do presidente dos Estados Unidos deste nome de família; veio encontrar o que agora podemos chamar de primeira ecocivilização amazônica, a conhecida Cultura Marajoara. 

Marajó, então, não seria uma boa oportunidade de universidade multicampi internacional relembrando a cooperação Brasil-Estados Unidos desde a geologia americana de Hartt que levou à arqueologia marajoara? E se esta oportunidade, por acaso, favorecesse a repatriação da cerâmica marajoara levada para a Exposição Mundial de Chicago, em 1893, como gesto cooperativo norte-americano em benefício da educação da gente marajoara, tal como reza a Constituição do Estado do Pará em seu Artigo 13, VI, Parágrafo 2º e futura reserva da biosfera chancelada pela UNESCO?

A verdade manda dizer que o calcanhar de Aquiles do governo social-democrático de Lula e Dilma, endeusados por uns e odiados por outros, é o meio ambiente e a política indígena. A decisão correta de criar o Instituto de Pesquisa Aplicada (IPEA) e a Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) na Presidência da República, deveria talvez ser completada elevando a politica nacional de proteção aos Direitos Humanos e desenvolvimento sustentável dos Povos Originais e mais populações tradicionais na estrutura direta da Presidência. Demonstrando, assim, com atos efetivos a concretude dos discursos para o País e o mundo pela vontade política da Nação Brasileira e importância para o Estado Democrático que deveriam ter estes brasileiros dizimados por séculos de vergonha face a Humanidade inteira. 

Os "nossos" índios e a biodiversidade brasileira não ficariam entregues à caridade duvidosa das ONGs nem ao bel prazer do terceiro escalão de governo loteado conforme chantagens recorrentes de "nobres representantes" de empresas no Senado e na Câmara dos Deputados, sem falar da cumplicidade patente de membros do Judiciário desde comarcas do grande sertão até esferas elevadas de Juizados onde os pobres não ousam enfrentar a ricos sempre blindados pelos mais caros advogados.

Esta falha notável da sociedade brasileira, que o governo saído do seio desta mesma sociedade encarna, acaba sendo transtorno bipolar coletivo quando, por exemplo, apoia e aplaude a iniciativa meritória histórica dos JOGOS INDÍGENAS MUNDIAIS e ao mesmo tempo escancara o flanco a críticas justas que acusam o cinismo do agronegócio a promover a propaganda do evento no interesse de melhorar a imagem no mercado exterior. Mas, não seria esta uma forma discreta de corrupção?


Se a Presidenta é brigona, para isto serviria encarar a colonialidade e o Bravo Povo Brasileiro, certamente, haveria de apoiá-la a dar o bom combate. Mas, quando a ignorância se casa com a arrogância resta a cegueira que o padre Vieira criticou no Maranhão, no século XVII: o colonialismo é uma tara congênita e a COLONIALIDADE AINDA É PIOR... Aí está a encíclica do Papa Francisco para abrir os olhos da cristandade viciada em Pecúnia... Logo a igreja romana, podia-se dizer, mas a coragem para mudar é mais importante que o simples arrependimento.


Vamos Brasil brasileiro ao encontro dos Povos Originais! Coragem para ser o que somos no mundo. SOMOS TODOS ÍNDIOS, nossa utopia fundadora é a Yvy Maraey antes da Utopia.






Nação, do latim natio, de natus (nascido), é a reunião de pessoas, geralmente do mesmo grupo étnico, falando o mesmo idioma e tendo os mesmos costumes.