terça-feira, 24 de janeiro de 2012

MORTE E RESSURREIÇÃO DO MITO PELA INVENÇÃO DO CABOCO




A morte da Cobra grande
Em meio a chuvas do dilúvio nos campos de Cachoeira
a notícia rasteira correu quente esta semana
veio ela lá da aba da serra de Velha Pobre
agitou corações e mentes em todas Amazônias,
estremeceu a linha do equador.

Virou imagem na internet e manchete de jornal
porém o grande público vidrado em casos cabeludos
tais como assassinatos por encomenda
e guerras no estrangeiro não viu nada de mais:
o dragão de ferro duma madereira sem coração
pegou e matou
a cobra grande Boiúna passando qualquer coisa
acima da boca do rio Xingu.

No corpo de reserva da Marinha Cobra Norato está de luto,
todavia a morte da Boiúna é um drama
semelhante ao desespero de Jorge Luís Borges
quando este viu o “Aleph” e não teve a quem contar
dentre tantos quantos videntes pobres de espírito...
Tal qual o espanto de quem decifrou o amazônico mistério
condenado a quebrar a solidão da televisão mundial
diante da infinita ignorância de milhões de telespectadores.

Uns poucos cabocos panemas empregados da firma
salário-mínimo e carteira assinada valendo quase nada
comemoram o fato lá no mato como se fosse paresque
o fim da guerra de Tróia na antiga terra dos Tapuias.
O parrudo e sanguinolento corpo de Maria Caninana degolada,
mana má de Cobra Norato espichada numa grua fria
pra todo mundo ver o grande troféu da Civilização
e quem de fato é o novo rei da floresta
prova da derrota final do Mito face à realidade
ninguém segura mais a magia amazônica
nem há de duvidar do poder da Máquina peito de aço
tampouco do império do mercado no moderno capital
é disto que trata a insólita notícia lá da serra da Velha Pobre.

Um índio daqueles destribalizados asilado na cidade
compreendeu na hora que era chegado o fim da Estória
então ele se deu conta com sutileza de que havia razão
seu irmão maior o poeta cantador da Paraíba
Vital Farias profeta na “Saga da Amazônia”
como que adivinhando já a morte da Cobra grande
causada pela devastação da floresta amazônica.
“Era uma vez na Amazônia a mais bonita floresta
mata verde, céu azul, a mais imensa floresta
no fundo d'água as Iaras, caboclo lendas e mágoas
e os rios puxando as águas...”

O dragão cheio de garras de aço zurrando feito trovão
cuspindo fumaça de petróleo continua a floresta devorar
derrubando árvores pelo pé com o correntão de corte raso
“corre índio, seringueiro, preguiça, tamanduá
corre-corre tribo dos Kamaiurá”...
lá em riba os povos do Tumuc-Humac se alvoraçam
que nem naquele dia que os Wayana frecharam Tuluperê
abaixo da cachoeira, não foi brincadeira
pois o pajé sabe quando se abate animal sagrado
ou espécie em risco de extinção
é sinal que o bicho-homem está a perigo
diante da própria ambição:
pior paresque que o combate de São Jorge e o Dragão.

Então a gente da desvairada cidade das inundações
carece aprender a ouvir o sermão da floresta:
o homem dos trópicos nasceu na primeira noite do mundo
quando do Dilúvio o galo anunciou a primeira manhã
ele veio em forma de peixinhos miúdos em cardumes
de espermatozóides
dentro da barriga duma cobra-canoa chamada Makará
cobragrande que pariu nas pedras da beira do rio
onde a primeira gente secou ao sol equatorial
que nem barro mole sob fogo se transforma em cerâmica.

Os velhos Kalina sabem disto mais que ninguém
portanto têm a Anaconda como totem principal
que nem povo católico reza à Senhora mãe da Concepção.
Os cabocos que ainda não se corromperam de tudo
respeitam tabus da pesca, caça e tiração de frutos das matas
sabem mariscar no mangue respeitando Curupira, Caipora
Matinta perera e todos mais encantados do lugar
por isto não se dão mal na espera da Terra sem mal.

Não é o caso de "índio com amnésia":
carimbó do caboco doido na leseira amazônica.
O pobre não sabe da passagem da animalidade à humanidade
nem desconfia da travessia do Mito para a Ciência...
Paciência, toda ciência pendente das nuvens
sem limites éticos é fadada a desabar a qualquer hora. 
As penas ou bem-aventuranças doutro mundo
terminam no "inferno verde" aqui presente
onde não existe pecado debaixo do equador,
mas porém em compensação não há salvação.
Pelo contrário, na diversidade da cultura orgânica naturalmente
bicho do fundo vem à tona da consciência da gente
no curso evolutivo da biodiversidade.

Quanta dor e desastre na história universal do Trabalho!
É o drama de Sísifo desfeito em suor, sangue e lágrimas.
O estrupício do "H. sapiens sapiens" o revela de pouco siso,
o dito cujo na direção do dragão mecânico é vitória de Pirro
anda à margem da lei e na contramão de verdadeira civilização.
A serra da Velha Pobre agora está mais despossuída de lendas,
de árvores centenárias e bichos encantados ou naturais.
Aí o ingênuo trabalhador de madereira pirata
prepara seu futuro desemprego em troca de um dólar furado:
o besta não se dá conta da mais valia da própria força e engenho.
Ora, ora, ora! A máquina movida a cavalo-vapor
também ela foi produto e mercadoria
da lenta evolução da engenharia ditada pela necessidade
mãe e madrasta da invenção,
mas acabou no mato sem cachorro...

Porém o sumano face ao terror e fascínio que a Serpente
desperta no inconsciente coletivo
reinventa a Cobra grande pelo bom motivo de ter sido deserdado
do testamento de Adão que nem o rei da França,
com diferença que Francisco I mandou invadir o paraíso selvagem
com a cristianíssima idéia de civilizá-lo como colônia sua
como depois também Napoleão invadiria o Egito pagão
e no novo Éden os invadidos ficaram fora da História pra sempre
carimbados como descendentes de Caim batizados pelo coisa ruim
indecisos entre a barbaridade ou a civilização.
Neste paraíso amazônico perdido pra desgosto dos catequistas
não há rio, lago ou igarapé que não tenha lá a sua "cobra grande",
mãe do rio dispersa em mil e tantas lendas do imaginário do lugar.

Na mata santa quando sem precisar homem mata animal sagrado
afasta-se mais e mais da pura e inocente animalidade ancestral
sinal da morte de deus segundo Nietzsche:
ou seja o Mito criador se extingue como a chama duma vela...
há quem diga porém que esse deus está morto
por que a divindade ainda não nasceu na humanidade
e para tanto o mundo careceria de santidade...
O deicídio implica culpa igual ao fundamental complexo de Édipo:
com certeza o filho mata o pai a fim de “conhecer” a mãe natureza
que nem macho alfa no rebanho...
taí a origem do machismo deste mundo: só o matriarcado cura!

No planeta Amazônia tudo é da mãe:
inclusive o pai, o filho e os espíritos santos ditos caruanas.
Mas o crime ecológico traz a reboque o castigo
se não imediato porém a prazo certo sobre as futuras gerações
tal qual as atuais pagam o pato da conquista das Amazonas.

O que salva esta gente sem eira nem beira é o rito de ressurreição:
pela arte do Kuarup os mortos viram árvores
e árvores viram gente e voltam ao mundo dos viventes.
A vida vence a morte e rende este mundo mais interessante
com infinitas possibilidades de recomeçar todos os dias.

Tudo que é sólido desmancha no ar:
não há bem que sempre dure nem mal que não acabe...
das ruínas, rupturas e fragmentos do tempo pisado ao chão
levantam-se projetos e revoluções...
muitas vezes avançar é retroceder até à raiz das coisas
através da espiral evolutiva do espaço-tempo.

A arte primeva dos Wayana transforma pele mítica de Tuluperê
em objetos concretos e fantasias,
dá até teses supimpas com exemplo de Lúcia Hussak van Velthem
que não me deixa mentir.
Por aí se descobre a verdadeira cobra grande metafísica
suspensa no espaço ideal por um cinturão de asas de borboleta
que nem a serpente Oroboro ou dragão que morde a própria cauda.
O mito da cobra grande habita o mundo sub-aquático
seu ícone mora na arquitetura de casas coletivas do Tumuc-Humac,
que nem mandala em riba do teto, um céu miniatura dita "maruana"
riqueza imaterial que vem de novo transformar matéria-prima
uso e arte da roda do tempo circular em diversas luas e sóis.

Como então os sábios não sabem disto também, gente bem?
A cobra grande é mãe do rio, ela manda chuva
guarda o segredo da primeira noite do mundo num caroço de tucumã.
Ao sábio de Coimbra disse um índio marajoara
que as voltas que o rio Arari dá diz-que se devem à mãe do rio.
Que na ditadura da água é, sucessivamente, a cada seis meses
dilúvio e estio súbitos
depois que o sol bebe toda lâmina d’água que restar à ilha grande
filha da pororoca nas marés se sizígia
côncava como um grande prato nos mondongos e baixios do Lavrado.
Aí infinitas cobras sucuris que existiam pelos centros se desesperaram
no passado e abriram caminho à força em direção ao mar
cujos rastos são os rios e igarapés hoje em dia...
O Nilo profundo guarda mistérios da antiga Núbia,
seu irmão o gigantesco rio Babel esconde segredos dos Andes
fechando a boca do rio-mar cerca às ilhas dos Marajós.

A cobra sucuriju passará pouco mais de dez metros de comprimento
ao longo duma vida que não é pequena cumprindo sua missão
no topo da cadeia ecológica,
ela é uma draga natural na limpeza de rios, portos e canais.
Porém desde que o homem branco trouxe bois, cavalos e búfalos
aos pantanais do estuário amazônico abriu ele guerra franca à natureza
com isto desapareceu peixe-boi, tartarugas, pirarucu, capivaras, onças, jacarés e os bichos encantados até...
Aí veio erosão dos rios e colmatagem dos lagos,
a fome ingrata deu as caras por aqui e fez ladrão de gado,
praticou trabalho escravo, trouxe doenças desconhecidas, a miséria da velhice e mortalidade infantil
onde paresque teria sido talhada a ser a Terra sem males procurada...

O totem sagrado da cultura marajoara é a Bothropos jararaca
mestra das matriarcas em três mil anos de ciência do veneno e remédio
do mundo semi-aquático onde a Cobra grande é rainha...
Nós estamos falando de 1500 anos de civilização neotropical
destruída pela conquista acidental.

Enfim a morte do mito amazônico prenuncia a vitória de Pirro
do rude colonizador e seus lesados herdeiros.
 

domingo, 15 de janeiro de 2012

UM PROBLEMA ESPINHOSO: REPATRIAMENTO DE CERÂMICA MARAJOARA

Museu do Quai Branly

Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

Museu do quai Branly visto do primeiro andar da torre Eiffel.
O museu do quai Branly (em francês, musée du quai Branly) ou Museu das Artes e Civilizações da África, Ásia, Oceania e Américas, está situado no quai Branly, 7° arrondissement de Paris.
Projeto ambicioso executado por Jacques Chirac e realizado por Jean Nouvel, foi inaugurado em 20 de junho de 2006.

O museu tem uma área de 40.600 e conta com um acervo de 300.000 obras, das quais 3500 em exposição. Até fevereiro de 2009, o museu havia recebido mais de 4.000.000 visitantes.
O acervo do museu constituiu-se a partir de antigas coleções de etnologia do Museu do Homem e do Museu Nacional de Artes da África e da Oceania. As obras são divididas em grandes zonas continentais (África, Ásia, Oceania e Américas). Além da exposição permanente, o museu promove dez exposições temporárias por ano.

A biblioteca possui importante documentação etnográfica, contando com os arquivos de Georges Condominas, Jacques Kerchache e outros.

Desde 2005, o museu publica a revista de antropologia e museologia Gradhiva, fundada por Michel Leiris e Jean Jamin em 1986, dedicada à pesquisa contemporânea em etnologia, história da antropologia, aos arquivos de grandes etnólogos, às estéticas não ocidentais e, atualmente, também às coleções do próprio museu.

Livro - Cultura Marajoara - Denise Pahl Schaan 

Veja lista completa de produtos de Denise Pahl Schaan

NOTA do blogue: na obra a autora apresenta lista de instituições e colecionadores que possuem cerâmica marajoara arqueológica extraída de sítios da ilha do Marajó, entre eles o "Museu do Homem" de Paris. Entretanto, esta coleção foi transferida para o MUSEU DE ARTES E CIVILIZAÇÕES DA ÁFRICA, ÁSIA, OCEANIA E AMÉRICAS, mais conhecido como Museu do Quai Branly, na França.
 


A PERGUNTA QUE NÃO QUER CALAR


Por que autoridades da Cultura e a Mídia brasileira ignoram deliberadamente por tão longo tempo o extraordinário "case" de destruição do patrimônio arqueológico nacional na ilha do Marajó? 

Se, seguramente, desde fins do século XIX -- conforme relato do Barão do Marajó, na obra "As Regiões Amazônicas" sobre as extrações para o Museu Nacional do Rio de Janeiro e a Exposição Etnográfica de Chicago (EUA) -- esta riqueza ancestral do povo brasileiro é saqueada e contrabandeada sob indiferança do país do carnaval e do futebol, enquanto ao mesmo tempo é a mais conhecida e estudada de todas nossas heranças pré-coloniais no exterior com apanágio de ARTE PRIMEVA, conforme conceito mundialmente aceito pela UNESCO e propagado por instituições de prestígio internacional como o Museu do Quai Branly, na França, por exemplo.

Não é por acaso este tesouro o primeiro recurso "in loco" disponível para induzir o desenvolvimento humano do maior arquipélago fluviomarinho do planeta? Fala-se em erradicar a probreza no Brasil e Marajó - dentre 120 Territórios da Cidadania - apresenta um dos piores IDH's da América Latina sem que sejamos competentes para empregar este precioso recurso na educação, cultura e turismo como inovação em políticas públicas para o desenvolvimento sustentável da Amazônia.

A cultura brasileira envergonhada de suas origens indígenas e inferiorizada diante das civilizações pré-colombianas no México e no Peru, desde 1937 com a criação do IPHAN; assumiu que o Brasil é um país "jovem" cujo início se conta a partir de Cabral fazendo assim opção preferencial pelo patrimônio colonial. Consequentemente, despreza-se a primeira cultura complexa da Amazônia que atesta 1500 anos de idade para a Civilização Brasileira, em vantagem dos 500 anos do "descobrimento" do Brasil. 

Pelo mesmo caminho da alienação tupiniquim, a elite do Pará - que ama e venera Marajó como relíquia de família desde as sesmarias doadas pelos Barões de Joanes ou os contemplados do Marquês de Pombal - simplesmente enterra a cabeça na areia das praias de Salinas ou se refugia em temporadas de férias na Disneylândia, no estado da Flórida-EUA, levando divisas às lojas de Miami; para não encarar os males do subdesenvolvimento, tal qual o espinhoso problema da falta de meios para fazer avançar a arqueologia marajoara. Conforta-se dos estudos empíricos do fundador do antigo "Museu Paraense" [Museu Paraense Emílio Goeldi, mais conhecido agora como "Museu Goeldi"], seguidos de pesquisas profissionais por arqueólogos norte-americanos para, feliz e recentemente, a brasileira Denise Pahl Schaan produzir os mais avançados resultados sobre a matéria e publicar a obra de divulgação "Cultura Marajoara" (2010), documento que definitivamente obriga nosso país desde as mais altas autoridades até o mais simples cidadão da ilha do Marajó a tomar consciência desta grave questão tratada, afinal de contas, como um "pacto de silêncio"...

Ninguém quer saber é tem ódio de quem sabe: de Heloísa Alberto Torres a Giovanni Gallo todos que levantaram o espinhoso "case" Marajó estão mortos e a polêmica enterrada com eles...

Certo, desde o autor anônimo da "Notícia da Ilha Grande de Joannes" (apud Nelson Papavero et al. em "O Novo Éden"), na segunda metade do século XVIII, dizendo ele haver achado o teso do Pacoval do rio Arari [município de Cachoeira do Arari] no dia 20 de novembro de 1756, que a arte antiga do povo oleiro que habitou a foz do rio Amazonas chamou atenção dos curiosos. Esta fonte rara biogeográfica parece ser extrato de relatório sigiloso, no contexto do conflito entre o monarca português Dom José I, ou melhor o todo poderoso ministro Marquês de Pombal e a não menos poderosa Companhia de Jesus àquela época envolvidos numa luta de titãs da escolástica canônica e o então iluminismo emergente; que acabou sendo recolhido pela Real Biblioteca do Porto (Portugal) para ser divulgada ao público amazônico já em fins do século XX.

Em 1783, o naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira, da Universidade de Coimbra, começou pela ilha do Marajó a sua monumental "Viagem Philosophica" (1783-1792). Em apenas um mês percorrendo trechos dos atuais municípios de Salvaterra, Soure e Cachoeira do Arari o sábio luso-brasileiro recolheu informações que normalmente teria que levar anos para observar, coletar e analisar. Portanto, escrupulosamente, ele credita a seu guia e informante Florentino da Silveira Frade, fundador da Vila de Cachoeira (1747) e inspetor oficial da ilha; as principais informações daquela viagem inicial [publicada em Lisboa como separata com título de "Notícia Histórica da Ilha Grande de Joanes, ou Marajó"], na qual diz que o dito inspetor Florentino Frade "descobriu" o teso do Pacoval na data supracitada na "Notícia" anônima... 

Penso que leitura comparativa dos dois documentos evidencia ser, de fato, Florentino da Silveira Frade autor do relato anônimo e descobridor do primeiro sítio arqueológico da ilha do Marajó, o teso do Pacoval; que se tem notícia até hoje. Ora, o Pacoval [bananal] era uma aldeia da fase Marajoara sobre aterro artificial ("mound" na literatura estrangeira) na qual seu descobridor no século XVIII diz ter achado além de cultivo de "pacovas" [banana grande] nativas, também roça de mandioca antigamente deixada pelos índios marajoaras de alta produtividade em comparação a roças dos colonos. Aí o mesmo tirou as primeiras urnas cerâmicas com "caveiras" do cemitério indígena até então existente naquele teso... Com certeza uma profanação aos olhos dos índios remanescentes das antigas etnias que existiram na ilha.  

 Começa aí o desastre para a Ciência Amazônica que ainda não nasceu e que talvez jamais virá à luz, enterrada no próprio berço onde um dia floresceu a primeira ecocivilização das terras baixas no neotrópico!

Hoje o teso do Pacoval é a imagem da ruína daquele passado remoto cuja arte cerâmica é admirada em cerca de 10 grandes museus longe de acesso dos cabocos do Marajó. Ainda assim, como no museu do Holocausto; deveria ser declarado Monumento Natural de relevante interesse histórico para escarmento das futuras gerações... Com estes dados acho que se poderia declarar o DIA DA CULTURA MARAJOARA a par do Dia Nacional da Consciência Negra, lembrando ademais que, antes do Descobrimento do Brasil, Pinzón arrastou da ilha do Marajó os primeiros "negros da terra" [escravos indígenas], em 1500 (ver petição, até esta data, com pouco mais de 150 assinaturas... Significativo da importância que o público brasileiro dá ao assunto: http://www.peticaopublica.com.br/PeticaoVer.aspx?pi=P2011N8487 ).

Além do cuidado especial do naturalista Alexandre Ferreira em citar o nome de seu principal informante, notadamente no que se refere às primeiras explorações dos centros da ilha grande, através do interfluxo das bacias Anajás-Arari e da Contra-Costa; ele recolheu importantíssima informação do índio sacaca (aliás Iona, donde a corruptela 'Joanes' em língua portuguesa) batizado Severino dos Santos, sargento-mor da Vila de Monforte [aldeia de Joanes].  


Já mencionei em meu ensaio "Novíssima Viagem Filosófica" na Revista Iberiana: Belém, Secult, 1999; a hipótese de que o "Igarapé do Severino" no município de Cachoeira do Arari, que deságua no lago Arari em frente à vila do Jenipapo, no município de Santa Cruz do Arari; teve seu topônimo tirado do velho informante da "Notícia Histórica". Caminhos secretos para quem luta contra inimigos invasores de terras ancestrais ou planeia se vingar da opressão forasteira roubando gado orelhudo... É claro que as duas estações de chuva e estio na ilha do Marajó, como Denise Schaan observou judiciosamente para explicar a gênese dos sítios arqueológicos; são as causas ecológicas condicionantes da Cultura Marajoara e não foi por acaso que Giovanni Gallo escreveu o livro-reportagem "Marajó, a ditadura da água" e o romancista Dalcídio Jurandir deu título de "Chove nos campos de Cachoeira", romance seminal escrito ao vagar entre as ilhas do Parauaú nos Furos de Breves e reescrito na vila de Salvaterra (1939)... 

Paulo Nunes brilhantemente assinala a aqua-narrativa dalcidiana e Gunter Pressler realça o potencial turístico da flaneria na paisagem romanesca marajoara sob ótica da filosofia de Walter Benjamin, não para turistas medíocres mas sim verdadeiros viajantes do amanhã...  Ernani Chaves incursiona com Missunga no imaginário de "Marajó" (primeiro romance sociológico brasileiro segundo Vicente Salles) para mergulhar as próprias recordações de Soure nas profundidades da baía do Marajó... Vive-se nesta ilha-arquipélago cercado de água física e metafísica por todos os lados, inclusive por cima das cabeças com a chuva do Dilúvio e a eterna presença do Mar-Oceano bebido a grandes goles pelo ardente Sol equatorial que costuma atar a rede e adormecer no sítio Araquiçaua, sito à foz do rio Arari.  Portal imemorial para a utopia selvagem da Terra sem males no rio das amazonas: encontro de mitos fundadores d'aquém e d'além mar...

Os caminhos desta história feita e desfeita em águas que melhores guias se poderia achar, como Florentino Frade arranjou com o índio Severino Sacaca; que a ambos o sábio de Coimbra salvou do anonimato do mato sem cachorro?

Em suma, quando houver um roteiro turístico da Cultura Marajoara o lago encantando do Guajará, Igarapé do Severino, rio e lago Arari, Anajás Grande e Anajás Mirim, rio dos Camutins serão os primeiros a desvendar aos viajantes os seus segredos que a vaidosa Intelligenstia brasileira não quer nem ouvir falar para não deixar perturbar as relíquias barrocas com vãs estórias cabocas... Mas, o viajante que deseja descobrir novos velhos mundos que teria a dizer sobre tudo isto?

Parte da história oral do povo Iona (corruptela em 'joanes') se achava conservada pelo índio criatianizado, que o sábio de Coimbra fez questão de abonar na referida "Notícia Histórica", com ênfase nas rivalidades étnicas internas na própria ilha entre invasores Aruã (cerca de 1300 ou 1400, no esquema das fases arqueológicas) e decadentes povos "Joanes" deslocados dos centros da ilha grande para a costa da baía do Marajó; lamentavelmente ausente dos estudos amazônicos... Lamentamos a devastação da Floresta amazônica, mas sobre a destruição das culturas indígenas da Amazônia quase não se fala.

Não apenas o clima chuvoso e superúmido é algoz da arqueologia como a historiografia da região é pobre de fontes e a crônica colonial, seja pelos filtros do poder monárquico ou religioso, se apresenta eivada de falhas e omissões consideráveis. Além destes notáveis problemas há um grande hiato esquizofrênico entre historiografia e pesquisa arqueológica apenas paliada na virada deste século. 

A QUESTÃO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO EM PRIMEIRO LUGAR

A sociedade civil no arquipélago do Marajó, animada pelo retorno da democracia no Brasil em 1988 e, especialmente, pelo dispositivo da Constituição do Estado do Pará [§2º,VI, Art. 13] que, ao considerar as aproximadamente 1700 ilhas com mais de 500 comunidades locais como "área de proteção ambiental"; aponta -- ao bem-estar e especifidade da gente marajoara na qualidade de elemento primordial do desenvolvimento da região --, aprendeu a mobilizar-se para pressionar seus representantes políticos e autoridades municípais, do Estado e da União. 

A extensão universitária dessa época através da educação ambiental, notadamente no campus Marajó da UFPA (núcleos de Breves e Soure) com a realização anual dos chamados "Encontros em Defesa do Marajó" até 1995 e daí em diante continuada pela sociedade civil organizada no "Grupo em Defesa do Marajó" (GDM) até 2003, aproximadamente, foi ponto de partida para manifestação socioambiental da Igreja Católica (Diocese de Ponta de Pedras e Prelazia do Marajó), em 1999, como um grito contra a extrema pobreza do povo marajoara herdeiro de um passado pré-colonial admirável e a devastação da natureza agredida pela fome das populações tradicionais ribeirinhas. 

De certa forma, como o Papa João Paulo II pediu perdão aos Índios e aos Negros nos 500 anos do Descobrimento da América (1992), sete anos mais tarde os dois bispos do Marajó sem dizerem explicitamente a mesma coisa, por indireto modo também reconheceram o dever da igreja em gritar pelos pobres que antes eram ricos em seu original sistema de vida. Arruinado pela destruição das Índias, na célebre denúncia formulada por Las Casas.

Com base no documento eclesial marajoara de 1999, os bispos de Marajó e Ponta de Pedras foram atendidos pelo Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva, em 2006, que determinou à Casa Civil da Presidência da República, dirigida então pela ministra-chefe Dilma Rousseff, a criação do "Grupo Executivo Interministerial (GEI-Marajó) para acompanhar as ações institucionais na região e elaborar um plano de desenvolvimento territorial específico. Foi assim que surgiu o PLANO MARAJÓ (2007), complementado pelo Programa Territórios da Cidadania - Marajó (2008). 

Dentre as diversas atividades e projetos previstos para o período que vem de se encerrar (1010), acha-se o projeto de candidatura da APA-Marajó, citada acima, para reconhecimento pela UNESCO na modalidade de conservação internacional chamada reserva da biosfera. O Brasil tem seis reservas da biosfera: Reserva da Biosfera da Amazônia Central, Pantanal, Cerrado, Caatinga, Mata Atlântica e Espinhaço. A sétima viria a ser o bioma Marajó-Amazônia caso o projeto inserido no PLANO MARAJÓ prospere no período (2012-2016).

O dito PLANO MARAJÓ pode já comemorar o sucesso do Projeto NOSSA VÁRZEA de regularização fundiária de terras de marinha, pelo qual milhaes de famílias ribeirinhas foram tiradas da exploração de terceitos, auto intulados "donos" das terras da União, onde predomina o ouro negro extraído do fruto da palmeira Euterpe oleracea (o popular Açaí) de grande consumo pela população e em franca expansão no mercado de consumo nacional e internacional... Mas, pesa sobre as comunidades atendidas pelo projeto ameaça de que venha ocorrer um retrocesso no setor e a antiga dependência aos latifúndios privados restabelecidos... 

Lembramos que as Metas do Milênio da ONU terminam em 2015 e que o PLANO MARAJÓ, notadamente o Projeto NOSSA VÁRZEA que carece ser completado por planos de manejo coletivos, assistência técnica e crédito subsidiado pelo sistema FNO; está longe de ter atendido as mais prementes necessidades do povo, motivo da demanda iniciada nos anos de 1980. Com certeza, as comunidades do Projeto NOSSA VÁRZEA ficarão felizes se forem atendidas pelo programa Brasil sem Miséria e orientadas para o mercado em parceria com empresas conveniadas pelo Governo Federal e a Associação Brasileira de Supermercados (ABRAS).

A dificuldade de Brasília entender a Amazônia Marajoara não é maior do que o diálogo de surdos que se passa emtre a região-arquipélago e a capital do Pará ou do Amapá. Geoculturalmente falando, Marajó faz parte da área cultural guianense, que liga a foz do Amazonas ao Caribe através de Trinidad e Tobago (ver Ciro Flamarion Cardoso em "Guyane Française").

O programa federal Calha Norte, corretamente, inclui o arquipélago do Marajó na grande área fronteiriça do sub-continente das Guianas. Desta maneira, queremos sublinhar a importância da Reserva da Biosfera Marajó-Amazônia, no programa da UNESCO "O Homem e a Biosfera" como facilitador para projeto de preservação e aproveitamento de sítios arqueológicos da primeira cultura complexa da Amazônia - a Cultura Marajoara de 1500 anos de idade - em atividades para educação, ciência e cultura aplicadas ao desenvolvimento da gente marajoara, expressamente preconizado na Constituição do Estado do Pará (dispositivo supracitado relativo à APA-Marajó ora em proposição para reserva da biosfera).

UMA TENTATIVA CRIATIVA

Oficiosamente, através de amigos, em 2011, o Museu do Quai Branly recebeu um exemplar da obra "Cultura Marajoara" de autoria da arqueóloga brasileira Denise Schaan. Neste livro um capítulo sumamente importante descreve o trabalho do padre Giovanni Gallo para criação d'O  Museu do Marajó: sem dúvida, o primeiro ecomuseu brasileiro "avant la lettre"...

Especialistas do museu francês, que detém posse de coleções de cerâmica marajoara que se achavam antes no Museu do Homem, estão sensibilizados para o fato de que, em algum momento no futuro, estas e outras coleções oriundas de terceiros países terão que ser repatriadas...

Com realismo, hoje para um ribeirinho analfabeto e sem futuro este assunto não causa nenhum interesse. Mas, para os filhos e netos deste mesmo excluído; caso o tão falado e esperado PLANO MARAJÓ escape do destino ingrato de seus precedentes; há de fazer toda diferença... Então, as atuais lideranças devem ficar atentas para a pressão crescente à inclusão social que não pode se reduzir apenas à comida e a um ensino de terceira categoria.

Já não se pode mais tapar o sol com peneira, escondendo a manifesta má vontade das elites para com o patrimônio do barro ancestral em vantagem da pedra colonial. O IBRAM se quisesse poderia propor parceria ao Museu do Quai Branly sobre a cerâmica marajoara mediante intenção de preparar o Museu do Marajó, no futuro, a receber de volta ao Marajó aquele acervo. Assim também outros museus, inclusive brasileiros que deveriam ser os primeiros a se interessar pelo assunto, em especial o Museu Paraense Emilio Goeldi (MPEG). Todos desejosos em colaborar ao desenvolvimento humano duma gente amazônica cujos ancestrais inventaram a primeira civilização no neotrópico. 

Se o povo marajoara já deu provas de resistência, então falta agora a suas lideranças uma iniciativa de solidariedade insofismável. Quem pegará a luva lançada mais umas vez em desafio?
 

domingo, 1 de janeiro de 2012

2012, ANO MUNDIAL DA CRIANÇA: UNESCO, CADÊ A RESERVA DA BIOSFERA DO MARAJÓ QUE DEVIA ESTAR AQUI?

A arqueologia da Bacia Amazônica é uma das mais
fascinantes do mundo. Os primeiros humanos a
adentrarem o território o fizeram há 11.200 anos. Eles
eram caçadores coletores não-especializados que viviam
em abrigos sob rocha, onde deixaram belas pinturas. Com
o decorrer do tempo, formaram-se aldeias e depois
grandes cacicados. Antes da chegada dos europeus ao
continente a Amazônia estava densamente ocupada por
diversos tipos de sociedades que transformaram de
maneira indelével a paisagem da floresta tropical. Esse
site conta a história da ocupação humana da Amazônia e
traz novidades sobre as atuais pesquisas na região. 

Ver www.marajoara.com







Criado por nise Schaan
Foto: Nigel Smith



 já vamos para 9 anos pedindo e esperando a RESERVA DA BIOSFERA DO MARAJÓ. Seria o reconhecimento internacional da Área de Proteção Ambiental do Arquipélago do Marajó (APA-Marajó), que o parágrafo 2º, VI, artigo 13 da Constituição do Pará determina.

Justiça seja feita! O governo do PT moveu uma palha e tirou do papel - onde jazia desde 1989 - a APA-Marajó, a SEMA fez a Diretoria de Áreas Protegidas (DIAP) criar grupo de trabalho para preparação da candidatura da reserva da biosfera, que foi a campo e saiu o Parque Estadual Charapucu com intenção de vir a ser área-núcleo da RB Marajó...

Mudou-se o governo do PT, que andou neste sentido com a rapidez de uma tartaruga; para o PSDB que antes fizera ouvido de mercador para Marajó e dera fogos de artífício à preservação ambiental do Baixo Amazonas...

reina silêncio ensurdecedor sobre o processo de candidatura da Reserva da Biosfera Marajó-Amazônia e vem aí a Rio+20 onde deve ser enviada a costumeira delegação com passagens e diárias de turismo burocrático com dinheiro do Zé Povinho esperançoso de sempre... 

Oh as eleições de 2012 seriam uma chance de politizar o tema... Mas, quem vai falar dum assunto "cabeludo" como este que os ilustres Representantes do Povo não sabem e têm raiva de quem sabe?...  Tá feia a coisa, caboco!