quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

DE VOLTA AOS NOMES AUTÓCTONES DOS MUNICÍPIOS MARAJOARAS?

canhão do forte de gurupá, Por heron de sousa coelho
canhão do forte de Gurupá, por Heron de Sousa Coelho


UMA PROVOCAÇÃO DAQUELAS...

A foto de Heron de Sousa Coelho, que ilustra este comentário, merece reflexão especial sobre a história da região paraense do Marajó. O frio canhão do forte de Santo Antônio de Gurupá nunca disparou um único tiro para afugentar o inimigo: porém ele reafirma a presença do conquistador do rio das Amazonas... E alguém menos atento pode logo repisar o sabido nos compêndios, dizendo sim o capitão-mor do Grão Pará, Bento Maciel Parente, no ano de 1623...

De fato, Gurupá é o mais antigo lugar do Marajó envolvido na guerra de expulsão dos holandeses e britânicos que se haviam infiltrado na região desde cerca de 1599, segundo Arthur Cezar Ferreira Reis. E estes são os dados da época. Porém, há mais coisas ligadas ao lugar do que sonha nossa vã historiografia...  

O pouso do sol rio acima, por exemplo: na etnologia tupi "o lugar onde Guaracy (mãe dos viventes, o astro do dia) ata rede para dormir". O araquiçaua...

Na segunda década do século XVII, quando houve a tomada dos fortins de Nassau e Orange, no Xingu; e de Mariocai nas ilhas do Marajó, aos holandeses ninguém sabia que por estas paragens milhares de guerreiros Tupinambá haviam passado (pelo menos a grande migração de 1538, conforme relato do mameluco Diogo Nunes, in "O Novo ´Éden", de Nelson Papavero et. al.) e chegando ao rio Solimões foram parar no Peru.  Cinco anos antes da famosa viagem de "descobrimento do rio das amazonas" (1542) por Francisco de Orellana...

Esses índios vieram de Pernambuco pelo sertão e, certamente, chegando às margens do Tocantins desceram o rio até o Pará para entrar e subir o Amazonas: não sem luta, antropofagia e dura resistência armada de zarabatana e flechas envenenadas dos "malvados" Marajós ou Nheengaíbas... O mameluco que relatou o caso não sabia dizer qual foi o percurso daquela gente andeja, sendo que ele mesmo descendente e parente daqueles havia saído de Piratininga (São Paulo) subindo os Andes pelo caminho dos íncas, chamado Peabiru. 

Ora, só mais tarde com os trabalhos dos etnólogos [a partir de 1920, com Nimuendaju, Métraux, Florestan Fernandes...] pôde-se compreender o motivo das migrações messiânicas dos Tupinambás em busca de uma utopia selvagem, o mito da Terra sem mal. A qual inicialmente da região do Chaco paraguaio para o litoral do Brasil deveria ser encontrada onde o sol nasce. E, certamente, na impossibilidade de chegar em alto mar depois de costear o Atlântico até a Paraíba e nas condições dramáticas com a colonização e escravidão dos índios no Nordeste, a partir de 1530, voltou-se para o poente sempre em busca do lugar mítico onde não há Fome, Trabalho escravo, Doenças, Velhice e Morte... Desejo comum de toda humanidade em qualquer tempo ou lugar do mundo.

Eis que o canhão mudo do sereno forte de Gurupá - sem saber - mira no horizonte o sol poente - o "araquiçaua" - rio acima! Se o povo soubesse o que faria?

Em primeiro lugar, o historiador de hoje há de tomar consciência de que sem índios Tupinambá não haveria o milagre da tomada de Gurupá que os frades de Santo Antônio atribuíram ao padroeiro da sua ordem. E que os militares portugueses julgaram justo agradecer aos ditos religiosos o prodígio do recrutamento de milhares de índios animosos para a guerra desde ao primeiro chamado acudindo com canoas, remos, víveres, arcos e flechas para a guerra de expulsão aos Hereges... 

Santa ignorância da religião dos Tupinambás!

Ora, se os poucos e desmunidos portugueses, sob a soberania da Espanha durante a União Ibérica (1580-1640), levaram tempo para tomar São Luís do Maranhão (1615) e fundar Belém-PA (1616) desde Olinda-PE foi por que estavam os ditos Tupinambás amigos dos "mair" [louros, franceses] e inimigos dos "perós" ["papagaios", portugueses]. A virada para conquista do rio das Almazonas (sic)  deu-se, entretanto, pelo cunhadismo em Jaguaribe (Ceará), quando a filha do murubixaba Jacuúna, a índia Paraguassu se amasiou com o cristão-novo Martim Soares Moreno... 

PRA QUE SERVE O NOME DOS LUGARES?

A toponímia funciona como senha de acesso ao passado do território. Com a paciência beneditina de Vicente Salles viemos a saber que Afuá é nome africano... Qualquer criança que tiver acesso a buscador na internet poderá ver que Afuá é nome de pessoa em diversos lugares na África. O que nos faz pensar num nome de mulher à origem do lugar na ilha do Marajó, perdido no passado. E quanta bobagem se inventou para explicar o nome desta "veneza marajoara"? Temos outra em São Sebastião da Boa Vista... Até o ruído de respiração dos botos foi alegado, dizendo os cabocos que o tucuxi faz "fuá" quanto vem à tona... 

Se você apaga a senha do lugar como então irá abrir o arquivo da memória territorial? Mas, foi isto deliberadamente que foi feito, para apagar nomes de aldeias "elevadas" à categoria de vilas e lugares de Portugal. Um exemplo: peça a um estudante do município de Salvaterra-PA que diga a data de criação deste município e ele, corretamente, dirá o que aprendeu com a escola, o ano de 1960... Todavia, donde vem este nome? Quem assim chamou ao lugar? E antes havia ocupação humana ali? Não saberá dizer... No entanto, uma breve pesquisa dirá que existe na Espanha, região da Galícia; a mais antiga Salvaterra [Salvaterra de Miño / do Minho] e em Portugal Salvaterra de Magos... Desta última veio o nome para apagar a aldeia missionada dos índios aruã vizinha à aldeia de Joanes [na verdade, dos Iona ou Sakaka], que na onda pombalina passou a vila de Monforte.
Ora, com que diabos veio parar no Pará velho de guerra um nome destes? E logo se saberá que foi fruto da ditadura do Marquês de Pombal a fim de apagar todo vestígio do trabalho de seus ininigos políticos e ideológicos, os Jesuítas expulsos do reino inteiro (1760). Depois de duzentos e tantos anos a população seja de Soure, Salvaterra, Chaves ou Curralinho não quer mais saber de conversa para trocar de nome e "voltar" às origens... 

Porém nem todos foram assim. A exemplo de Maracanã que foi no rol do ditado imperial de 1758 e teve que se chamar Cintra (sic) sem ter nada a ver com a cidade portuguesa de Sintra, patrimônio da UNESCO. Ou a briosa Curuçá que retomou seu nome histórico depois de ter que ser chamada de Vila Nova da Rainha, por mero capricho do governador da hora, irmão e mentor do Marquês... Há outros exemplos no estado do Amazonas, com o caso de Itacoatiara que foi obrigada a se chamar de Silves, e Maués que sacudiu fora a toponímia colonial de Luzéia...

Eis os nomes de lugares que havia em Marajó antes do ditado de Pombal: Chaves era a aldeia dos Aruans; Salvaterra já dissemos; em Soure habitaram os "Maruanazes", que se deve escrever modernamente Maruaná; a vila de Monsarás era aldeia Cayá; Melgaço foi Aricará, Portel era Arucaru; Curralinho foi algum tempo engenho de Maruaru, um nome certamente mais valioso do que uma figurinha, pois vestígio de linguas aruaques extintas; Oeiras era aldeia Araticum.

O caso de Oeiras do Pará é mais curioso, pois aqui houve acontecimento semelhante ao de Curuçá e Maracanã com o município retomando a antiga toponímia suprimida ditatorialmente... Mas, os habitantes envergonhados do nome autóctone por deformação da tradição indígena e corruptela o povo passou a dizer "Araticu" e tirar indevidamente ilação chula do nome da planta nativa "araticum" [nome científico Annona crassiflora. Família: Anonáceas, donde se acha a graviola]. Assim, a velha aldeia Araticum que passou a vila de Oeiras e voltou já capenga como "Araticu", acabou ficando Oeiras do Pará, pois que já existe a Oeiras-PI.


QUE DIZEM OS PORTUGUESES SOBRE OS NOMES DE SEU LUGARES?

Aqui uma cópia de blogue de uma professora em Portugal, só para dar o que pensar do desinteresse acadêmico a respeito do assunto no Pará: "Quando falamos de Património Histórico, devemos lembrarmo-nos que não são não só os monumentos, as pedras, a cultura material. Existe todo um leque de elementos patrimoniais, que, por vezes, não se distinguem, mas que fazem parte do nosso dia a dia.
Este preceito encontra-se patente na Lei de bases da política e do regime de protecção e valorização do património cultural, que prevê a protecção e classificação do património áudio-visual, fonográfico...
A toponímia é, certamente, um desses elementos, uma vez que corresponde ao enquadramento cultural, a percepção que o Homem possui do território que o rodeia. Corresponde à identificação das áreas, evidenciando a memória colectiva sobre um determinado espaço ou um acontecimento.
O seu estudo permite a compreensão dos valores e das tradições de um povo. Veja-se, por exemplo, o caso da toponímia nos Centros Históricos, principalmente aquela que recua ao período medieval. A sua análise permite-nos compreender melhor a organização socio-geográfica destes espaços, com ruas evidenciando ofícios, como a Rua dos Ferreiros. Estas referências denunciam uma necessidade de organização geográfica da população no interior dos perímetros muralhados. 

A toponímia medieval, actualmente aduzida sobretudo pelas fontes históricas, permite-nos ainda conhecer alguns dos edifícios existentes, de tal forma organizadores da malha urbana, que faziam parte da toponímia. Como confirmou a investigação histórica, o seu estudo permite a identificação e localização desses imóveis, por vezes escassamente referidos nas fontes, mas que organizavam o urbanismo da cidade e o quadro mental dos seus habitantes: Hospitais, Paços Reais, albergarias.


Por outro lado, a toponímia surge como um meio de auxílio na investigação arqueológica, permitindo a identificação de sítios. A referência a castelos, como "Alto dos Castelos" poderá remeter para um povoado, ou Calçada do Rei Heródes uma calçada antiga.


Os topónimos obtêm-se pelas cartas militares, onde é possível fazer uma análise preliminar, que implica uma deslocação ao local para confirmação. Por outro lado, a micro-toponímia, muitas vezes transmitida pelas populações locais, é também um precioso auxiliar na investigação.
Para além de permitir a identificação de estações arqueológicas, a micro-toponímia permite-nos compreender a importância desses sítios para as populações, ficando na memória colectiva a identificação que fazem desse local e a existência de elementos que não compreendem. Certamente o seu estudo é uma mais valia no conhecimento da memória colectiva dos povos."

Não devem nossas autoridades imitar o ditado de Pombal e suprimir um nome de município só porque lhes desagrade a botinada colonial. Entretanto, ao incentivar e disponibilizar aos munícipes a história dos acontecimentos do século XVIII, caso queiram, democraticamente, os próprios cidadãos seguir o patriótico exemplo de Curuçá e Maracanã; que não se façam de rogadas nem coloquem obstáculo para uma mudança de tamanha importância para a auto-estima e identidade do povo.

sábado, 10 de dezembro de 2011

IDENTIDADE DA TERRA DA GENTE: UM DIREITO HUMANO

Hoje, 10 de dezembro, mais um ano se passa daquele dia em que homens e mulheres reunidos na Cidade Luz, em nome de toda humanidade,proclamaram a DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS [ ver http://pt.wikipedia.org/wiki/Declara%C3%A7%C3%A3o_Universal_dos_Direitos_Humanos ].

Até lá, atraves de um longo processo dialético onde necessidade e acaso elegeram o Mito e a Ciência como país da História, o homem lobo do homem e de todos mais seres vivos chegou ao ponto que parecia máximo: duas grandes guerras mundiais, ao estúpido custo do Holocausto e do terror atômico e sacrifício humano de Hiroxima e Nagasaki. Então, para muitos, o concerto de Paris parecia o fim da história do império da cobiça internacional e violência das nações.

Na verdade, era só uma breve pausa no curso da violência que pariu a História. A continuidade milenar (milenar, note-se! Os últimos 500 anos são apenas o paroxismo do processo dos antigos Descobrimentos dos confins da Terra-Mãe, esse universal drama de Édipo cujo codinome contemporâneo é "Mudança Climática"... O climatério de Gaia) da destruição das Índias orientais e ocidentais - despedaçadas pela luta eterna entre o Bem e o Mal - , em maior parte causada pela violência da "besta loura" ariana liberada de seus medos ancestrais pelo deicídio; conforme Nietzsche falou pela boca de Zaratrustra anunciando a morte de Deus. Ou Natura, segundo a ponderada reflexão do judeu renegado Baruch de Espinoza, possibilitando transferir do mitológico plano astral a contenda para a realidade da luta renhida da vida no interior de cada indívíduo dotado de razão e consciência. Isto é, ciência com os outros...

Como diria o pai da Negritude, o poeta/profeta Aimê Cesaire; a história do Homem vem apenas de começar: e todos nós de alguma maneira precisamos "retornar ao país natal" para o empoderamento mundial da Terra sem Mal (digo eu, por enxirido e preocupado com as novas gerações)... A re-evolução do Bem Comum segundo as boas novas profetizadas por João Batista ("voz que clama no deserto") e Jesus de Nazaré (o "Sermão da Montanha", o primeiro manifesto comunista) está a começar fazer sentido no coração e na mente da humanidade filha a animalidade (merci Teillard de Chardin; merci Edgar Morin).

De médico e de louco cada um tem um pouco (ave, o alienista Machado de Assis!). De poeta e profeta, idem. É tempo de reler Marx e Engels sem medo nem preconceito: pelas margens da internet e do acampamento "Occupy Wall Street": de fato, já não dá mais para correr para o mato que nem antigo quilombola e refazer um reinado afro-americano em cada canto. Mas, convenhamos, 1% de ricos (40 do PIB planetário) contra 99% de pobres otários e proletários do mundo é um pouco excessivo para falar em Civilização, "Homo sapiens" essas pavulagens por aí...


Um milhão de aldeias solidárias pelos elos achados e perdidos da Aldeia Global, muito bem. Mas, com banda larga e economia solidária para todos!

Eu tenho um sonho! Cada um e cada uma assumir lá a personalidade que quiser. Adotar a nacionalidade que lhe convenha ou não ter nenhuma, assinar o nome que preferir como identidade de uma pintura corporal amadurecida pelo tempo. 

Gosto do costume dos eslavos que chamam as crianças pelo nome de seus pais, até que na idade adulta a pessoa escolha o próprio nome. Na minha terra embora os país coloquem nomes de família e batizem os filhos conforme o calendário de santos da igreja, na maioria das vezes o que se ouve na rua é alguém dizer "o filho de fulano" ou "a filha de sicrana"... Acho correto os evangélicos batizar somente adultos, ao contrário dos católicos e judeus. Estes principalmente, que por arraigada tradição praticam a circuncisão em tenra infância. Um amigo meu, judeu de nascimento, muito galhofeiro dizia que os judeus são sobretudo otimistas, pois não sabendo o que o futuro reserva aos meninos começam logo cortando fora um pedaço do pinto...


Com certeza sou cristão-novo de três costados: três, pois por um lado sou neto de índia marajoara. Por parte da mãe de meu paí, que morreu de parto ao dar nascimento aquele que foi autor de meus dias. Quando nasci, meu pai queria me dar nome grego, Oreste; minha mãe muito católica queria me batizar como o nome do santo do dia, são Serapião... Com tal nome seria eu peão de fazenda ou de obra? Mamãe queria um filho padre e eu sou filho único. São Serapião, o Escolástico; era um monge egípcio erudito com fama de muito inteligente. Na verdade, o que a devota queria era um santo, não um erudito: pois, nem o pagão Oreste nem o convertido egípcio, apresentaram-me à pia da igreja da Santíssima Trindade como recepiandário do Santo Espírito com nome da sagrada família 'Jesus José Maria'... Salvou-me do mico batismal o pâroco Miguel Inácio. Guardei-lhe o nome como o de um amigo do peito. Por um triz eu seria apelidado "Sagrada Família". Como diria o doutor Gaiarsa [psiquiatra José Angelo Gaiarsa], "mamãe é um perigo!"... 

Tem mais, o cartorário por conta própria acrescentou um "l" a mais no nome galego de minha familia Varela, e fiquei assinando "Varella" para evitar confusão no registro civil, Pereira por fim, nome do avô Alfredo Nascimento Pereira, da vila de Benfica, colônia de Benevides, foi professor primário em Muaná e Ponta de Pedras onde casou com a aluna indígena, minha avó Antónia Silva, nascida na aldeia de Mangabeira; provavelmente descendente da gente do Vilar (antiga aldeia dos "Guaianazes", na grafia de Alexandre Rodrigues Ferreira, na "Notícia Histórica da Ilha Grande de Joanes, ou Marajó", Lisboa, 1783; ou "Guaianases" conforme o Padre Antônio Vieira em carta à regente de Portugal dona Luísa de Gusmão, citada por Serafim Leite, na "História da Companhia de Jesus no Brasil" e também na "História do Futuro".

Se tenho algo especialmente a agradecer ao meu avô Pereira é o hábito de leitura que, com mais ou menos gosto, praticamente todos membros da grande familia marajoara cultuam até hoje, ainda mais acentuado com a literatura de um destes parentes, de longe o mais ilustre, tio Dalcídio José Ramos Pereira, dito Dalcídio Jurandir. Este um, em especial, deu mostras de que cada um deve ser livre de escolher o nome próprio: o primeiro registro feito no Cartório Malato (Ponta de Pedras, janeiro de 1909) foi declarante o tio materno Manoel Ramos em cuja casa, no Campinho, dona Margarida Ramos deu a luz a uma criança do sexo masculino que ficou sendo "Darcídio José Ramos"... Com o posterior casamento dos país e reconhecimento do filho, o nome ficou sendo "Dalcídio José Ramos Pereira". Meu avô tinha mania de inventar nomes peculiares para os filhos... Sofia Tautonila, Laudelina Diva, Octaviano Celso, Ritacínio, Anaspiano, Adeflorido dentre outros que a memória já não me ajuda.

Então, Darcídio José ou Dalcídio José decidiu que adotaria como seu o nome indígena "Jurandir" (de Jurandi) que significa "aquele que veio da luz ou que traz a luz". Não por acaso, no discurso de recepção pelo prêmio "Machado de Assi" de 1972, na Academia Brasileira de Letras, o acadêmico Jorge Amado chama o mulato Dalcídio Jurandir de "índio sutil". A referência à origem marajoara da literatura dalcidiana é óbvia.

Mas, justamente os índios têm nomes "secretos": seu por uma parte a pintura corporal é como uma "carteira" de identidade, o nome íntimo da pessoa é um segredo que só os país, o pajé e uns poucos da mesma família podem saber. E portanto, de maneira semelhante como os judeus "convertidos" cristãos-novos guardavam no fundo da memória o nome dos antepassados até o seio de Abraão; os "índios" do novo mundo adotaram diversos nomes como quem troca de camisa conforme as circunstâncias. De todas as nações americanas chamou atenção as de cultura e línguas Aruak algumas vezes chamados "os gregos" ou "os judeus" da América pré-colombiana. Mitologias poderosas que reinventam tempos e espaços mundo afora...

Que seria da realidade e da História sem os mitos fecundadores? O mito Wayana de Tuluperê, a cobra grande astral; estudado por Lucia Hussak Van Velthem; lembra o mito hindu da serpente cósmica Oroboro. Vieira, condenado pelo Santo Ofício por heresia judaizante, foi influênciado aparentemente pelo rabino português da comunidade sefardita de Amsterdam, Menassé Ben Israel, batizado catolicamente Manoel Dias Soeiro na ilha da Madeira; fustiga a cegueira dos outros e ele também não viu tantas coisas interessantes que hoje a arqueologia e antropologia estão revelando naquela ilha dos "Nheengaíbas", afinal Nuaruaques, que ele celebrizou.

Ora, dona Maroca: a ilha da Madeira não é brincadeira na teoria do segredo que até faz medo: Salvador Colombo foi donatário dela e Cristóvão aprendeu artes náuticas por ali às escondidas talvez; Menassé sonhava encontrar nas Américas as "Tribos Perdidas do cativeiro da Babilônia"... Escreveu um livro chamado "As Esperanças de Israel"... Vieira que passou com ele vários dias a negociar uma solução política para os judeus portugueses e o reconhecimento da independência de Portugal, em abril de 1659 em preparativos para a pacificação das ilhas do Marajó (27/08/1659) escreveu a caminho de Cametá a célebre carta secreta ao bispo do Japão, chamada "As Esperanças de Portugal"... Puro messianismo sebastianismo, com a frase que o levou direto à Inquisição "Bandarra é verdadeiro profeta"... Bandarra queria a ressurreição de Dom Sebastião na pessoa de Dom João Vi, Vieira queria que Dom João ressuscitasse em seu sucessor (aliás, nem ressucitou como também o herdeiro Dom Alfonso Vi foi um estrupício, inclusive liquidando com os protegidos nheengaíbas do Payaçu mediante doação da ilha ao seu secretário de estado que foi o patriarca dos barões da Ilha Grande de Joanes, ou Marajó).


O historiador Ronaldo Vainfas, na "Heresia dos índios", relata o interrogatório do visitador do Santo Ofício no qual um índio acusado de heresia dizia: "Deus fez o homem para dormir e sonhar"... Quanta verdade aí! São os sonhos da vida que fazem o mundo girar e os pesadelos que o fazem parar (Galileu Galilei que o diga...). Uma vez, na juventude, sonhei estar voltando à minha aldeia natal à margem de um desconhecido rio: nunca fui tão feliz como naquele breve sonho, eterno até o momento em que despertei e me achei de novo no mesmo mundinho absurdo de sempre. 

Como um discípulo do zen (no caso, zen-bubuia) ainda me pergunto até hoje: a realidade é quando a gente esta acordado fugindo de bala perdida e lutando para sobreviver, ou quando se está dormindo e sonha com a Terra sem males?


Viajando nas águas passadas, muitas vezes constatamos que elas movem moinhos. E, com isto, dá vontade de mudar a pele como a Tuluperê dos rios, cobra grande dos cabocos ribeirinhos; a fim de fazer renascer a vida "eterna" enquanto dura. Tomar nome de acordo com o coração...

assinado, o caboco José Varela Wayana, paresque (aliás, José Maria Varella Pereira no cartório).

 

  José Varella, Belém-PA (1937), autor dos ensaios "Novíssima Viagem Filosófica", "Amazônia Latina e a terra sem mal" e "Breve história da Amazônia Marajoara".