domingo, 30 de dezembro de 2012

lembranças para agenda marajoara 2013

Fotos do Nascer do Sol - Supercomentario.com.br
nascer do sol na baía do Marajó


O sol há de brilhar mais uma vez
A luz há de chegar aos corações
Do mal será queimada a semente
O amor será eterno novamente
É o juízo final
A história do bem e do mal
Quero ter olhos pra ver
A maldade desaparecer.

     Juízo Final / Nelson Cavaquinho e Elcio Soares

Já é tempo de saber que, antigamente, o alto curso do Sol [Guaracy, "mãe dos viventes"] guiou o Bom Selvagem tupinambá em demanda da Terra sem Mal [Yvy Marãey] desde o Sul até o Norte do Brasil. Utopia seminal guarani à procura do sítio encantado chamado "Araquiçaua', onde o sol ata rede para dormir: espécie de jardim do Éden indígena onde não há fome, trabalho escravo, doença, velhice e morte. É certo que este sonho, por diferentes versões, é característica das esperanças de todo mundo e, por contradição, a procura do Bem e de bens fez Males sem fim... Mas, enfim, o que a magia nem a conquista brutal não podia achar na guerra; pela paz a ciência e tecnologia, pouco a pouco, vai desvendando.

Tanto isto é verdade, que a humanidade em busca de segurança e paz criou a Organização das Nações Unidas (ONU) e estas mesmas nações convencionaram entre si políticas de soberania alimentar contra a Fome; a Organização Internacional do Trabalho (OIT) luta contra o trabalho escravo em todas as formas; multiplicam-se programas mundias de Saúde; e a proteção aos idosos confronta avanços da expectativa de vida; sem esquecer a pletora de invenções humanas para vencer a Morte. Tal é o fundamento progressivo do desenvolvimento humano, medido por diversos índices dentre os quais o IDH se tornou como um troféu mundial.

Mas o Brasil, que tanto deve ao mito tupi-guarani casado por necessidade e acaso com crenças do velho mundo; só muito tarde ouviu falar desta original invenção sul-americana e ainda está longe de dar o lugar que ele merece na geografia nacional; depois de ter escravizado e dizimado os Povos Originais da brasilidade. O bravo Povo Brasileiro pouco sabe de sua própria história. O  fato de que deu-se muita guerra através de inúmeras vidas e mortes, pelo arco das gerações, no parto da invenção do Brasil fundindo no espaço conquistado a grande nação feita de diversos povos d'aquém e além Mar.

Última fronteira da mítica Terra sem Mal, o antigo estado do Maranhão e Grão-Pará sob bandeira ibérica; foi o verdadeiro presépio da invenção da Amazônia, consumada pelo sebastianismo na construção ultramarina de Feliz Lusitânia em -- inconsciente -- aliança entre armas de barões assinalados e arcos e remos de índios encapetados sem os quais a história seria outra. Uns e outros aliados a querer conquistar as ilhas dos bárbaros Marajós soberbos e indiferentes, posto que ignorantes do empolgante mito da Terra sem Mal e da intrigante missão da salvação universal das "Almazonas" (sic), segundo a  doutrina dos auto-denominados civilizados.

Na boca do maior rio da Terra, o grande arquipélago do Marajó ainda guarda segredo da ecocivilização amazônica, a desafiar o Bom Selvagem e seus aliados: como a dizer, DECIFRA-ME OU DEVORO-TE... Tal qual o velho Nilo pela boca da Esfinge, o novo Amazonas do  alto dos 1500 anos de Cultura Marajoara contempla a infantilidade de seus ávidos conquistadores... Vexados pela pobreza a que foram reduzidos na conquista do "rio das Amazonas"; os marajoaras estão prestes a desaparecer levando para sempre os últimos clarões de antigos sóis e luas de um conhecimento milenar imerso já no crepúsculo. Depois do fim deste mundo, poderá até haver sobre os campos uma nova Holanda ou várias Cingapuras; porém terá acabado para sempre aquela velha Terra sem Mal procurada por profetas caraíbas e antevista entre miragens do fantástico Araquiçaua, no Marajó; desde as margens meridionais do Pará, da Ilha do Sol. 

A invenção da Amazônia de fato exigiu quarenta e quatro anos de guerra até a bandeira de Portugal ser içada sobre as águas do Amazonas; além fronteira de Tordesilhas na baía do Marajó repartida entre Sua Majestade Fidelíssima e os Reis Católicos. Estamos falando dos direito do estado colonial, pelo qual a antiga terra dos Tapuias conquistada pela nova aliança luso-tupinambá no bojo da União Ibérica; teve esboçado seu futuro perfil nacional e internacional.  Jamais vencidos na guerra, os marajoaras foram rápidos em aceitar as pazes com os portugueses, aparentemente desvantajosa para eles; senhores de suas ilhas e sempre em amizade de comércio com os estrangeiros das Guianas e Antilhas. Mas os historiadores não cogitam sobre estas coisas nem perguntam a respeito das motivações das mais antigas migrações das Ilhas para a  Terra firme, acham eles comodamente que alguns sermões pregados em Nheengatu e uns poucos canhões silenciosos no forte do Presépio, Santo Antônio de Gurupá e fortaleza de São José de Macapá foram bastantes para operar a teoria do milagre.

INVENÇÃO DO FUTURO

Os oito países da OTCA, mais a região amazônica francesa, tem um encontro com o futuro. Entretanto, o maior país amazônico do mundo em 400 anos ainda desconhece a Amazônia profunda. A Amazônia Marajoara é a joia da coroa.

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

ANIVERSÁRIO DO GDM


memorial da Cabanagem (obra de Oscar Niemeyer em Belém do Pará)


No dia 20 de dezembro de 1994, há 18 anos; na Pro-Reitoria de Extensão da Universidade Federal do Pará; UFPA um pequeno grupo de quixotes sob batuta do Pro-Reitor Camilo Vianna, reuniu-se para organizar o décimo "Encontro em Defesa do Marajó", que aconteceu na cidade de Ponta de Pedras, no ano seguinte.

Os encontros tiveram início com o professor Marcondes Magalhães no campus Marajó da UFPA levando atividades de educação ambiental à rede escolar da ilha. Camilo, por sua vez, foi pioneiro do CRUTAC no Marajó e tendo chegado à Pro-Reitoria impulsionou os ditos encontros com participação da SOPREN inclusive.

Assim surgiu a ideia de tornar os encontros anuais em atividade permanente e alargar a atuação para além da educação ambiental com voluntariado ali batizado, desde então, de Grupo em Defesa do Marajó (GDM). Em reunião realizada no auditório "Braz de Aguiar" da Primeira Comissão Demarcadora de Limites (PCDL), o GDM recebeu adesões significativas dentre a sociedade marajoara e paraense. Citando de memória, com risco de esquecimento; lá estiveram além do decano dos ambientalistas amazônicos Camilo Viana, o pesquisador do Museu Goeldi Horácio Higuchi; Hildegardo Nunes, Teo Azevedo, Franklin Rabelo, Ruy Maroja, Elói e Alonso Lins muitos outros.

O décimo e último "Encontro" começou no CENTUR em Belém, no dia 28 e encerrou-se em Ponta de Pedras no dia de aniversário do município, 30/04/1995, com assinatura da Carta do Marajó-Açu contando com a presença dos prefeitos municipais Pedro Lucena, de Cachoeira do Arari; e Bernardino Ribeiro, de Ponta de Pedras. 

Este documento nós consideramos como resultado direto da extensão e interiorização da UFPA no Marajó, malgrado as autoridades acadêmicas seguintes não terem dado mostra de reconhecimento do trabalho realizado e apoio para consolidá-lo. 

Um dos resultados práticos do referido documento foi a SECULT convocar logo após ao encontro de Ponta Pedras reunião em Belém com participação do GDM, Museu do Marajó, Museu Goeldi, Ministério Público e Polícia Federal afim de coibir contrabandos de cerâmica arqueológica e extração ilegal de peças dos tesos na ilha do Marajó. 

Era opinião generalizada que sítios arqueológicos achados em terras de fazenda de criação de gado pertenciam ao proprietário. Então a SECULT, em atendimento ao GDM, fez esclarecimento da população através da imprensa e detentores de peças e coleções foram advertidos de que se encontravam, juridicamente, de posse de bens da União sob condição de fiel depositário.

No ponto de vista histórico das demandas da comunidade marajoara a Carta em apreço deve ser situada como base para o documento eclesial de março de 1999 denunciando a extrema pobreza da população; quando os bispos da Diocese de Ponta de Pedras e Prelazia do Marajó o assinaram com apresentação de representante do GDM, como poderá ser eventualmente verificado.

Como sabem observadores do panorama socioambiental das ilhas, o supracitado documento social da igreja católica foi justificativa da demanda popular da qual os bispos foram porta-voz junto ao Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva; resultando desta demanda a criação do Grupo Interministerial de Acompanhamento de Ações no Arquipálago do Marajó (GEI-Marajó), em 2006, na Casa CiviL. 

Do GEI-Marajó em parceria federativa com o Estado do Pará, Municípios e sociedade civil; saíram o Plano de Desenvolvimento Territorial Sustentável do Arquipélago do Marajó (PLANO MARAJÓ), Projeto NOSSA VÁRZEA de regularização fundiária de terrenos de marinha; em 2007; e Programa Território da Cidadania - Marajó. Um conjunto de políticas públicas que, se na verdade, ainda deixam a desejar; criaram precedente apontado ao rumo que doravante deve ser perseguido até o que determina o Parágrafo 2º, da alínea VI, do Artigo 13 da Constituição do Estado do Pará concernente à inclusão socioeconômica da gente marajoara no desenvolvimento regional.

O GDM ao longo destes dezoito anos recusou papel formal de "fazedor de coisas"... Posto que deliberou no sentido de "não fazer nada", para em qualidade de cidadãos voluntários cobrar ação dos que foram eleitos e pagos para fazer devidamente as coisas de interesse púbico. Insistiu, muitas vezes, em apenas aparecer com uns poucos gatos pingados a fim de despertar e mobilizar muitos, sem jamais cobrar pelos louros da vitória. 

Neste aniversário de maioridade, os sobreviventes das primeiras horas do GDM estão prontos a virar a página para fundir este grupo ao Movimento Marajó Forte ou em que vier mais tarde na luta para criação da UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARAJÓ.

Aqui vai um singelo registro a fim de que a data não passe em brancas nuvens. Evocamos o memorial da Cabanagem, na foto acima, lembrando que os marajoara - antes mesmo do descobrimento do Brasil - foram as primeiras vítimas da escravidão dos índios na América do Sul. Que, portanto, a luta dos cabanos donde muitos marajoaras pagaram com a própria vida, é a mesma de nossos dias em busca de justiça,igualdade e liberdade sob figura radiosa da Cidadania.



domingo, 16 de dezembro de 2012

MANIFESTO DO RIO MARAJÓ 3




Chegamos à terceira e derradeira parte deste manifesto feito na pretensão de dialogar com o Manifesto do Rio Negro. Na penúltima parte dele foi dito que o velho Marajó de guerra começa na memorável ponta de pedras, dita o Itaguari; assinalada pela Coluna e farol de sinalização náutica que se acha sito à barra do rio que dá nome à ilha e, por extensão, à maior das baías do Rio Pará e mais acidentes geográficos derivados deste nome histórico tirado do rio Marajó-Açu (a dizer, o grande Marajó).

À medida que avança a renascença marajoara, iniciada com o ciclo romanesco Extremo Norte de Dalcídio Jurandir (Prêmio Machado de Assis de 1972) e invenção de O Nosso Museu do Marajó por Giovanni Gallo; o Brasil e o mundo de mais a mais ouvirão falar da primeira ecocivilização da Amazônia – a Cultura Marajoara – , com sua criaturada grande remanescente.

Que nem os romanos filhos da Loba; esta brava gente é filha adotiva da Bothropos marajoensis (jararaca), cuja ciência do bem e do mal iniciou as matriarcas ao segredo da conversão de venenos em remédios. 

De usos e costumes arcaicos na manipulação do curare, por exemplo, surdiram-se na medicina científica, poderosos anestésicos modernos que salvam mais vidas do que todas as mortes nas velhas guerras indígenas onde a zarabatana ou flechas ervadas tiveram efeito antigamente. Do próprio açaí os ribeirinhos acreditavam faltar apenas ‘um grau’ para se tornar veneno...

Por aí estamos a recordar a passagem do empirismo básico à pesquisa científica com a teoria por superestrutura. Portanto, a manifestar nossa utopia no sentido da universidade pés descalços pré-histórica que existiu há mais de mil anos para ser resgatada ainda como inspiração de uma universidade inovadora destinada à invenção da ciência tropical avançada, no século XXI.

Povo da maré, os marajoaras são comparáveis a uma Harpia criada em cativeiro junto a xerimbabos do terreiro. É preciso despertar este povo nas luzentes madrugadas da baía do Marajó para largos voos do gavião-real ancestral que mora no âmago inconsciente da brava gente para que ela cumpra seu maior destino na República Federativa do Brasil, florão da América e o maior dos países amazônicos no vasto mundo tropical.

ACADEMIA DO PEIXE FRITO: CABEÇA DE PONTE NA PAISAGEM CULTURAL BELÉM-MARAJÓ.

Sem Educação não há salvação. Todavia, a gente carece saber de que educação se está falando. Certamente, de uma educação ribeirinha libertadora. Nossos conhecimentos tradicionais e nossa cultura foram recalcados ao longo do passado colonial que ainda não acabou completamente. Urge uma educação capaz de re-suscitar as virtualidades esquecidas há 400 e tontos (sic) anos de ocupação do rio Babel e genocídio do povo cabano pelo império luso-brasileiro do Rio de Janeiro, no século XIX.

Os cabocos nos envergonhamos, com raras exceções; de ser descendentes de índios, pretos e brancaranas desterrados. Por isto, queremos ser “civilizados” a todo custo. Mas este caminho de inferioridade já foi longe demais e doravante cumpre nos alertar sobre o fato de que o “fim do mundo” já começou no Fim do Mundo: lugar de Ponta de Pedras, donde estas letras tortas se formaram algum dia no passado a fim de saber quem inventou o mundo ...

O que importa agora é inventar o futuro mais seguro e feliz para todos, sendo que a construção do novo tempo passa pela periferia: assim o Manifesto do Rio Negro diz que a reeducação pela floresta dá o parto da consciência planetária. E nos concluímos: ainda que não se possa mergulhar duas vezes no mesmo rio, da profundidade destas águas há de vir a nova consciência do planeta Água donde a Floresta nasceu como uma ninfa.

O rio de Guamá, cacique dos Aruã e Mexiana, tem uma história secreta que suas águas às margens plácidas do Guajará poderia contar se a Academia do Peixe Frito recuperar sua memória na universidade da maré. Abrindo a cortina das ilhas o grande mar de água doce nos mostra o bioma Amazônia Marajoara onde homem e biosfera dialogam a uns cinco mil e tantos anos construindo a paisagem cultural das Amazônias verde e azul. A expressão geográfica de Belém do Grão-Pará onde se escondeu?

O eco da independência do Brasil no Norte coincidiu com as maiores esperanças dos povos das ilhas em conquistar a terra firme, o país do Arapari (demarcado pela constelação do Cruzeiro do Sul). 

Assim se explica a prontidão dos Mapuá à frente da confederação dos Nheengaíbas, jamais vencidos na guerra, em confiar nas promessas de paz oferecidas em nome do rei de Portugal, em 1659. E, suportando a traição dessa prometida liberdade e paz pelos lusos; ainda mais depressa a gente marajoara proclamou a adesão do Pará à independência do Brasil, em Muaná, a 28 de Maio de 1823. 

Em vez de abraçar a causa da liberdade paraense, o império neocolonial traiu a confiança do povo levando-o a exasperação no levante de 7 de janeiro de 1835, afinal esmagado com a morte de quarenta por cento da população da Amazônia.

Quando ocorreu a independência das letras nacionais, na Semana de Arte Moderna de 1922, em São Paulo; cerca de 1930, os “Vândalos do Apocalipse”, depois “Grupo do Peixe Frito” e finalmente “Academia do Peixe Frito” estavam a postos. Mais tarde, em Manaus, Bruno de Menezes com os confrades do “Clube da Madrugada”, nas águas de 1922, estabeleceram laços entre Ajuricabas e Cabanos: esta aliança cultural amazônida que chamamos agora Ajuricabano.

Terminou-se de escrever em Belém do Pará, 16 de dezembro de 2012.

José Varella Pereira

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

MANIFESTO DO RIO MARAJÓ 2

EXPEDIÇÕES: FAROL DA BAÍA DO MARAJÓ-BRASIL



Anteriormente, dialogamos com o Manifesto do Rio Negro quando o crítico de arte contemporânea francês Pierre Restany viaja acompanhado de Frans Krajcberg e Sepp Baenbereck na trilha de Stradelli a fim de perguntar à Floresta Amazônica o que ela tem a dizer aos homens da suposta era pós-industrial, no terceiro milênio. 

Não por acaso, a porta de entrada dos ditos viajantes do mundo foi a cidade de Manaus, capital do Estado do Amazonas, que ostenta a zona franca tal qual uma ilha e âncora de seu desenvolvimento sustentável. Todavia, buscando na floresta envolvente o necessário selo verde e na cultura popular marca maior, tendo o festival dos bois de Parintins como destaque, de marquetingue comercial.

O diabo é que a fama de Manaus atrai desempregados do êxodo rural vindo de várias partes, notadamente velhos “inimigos” paraenses oriundos em maior parte da região do Baixo Amazonas. O fenômeno migratório de estados vizinhos não é estranho em Belém com afluxo de maranhenses desempregados, com a única diferença de que aqui a rejeição dos nativos aos forasteiros é talvez mais discreta que em Manaus. 

A explicação, acredito, se encontrar na notável rivalidade entre amazonenses e paraenses que não é de hoje. Pesquisa do antropólogo paraense Marcio Meira sobre a “Casa das Canoas” lança luz sobre prováveis origens do entrevero. É que o Pará foi no passado colonial português comparável ao cativeiro da Babilônia para os índios do Rio Negro e a caça ao índio como escravo deu motivo à célebre revolta de Ajuricaba, cacique dos manaus. 

Para colaborar na paz entre Belém e Manaus, lá pelos idos de 70, a bordo de reuniões extraordinárias do Clube da Madrugada jogando conversa fora com o marajoara que vos fala, começou-se timidamente o ajuricabano, com Mario Rocha, Jorge Tufic, Antístenes Pinto, Max Carpentier e Arthur Engrácio. No Pará, apenas o jornalista Jaime Bevilacqua saudou a ideia, entretanto nem mesmo isto era novidade quando se lembra que o fundador da Academia do Peixe Frito, poeta Bruno de Menezes, antes já fazia embaixada em Manaus onde veio a falecer subitamente e teve lá estátua em praça pública. 

A Academia do Peixe Frito, em Belém, na década de 30 e o Clube da Madrugada, em Manaus, nos anos 50, são ecos da Semana de Arte Moderna de 1922, em São Paulo às margens plácidas do grande Amazonas.
É dizer, o diálogo entre ajuricabas e cabanos começou antes mesmo talvez da famosa viagem de Pedro Teixeira do Pará a Quito (Equador), no século XII, conduzido são e salvo ida e volta pela valente Nação Tupinambá. A qual também guiou o bandeirante Raposo Tavares desde São Paulo até Gurupá, no Marajó; passando pelo Pantanal, Guaporé e Alto Amazonas. 

Basta lembrar que Macunaima nasceu em Roraima por arte taurepã e Cobra Norato no Xingu no parto das águas profundas do inconsciente humano, antes que os modernistas Mario de Andrade e Raul Bopp os apresentassem às letras nacionais brasileiras.

Em suma: se é para integrar, comecemos logo pelas próprias regiões amazônicas e vamos proclamar ao mundo os delírios poéticos de um Américo Antony a contemplar o pôr do sol no lago de Codajás, o sermão florestal de Max Carpentier, contos do mato de Engrácio e, sobretudo, as ressonâncias da consciência planetárias na poesia amazônida de Thiago de Mello. 

O Pará já nos deu Bruno e Dalcídio, mas não ficou só aí por aqui temos muito mais que até dá medo esquecer muita gente boa, por exemplo: Tavernad, Max Martins, João de Jesus Paes Loureiro, sem esquecer ainda Mario Faustino maranhense e paraense meio a meio; e meu mano caboco de Afuá filósofo da maré e nas horas vagas boto, o poeta ribeirinho Antonio Juraci Siqueira.

As florestas do mundo serão salvas pelas cidades que as consomem a ferro e fogo na Mata Atlântica, na Amazônia, no Congo, na Malásia, Indonésia, etc. Mas o mecanismo de sequestro de carbono, por exemplo, permitindo a poluição dos ricos a troco de alguns dólares furados e do santuarismo ecológico dos pobres é cínico e contrapruducente. 

Tal qual antigo apostolado catequético que converteu o bom selvagem em seráfico cristão desarmado, inocente e puro, porém miseravelmente espoliado, desmemoriado e pedinte de tudo, vítima preferencial de todos tráficos da pessoa humana.

O manifesto rionegrino de Restany resta inconcluso. Como o pedido de perdão do Papa dirigido aos índios e negros nos 500 anos da Conquista americana. O manifesto fala de uma segunda Renascença, mediante a planetarização da consciência da natureza através de um olhar regenerado pelo contato direto com o meio ambiente preservado dos primórdios da humanidade filha da animalidade.

Urge relembrar que o homem é natureza pensante e reflete a mãe Terra, com setenta por cento de nosso corpo feito de água como o planeta: também somos terra, ar e fogo da combustão calórica da vida cujo parto dá luz ao grande Espírito (na fórmula da complexidade de Morin: cérebro que produz mente, mente que concebe o cérebro). 

O deus de Espinoza talvez seja o elo perdido entre Natureza e Cultura (pra não dizer religião e ciência). 

Mas o que tem a ver com isto o homem simples e rude em sua lida, quando diz as palavras mágicas cheias de fé “se-Deus-quiser” no mato sem cachorro – ligando a corrente neuronal aos sentidos como o arco retesado prestes a disparar a flecha sobre a caça – em busca do comer pra matar sua fome ancestral; naturalmente herdada da física nuclear das estrelas, representada na metáfora da serpente cósmica que devora a própria cauda? Primo manjare, doppo filosofare...

Um caçador africano selvagem quando carece abater uma árvore ou animal reza para aplacar a vingança dos mortos: como me ensinou a atravessar a fronteira das culturas amazônicas um amigo maiongong quando precisamos ir a uma aldeia ianomâmi. Se acaso chegássemos lá em hora imprópria sem ter sido convidados para rito de manducação das cinzas mortuárias de algum parente, tínhamos nós que fazer teatro sob risco da própria morte. 

Sentar em roda do panelão de mingau de banana e chorar o morto junto com os presentes (dizia meu guia, não precisa chorar de verdade...). Mas, o dono do morto estaria observando se acaso algum presente, visível ou invisível; não chorasse aquela morte logo este insensível seria suspeito de ter causado a morte do parente e passível de vingança obrigatória pelos sobreviventes... 

Você pode rir da lógica absurda do outro, mas não escapa de seu próprio ridículo nem das consequências que a geografia humana esconde.

Malgrado o sagrado direito à preguiça ou à greve, não há ócio de barriga vazia nem almoço de graça: alguém tem que trabalhar ou pagar direito.

O cenário da conversão naturalista integral lembra o conde Stradelli ao deixar na civilizada Itália seu título de nobreza como o santo de Assis despiu-se de suas riquezas materiais, para o sábio enterrar seu corpo no leprosário de Paricatuba depois de ser aprendiz de pajés do Alto Rio Negro. Stradelli deveria ser visto por nós como um dos mais radicais portadores desta consciência planetária, agora mais expandida ainda pela Ciência e Tecnologia das ondas eletrônicas que sempre existiram até os limites do fiat lux cósmico ou o big bang.

Foi assim que me ocorreu escrever o Manifesto do Rio Marajó como resposta, ainda que tardia, a seu homônimo do Rio Negro tendo memória das mais antigas conexões do alto e baixo curso do rio das Amazonas e também das próprias incursões minhas parando em horas amenas em Manaus, em companhia do Clube da Madrugada, onde entre outros camaradas o poeta Max Carpentier com seu inspirado Sermão da Floresta é bem precursor do naturalismo integral avant la lettre. Com aviso prévio de Noam Chomsky: o mapa não é o território... Ou, antes, Fernando Pessoa, “minha pátria é minha língua”. Mas aí, é mátria a caminho da naturalização e você se perde no labirinto das línguas amazônicas; rio Babel donde só podemos nos aventurar sem perigo tendo guias-mateiros experientes, que nem mestre José Ribamar Freire Bessa, por exemplo.

AQUI O MARAJÓ COMEÇA

O lugar é o Itaguari ("ponta de pedras"), onde está assente a Coluna e farol avisando o perigo das pedras e o rumo do rio durante a noite. Marajó é o homem que habitou a ilha grande da boca do Amazonas. 

Este “Homo sapiens sapiens’ desde sempre era vário, como várias são as ilhas do arquipélago e terra firme ocupada pela brava gente falante de diversas línguas de tronco Aruak, tal qual o latim pariu o italiano, francês, espanhol, português, galego, romeno, sardo e a multidão de dialetos ou idiomas mesclados e derivados destas últimas. 

Cujos descendentes são ribeirinhos entre a população de 410 mil almas espalhada em três microrregiões, dezesseis municípios e mais de 500 “aldeias” (comunidades locais).

O naturalista da “Viagem Philosophica” (1783-1792), Alexandre Rodrigues Ferreira, viu no Pará uma curiosa variedade da espécie humana a qual ele classificou como “H. sapiens, var. Tapuya” mandando do Pará a Coimbra como amostra uma cabeça do dito cujo tapuia devidamente degolada e empalhada, imagino... 

Homem “malvado” (do tupi marã yu) aos olhos do inimigo hereditário, que sem conseguir entender patavina daquela diversidade reduziu-a a uma única “língua ruim”, o barbaresco nheengaíba.

O payaçu dos índios, padre Antônio Vieira, calculou por alto com sua prodigiosa imaginação e talvez algumas informações obtidas de índios cativos vindos das ilhas capturados pelos tupinambás; que ao seu tempo à frente das missões (1652-1661) deveria existir algo em torno de 50 mil “nheengaíbas” no Marajó. 

Se nos lembrar que na metade do século XIX a população do Pará era estimada em 100 mil habitantes apenas, isto causa espanto. Ainda mais quando alguns etnólogos se arriscam em dizer que existiam, aproximadamente, seis milhões de índios na Amazônia até começo da colonização.

Nas ilhas do Pará era importante a diversidade de povos Aruãs, Anajás, Cambocas, Tucujus, Mapuás, Guaianases [Guaianá], Pixi-Pixi, Mocoões, Ionas, Maruanases [Maruaná], Samanajás, etc., que foram se extinguindo no passar do tempo e se tornou na história oral paraense dos primeiros dias da colonização do Maranhão e Grão-Pará apenas uma barbaridade amorfa só sob o nome genérico odioso de Nheengaíbas.

A tradução mais comum do nome Marajó, através da “boa língua” (nheengatu) é “barreira do mar”, de Mbarayo. Sabe-se, contudo, a dificuldade antropológica de traduzir topônimos separados de seu contexto histórico-geográfico para uma língua estrangeira qualquer. No caso, o português era “grego” para a maior parte da população e somente foi adotado como língua nacional rigor de palmatória, como ensina a obra “Rio Babel”, de José Ribamar Freire Bessa, na segunda metade do século XVIII.

A tal “barreira do mar” foi antes o índio insulano barreira do rio Babel. Não a ilha propriamente dita, que na verdade é labirinto formado dentre 1700 ilhas, fora ilhotas que surgem e desaparecem de tempo em tempo na correnteza de aluvião do Golfão Marajoara na fronteira entre as Amazônias verde (florestal) e azul (marítima). 

Tudo que sabemos do passado desta gente são fragmentos semelhantes a restos de um naufrágio que o mar devolve à praia. Temos, então, uma geografia complexa misturando delta e estuário quando a maior bacia fluvial do mundo vem com tudo desde os Andes e empurra o oceano muita milhas afora para ir formar a corrente das Guianas levando sedimentos até o delta do Orenoco indo juntas estas águas se misturar à corrente do Golfo do México. E o povo das águas grandes estaria condenado para sempre ao limbo da História?

Falamos em consciência planetária e renascimentos. Os fragmentos do passado, assim como os mapas, não são o território estamos bem lembrados. 

Se a ilha não é barreira do mar (tanto que não impediu, mas facilitou a ocupação pela costa norte através do Cabo do Norte (Amapá) seja pelos primeiros habitantes quanto os primeiros colonizadores europeus), o homem marajoara sim é que foi a grande barreira à entrada do Amazonas, através de guerrilha em emboscadas com zarabatana feita de paxiúba e setas de talo de patauá envenenadas de curare, ao longo dos furos de Breves. 

A fonte desta história é jesuíta que a colheu diretamente de um lado e outro da luta entre etnias rivais, enfim, pacificadas e condenadas a se tornar a mesma massa caboca saída do mato para ser lupem proletariado amazônico ou “Criaturada grande” do romance dalcidiano.

Esta “gente malvada” montou sentinela no Itaguari (“ponta de pedras”), boca do rio Marajó-Açu. Os tais nheengaíbas matadores de invasores das ilhas eram principalmente Aruãs: povos bárbaros que, segundo as fases da arqueologia comumente aceita, vindos do Caribe pelas Guianas ocuparam as ilhas Caviana e Mexiana e finalmante a grande “Analáu Yohynkáku” (nome aruá da ilha do Marajó). Por algum motivo não entendido ainda a chegada dos bárbaros aruãs coincide com o fim da brilhante cultura marajoara (300 a 1300) desaparecida. Todavia, novos achados nos anos 90 podem ter localizado cerâmica marajoara com datação de 1600, próxima à fundação de Belém em área a oeste dos sítios antes estudados. Relato do índio sacaca Severino dos Santos, da aldeia de Joanes [Iona], em 1783, informa a antiga rivalidade de suas nação tida por mais antiga na ilha com invasores aruãs, que teria deslocado os primeiros habitantes dos centros da ilha para a margem da baía do Marajó.

Não podemos esquecer que a historiografia luso-brasileira mamou no seio da história oral dos Tupinambás do norte, quase que exclusivamente. Curiosamente, só um intelectual, nativo de Bragança, José Ubirantan do Rosário; além de mim mesmo cogita sobre as motivações das migrações tupinambás do Maranhão ao Pará e o mito da Terra sem mal (Yby marãey).

No entanto, este mito fecundador da brasilidade notado desde as primeiras cartas do jesuíta Manuel da Nóbrega somente foi explicado por Curt Nimeudajú, em 1920, depois de conviver intimamente com os Guarani de São Paulo, resolvendo assim um dos maiores enigmas da formação territorial do Brasil atribuída unicamente à capacidade extraordinária do colonizador português como povoador de terras extremas.

Um precioso documento atribuído ao mameluco Diogo Nunes, datado de 1538, portanto antes da viagem de Orellana (1542); dá conta duma importante migração de 14 mil tupinambás entre homens, mulheres e crianças partindo de Pernambuco até o Alto Amazonas (Peru), onde acabaram escravizados e dizimados pelos espanhóis. O documento diz que os índios romperam sertão adentro e chegaram ao distante Solimões numa jornada de doze anos: evidentemente caíram n’água no rio Tocantins e foram deixando troços de gente pelas paragens, fugindo do primeiro choque de escravidão para extrair pau-brasil (1530). Teriam feito os “nheengaíbas” recuar para as ilhas, donde estes teriam saído para ocupar a terra firme. O sol poente ditava o rumo da utopia selvagem? Seria esta a verdadeira origem de “Camutá-Tapera” (Cametá-PA) à semelhança da guerra contra os tapuias, em Tapuitapera (Alcântara-MA), pelo caminho do Maranhão? Neste caso, as pazes de Mapuá (Breves, 1659) segundo o padre Antônio Vieira, não colocaram fim apenas a 44 anos de guerra contra os portugueses, porém mais de 120 anos de guerra antropofágica no Pará entre o Abaeté (“homem genuíno”) e o Marajó (“homem malvado”). Entretanto, nem na “História do Futuro” a gente encontra uma história destas.

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

MANIFESTO DO RIO MARAJÓ









MANIFESTO DO RIO MARAJÓ

A década de 70 no século passado foi especialmente traumática para a América Latina, originalmente recalcada pela conquista e o largo genocídio da destruição das Índias Ocidentais logo complexadas e mestiçadas à força de estupro pelo colonialismo europeu. Sobre esta brutal e universal alienação nutriram-se as aristocracias e burguesias de uma margem a outra do Atlântico, inclusive hemisfério Sul. As Américas Latinas – dentre estas a Amazônia, declarada “celeiro do mundo”, estrategicamente deixada em reserva para “futuras” gerações sob suposto argumento cientifico de ser esta região equatorial sul-americana o “pulmão do mundo” –, envolvidas pela voragem da Guerra-Fria foram elas tidas e havidas como últimas fronteiras da Terra a ser ocupadas e exploradas pelo deus-Progresso ao ronco de tratores e motosserras sob as botas da Ditadura salvacionista anticomunista.

Tais acontecimentos na periferia do mundo industrializado vieram a reboque das duas guerras mundiais motivadas pela disputa entre potências industriais de “espaço vital” para o crescimento de capital mediante suprimento de matéria-prima barata e mercado de consumo cativo. O longo século XIX fazendo estragos mundo afora acabou como bumerangue atingindo e devastando a velha Europa deixando-a em cinzas e sangrando com as chagas vivas do Holocausto. Ao mesmo tempo, o orgulhoso império do Japão seguindo o mesmo caminho da indústria militar foi humilhado sob as bombas atômicas de Hiroxima e Nagasazi. 

O novo império ianque, emergente sobre as velhas potências, queria mostrar sua força e aterrorizar o mundo: escolheu como cobaia populações civis desavisadas e indefesas. Deste crime de guerra, com poucas exceções, o povo norte-americano submetido a enorme propaganda bélica nacionalista não se arrepende até hoje. O resultado imediato foi desconfiança mortal no seio da antiga aliança contra a hegemonia do Nazi-Fascismo levando a União Soviética a desviar recursos humanos e materiais para competir com os EUA em todos os campos, numa luta de vida ou morte, num mundo bipolar completamente sem sentido, cujo manifesto mais ostensivo é ainda hoje a corrida nuclear com seu absurdo arsenal de ogivas atômicas capaz de aniquilar a vida na Terra três vezes. Assim que, apesar do “fim da História” – ou por isto mesmo –, a fim de manter o sistema global em funcionamento e crescimento contínuo seria necessário esgotar mais dois planetas. Numa palavra, isto é insustentável!

Os horrores de todas as guerras do mundo deviam ensinar os povos a trabalhar unidos na construção comum de uma cultura de Paz. A indispensável cooperação entre EUA e URSS, dois mundos de visões e realidades diferentes; foi possível na guerra pelo suicídio da velha Europa enlouquecida pela revolução industrial a cabo da pirataria e o saque do resto do mundo desde as acumulações primitivas suscitadas pela viagem de Marco Polo. Desgraçadamente, no pós-guerra os dois blocos vencedores do III Reich reincidiram nos mesmos erros do inimigo: a recíproca intolerância entre os dois lados inatos da mesma revolução industrial – o capitalismo e o socialismo – acaba sendo o triunfo final de Hitler.

Então, a maldição do mito fundador de Roma com os gêmeos inimigos alimentados pela loba matando-se em luta pelo poder da tribo acaba se repetindo contra advertência de Marx dizendo este que a história só se repete como farsa. Mas, alguns profetas do apocalipse moderno anunciam o fim do mundo para breve... Filósofos pós-modernos, pelo contrário, dizem que é começo de uma nova humanidade. E esta está nascendo a partir da periferia das cidades e dos extremos do mundo ainda, felizmente, bárbaro.
Seja como for a milenar cultura chinesa parece estar mostrando através da “cortina de bambu” uma nova China onde contradições e crises, longe de constituir uma tragédia grega; é sempre oportunidade para inventar o futuro sem renegar o passado: Mao não aboliu o Tao, a nova China neocapitalista pra inglês ver; não aposentará Mao.

Não tenho cabedal para afirmar, todavia acho que se os seguidores de Lenin tivessem tido maior apreço pela abordagem cultural do italiano Antonio Gramsi a Rússia de hoje poderia estar mais próxima da China do que ora se acha no BRICS e a história contemporânea seria outra menos rápida certamente, porém mais segura para todo mundo. Não existiria hegemonia dos EUA para bem, principalmente, do povo dos Estados Unidos tributário de guerras assassinas e alvo permanente da ira dos povos atormentados pela indústria da guerra e da morte para lucro de poucos. A espiral evolutiva não dorme nunca sobre os louros da vitória. A dialética é seu motor e, parece, as lágrimas de Heráclito sobre o riso de Diógenes (segundo a polêmica do padre Antônio Vieira na corte de Cristina da Suécia) é prova cabal de que nunca mesmo se mergulha duas vezes no mesmo rio. Lincoln estava certo: não se pode enganar toda gente todo empo... Os povos de todas as Américas estão despertando para a verdade e a verdadeira democracia democrática (digamos assim, para fazer contraponto à plutocracia que tomou o sistema de representação parlamentar e fez refém o presidencialismo meramente simbólico do imaginário popular).

Agora, com a emergência do bolivarismo renovado pelas urnas e a voz do Brasil dizendo que a esperança venceu o medo; chegou a hora e a vez da integração da América do Sol (tropical) dizendo ao mundo com quantos paus se faz uma canoa boa.

Já tínhamos ecocivilização há mais de mil anos antes do “descobrimento” de Colombo: sendo impossível retroceder no tempo, assim mesmo o dedo fraturado da História (discurso concreto de Oscar Niemeyer no monumento da Cabanagem) poderá ser consolidado para indicar o norte amazônico. Cacos de índio (sermão de Giovanni Gallo à criaturada grande de Dalcídio Jurandir) podem produzir o milagre dos peixes contra a ditadura da água, além de uma renascença inesperada quando todo mundo julgava extintos os índios da ilha do Marajó.

CONVERSANDO COM O MANIFESTO DO RIO NEGRO

No ano de 1978, em pleno “milagre econômico” da ditadura no Brasil; três sobreviventes da segunda guerra mundial, Frans Krajcberg, Pierre Restany e Sepp Baenbereck, no Alto Rio Negro talvez sem saber que seguiam a trilha de Ermano Stradelli; lançam o manifesto chamado do Rio Negro. 

Acontecimento que supõe um diálogo Norte-Sul. Dez anos depois da rebelião estudantil de Paris e do AI-5 de Brasília, esses quixotes da pós-modernidade estavam perscrutando a Floresta Amazônica como se esta, verdadeiramente, fosse a sibila de Delfos. Um ano antes, por acaso, um caboco marajoara fazia seu curso diletante no alto Rio Branco na fronteira com a Venezuela e mais tarde haveria de concluir este simples descobrimento na região amazônica da França que, como todo mundo sabe, é o centro espacial europeu encravado no lendário país do El-Dorado, meio antilhano e meio africano.

Assim, depois de assistir pelo milagre da revolução industrial em sua mais recente macumba, as telecomunicações; o diálogo franco-brasileiro para o crescimento econômico e o desenvolvimento social, no quais os presidentes da República Francesa François Holande e da República Federativa do Brasil, Dilma Rousseff convergiram em muitas coisas, inclusive em impulsionar a conferência mundial sobre o meio ambiente, na França em 2015. Ouvi a presidenta Dilma saudar o ministro da cultura de Mitterrand, Jack Lang, ali presente no auditório; e o presidente Holande informar que irá se encontrar com sua colega brasileira na fronteira do Oiapoque para, enfim, inaugurar a ponte binacional projetada ainda nos mandatos de Fernando Henrique Cardoso e Jacques Chirac, passando por Lula e Sarkozy. Não pude esquecer a tentativa paraense de inserir nesse diálogo as relações entre o norte do Brasil e as Guianas com a provocação, em 2004 em Paris, da vinda de um grande formador de opinião francês como Lang através de Caiena, Belém e ilha do Marajó. O que aconteceu entre o natal de 2005 e ano novo de 2006, numa viagem despretenciosa que acabou sendo digna de filme e reflexão.

A ecologia informa: Marajó são 1700 ilhas filhas da pororoca aos embates do rio com o mar. O ex-ministro e então presidenciável não imaginava quanto poder tem as chuvas naquelas paragens, em frente ao Museu do Marajó em Cachoeira do Arari, centenas de crianças com badeirinhas do Brasil e da França às mãos esperavam o figurão, afrontando a maré uma nutrida comitiva de jornalistas e convidados de Belém a Salvaterra vieram ouvir o ilustre visitante até então maravilhado. Foi então que a mãe natureza resolveu pelo contrário, helicóptero no chão sem poder decolar, todo mundo ilhado, protocolo que já não era grande coisa foi pras cucuias... Eita chuvarada que só foi passar quase à boca da noite. E o caboco da história recordando tiradas filosóficas da turma das demarcações de fronteira: "na Amazônia a única certeza é que tudo é incerto"... Adeus Cartesius!

Krajcberg se tornou brasileiro por amor à Mata Atlantica como Nimuendajú se tornou brasileiro por amor aos índios. Então, esta antropofagia cultural está acontecendo com dificuldade, mas mesmo assim devagar ela vai em frente. Cumpre, além dos índios e dos negros, agora depois de quinhentos anos de mestiçagem física e mental; que a etnia dos cabocos tirados do mato quem nem  madeira extraída para se transformar em móveis caros e imóvel de luxo; também mostre a cara e tente pelo menos se vender caro numa embalagem menos vagabunda, tipo assim a viagem filosófica para o século XXI.

Pierre Restany depois de experimentar diversas formas de vanguarda artística, foi beber as águas amazônicas para denunciar a "tirania do objeto" e seu clímax como linguagem sintética da sociedade de consumo. Diz ele que a arte duvida de sua justificação material, que ela se desmaterializa e se conceitua. A arqueologia marajoara está aos poucos mostrando fragmentos da primeira cultura complexa da Amazônia. A crítica de Restany poderia se aplicar talvez ao modo como estamos habituados a contemplar objetos exóticos de civilizações pré-coloniais ou pré-históricas, quando ele escreve: “Os andamentos conceituais da arte contemporânea só têm sentido se examinados através dessa ótica autocrítica. A arte é ela mesma colocada numa posição critica. Ela se questiona sobre sua imanência, sua necessidade, sua função”. 

Fala em naturalismo integral como uma resposta àquelas inquietações dos três sobreviventes das guerras na Europa. E busca inventar ou descobrir diretamente da natureza “sua virtude de integracionista, de generalização e extremismo da estrutura da percepção”. Ou seja, a planetarização da consciência. Autocrítica, desmaterialização, tentação idealista, percursos subterrâneos simbolistas e ocultistas: essa aparente confusão se organizará talvez um dia, a partir da noção do naturalismo - expressão da consciência planetária”. Vê-se, então, a velha Europa cansada de guerra vem a Amazônia aprender a ver o peso da natureza na vida de suas criaturas, sejam elas vegetais, animais ou seres da cultura através da existência humana na diversidade do meio ambiente.

Todavia, o limite crítico do crítico de arte contemporânea, quando Rostany fala em “preâmbulo operacional à nossa Segunda Renascença” como etapa necessária a uma “mutação antropológica final”; está na exclusão psicológica de outras artes não enquadradas no plano civilizatório judeu-cristão. O outro não-ocidentalizado também terá ele desejos de renascenças. No caso americano, a renascença antes implica na libertação mental do colonialismo, após a independência.
 

“Um contexto tão excepcional como o do Amazonas suscita a ideia de um retorno à natureza original. A natureza original deve ser exaltada como uma higiene da percepção e um oxigênio mental: um naturalismo integral, gigantesco catalisador e acelerador das nossas faculdades de sentir, pensar e agir”. Assim, Pierre Restany escreveu as linhas finais do manifesto do Alto Rio Negro, numa quinta-feira, 3 de agosto de 1978, na presença de Sepp Baendereck e Frans Krajcberg.

Hoje nós nos lembramos de outras datas à margem do rio Marajó-Açu, rio modesto se comparado ao grande Amazonas; mas o maior rio do mundo como diria o poeta Fernando Pessoa, por que é o rio da minha aldeia de infância. Toda criança tem uma aldeia e um rio em sua imaginação por toda vida: ali mora o imperador deste mundo num castelo de sonho. Quando pequeno o rio Marajó quis matar-me afogado talvez por encanto da mãe d’água, salvou das águas um colega pretinho que nadava na correnteza que nem peixe. Acredito que devo um tributo ao rio e sua gente ribeirinha, que desta maneira eu possa falar a sua história e quando exalar o último suspiro meus amigos possam lançar à mare da reponta as minhas cinzas para se misturar ao tijuco e habitar a lenda dos igarapés. Acredito, que todos somos descendentes das estrelas e cada partícula de poeira tem vida para sempre. Quanta arte a natureza faz! Aqui um ramo animado pelo vento acena ao olhar, ali a colunata do miritizal na beira; uma garça que passa com a graça do voo e o homem em sua canoa não tem pressa. Pra quê? Que todo mundo venha ver: o paraíso é aqui (ou o inferno verde), como pode ser aí em qualquer lugar onde não existir mais a exploração do homem pelo homem. A idade áurea na utopia do profeta ou poeta Isaías, enquanto o povo de Israel sofria no cativeiro da Babilônia. Somos todos no mundo as tribos perdidas: juntos nos acharemos e nos libertaremos ou juntos vamos nos perder para sempre. Mas a escolha é livre e de cada um.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Educação Ribeirinha: depoimento em busca de um conceito

Escola Estadual Dalcídio Jurandir
Escola Estadual de Ensino Médio "Dalcídio Jurandir", em Ponta de Pedras (Marajó), Pará.


Nos dias próximos passados, Brasília esteve agitada pela discussão no Congresso da partilha federativa dos royalties sobre exploração do petróleo do Pré-Sal. Cedo a União Nacional dos Estudantes (UNE) defendeu 100% destes recursos para a Educação e o governo federal encaminhou projeto de lei neste sentido, enquanto os chamados estados produtores puxam a brasa para sua sardinha, os mais estados e municípios armaram cabo de guerra reclamando rateio igualitário e distribuição por outros setores da despesa sem exclusividade para a Educação. A Presidenta Dilma aprovou o projeto encaminhado pelo Congresso, entretanto vetou artigos sobre os ditos royalties e se preparou para reabrir a questão através de Medida Provisória, segundo os jornais.

A polêmica nacional sobre o financiamento público da Educação interessa sobremaneira à Educação Ribeirinha da criaturada grande de Dalcídio Jurandir, populações tradicionais das ilhas do estuário do maior rio do planeta Água. O golfão equatorial por onde escoa continuamente cerca de 20% da água doce superficial da Terra, Amazônia Marajoara, entre as Amazônias verde (florestal) e azul (marítima). Nesta região amazônica insular, no Estado do Pará, 410 mil brasileiros em 16 municípios, contando mais de 500 comunidades rurais agroextrativistas, num território de 104 mil km², dos quais 65 mil km² são constituído de 1700 ilhas, o IDH denuncia a pobreza da gente marajoara com índice de analfabetismo beirando a 25%.

Ninguém precisaria ser pajé para adivinhar nem PhD para comprovar, que no espaço ribeirinho do rio-mar a Educação deve ser tábua de salvação da Criaturada para que aconteça de fato o tal desenvolvimento sustentável do grande Pará a par da segurança da União numa região-chave como esta na fronteira lateral marítima Norte.


EM BUSCA DE UM CONCEITO HUMANO DE EDUCAÇÃO FUGINDO DE PRECONCEITOS UNIVERSALIZADOS

Poucas pessoas dispõem de informação suficiente a respeito da história da educação na "ilha" do Marajó. Dentre raros pesquisadores que podem ser encontrados, talvez um ou dois destes concordariam em ultrapassar a catequese dos índios pelas missões religiosas como sendo o horizonte extremo desta educação, situada a partir da segunda metade do século XVII. 

Nós, porém, com as vantagens e desvantagens de todo e qualquer "presepero" (pra não dizer diletante), queremos nos arriscar às piores críticas para defender ponto de vista segundo o qual, bem o mal, todo mundo tem lá a sua educação. Ainda que seja ela rude e particular aprendida a três porradas à margem do aparelho oficial. Desta maneira, a "educação ribeirinha" que a brava gente marajoara reclama tem uma história mais longa do que se poderia imaginar.

É obvio que o paleo-índio amazônico, depois de vagar cerca de 5 mil anos atrás de comida pela beira de rios, lagos e igarapés em busca de frutos e peixe do mato; fazendo valer sua própria natureza humana teve ele com os animais da fauna regional excelentes mestres de sobrevivência e arte simbólica. A caba caçadeira, segundo Gastão Cruls em "Hileia Amazônica", teria ensinado ao índio a arte da cerâmica e o japiim com o trançado de seus ninhos pingentes de galhos de árvore dado inspiração à supimpa invenção da rede de dormir. Enquanto a jararaca com seu mortal veneno foi sugestão do curare atirado de emboscada com setas de talo de patauá e zarabatana feita de braço de paxiúba. A lista não é pequena, a começar da palafita por simples imitação do mutá feito sobre árvores de mangue... 

A herança genética dos mais adaptados fez desta privilegiada gente titular do direito de primogenitura do Trópico Úmido neotropical. Aos eleitos do sol e da chuva o Éden selvagem a seus inimigos invasores o Inferno Verde... Então, como a arqueologia de Anna Roosevelt e Denise Schan demonstram, a ecologia de um bioma bipolar assim no fluxo e refluxo da maré sob ditame da Lua e império do Sol oscilando, de seis em seis meses, entre a ditadura da chuva e a pobreza da seca no fim do estio; criou o cenário desafiador das condições extremas entre fartura e penúria onde a primeira "ecocivilização" da Amazônia nasceu, no ano 400 da era cristã aproximadamente, por invenção humana.

Admito que chamar de "arquitetos" e "engenheiros" àqueles ribeirinhos primitivos causa escândalo às mentalidades 'high tech' de nossos dias. Pior é a suprema presepada em dizer que a velha Cultura Marajoara de mil e quinhentos anos, "extinta" (sic) segundo opinião geral; é comparável a uma "universidade pés descalços"... Mas, olhando sem preconceito, "cacos de índio" de que Giovanni Gallo fez o primeiro ecomuseu do Brasil (não reconhecido oficialmente até hoje) avant la lettre, certamente tem o significado cultural de uma ressurreição. O discurso do silêncio nos tesos isolados, quando se contemplam os ossos do passado envelopados pela arte primeva deste mundo, quer nos dizer talvez alguma coisa que ainda nós não entendemos.

O fundador do "Museu Paraense", Domingos Soares Ferreira Penna; era um diletante tal qual o criador do Museu do Marajó, Giovanni Gallo. Raimundo Morais, autor de "O homem do Pacoval", idem. Dalcídio Jurandir e João Rodrigues Viana, autodidatas. Quer dizer, o Marajó  ("homem malvado" ou "barreira do mar") ensina naturalmente a Criaturada grande ribeirinha. Portanto, a educação ribeirinha nestas ilhas filhas da Pororoca já existia, quando o padre e educador jesuíta Luís Figueira (1645) naufragou na Baía do Sol com seus companheiros massacrados e "devorados" (supostamente, pelos bárbaros Aruãs; segundo informação dada pelos Tupinambás, inimigos destes últimos e que se propagou como verdade difundida pelos jesuítas) nas praias de Joanes.

CARTA DE PORTEL: EDUCAÇÃO RIBEIRINHA

Antiga aldeia Arucaru, fundada em 1659, junto com a aldeia irmã Aricará (Melgaço) pelo padre Antônio Vieira no contexto da Pacificação dos Nheengaíbas (rio Mapuá, Breves, cf. carta de 11/01/1660); a cidade de Portel reuniu a sociedade civil a fim de discutir a "Educação Ribeirinha", convocada pelo Colegiado do Programa Território de Cidadania - Marajó (CODETEM), concluindo a reunião pela assinatura da Carta de Portel, de 30 de março de 2012.

A Carta de Portel coincide, em linhas gerais, com a Carta do Marajó-Açu, celebrada em Ponta de Pedras em 30/04/1995, décima e última "Reunião em Defesa do Marajó" no bojo da educação ambiental promovida pela Pro-Reitoria de Extensão da UFPA através dos campi de Breves e Soure. Significa dizer que, pedagogos que desejarem se especializar em "educação ribeirinha" nas ilhas do Marajó, já têm por onde começar suas pesquisas.

A provável criação da "Universidade Federal do Marajó" (UnM) representará o coroamento exitoso do programa de interiorização da Universidade Federal do Pará (UFPA), iniciado no Marajó em 1986, no campus de Soure. Todavia, há que se considerar na historicidade do processo além dos campi atuais da UFPA, outros como a Universidade Estadual do Pará (UEPA), Instituto Federal de Educação Tecnológica do Pará (IFPA) e Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA); assim como a Estação Científica Ferreira Penna, vinculada ao Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG); centro de germoplasma animal da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), unidades de conservação do  Instituto Chico Mendes da Biodiversidade (ICMBIO). Uma constelação de órgãos federais com representação no arquipélago do Marajó que poderiam passar a atuar em sintonia uns com outros; caso surja uma nova universidade, exatamente, vocacionada para promover a formação universitária, pesquisa e extensão do território federativo (Municípios, Estado e União) das ilhas.

A Universidade Federal do Pará (UFPA) atravessou a baía do Marajó desde fins da década de 60, pelo menos, com ações do CRUTAC¹ em Ponta de Pedras quando os nomes de Ana Rosa Bittencourt e Camilo Viana se inscrevem nesta história. O programa de extensão em apreço, como se sabe, foi inventado no Rio Grande do Norte e adaptado com criatividade no Pará para fazer face às peculiaridades amazônicas.

Permitida licença poética, no mesmo Nordeste do CRUTAC a necessidade foi mãe da invenção da educação pela pedra, segundo o poeta pernambucano João Cabral de Melo Neto. Já no Norte a educação ribeirinha haveria de fazer concessão à maré, à chuva e ao barro dos começos do mundo... Então, aqui educação ribeirinha seria antes educação pelo barro. Conforme ensina a literatura do "índio sutil" e se pode ver com as pontas dos dedos no extraordinário Museu do Marajó, em Cachoeira: na verdade, ecomuseu da Criaturada grande (criado por necessidade e acaso pelo padre Giovanni Gallo às margens do emblemático Lago Arari, município de Santa Cruz, no ano de 1972).

Brasília é longe e Belém cresceu de voltas para o rio. Os ribeirinhos tiveram que lutar para conquistar eira e beira na História, terão mais ainda que se redobrar se de fato quiserem, sem esmola, a escola que precisam. É claro que a escolhinha mato adentro depende de um conceito educativo maior. Não é certo que primeiro a cartilha de abecê com a estranha lição "Eva viu a uva" fará a revolução das mentalidades conformadas à fatalidade do destino do povo ribeirinho. Antes, serão professores libertados de suas antigas amarras que poderão modular o ensino requerido. Falamos de universidade multicampi atuante em todos os municípios e irradiando-se para o interior mediante a educação permanentes de mestres e pais de alunos. Claro está que para isto se tornar realidade há de precisar de vontade política coletiva e uma base cooperativa de sustentação financeira. Logo, uma fundação mantenedora envolvendo todos os atores e gestão com muita coordenação para evitar desperdício de recursos escassos.

Sem educação não há solução. Porém é preciso saber se a "solução" procurada será o fim do longo ciclo da colonização ou a última pá de cal sobre cacos da história do "homem do Pacoval".

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NOTA¹
"O médico potiguar Alexandre Aquino de Andrade, que reside em São Paulo, diante do artigo do ex-ministro Adib Jateneque propõe a criação no Brasil de programa universitário semelhante ao CRUTAC (Centro Rural Universitário de Ação Comunitária), implantado na Universidade Federal do RN (UFRN) em 1966, pelo então Reitor-fundador Onofre Lopes, enviou a carta abaixo ao jornal “Estado de São Paulo” para publicação no espaço de leitores.

Eis a carta do Dr. Alexandre Aquino de Andrade:

“Na Edição de 3.12.12  lemos “Uma proposta” do Prof. Jatene , figura de grande credibilidade pela valorização que deu a Medicina Brasileira.
Só que sua proposta é muito semelhante ao projeto criado pelo Prof. Dr. Onofre Lopes , reitor da Universidade Federal do Rio Grande do Norte com o nome de : PROJETO CRUTAC ( Centro Rural Universitário de Treinamento Avançado das Comunidades ) que obrigava o aluno ao terminar o último ano da faculdade a fazer um treinamento obrigatório em Hospitais e Centros comunitários do interior do Rio Grande do Norte .
“Caso não tivesse o treinamento ficaria impedido de receber o diploma .
“O CRUTAC foi criado em 02 de agosto de 1966 . A proposta do Prof. Jatene não seria “Uma nova proposta ” e sim uma adaptação do projeto que deu certo , criado pelo dr. Onofre .
Alexandre Andrade
Rua João Álvares Soares 1330 apto.81
Fone 999753591 – São Paulo (SP)
CARTA AO FORUM DOS LEITORES ".

sábado, 1 de dezembro de 2012

ARARI MARAJÓ, A DEMOCRACIA DA ÁGUA




Há 372 anos, no dia de hoje, 1º de Dezembro; o reino de Portugal reconquistava a sua independência que fora perdida sob império da Espanha na sucessão do desafortunado rei Dom Sebastião, dando lugar à União Ibérica (1580-1640). Alguém poderia dizer, de repente, e eu com isto? Se for brasileiro terá tudo a ver... E este brasileiro sendo amazônida mais ainda que qualquer outro. 

A morte do jovem rei português deu nascimento na metrópole e suas colônias na África, Ásia e América a um trauma profundo compensado por complexo cultural que veio a ser conhecido no mundo lusófono como Sebastianismo deitando raízes profundas no Brasil, notadamente no Nordeste.

Portugal subjugado pelos Reis Católicos cedo encontrou no sebastianismo a resistência nacionalista lusitana que resgatava pelo imaginário popular a figura emblemática de Viriato contra a invasão romana da velha Lusitânia e afinal veio a se robustecer com a fusão das esperanças dos cristãos-novos (judeus e árabes obrigados a se converter ao catolicismo ou a partir por édito de Dom Manuel I). 

No ultramar, dialeticamente, por recíprocas influências; este caldo de cultura iria se enriquecer de falares e costumes diversos dos povos conquistados. Tal qual o sincretismo africano e o barroquismo mestiço através da catequese dos índios da América Latina apresentaria fenômeno semelhante, com um catolicismo popular que no Brasil pegou carona no Sebastianismo ainda mais nos arraiais de forte influência das imigrações dos Açores.


A invenção da Amazônia bebeu nessa fonte sebastianista mestiçada sob o sol dos trópicos - a partir da França Equinocial e fundação de São Luís do Maranhão, em 1612 - desde que Olinda (Nova Lusitana, Pernambuco) ambicionou o rio das Amazonas. A tomada de São Luís (1615) e fundação de Belém do Grão-Pará (Feliz Lusitânia, 1616) deu-se debaixo do estandarte da União Ibérica. Convém agora, com 400 anos, que a região amazônica que foi outrora o estado-colônia do Maranhão e Grão-Pará diga ao Brasil e ao mundo quais são as suas melhores esperanças na história do futuro e para tanto é preciso que o presente desvende e resgate o passado.

Com a conquista do atual Norte brasileiro, a guerra de expulsão do concorrente estrangeiro reunindo armas e barões assinalados a arcos e remos comandados por caraíbas façanhudos, precisou de 44 anos de guerra desde a tomada do Maranhão (1615) e a pacificação dos Nheengaíbas, no rio Mapuá, ilha do Marajó (1659) em aliança entre lusos e tupinambás. Uma 'impossível' união luso-brasileira à margem da história oficial acontecida por necessidade e acaso, em Jaguaribe (Ceará), pelo enlace entre uma índia bárbara e um cristão-novo fingido de caraíba, cujo caso brilha na literatura nacional pela pena indianista de José de Alencar.

Os brasileiros em geral, infelizmente, aprendemos mal e porcamente a história do Brasil. Primeiro por que a historiografia pioneira do venerável Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), caudatária da nobre tradição francesa das datas magnas e grandes figuras da pátria; tomou lugar de verdade histórica (para não dizer dogma). Segundo, que o escravismo durante todo o Império atravessou a República Velha apesar da festividade aristocrática da Lei Áurea (1888) e não é se não cem anos depois, com a Constituição-Cidadã (1988), que tardiamente afrodescendentes, indígenas e outros grupos excluídos da sociedade nacional passam a ser contemplados em seus direitos humanos. Uma luta social que está longe do fim: e a gente ainda não sabe que os primeiros "negros da terra" (escravos índigenas) da América do Sul foram 36 índios da ilha do Marajó sequestrados pelo navegador espanhol Vicente Pinzón. Do mesmo modo, não sabemos que a brava gente marajoara aceitou, politica e pacificamente, ser "portuguesa" depois de muita luta sem jamais conhecer derrota no campo militar. Sem este fato a ocupação efetiva do rio Amazonas seria ainda mais dificultada diante da concorrência holandesa, inglesa e francesa. Portanto, a linha de Tordesilhas (1494-1750) na Amazônia não poderia ter sido revogada como realmente foi. Não só o povo marajoara renunciou ao comércio com os estrangeiros para passar a sofrer as vexações históricas que a crônica colonial apenas deixa entrever, como também diante das primeiras notícias da Independência do Brasil foi dos primeiros paraenses a proclamar formalmente a Adesão (Muaná, 23 de Maio de 1823). Significar dizer que esta pobre gente marajoara, cujos antepassados deixaram a primeira ecovilização da Amazônia há 1500 anos passados, faz história. Todavia, ainda não entrou na historiografia nacional como merece.

NO PASSADO O OURO ERA CAUSA DA GUERRA, HOJE O PETRÓLEO E AMANHÃ SERÁ A ÁGUA MOTIVO DOS MAIORES CONFLITOS DA TERRA: FAÇAMOS DESDE JÁ DESTE ELEMENTO VITAL RAZÃO PRINCIPAL DE CONCÓRDIA E INTELIGÊNCIA PARA A PAZ DAS NAÇÕES.

Na metade do século XVII, o padre Antônio Vieira pintou nas páginas messiânicas da "História do Futuro" um grande painel barroco sobre as ilhas do estuário Pará-Amazonas, golfão ao qual chamamos com outros visionários a "Amazônia Marajoara". Neste cenário magnífico da biosfera o homem já aparece humilhado... Três séculos depois, um outro controverso jesuíta chamado Giovanni Gallo escreve reportagens sobre um povo excluído do estado e da nação, ao qual ele considerou justamente como remanescente dos antigos engenheiros e arquitetos da universidade pés descalços, mais conhecida como a célebre Cultura Marajoara: para melhor expressar esta impressionante condição humana, o missionário do Arari inventou de "cacos de índio" o primeiro ecomuseu do Brasil, dito "O Nosso Museu do Marajó", em Santa Cruz do Arari, 1972.

Neste mesmo ano, o romancista Dalcídio Jurandir era saudado por Jorge Amado como "índio sutil" em sessão solene da Academia Brasileira de Letras (ABL) para outorga do Prêmio "Machado de Assis", primeiro para autor amazônico e somente em 2010 outro intelectual da região seria condecorado com o mesmo prêmio, o filósofo paraense Benedito Nunes. Também em 1972, em plena ditadura militar, o Exército brasileiro dava duro combate à Guerrilha do Araguaia: acontecimentos aparentemente desconectados, todavia fazendo parte de um mesmo fundo histórico de lutas entre as diferentes classes da mesma sociedade forjada de 500 anos de história do Povo Brasileiro.

Marajó é uma "ilha" cercada de indiferença por todos os lados... Todavia, os tesos (sítios arqueológicos) cheios de mistério não deixam a consciência nacional adormecer... O criador do Museu do Marajó escreveu o livro "Marajó, a ditadura da água". Acertou em cheio: o regime de chuvas e secas, condiz com o realismo-mágico de "Chove nos campos de Cachoeira"; o naturalista de Coimbra, Alexandre Rodrigues Ferreira, relata na "Notícia Histórica da Ilha Grande de Joanes, ou Marajó" (1783) o drama das águas levadas pelo sol para longe da ilha e o desespero das muitas cobras grandes que escavaram rios, igarapés e canais... De forma que a abundância de água pelas ilhargas das ilhas despejando, diariamente, cerca de 20% de toda água doce do Planeta no oceano; corresponde a uma enormidade de doenças, óbitos e sede da gente marajoara.

Mas, a valente Santa Cruz como uma fênix que renasce das queimadas dos campos todos os anos com as chuvas; já descobriu na complicada geologia da foz do Amazonas o aquífero do Arari donde pela ciência e tecnologia vem a furo puríssima água na torneira da população. Sinal de que a Universidade marajoara pés descalços que inventou os tesos a partir do manejo do peixe e da água da chuva; poderá frutificar da semente chamada "O Nosso Museu do Marajó", no sonho de uma universidade multicampi tendo a água e aquicultura por finalidade de excelência científica e caminho para o desenvolvimento e a paz.