sábado, 8 de outubro de 2011

QUEM PAGA O PATO?




Papeando com meu filho Rodolfo, ele me dizia que neste ano criadores de pato no Pará faturaram alto o almoço do Círio. Enquanto antes, devido à lei da oferta e da procura, o precioso pato no tucupi escassiou no "natal dos paraenses", de maneira tal que o camarada tinha que trocar pato por marreco congelado, peru ou frango processado e importado lá das bandas Sul se quisesse degustar algo parecido. Ou, então, pagar um dinheirão a marreteiro que ia se abastecer caminhão no vizinho estado do Maranhão.


Claro, eu por mim, não de agora; acho que os parauras da gema preocupados com ameaça de divisão do Pará deviam antes fazer campanha O PATO É NOSSO! Ou "Não se metam com o tucupi da gente!"... Claro, é tentativa de fazer piada. Mas o caso é sério, tão sério que devia estar nos planos de candidatos e candidatas de 2012 a cargos eletivos nos municípios da área metropolitana de Belém e entornos da Capital, notadamente com a transformação dos mercados da carne e do peixe do Ver O Peso em um baita centro de gastronomia tradicional da Amazônia. Sem esquecer o sonho de um aquário amazônico de grande porte feito para estourar a boca do balão do desenvolvimento sustentável...


Desta maneira, a repaginação do Ver O Peso, a começar com a venda de peixe e carne "in natura" exclusivamente nos bairros e supermercados de Belém; aposentaria sem drama nosso conhecido urubu do Ver O Peso. Em lugar do prestimoso gari-urubu, a ser devidamente condecorado em cerimônia solene depois de anos e anos de bons serviços prestado ao público; há que se entronizar com galas sua majestade O Pato no Tucupi no maior templo de gastronomia popular do Brasil e América Latina: a feira do Ver O Peso, com certeza!


Este marquetingue ribeirinho sai por conta da ACADEMIA DO PEIXE FRITO http://academiaveropeso.blogspot.com , todavia cumpre ter em mente que não existe almoço de graça. Milagre, às vezes, acontece numa vida vivida com merecendência... Mas o maior milagre é a Vida ela mesma. Portanto, se carece pagar promessa pela graça divina alcançada; como em Portugal fez o cavaleiro e caçador feudal Dom Fuas Roupinho, alcaide de Porto de Mós, prostando-se ao chão no Sítio da Nazaré aos pés da Virgem negra com o Menino Deus ao seio; também cá o povo do Círio de Nazaré de Belém do Pará deve pagar o pato que consome como convém a bons filhos e filhas da Madre de Deus.


Como conviria, então, fazer a mesa em comunhão à devoção nazarena? Não sou carola, mas creio que primeiramente, antes da primeira bocada, devia-se agradecer à mãe Natureza por ser generosa com o clima e a safra, depois à senhora dona da casa com sua cozinheira ou cozinheiro caso haja e todo mais pessoal da faxina... Sem os quais nem esta conversa seria feita. Podem sentar e servirem-se à vontade, porém não se esqueçam de lavar as mãos de suas antigas faltas contra a fraternidade: como estarão neste dia as mãos e a barriga do lavrador lá na sua roça? Quem foi que ralou mandioca e tirou o tucupi? Quem plantou e quem trouxe à feira o jambu? Enfim, quem criou o pato e quem ganhou de fato com o preço do bicho até toda esta alquimia virar mercadoria e se transformar em tesouro e sabor ao paladar? Esta lavagem de consciência não se faz na bacia de Pilatos... E o pecado da gula se paga no SPA ou na UTI com infarto.


Há que se pagar o pato do Círio por sua mais valia na cadeia produtiva e no arranjo econômico do turismo solidário. Se não, adeus solidariedade no segmento de turismo religioso! Com mais culpa até do que outros ramos da "indústria sem chaminé" dedicados quase que exclusivamente ao culto do Vitelo de Ouro... A conversa me fez lembrar acontecimento lá na minha terrinha de Ponta de Pedras. Cheguei lá e encontrei o único hotel que então existia na cidade transformado em hospital ou antes ambulatório. Como eu estava "assim" com o prefeito e o médico, me foi arranjado -- excepcionalmente -- um quarto, não de paciente mas hóspede da coisa que o povo, com sua formidável verve difundida na rádio cipó, chamava de "hospitel"...


Altas horas, depois de muita conversa jogada fora com os compadres e manos velhos, a madrugada veio ao encontro da cidadezinha mergulhada em sono profundo. Fui então buscar o leito no "hospitel", fechado naturalmente àquela hora. Mas, um atencioso vigia estava de plantão e pronto para abri-me a porta. Era um homem de cerca de sessenta anos de idade, esmerilado pelo tempo, queixa-se de reumatismo parecendo-me que ele carecia mais de hospital do que de emprego no hotel... A frio sereno da madrugada fazia o pobre homem se vergar como faquir e parecer dez anos mais velho. Sentei-me a seu lado na soleira da porta a escutar suas queixas. Pobre, preto, puto da vida... Dependia daquele empreguinho para "criar" uma penca de netos que duas filhas solteiras e "preguiçosas" (dizendo ele) lhe arranjaram com diferentes e ausentes pais. Olha lá essa situação! E o cara ainda fazia piada da própria sorte... 

Eu fiquei na minha; quer dizer, não lhe revelei o que estava pensando. Na verdade, eu fora ali cedido pelo governo federal para ajudar o município a fazer alguma coisa a fim de mudar o velho panorama herdado do "Diretório dos Índios" (1757): esta "revolução" iluminista pombalina, donde por um processo complicado passando pela expulsão dos Jesuítas e confisco de bens da Missão (1759), cem anos após a Pacificação dos rebeldes Nheengaíbas; no ano de 1793 o poder colonial oficializou a romaria espontânea começada na hunilde ermida de palhas na Estrada de Nazaré. Assim, da barraca do caboclo Plácido para o Palácio do Governo [Museu de História do Pará] aconteceu o primeiro Círio de Nazaré de Belém do Pará, réplica amazônica da devoção do Sítio da Nazaré em Portugal. Não sei ao certo se há ou não uma geminação entre o município da Vigia de Nazaré (Brasil) e o município da Nazaré (Portugal), metendo em acento o turismo religioso que passa todos os anos na capital deste estado, que vai fazer 400 anos (2016) e teve seu batismo pensando em Belém da Judeia, que vem a ser justamente Belém da Palestina.


Para encerrar o papo já pensando no que fazer, antes que o homem me desse uma "facada" para comprar o magro pão daquele dia; perguntei a ele onde morava com a família. Respondeu-me que morava no lugar dito Armazém: um igarapé na periferia da cidade... Eu, já pensando na oportunidade para projetinho de desenvolvimento familiar, lhe fiz ver a excelência do Armazém para criação de patos... O que é pura verdade. Lá os bichos soltos no terreiro se reproduzem em na natureza ao sabor da maré, não pode existir pato ecológico mais "verde" do que aqueles criados nas várzeas entre a barraca-palafita e a beira do rio, quando muito uma cobra sucuriju come um ou dois patinhos, de tempo em tempo. E o banal pedágio natural que um ribeirinho tem pagar...


O homem ao me ouvir falar tamanha "besteira", arregalou os olhos como se tivesse visto um E.T. daqueles que costumam frequentar as bandas de Colares. E sentenciou: "não dá certo!". Por que não? Porque já experimentei e os vizinhos roubam demais uns aos outros... E tudo vai parar na porta da Delegacia (de polícia). Puxa vida! Consegui replicar, dizendo: "Viste? O pior inimigo do pobre é outro pobre!". E fui dormir com dor de cabeça, pensando "onde eu vim me meter"... Acho que o cara me odiou pelo resto da vida, mas o Armazém se tentou alguma coisa ainda foi em regime de parceria sem jamais motivo para soltar foguetes de contentamento.

O pato do Círio tem algo mais que o preço da mercadoria: a mais valia. Que alguém comeu não se sabe onde, só não foi quem plantou ou criou... Devemos pensar que do Sítio da Nazaré o Círio chegou a Vigia do Pará e depois a Belém, que de lá em Portugal hoje nos venha ainda além da tradição da peregrinação inspiração a um turismo e lazer solidários. Nosso pato no tucupi possa, doravante, ser semelhante ao galo de Barcelos, cuja estória Saramago contou na "Viagem a Portugal" e eu a reproduzi na minha "Novíssima Viagem Filosófica". De modo que dessas ilhas todas nas cercanias da paisagem cultural de Belém do Pará, com suas várzeas e igarapés atendidos pela regularização fundiária, plano de manejo ambiental, crédito incentivado e extensão técnica, possam por milagre de Nossa Senhora fazer do Ver O Peso uma referência mundial em economia solidária. O lugar onde se come o melhor pato no tucupi sem dor na consciência.


Pato noTucupi. Foto: Luiz Braga

terça-feira, 4 de outubro de 2011

VILARANA: A VOLTA PARA BEIRA DO RIO-MAR PARÁ

+ 4 imagens


Imagem captada a 4 de Maio de 2011

http://www.leme.pt/imagens/portugal/nazare/porto-da-nazare/0001.html

Esta imagem acima é do Município da Nazaré (Portugal). Todavia, imagine que poderá  inspirar, no futuro, construção de nova sede do Município de Ponta de Pedras (na ilha do Marajó) de voltar às suas origens na antiga Aldeia das Mangabeiras (balneário Mangabeira). A história local informa que a freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Ponta de Pedras, de 1737, foi transferida para a margem esquerda do rio Marajó-Açu pela dificuldade de porto para canoas de pesca de frente para a baía, em Mangabeira. Informantes como Brasilino e Luciano Rodrigues, filhos de Bibiano Rodrigues que teria mudado sua casa do Lugar de Vilar (1758, outrora aldeia dos índios "Guaianases", cf. "Notícia Histórica da Ilha Grande de Joanes" (1783), de Alexandre Rodrigues Ferreira; igualmente citados pelo Padre Antônio Vieira como uma das sete nações Nheengaíbas pacificada, apud Serafim Leite, "História da Companhia de Jesus no Brasil") para Mangabeira à três quilômetros de distância uma da outra, confirmaram esta notícia.

Meu avô Alfredo Nascimento Pereira, que possuia pequena impressora manual do tempo que morou em Cachoeira do Arari e editava a gazetilha "O Arary" teria recolhido a lenda dos passeios noturnos de Nossa Senhora entre a igreja matriz de Ponta de Pedras e a capela junto à aldeia da Mangabeira. Não vi nenhum exemplar desse prospecto mas dele tive notícia por meu pai e tias, inclusive o ex-prefeito Wolfango Fontes da Silva (Fango) que teria incentivado ou custeado a impressão do relato recorrente entre a população. Evidentemente, a lenda é uma elaboração coletiva de resistência à mudança da freguesia da praia para à amrgem do rio. Certas noites de luar viam o vulto de uma mulher vestida de branco passando rumo ao Campinho e estrada de Belém em direção a Mangabeira. Ao amanhecer, diversas vezes, o sacristão deu parte de que a barra do manto da Virgem estar molhada e suja de areia como de uma senhora que andasse sob o sereno da madrugada por tais caminhos. Com isto o povo queria dizer que a santa havia saudades de sua antiga ermida.

Sabem bem os investidores da nova economia como lendas são insumos de emprego e renda no Turismo. Com exemplo no galo de Barcelos que deu muitas crias no artesanato português. Não é de agora que o turismo religioso movimenta milhões no Ciriio de Nazaré começado lá no Sítio da Nazaré em Portugal. Pela ficção e a saudade inventei a vila que nem vila era transformando a antiga Vila Itaguari [Ponta de Pedras] numa estória que conversa com a história real. A praia da Mangabeira habita o imaginário da cidade de Ponta de Pedras há muito tempo e não foram poucos os que sonharam, um dia, fazer como Barcarena que tomou coragem e fez sua cidade nova para sede do município.

Eu não estou a dizer que isto se pode fazer com uma varinha mágica nem que seja para servir de palanque a candidatos políticos. Mas, sim que é possível recuperar a noção do passado e com isto arquitetar um futuro o melhor possível para todos. O primeiro passo é o da sedução da idéia e este já foi dado há muito tempo. Tanto é verdade que hoje uma fotografia qualquer de Mangabeira mostra um casario moderno e ninguém duvida do potencial para o turismo e o lazer. O que se tem de acabar é com ontra lenda, a de que Mangabeira não pode ser porto por se achar voltada diretamente para à baía do Marajó. Isto realmente aconteceu há cem anos passados... Hoje a moderna tecnologia faz milagres e vemos que o sítio da Nazaré fez duas vez o milagre da fé e o da engenharia. Ponto pacífico. Além do mais o crescimento urbano de Ponta de Pedras e ligação rodoviária com Mangabeira permite dizer que, se de fato o povo quiser fazer a volta da sede para Mangabeira, não se trata na verdade de mais uma mudança e sim de simples expansão da cidade.

Também há de indagar, com que verba? Pois não se constrói infra-estruturas de brisa. Isto lá é verdade, mas de brisa do mar, sombra e água fresca andam à procura muitos turistas. Se já existe um pouco de desejo de caminhar nesta direção, o que falta é os interessados se identifirarem como parceiros desta idéia e esboçar o projeto pelo qual será permitido compartilhar o sonho. O resto virá a tempo de uma ou duas gerações...

pra não dizer que eu não dei a semente...


O Sítio da Nazaré é um bairro da vila da Nazaré, situado no topo do escarpado promontório da Nazaré.
Segundo Frei Bernardo de Brito, data de 1182 a primeira construção no Sítio (de Nossa Senhora) da Nazaré. Um tempo em que, segundo a arqueologia, os antigos habitantes da ilha do Marajó havia atingido o apogeu da Cultura Marajoara começada entre os anos 300 e 400 da era cristã. Trata-se da Ermida da Memória, mandada erguer por D. Fuás Roupinho sobre uma gruta, onde esteve durante a época mulçumana a imagem de Nossa Senhora da Nazaré. Ao episódio que originou a construção da capela dá-se vulgarmente o nome de Lenda da Nazaré.
Na nossa estória de Vilarana, fazendo menção à lenda dos passeios da Virgem da Concepção entre a Igreja de Nossa Senhora do Tempo e a capela da Mangabeira; queremos conectar com a ermida de Nossa Senhora do Tempo, em realidade, na baía do Carnapijó (Barcarena): uma aventura que articula tempo e espaço à margem da história. O rei D. Fernando fundou um santuário, em 1377, para o qual foi transferida a imagem. Foi em torno dele e para acolher os romeiros que se instalaram os primeiros habitantes em pequenas casas. Em 1648, para além da Ermida da Memória e do Santuário de Nossa Senhora da Nazaré, existiam no Sítio, cerca de trinta casas, estrebarias, um forno de cal e uma fonte. Se quisermos seguir com as comparações em ambas as margens do Oceano diremos que a Cultura Marajoara já vai chegar ao ocaso com a invasão dos bravios Aruãs pela costa norte e que a guerra de expulsão dos Hereges (holandeses e ingleses, começada com a tomada de Gurupá (1623) está prestes a acabar com o reconhecimento da independência de Portugal (1640), mas os rebeldes  Nheengaíbas ainda manterão os português longe de suas ilhas, praticando a guerra de guerrilhas e o corso fluvial, com que apenas o Padre Antônio Vieira seria capaz de pacificá-los com as promessas do rei D. João IV, na Lei de abolição dos cativeiros (1655), paz de Mapuá (1659), rompida implicitamente com a primeira expulsão dos Jesuítas (1661) e a doação da Ilha dos Nhengaíbas ao ministro de estado do rei D. Afonso VI, Antônio de Sousa de Macedo, como capitania hereditária da Ilha Grande de Joanes (1665): origem do regime de sesmarias no Pará.
Durante séculos, grandes romarias organizadas, os Círios, oriundos de vários locais em Portugal, como Santarém, Óbidos, Leiria, Coimbra ou Lisboa, trouxeram ao Sítio, um imenso número de peregrinos e romeiros, de todas as classes sociais, incluindo por vezes a família Real. Desta tradição portuguesa começa no Pará o culto na Vigia do Pará [hoje de Nazaré] com a lenda do achado da imagem pelo caboclo Plácido na estrada do Una, depois Estrada de Nazaré, atual Avenida.

Em 1808, as tropas de Napoleão saquearam a igreja e a povoação, que incendiaram parcialmente, na sequência de uma revolta popular. Alguns dos habitantes do Sítio foram capturados e fuzilados pelos soldados franceses no largo da Fonte Velha.
Até meados do século vinte, foi elevado o número de forasteiros que ali se deslocavam para venerar a Senhora da Nazaré na época das suas Festas, no final do Verão. O Santuário de Fátima desviou progressivamente a devoção e a rota dos peregrinos que aí começaram a afluir após as aparições de 1917, embora hoje, muitos dos peregrinos e turistas-religiosos de Fátima visitem também a Nazaré.
O Sítio da Nazaré, cercado por extensa muralha, com o imponente santuário, as casas de romeiros, o paço real, a casa do reitor, o teatro, a praça de touros, as duas fontes e os dois grandes poços, denota através destes equipamentos e da organização da sua malha urbana (com vários e espaçosos largos), a origem da povoação, vocacionada para receber sazonalmente grande número de romeiros e de festeiros, denominando-se Festas da Nazaré a maior aglomeração humana, que ocorre anualmente no início de Setembro.

Representação setecentista do santuário de Nossa Senhora da Nazaré.

Uma lenda não é uma invenção arbitrária mas sim uma deformação ou uma ampliação da realidade.
Jorge Luis Borges

Conta a Lenda da Nazaré que ao nascer do dia 14 de Setembro, de 1182, D. Fuás Roupinho, alcaide de Porto de Mós, caçava nas suas terras junto ao litoral quando avistou um veado que de imediato começou a perseguir. De súbito, surgiu um denso nevoeiro que se levantava do mar. O veado dirigiu-se para o cimo de uma falésia. D. Fuas, no meio do nevoeiro, isolou-se dos seus companheiros. Quando se deu conta de estar no topo da falésia, à beira do precipício, em perigo de morte, reconheceu o local. Estava mesmo ao lado de uma gruta na qual se venerava uma imagem de Nossa Senhora com o Menino. Rogou então: Senhora, Valei-me!. Imediata e milagrosamente o cavalo estacou, fincando as patas no bico rochoso suspenso sobre o vazio, o Bico do Milagre, salvando-se assim o cavaleiro e a sua montada da morte certa que adviria de uma queda de mais de cem metros.
D. Fuas apeou-se e desceu à gruta para rezar e agradecer o milagre. De seguida mandou os seus companheiros chamar pedreiros para construírem sobre a gruta, em memória do milagre, uma pequena capela, a Capela da Memória, para ali ser exposta à veneração dos fiéis a milagrosa imagem. Antes de entaiparem a gruta os pedreiros desfizeram o altar ali existente e, inesperadamente, entre as pedras encontraram um cofre em marfim contendo algumas relíquias e um pergaminho, no qual se identificavam as relíquias como sendo de S. Brás e de S. Bartolomeu e se relatava a história da pequena imagem esculpida em madeira, representando uma Virgem Negra, sentada a amamentar o Menino Jesus.
Segundo o pergaminho, a imagem terá sido venerada desde os primeiros tempos do Cristianismo em Nazaré, na Galileia, terra natal de Maria. No século quinto, o monge grego Ciríaco transportou-a até ao mosteiro de Cauliniana, perto de Mérida. Ali permaneceu, até 711, ano da batalha de Guadalete, após a qual desbaratadas pelos muçulmanos, as forças cristãs fugiram desordenadamente para norte.
Quando a notícia da derrota chegou a Mérida, os monges de Cauliniana prepararam-se para abandonar o mosteiro. Entretanto D. Rodrigo, o rei cristão derrotado, conseguira escapar do campo de batalha e disfarçado de mendigo refugiara-se incógnito no mosteiro. Porém ao confessar-se a um dos monges, frei Romano, teve de dizer quem era. O monge propôs-lhe então fugirem juntos para o litoral atlântico e levarem consigo a imagem de Nossa Senhora da Nazaré, uma antiga e sagrada imagem de Maria que se venerava em Cauliniana. A 22 de Novembro de 711 chegaram ao seu destino e instalaram-se no cume do Monte de São Bartolomeu num eremitério vazio que lá existia e ali permaneceram juntos algum tempo. Decidiram então viver sós, como eremitas. O frei levou consigo a sagrada imagem e instalou-se numa pequena gruta, sobre o mar, a 3 km do Monte onde o rei continuou a viver. Passado um ano, frei Romano morreu e D. Rodrigo, antes de abandonar a região, sepultou-o no solo da gruta, onde deixou a sagrada imagem, sobre o altar onde permaneceu até 1182 quando foi mudada para a capela que D. Fuas mandou construir sobre a gruta, após o milagre. A imagem permanece, pois, desde 711-712, no mesmo sítio, o Sítio da Nazaré.
Em 1377, o rei D. Fernando (1367-1383), devido à significativa afluência de peregrinos, mandou construir, perto da capela, uma igreja para a qual foi transferida a imagem de Nossa Senhora da Nazaré, decorrendo esta denominação, do seu lugar de origem, a Nazaré na Galileia.
A popularidade desta devoção, à época dos Descobrimentos portugueses, era tamanha entre as gentes do mar, que tanto Vasco da Gama, antes e depois da sua primeira viagem à Índia, quanto Pedro Álvares Cabral, que viria a descobrir o Brasil, vieram em peregrinação à Senhora de Nazaré. Em 1520, a rainha D. Leonor de Áustria, terceira mulher do rei D. Manuel I, irmã do imperador Carlos V, permaneceu no Sítio da Nazaré alguns dias, num alojamento de madeira construído especialmente para esta ocasião. Foi esta uma das muitas visitas Reais. Também São Francisco Xavier, padre jesuíta, o Apóstolo do Oriente, veio em peregrinação à Nazaré antes de partir para Goa (Índia), tendo sido aliás os Jesuítas os grandes propagadores, em todos os continentes, do culto a Nossa Senhora da Nazaré. Coincidência, notável a primeira sesmaria dos Jesuítas em Marajó foi a fazenda S. Francisco [Malato, cuja capela foi consagrada a S. Francisco de Borja], mas a “Notícia Histórica” esclarece que a aldeia das Mangabeiras, foi elevada à categoria de Lugar de Ponta de Pedras, sob padroado de Nossa Senhora da Conceição e, meia légua abaixo, a aldeia dos “Guaianazes” [Guaianá] passou a se chamar Lugar de Vilar sob padroado de S.Francisco Xavier...
Santuário de N.ª Sr.ª da Nazaré, capela-mor [Portugal]
Nos séculos dezessete e dezoito ocorreu a grande divulgação do culto de Nossa Senhora da Nazaré, tanto no seu Santuário, como em Portugal e no império ultramarino português, onde ainda hoje se veneram algumas réplicas da verdadeira imagem e existem várias igrejas e capelas dedicadas a esta invocação. É de destacar a imagem de Nossa Senhora da Nazaré que se venera em Belém do Pará, no Brasil, cuja festa anual recebeu o nome de Círio de Nazaré e é uma das maiores romarias do mundo atingindo os dois milhões de peregrinos em um só dia.
No século dezesseis, o Santuário de Nossa Senhora da Nazaré fundado por D. Fernando, começou a ser reconstruído e aumentado, tendo as obras sido prolongadas por várias empreitadas até finais do século dezenove. O edifício atual é resultado destas obras sucessivas que lhe conferiram um caráter peculiar. A sagrada imagem está exposta na capela-mor, por cima do altar, num nicho iluminado integrado no retábulo, ao qual os devotos podem aceder subindo uma escada que parte da sacristia.
Segundo a tradição oral, a imagem Mariana terá sido esculpida por São José carpinteiro em Nazaré, na Galileia, quando Jesus era ainda bebê. Algumas décadas depois São Lucas evangelista a teria pintado. Conservou-se em Nazaré até ser oferecida a São Jerônimo de Stridão, que a ofereceu a Santo Agostinho bispo de Hipona no norte da África, que por sua vez a ofereceu ao mosteiro de Cauliniana, perto de Mérida (Espanha). Assim sendo poderá ser a mais antiga imagem venerada por cristãos.
Até hoje, a tradição aponta aos visitantes a marca deixada por uma das patas do cavalo de D. Fuas, no extremo do Bico do Milagre, ao lado da Capela da Memória.

Iconografia

As representações do Milagre da Senhora da Nazaré a D. Fuas Roupinho são inúmeras, sendo de destacar, a gravura anônima no livro de Brito Alão de 1628, a tela setecentista da sacristia do santuário assinada por Luís de Almeida; a diversificada coleção do Museu Dr. Joaquim Manso, no Sítio, a escultura da igreja de São Domingos, em Lisboa, o vitral na capela da Quinta da Regaleira, em Sintra, o mural de Almada Negreiros na gare marítima de Alcântara, em Lisboa, e os muitos painéis de azulejos nas fachadas das casas da vila da Nazaré.
Na gravura do milagre no livro de 1628, acima referido, aparece o cavaleiro no Bico do Milagre, sem a representação da imagem. Na tela da sacristia, mais tardia, a imagem aparece pintada no interior da gruta. A partir de finais do século dezessete, a cena do milagre passa a ser sistematicamente apresentada como uma aparição mariana, na qual a Senhora da Nazaré "levita" acima e à frente do cavaleiro, no momento em que este está prestes a precipitar-se do topo da falésia, tendo sido este modelo, errado, o que preserverou até hoje, destacando-se contudo pelo seu caráter excepcional a aquarela de Mário Botas, no Museu do Sítio, na qual se vê a Senhora representada duplamente, a "levitar" e na gruta.