domingo, 9 de junho de 2013

VAL DE CÃES (VALE DE CÃES), O HAITI É AQUI





Val de Cães (vale de cães), o Haiti é aqui.
(uma paródia da composição “Haiti”, de Caetano Veloso)





Quando você for informado que malucos
Tão matando bandos de cachorros doidos
Quase todos viralatas famintos e vadios
Lá na pacata Santa Cruz do Arari ou na elétrica cidade de Tucuruí
Lembre-se há mais de 500 e tontos anos
Começou aqui o sequestro de aldeias de índios
Pra fazer escravos negros da terra na América do Sul
Tão logo o espanhol Pinzón pisou a ilha do Marajó
Três meses antes de Cabral descobrir o país do Pau-Brasil
A caminho das Índias...

Será que ouviu falar dos Contemplados? felizes ganhadores 
Das fazendas da missão da Companhia de Jesus na ilha de Joanes
Ou Marajó
Dado e arregaçado havendo porteira fechada com escravaria
Gados e cavalaria cabo-verdiana
Tudo de graça aos homens-bons fiéis ao Marquês de Pombal
entre as ditas fazendas uma certa Santa Cruz do lago Arari
Que viria dar o que falar 200 e tantos anos depois.

A porrada mal havia começado por Colombo
Escravizando indios das Bahamas pra procurar ouro no Haiti...
E "los perros para aperrear a los índios
Vieram com os Conquistadores para fundar a raça
Fila Brasileiro na caça ao índio pelos Bandeirantes no país do Futuro...
No Pará talvez você não saiba depois do achado da santa
Pelo caboco Plácido e os milagres da Senhora de Nazaré
O Cirio em Belém do Pará começou com o governador português
Francisco da Silva Coutinho cheio de culpa e pecados
Por ter mandado matar afogada uma escrava preta
Da fazenda Val de Cães com corrente atada ao pescoço
Da dita criada afogada de sua amásia branca
Grávida de oito meses que saiu da fazenda Val de Cães
A galope pra Cidade Velha a ver o que Dom Juan do Piry
Aprontava no Palácio do Governo em orgias faladas na cidade
A branca perdeu a criança e a preta pagou com a vida a ira
De dom Francisco Coutinho.

Morto de remorso o governador adoeceu gravemente
Mas com arrependimento e fé no perdão da Virgem de Nazaré
Dom Francisco se tornou devoto número um da santa
Pra escarmento geral da pecadora Capitania do grão Pará
Fez ele promessa do primeiro Círio diz a lenda
E assim a imagem santa foi levada em trasladação
Pela população à luz de velas caminhando pela mata escura
Da ermida modesta na beira da estrada do Una
Para as luzes oficiais da capela real do Palácio da Cidade.

Destarte quando você ver a Berlinda e a Corda
Carro dos Milagres e mais alegorias do carnaval devoto
Lembre-se de todos negros da terra e negros da Guiné
Dos cachorros mortos, pacas, cotias e todos Gados do rio
Sacrificados no altar da civilização da Amazônia.
Pense nas crianças prostituídas pedindo esmola
Nas mulheres violentadas, homens espancados em xadrez
Pobres ribeirinhos
Na beira do rio de Breves a ver navios da Zona Franca de Manaus
A caminho de São Paulo com aparelhos eletrônicos
A ser rotulados e revendidos em todo país do Carnaval
A ver partidas de futebol, novelas e domingão do Faustão.
No porto de Vila do Conde prostíbulos a bordo
Marinheiros que partem sem dizer adeus...
Na Ponta Negra de Muaná piratas lembram
Nheengaíbas acusados de ser canibais e corsários do rio.

Pense nos animais (tem mais bicho do que gente na Amazônia)
Mas não se esqueça de visitar a Cachoeira do rio Arari
Que existiu ali e não ficou nem na lembrança da gente
Ver o pavoroso Viramundo e outros instrumentos de tortura
De pretos no Museu do Marajó com a memória dolorosa
Dos tempos desnaturados da escravatura.
Então aguce seus ouvidos da razão pra escutar mano Caetano
Cantar o lamento terrível da servidão de tantos quantos Haitis
E não acredite em Papai Noel
Nem estória da carochinha quando disserem pra você
Que a culpa é da Dilma,
E do Lula, Fernando Henrique Cardoso, Fernandinho Beira Mar,
Ou da inflação, Dom Pedro ou a abertura dos portos por dom João
Lembre-se enfim de todos negros da Terra e negros da Guiné, 
cachorros doidos, onças pintadas, jaguatiricas
Periquitos e papagaios que pagaram o pato da Civilização
40 mil cabanos exterminados que nem cachorro doido
numa população amazônica de apenas cem mil almas penadas:
"Quando você for convidado pra subir no adro da
Fundação Casa de Jorge Amado
Pra ver do alto a fila de soldados, quase todos pretos
Dando porrada na nuca de malandros pretos
De ladrões mulatos
E outros quase brancos
Tratados como pretos
Só pra mostrar aos outros quase pretos
(E são quase todos pretos)
E aos quase brancos pobres como pretos
Como é que pretos, pobres e mulatos
E quase brancos quase pretos de tão pobres são tratados
E não importa se olhos do mundo inteiro possam
estar por um momento voltados para o largo
Onde os escravos eram castigados
E hoje um batuque, um batuque com a pureza de
meninos uniformizados
De escola secundária em dia de parada
E a grandeza épica de um povo em formação
Nos atrai, nos deslumbra e estimula
Não importa nada
Nem o traço do sobrado, nem a lente do Fantástico
Nem o disco de Paul Simon
Ninguém
Ninguém é cidadão
Se você for ver a festa do Pelô
E se você não for
Pense no Haiti
Reze pelo Haiti

"O Haiti é aqui
O Haiti não é aqui

"E na TV se você vir um deputado em pânico
Mal dissimulado
Diante de qualquer, mas qualquer mesmo
Qualquer qualquer
Plano de educação
Que pareça fácil
Que pareça fácil e rápido
E vá representar uma ameaça de democratização
do ensino de primeiro grau
E se esse mesmo deputado defender a adoção da pena capital
E o venerável cardeal disser que vê tanto espírito no feto
E nenhum no marginal
E se, ao furar o sinal, o velho sinal vermelho habitual
Notar um homem mijando na esquina da rua
sobre um saco brilhante de lixo do Leblon
E quando ouvir o silêncio sorridente de São Paulo diante da chacina
111 presos indefesos
Mas presos são quase todos pretos
Ou quase pretos
Ou quase brancos quase pretos de tão pobres
E pobres são como podres
E todos sabem como se tratam os pretos
E quando você for dar uma volta no Caribe
E quando for trepar sem camisinha
E apresentar sua participação inteligente no bloqueio a Cuba
Pense no Haiti
Reze pelo Haiti

O Haiti é aqui
O Haiti não é aqui



quinta-feira, 6 de junho de 2013

MARAJÓ E PANTANAL LIGADOS POR RAÍZES HISTÓRICAS INDIGENAS

indígena de etnia Terena (Aruak) do Mato Grosso do Sul:
se um caboco marajoara identificar nesta imagem semelhança 
com algum avô ou avó não terá sido uma mera coincidência.



Filho de um parto difícil debaixo de céu de anil onde brilha impávida a constelação do Cruzeiro do Sul, de cujo nascimento a mãe indígena gentil morreu ao dar luz a seu herdeiro mestiço, nosso Brasil brasileiro mulato inzoneiro, o gigante adormecido em berço esplêndido confiado em lendas da Terra sem males e profecias sebastianas do país do Futuro; desperta agora depois do longo sono da pedra polida em meio à crise global do fim da História. 

Então, este "jovem país" milenar descobre que, após 500 anos, a história da infâmia da destruição das Índias e do trabalho escravo ainda não acabou. O conflito armado no Mato Grosso do Sul entre o agronegócio e o modo de vida de povos tradicionais da região é uma ponta do icebergue do conflito civilizacional do qual, entre outros, Lévy-Strauss falou e, desde os primeiros dias do genocídio americano, o dominicano Bartolomeu de Las Casas denunciou com todas as letras. 

Agora, em pleno dia procurem com lanterna acesa feito Diógenes a saber de um homem honesto na Grécia antiga; quantos alunos de curso de Letras e História em nossas universidades tiveram honesta aula sobre quem foi afinal esse tal Las Casas no mundo colonial hispânico, ou Antônio Vieira no império colonial português progenitor do império neocolonial brasileiro... 

Talvez, por que seus mestres guiados pelo ditado positivista da educação nacional não tiveram conhecimento eles mesmo; esses iludidos estudantes não ouviram falar sequer do famigerado conquistador do México, Hernán Cortez; e do cruel assassino do Inca Atahualpa, Francisco Pizarro, conquistador do Peru... 

Portanto, será inútil indagar a que se reporta, por exemplo, a estátua em Cuba erigida à memória do cacique taino Hatuey na marginalizada história da resistência indígena das Américas. Mas, infelizmente, este professado esquecimento do crime dos civilizados cristãos contra os direitos humanos indígenas, cometido desde o século XVI no Caribe; pelo qual o Papa João Paulo II pediu o perdão dos índios e dos negros em nome da Igreja; seria o nexo temporal necessário para compreender a resistência indígena brasileira que ora se verifica no "celeiro do mundo". Assaltado pela biopirataria, fabricantes de agrotóxicos, açambarcadores de grãos e seus prepostos políticos e vendilhões de terras ancestrais. Com exemplo universal da famosa ilha de Manhattan, nos Estados Unidos, cérebro das finanças do mundo, comprada em escambo de mercadorias pelo holandês Peter Minuit aos índios Lenape, pelo ínfimo valor de 60 guilders (moeda holandesa), equivalente hoje a 24 dólares.

Naquela época, em Jaguaripe (CE), tendo a nação Tupinambá se desenganado da amizade francesa na França Equinocial (Maranhão), pela primeira vez passou para o lado dos portugueses; graças à astúcia do cristão-novo marroquino Martim Soares Moreno, que conseguiu conquistar a confiança do murubixaba Jacuúna e se amancebou com a filha deste chefe guerreiro, a índia Paraguassu. Do 'cunhadismo' tupi saiu a tomada de São Luís do Maranhão (1615), a fundação de Belém do Pará (1616) e a expulsão dos holandeses e ingleses (1623-1647).

O forte de Gurupá, antiga aldeia Mariocai; assinala o feito sine qua non dos arcos e remos Tupinambá. Aí também terminou a enorme jornada do bandeirante Raposo Tavares saído de São Paulo e atravessando o Pantanal ajudado por guias Tupinambás, que portanto, conheciam o caminho (conforme documento do mameluco Diogo Nunes, de 1538, relatando migração de 14 mil tupinambás saídos de Pernambuco pelo sertão para chegar à Amazônia peruana através do Solimões...). 

Quer dizer, confundidos genericamente como Tapuias (não-tupis), certamente povos de cultura e língua Aruak interpuseram-se em diferentes cenários à marcha tupi-guarani para oeste em busca da mítica Terra sem males. Esta dinâmica endógena do Brasil indígena que tem antiguidade no Amazonas e Rio Negro, implicando nas ilhas das Caraíbas o tronco Karib, por tudo, tão semelhante aos Tupi.

apesar de tudo, Deus é brasileiro.
Fizemos Cristo nascer na Bahia ou em Belém do Pará
Cheios de fé e orgulho de que Deus é brasileiro muitos compatriotas alimentam esperança de que, enquanto o mundo vai mal, o Brasil por si só com a lança de São Jorge nos trópicos vence o Dragão e termina sendo paradigma do novo Novo Mundo saído do ventre da crise mundial. Nota-se aí uma transmutação milagrosa do porque-me-ufanismo conservador ao populismo messiânico de esquerda.

No fundo da alma nacional, quando não se trata da própria Terra sem males transformada da utopia selvagem e do sebastianismo, pelo menos estamos face a uma utopia que namora um modelo de desenvolvimento humano, dito sustentável como um mantra; de melhor tolerância na convivência entre as diferenças de pensamento e comportamento para superação do impasse civilizacional e ambiental do mundo em crise e conflitos permanentes. 

Este é o sonho brasileiro para o mundo, não tanto do futuro; quando no presente se esgotam possibilidades de uma mudança pacífica de padrões de consumo, geração e distribuição da renda global. Este apartheid planetário que exige o equivalente a três planetas Terra para manter o status quo das nações pobres e ricas através de uma divisão do trabalho absolutamente injusta e insuportável.

Mas, em que a Questão Indígena no coração do Brasil tem a ver com a gloriosa tradição brasileira de país do Futuro e celeiro do vasto mundo industrial? 

Pátria de refúgio de perseguidos pela intolerância religiosa ou política e mina de oportunidades econômicas a tantos e tantos imigrantes sedentos e famintos, o antigo Pindorama (Brasil) e a velha Tapuya Tetama (terra tapuia, Amazônia) - por vocação geocultural congênita, embrionária da Pátria grande latino-americana e caribenha - integraram-se no seio do Império brasileiro para vir a ser, no século XXI, a potência emergente República Federativa do Brasil. 

Todavia, mediante alienação mental extraordinária, socialmente adquirida pela transplantada elite neocolonial, o bravo Povo Brasileiro é privado de consciência sobre si mesmo: envergonhado de sua matriz indígena e africana, sofrendo de complexo de viralata pela mestiçagem lusotropical da ralé judia e a massagada árabe sob a pele da ambígua figura de cristão-novo. Quando desta rica experiência de fraternização da Humanidade, que o mundo contemporâneo tanto carece, muito devemos nos orgulhar.

mais do que ouvir o que os índios nos tem a dizer,
é preciso aprender a sobreviver com eles por mestres
e não mais a ilusão de lhes civilizar. 
Com indigestão de informação na rede mundial de computadores num mundo estressado, engarrafado e caótico, urge reinventar o futuro já, pela revirada do presente. Amanhã poderá ser tarde demais. A palavra mágica é diálogo. Não com a manimolência de quem acredita que a maré está pra nós... Mas a urgência de quem compreende que o tempo perdido se agiganta.

O link a seguir nos traz um resumo do que é a saga dos Terena no Pantanal  http://pib.socioambiental.org/pt/povo/terena/1042 . Quem tiver um razoável conhecimento da história do Marajó não pode deixar de se admirar de certas semelhanças, entre os extintos "nheengaíbas" (nuaruaques marajoaras) e as diversas etnias Aruak do Pantanal. Suas esperanças em alianças com diferentes colonizadores em contexto de guerra e paz com grupos inimigos indígenas na mesma região.

O impacto colonial entre os séculos XVII e XIX. Inícios do período neocolonial com a Independência das ex-colônias dominadas por burguesias latifundiárias e escravagistas. A República velha, revolução de 1930. As duas guerras mundiais e a Guerra Fria até o fim da História e suas infâmias. Tudo isto nos faz pensar não apenas a emergência do Brasil no cenário mundial, mas também no cenário nacional e sul-americano a emergência dos Povos Originais e outros povos tradicionais. Eis que estavam quase todos extintos e, com o retorno à democracia, retomam o caminho e mostram a cara. Isto é bom para o Brasil e é bom para todo mundo. Quem acha que "índio bom é índio morto" já morreu e se esqueceu de cair fora do mundo dos viventes. Por isto passa o tempo a fazer assombração...

O Pantanal, reserva da biosfera reconhecida pela UNESCO, convida a sociedade brasileira a se questionar por que o Brasil não tem liderança mais ousada no desenvolvimento socioambiental planetário. Será que os donos do poder - na lição de Raymundo Faoro - não querem mesmo que o Brasil se destaque com suas unidades de conservação da Mata Atlântica, Serra da Canastra, Cerrado, Caatinga, Pantanal, Amazônia Central e outros biomas? Será, por exemplo, que as autoridades do Pará jogam contra a política nacional de meio ambiente e, por isto, se esqueceram na geladeira da candidatura da Reserva da Biosfera Marajó-Amazônia? Eu não creio em bruxos, mas sei que eles existem...

O ICMBio a fazer justo ao sonho de Chico Mendes não poderia jamais se contentar só com o "empate". Mas, com uma visão ousada onde Terras Indígenas e Quilombolas não devem ficar isoladas com essa mentalidade cartesiana que molesta o Serviço Público; avançar em parceria estratégica Público-Privada numa plataforma de economia mista voltada para o mercado. O esquerdismo tupiniquim aponta à China como modelo de socialismo com cara própria, mas de longe de encarar o made in China tem medo pânico do mercado, venha ele de onde vier.

O Marajó ultraperiférico - libertado do ilhamento histórico e curado da alienação imposta pelo Diretório dos Índios - oferece condições de experimentação em grande escala do programa multilateral "O Homem e a Biosfera" (MaB na sigla em inglês) em projetos demonstrativos, em cooperação nacional e internacional, numa universidade multicampi de referência mundial para o Trópico Úmido onde índios, quilombolas e cabocos, entre outros povos tradicionais, possam ensinar e aprender a produzir o invento do desenvolvimento sustentável.

Pareço ouvir vozes e risos escarnecendo: "O MaB, como o ICMBio, que formidável aparato de não fazer nada". Visto por esse ângulo faz sentido a contra-propaganda que diz que unidade de conservação engessa o progresso. Mas, não faz muito tempo, a FAO estava praticamente travada, foi lá o Brasil brigou e ganhou com a eleição de Graziano da Silva. A OMC ainda está brecada, porém o Brasil não se intimidou e conquistou apoio para eleger Roberto Azevedo, não será fácil. Fácil é não lutar, não resistir e não inovar... Mas a derrota é certa.

São ideias como estas, suscitadas pela histórica resistência dos Terena e outros povos originais, que mexe com a alma da brasilidade nesta hora.





sábado, 1 de junho de 2013

ALDEIA GUAIANÁ: LUGAR DE VILAR, PONTA DE PEDRAS


Ponta de Pedras, Marajó-PA. Vestígios do Igarapé do Vilar (antiga aldeia dos índios "Guaianazes") extinto por assoreamento da foz na baía do Marajó e esquecido por incúria do patrimônio público.


registro fúnebre de um igarapé que morreu

O último suspiro do Igarapé do Vilar aconteceu em fins da década de 1960. E a "pá de cal" foi a estrada da Mangabeira para o Jaguarajó, certamente carecia de uma pequena ponte e dragagem competente. Antes de chamar-se Igarapé do Vilar este extinto curso d'água do município de Ponta de Pedras foi porto de canoas de pesca da velha aldeia dos "Guaianazes" [segundo convenção internacional de antropologia deve-se grafar "dos Guaianá"], primeiros habitantes de Ponta de Pedras na faixa litorânea da baía entre os rios Arari e Marajó-Açu.

Sabemos que rios, lagos, igapós, igarapés e outros tipos de curso d'água podem ter morte natural. Nada porém que atividades humanas predatórias não possam acelerar... Foi o que aconteceu, certamente, como o falecido Igarapé do Vilar. Também, com exemplo dos holandeses, havendo técnica, recurso financeiro e vontade política em certos casos cursos d'água podem ser revitalizados. 

Em 1996 proposta da prefeitura de Ponta de Pedras ao Ministério do Meio Ambiente, via SECTAM (hoje SEMA-PA); para revitalizar o Igarapé do Vilar foi encaminhada no bojo de projeto socioambiental mais amplo; fazendo dele parque municipal para turismo tendo às margens memorial dos povos marajoaras incluindo domo de amostra de arqueologia marajoara para fins educativos e turísticos. Caso não tenha sido destruída a proposta original ainda deve estar na SEMA à disposição de pesquisadores.

Realmente, era um belo projeto que poderia ser referência na região. Mas prevaleceu visão de curto prazo, o governo optou por diminuir recursos do pretendido efeito demonstrativo do projeto de Ponta de Pedras e aumentar o número de participantes. Assim, além do dito igarapé já estar morto, matou-se também o projeto. Carece fazer arrodeio para voltar adiante ao assunto específico.

Estudos geográficos e históricos da região estuarina do Marajó são complicados por complexos fatores que vão da simples falta de fontes confiáveis até à sistematização e divulgação das mesmas entre a populações de seus dezesseis municípios com mais de 500 comunidades locais, em três microrregiões: Arari, Breves e Portel, sendo insulares as primeiras e a última localizada no continente, entre a foz do Xingu e do Tocantins, num total de 410 mil habitantes e 104 mil quilômetros quadrados de superfície (maior do que alguns países independentes). 

Em geral, cada município destes é um "Marajó" diferente. Existem municípios onde suas localidades distantes uma das outras mal se conhecem e, principalmente, ficam longe da sede municipal. Fato que torna menos difícil aos cidadãos pedir assistência ao município vizinho do que viajar com risco e custo maior à sede. 

Todo mundo aí conhece "seu" pequeno Marajó e está pronto a brigar por ele. Sobretudo, durante eleições, de dois em dois anos. Todavia, são poucas pessoas que podem falar razoavelmente a respeito do Marajó como um todo: não raro, as pessoas mais ilustradas, numa população onde metade não sabe ler nem escrever; confundem a história dos lugares com a data de emancipação municipal. 

Em muitos casos é recente a definição exata da autonomia municipal e o povoamento local. O município de Ponta de Pedras, por exemplo, um dos mais antigos povoamentos da longa era pré-colonial e da colonização do Marajó, esta depois do século XVII; somente foi emancipado em 1878. 

Embora o Arquivo Público do Estado do Pará (APEP) tenha fontes para história dos municípios, os estudos conhecidos em relação a criação do município às margens do rio Marajó-Açu somente foram de conhecimento público local no centenário (comemorado em 1980, após dois anos visto que se ignorava a documentação de instalação da Câmara da nova vila sede do município).

Aliás, além de se tratar de uma "ilha" excêntrica - na verdade, território estadual (104 mil km²) constituído de mais de mil ilhas (65 mil km²) e continente (39 mil km²) - cujo "centro" político se acha na capital do estado, Marajó também é "bicéfalo", social e economicamente falando, como dependência geográfica de Belém e Macapá. 

Trata-se de um fenômeno geral no Brasil onde grandes meios de comunicação seguem "informando" que somos um país jovem de apenas 500 anos, descoberto por Portugal. Sabe-se, recentemente, que a historiografia brasileira moldada pelo Império de Pedro II está sendo revisada por novos estudos de história pós-colonial. Mas seria muita pretensão de uma região hiperperiférica querer fazer seu autodescobrimento?

Ou seja, o Marajó grande é território insulado pela história, mais que insular pela geografia física; compartilhado de fato ao norte pelo estado do Amapá através do rio Amazonas, e ao sul pelo estado do Pará através da baía do Marajó. Por tudo isto, uma demanda popular à Presidência da República em 2006, tendo a Diocese de Ponta de Pedras e Prelazia do Marajó como porta-voz da gente marajoara, resultou na elaboração do "Plano de Desenvolvimento Territorial Sustentável do Arquipélago do Marajó - PLANO MARAJÓ", lançado na cidade de Breves, em 2007, conjuntamente, pelo Presidente da República e Governadora do Estado.

O PLANO MARAJÓ representa, com certeza, o maior fato histórico pós-1988 nesta região amazônica, justificadamente chamada a "Amazônia Marajoara". Todavia, depois de sete anos - a idade infantil da Amazônia Marajoara nascida de "cacos de índio" no Museu do Marajó, em 1972, e da Arqueologia amazônica como renascimento da velha Cultura Marajoara - ainda está engatinhando e patinando em contradições de suas próprias origens. 

Uma crítica pertinente se faz necessária para própria salvação do PLANO MARAJÓ, antes que este instrumento estratégico de desenvolvimento territorial sustentável volte a reincidir nos mesmos erros e ficar só nas belas palavras. Mas, como os planejadores do desenvolvimento regional vão operar sem conhecer a história da região além do "Descobrimento" luso? E deliberar sobre uma geologia e hidrologia que pouco se conhece?


um problema de base: a descolonização tardia
Pra que serve um Plano de desenvolvimento territorial integrado? Pra que serve um museu que deveria ser do Homem marajoara acabar tristemente, entre briga de herdeiros; olhando ao próprio umbigo e fazendo culto da personalidade do fundador? E a tarda Justiça da comarca chamada a apaziguar os ânimos botando mais lenha na fogueira de vaidades locais? E o poder público que não quer saber e tem ódio de quem sabe... Será que o testamento do criador foi lido e considerado como devia ser?  Que testamento? "Motivos Ornamentais da Cerâmica Marajoara" de Giovanni Gallo com apresentação de Ima Vieira e prefácio de Denise Schaan. Quem ainda não leu levanta a mão! Depois de ler vamos voltar a falar sobre o Museu do Marajó...

Mais de uma vez Dom Azcona, Bispo do Marajó; denunciou a doença mais grave, mãe de todas enfermidades da Pobreza... Em vez de buscar remédio o ameaçaram de morte para que se cale. Pra que comemorar datas e figuras ditas históricas sem conhecimento de fundo e contexto históricos? Pra que servem festivais supostamente de cultura popular que terminam em violência e assassinato de jovens? Pra que servem fragmentos de cerâmica?

Sim, tudo isto em resumo e muito mais é o tal IDH (índice de desenvolvimento humano) em questão. Mas a esquizofrenia social é ampla e irrestrita e, portanto, o remédio deveria ser remendar "cacos de índio" e localizar o desenvolvimento socioambiental das 500 "aldeias" (localidades) do Marajó inteiro.

Certamente, o primeiro passo para o desenvolvimento humano das regiões hiperperiféricas começa com ações afirmativas de cidadania e transferência de renda, como os programas Fome Zero e Bolsa Família, por exemplo. Porém isto é apenas emergencial como levar um paciente com hemorragia ao pronto socorro. Passada a crise é que começa de fato o tratamento e cura.

No caso da "Criaturada grande de Dalcídio" (populações tradicionais) a inclusão socioambiental começa com a regularização fundiária de moradores de sítios, secularmente espoliados; complementada por plano de manejo e educação ao desenvolvimento sustentável local (tripé social, econômico e ambiental). Ainda assim, o Desenvolvimento Humano não estará completo se a História da gente estiver só pela metade.
 
A insegurança em geral das fontes de pesquisa e falta de divulgação de dados consolidados reflete antigas questões ligadas à conquista e colonização do rio Amazonas disputado por espanhóis, portugueses, franceses, holandeses e ingleses. 

As fontes escritas, portanto, são em geral equivocadas, precárias, pouco estudadas e os estudos escassos não chegam à população da forma que deveria ser. 

Trata-se, evidentemente, de um falha considerável da Educação numa região hiperperiférica da Amazônia brasileira. Ironicamente, localizada a pouca distância de duas capitais estaduais, Belém e Macapá. 

Portanto, o baixo IDH da gente marajoara não acontece por geração espontânea, mas consequência de séculos de omissão do estado-nação em contraste com a mais notável civilização originalmente brasileira e primeira cultura complexa da Amazônia. Do ponto de vista da burocracia de Brasília e Belém, o PLANO MARAJÓ faz prova de que a gente marajoara está contemplada pelas preocupações oficiais. Mas para quem perdeu a noção de tempo e lugar na "ilha" de sua aldeia extinta por decreto, tudo isto é apenas presepada sem maiores consequências. O analfabetismo, por exemplo, que se poderia reverter em seis meses e levar adiante em educação continuada é simplesmente uma piada.

A realidade é que são poucos os pesquisadores e as pesquisas acadêmicas especializadas acabam ficando distantes do conjunto de professores da rede escolar de primeiro e segundo graus de ensino que deveriam normalmente ser difusores destes conhecimentos para a população. 

É claro que tal problema de extensão do conhecimento acadêmico não é exclusivo desta região. Porém, pelo fato de se tratar do maior arquipélago fluviomarinho da Terra e região de ocorrência da mais significativa cultura pré-colonial do Brasil, Marajó chama atenção como exemplo da marginalização de todas mais regiões culturais do Brasil politicamente isoladas. Um caboco poderá ser diplomado em escola de branco, mas o que ele aprendeu se aplicado pouco tem a ver com a vida real desta gente ribeirinha. Daí que o ensino é maçante e acentua desigualdades pelo incentivo à pequena burguesia local divorciada da totalidade do interior.

a sombra do índio marajoara na região das ilhas

Não se pode tapar o sol com peneiras, Marajó entre 120 territórios de baixo IDH é rico em história, diversidade cultural e biodiversidade. O "case" Guaianá é um exemplo de exclusão histórica e extinção ambiental. Quando o chamado PPG7 (plano piloto do grupo dos sete países mais industrializados do mundo) decidiu disponibilizar recursos aos municípios para projetos de execução descentralizada coube a Ponta de Pedras, por sorte e azar ao mesmo tempo, cerca de 1996, ver aprovado o chamado PED-Guaianá de infeliz memória.

O nome "Guaianá" os pontapedrenses nunca ouviram falar... Parecia inventado como essas peças de propaganda estrangeira. Pelo menos um provável descendente deste povo original do município de Ponta de Pedras, induzido por sabotadores contumazes da cultura popular; expressou seu desconhecimento, dizendo ele inclusive, nunca ter ouvido falar de índios naquele lugar. 

Certamente, esse trabalhador descendente de indígenas marajoaras também nunca ouviu falar de uma coisa terrível chamada Diretório dos Índios (1757-1798), quando seus antepassados foram lesados em meio à luta entre o problemático iluminismo português e a ultrapassada escolástica jesuíta. Este fato central para o conhecimento histórico da Amazônia, com foco na ilha do Marajó; foi como um berro do Marquês de Pombal no Paço da Ribeira, dizendo "deleta a Companhia de Jesus!"...
 
Pombal atirou no que viu e acertou no que não viu: mirou aos padres e atingiu os índios. Fomos, por decreto, considerados súditos de Portugal. A ordem foi apagar tudo, até o fato de que os marajoaras nativos são índios de nascimento, herdeiros da Cultura Marajoara, de mais de mil anos. 

Isto que o padre Giovanni Gallo ensinou e deu sua própria vida para o povo marajoara saber... Cerca de 1758, o governador Francisco Xavier de Mendonça Furtado depois de ir ao Rio Negro aguardar o demarcador espanhol para fixarem os limites das duas coroas ibéricas na Amazônia; desceu trocando nomes de aldeias indígenas pela toponímia lusitana. 

No Marajó, por exemplo, a aldeia Aricará, fundada pelo Padre Antônio Vieira em 1659; foi chamada Melgaço. Arucará, passou a Portel... Murtigura, virou Vila do Conde; Gebiré; Barcarena.

notícia histórica de Ponta de Pedras

As origens históricas de Ponta de Pedras estão ligadas as sesmarias dos Jesuítas no Rio Marajó-Açu (São Francisco, fazenda Malato; São Braz, Fortaleza e Nossa Senhora do Rosário, Rosário). Além destas três fazendas da Companhia de Jesus, houve ainda a sesmaria dos frades Merceários, na ilha de Santana.
Seriam os rios Arari e Marajó-Açu despovoados antes que o português Francisco Rodrigues Pereira levantasse o primeiro curral de gado no Arari, em 1680? Segundo as fontes historiográficas conhecidas, no ano de 1645, o jesuíta Luiz Figueira vindo com seus companheiros começar a catequese dos índios naufragou na Baía do Sol e o vento e maré levaram os padres numa jangada improvisada até as praias de Joanes onde os índios Aruãs os trucidaram. Criou-se a lenda de que os índios do Marajó seriam antropófagos, e o próprio Vieira divulgou esta balela, certamente inventada pelos Tupinambás, célebres canibais aliados aos portugueses no Pará. 

Chamados genericamente de "Nheengaíbas" ("falantes da língua ruim") por seus inimigos Tupinambás, os povos marajoaras eram vários, sendo os mais temidos pela valentia os Aruãs e Anajás... Dentre os sete caciques que fizeram as pazes com portugueses e tupinambás no rio Mapuá, figura a "nação dos Guaianases" (grafia de Vieira em carta de janeiro de 1660 dirigida à regente de Portugal). Na obra "História do Futuro" do mesmo Padre Antônio Vieira os Guaianases são citados. 

Algumas vezes, os tais Guaianases aparecem em Arucará (Portel): como o nome de aldeias indígenas geralmente se refere ao tuxaua ou cacique da mesma, pode-se especular que os "nheengaíbas" levados de Mapuá para ao lado de terra firme onde hoje estão Melgaço e Portel tenham, pelo menos em parte, sido desta dita etnia marajoara.

A primeira sesmaria dos Jesuítas teve sede em frente a Murtigura (Vila do Conde), mas a primeira aldeia de catequese foi a Aldeia das Mangabeiras; depois freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Ponta de Pedras (1737); com a crise entre o governo português e a Companhia de Jesus, a aldeia passou a se chamar Lugar de Ponta de Pedras. Localizado meia légua (três quilômetros, mais ou menos) acima do Lugar de Vilar , cujo padroeiro era São Francisco; antiga aldeia dos "Guaianazes" (grafia de Alexandre Rodrigues Ferreira, naturalista da "Viagem Filosófica" (1783-1792), em "Notícia Histórica da Ilha Grande de Joanes, ou Marajó, 1783).

O igarapé em tela era porto e caminho para a campina que vai se comunicar com o rio Armazém, à altura do Cajueiro. A mata ciliar é uma cortina que esconde campos cerrados até a beira do Curral Panema. Cada nome de lugar é resumo de espaço-tempo. É preciso ouvir o que os contadores de estória tem a dizer e ir às fontes confrontar com a história. Foi mestre Brasilino Rodrigues que me ensinou como o "Vilarinho" [Lugar de Vilar] acabou. O pai dele, Bibiano Rodrigues vendo que o Igarapé estava cada vez mais assorreado pela parte de entrada da praia, sem poder agasalhar canoas de pesca, trouxe a família para Mangabeira. E ainda a falta de porto acabou levando a freguesia para a margem esquerda do rio Marajó-Açu.