domingo, 24 de março de 2013

DIALOGANDO COM O MUSEU NACIONAL

link para programa de TV Expedições / MUSEU NACIONAL: http://tvbrasil.ebc.com.br/expedicoes/episodio/museu-nacional



URNA FUNERÁRIA
400 a 1400 A.D.
Cerâmica Marajoara; Ilha de Marajó; 53 cm
Com pintura em vermelho sobre fundo branco, apresenta o corpo profusamente decorado pela técnica da excisão, com variações em torno da figura humana estilizada e de motivos geométricos. Urnas funerárias elaboradas como esta, em geral contendo objetos de prestígio em seu interior, provavelmente destinaram-se a indivíduos de status social diferenciado na sociedade Marajoara.







Segundo o Barão de Marajó, em sua obra "As Regiões Amazônicas", o relacionamento do Museu Nacional com a arqueologia dos tesos da ilha do Marajó começou com Ladislau Neto e se intensificou com a participação brasileira na exposição etnográfica de Chicago, nos Estados Unidos, em 1879.

Desde então o Museu Nacional do Rio de Janeiro, com colaboração do governo da Província do Pará, realizou escavações no teso do Pacoval, localizado às proximidades da boca do Igarapé do Severino, na margem esquerda do lago Arari (município de Cachoeira do Arari). Com tais extrações arqueológicas daquela época, ainda no Império de Dom Pedro II, teria sido iniciada a coleção de cerâmica marajoara do referido museu, hoje sob competência institucional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em parceria com o Ministério da Cultura (MINC) através do Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM). 

O primeiro relato historiográfico sobre a cerâmica marajoara pré-colombiana acha-se na separata da "Viagem Philosophica" do naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira, da Universidade de Coimbra (Portugal), com título de "Notícia Histórica da Ilha Grande de Joanes, ou Marajó" (1783). Nesta importante fonte para a história da Amazônia Brasileira está escrito que o fundador da freguesia de N.S. da Conceição da Cachoeira do rio Arari (1747) e inspetor da ilha Florentino da Silveira Frade "descobriu" o teso do Pacoval - primeiro sítio arqueológico do Marajó citado na literatura colonial luso-amazônica - no dia 20 de novembro de 1756.

Fato notável para uma releitura democratizante da historiografia colonial na atual conjuntura constitucional e emergência cultural dos povos originais do Brasil. Democratizando-se o conhecimento histórico nacional por suas raízes pré-coloniais, quando a Arqueologia informa que a ilha do Marajó é berço da primeira cultura complexa (cacicado) da Amazônia. Portanto, evidentemente, a cerâmica marajoara constitui arte primeva do Brasil, a mais representativa e difundida no mundo (cf. "Cultura Marajoara", de Denise Shaan, ed. SENAC: São Paulo/Rio de Janeiro, 2010).

Ora, é um tremendo equivoco "regionalizar" (para não dizer paroquializar) a questão da conservação dos sítios arqueológicos da ilha do Marajó e da Cultura Marajoara 'lato senso'. Notadamente, quando a União em parceria com o Estado do Pará, municípios marajoaras através da Associação de Municípios do Arquipélago do Marajó (AMAM) e a sociedade civil vêm tentando realizar um "Plano de Desenvolvimento Territorial Sustentável do Arquipélago do Marajó - PLANO MARAJÓ", em resposta à demanda da comunidade marajoara em 2006 sobre base de críticas da Igreja Católica ao ínfimo IDH da gente marajoara (1999) em contraste ao que determina a Constituição do Estado do Pará, em seu Parágrafo 2º, alínea VI do Artigo 13 (área de proteção ambiental do arquipélago do Marajó e predomínio do desenvolvimento socioambiental da gente marajoara nas decisões econômicas da mesorregião).

A quase completa ausência da Cultura Marajoara pré-histórica no desenvolvimento territorial dos dezesseis municípios do Marajó - exceção ao periclitante Museu do Marajó (mantido por voluntários de uma associação da comunidade, ela mesma dividida por questões particulares depois da morte do fundador padre Giovanni Gallo S.J. em polêmica acesa com o bispo diocesano e políticos locais) feito de teimosia na contramão do oficialismo, visitar www.museudomarajo.com.br - cria o vazio da educação patrimonial, permitindo, por exemplo, a eleição da imagem do búfalo como símbolo cultural magno do Marajó: sintomático do fracasso de muitas boas intenções. 

A principal de todas, empreendida pela diretora do Museu Nacional Heloisa Alberto Torres, durante a revolução nacionalista de 1930; em sua luta contra a hegemonia do barroco colonial triunfante na ideologia majoritária no nascente IPHAN (1937). Quando em viagem à ilha do Marajó publicou na revista do extinto "SPHAN" (1937) propostas para uma política nacional de preservação do patrimônio arqueológico, com destaque a herança marajoara. Considerado o mais rico patrimônio pré-colombiano do Brasil.

No sendeiro deste deliberado esquecimento da Amazônia Marajoara pelas elites brasileiras há mais coisas do que uma suposta polêmica entre caciques da cultura e personalidades políticas de épocas diferentes. Existe uma enorme ignorância das genuínas raízes amazônicas, como o livro do professor José Ribamar Bessa Freira, "Rio Babel" (editora UERJ) deixa patente.  

Não podemos tapar o sol com peneira... O povo amazônico, que lutou em 1823 contra o colonialismo português para ser brasileiro e, de desengano em desengano do Império do Brasil com sua corte neocolonial no Rio de Janeiro acabou massacrado em 1836 no genocídio dos cabanos; guarda mágoa e justo ressentimento do centro hegemônico do país do pau-brasil.

Debalde algumas vozes querem se fazer ouvir pela pátria amada Brasil, mas nem mesmo em Belém o diálogo frutifica como deveria para a Cultura Marajoara de mil anos ser reconhecida, de direito e de fato, como patrimônio histórico e artístico nacional.  Pedem agora os marajoaras que o Ministro da Educação transforme o campus Marajó, da Universidade Federal do Pará (UFPA), na futura Universidade Federal do Marajó.

Todavia, não queremos pressa numa simples troca de nomes. Mais importante do que a logomarca será a troca de conceito, de modo que se comece já a mudar a práxis da UFPA no Marajó: a começar pela renascença da ecocivilização, começada no passado pré-colonial, com plena autonomia e sustentabilidade de uma autêntica "universidade pés descalços".

Ousamos, mais uma vez, provocar a reflexão de quem de direito: para alguns isto seria ingenuidade de nossa parte e não vamos discutir sobre o detalhe. De fato, tem sido ingênuas ao longo do tempo as crenças de que a mentalidade colonizadora não faz crescer a verdadeira civilização brasileira (muito mais antiga do que o "descobrimento" de Pedro Álvares Cabral) por que não sabe. Claro que sabe... basta visitar os principais museus das capitais e mesmo do mundo todo. O problema é que a museologia de outrora, nascida das exposições universais da belle époque, que a ideologia imperial disseminada pelo vetusto Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) endossou em companhia dos principais silogeus e academias de letras nas províncias; teve por missão precípua inventar um Brasil à imagem e semelhança da pátria mãe gentil Europa. Só recentemente, após o primeiro centenário da Independência, em 1922, começamos de fato a emancipar a cultura brasileira. No extremo norte, o movimento  descolonizador modernista manifestou-se nos idos de 1930, com a revista Belém Nova e a confraria "Academia do Peixe Frito" em torno do poeta da negritude Bruno de Menezes.

Mas, nós somos cabanos, herdeiros da resistência marajoara, filhos dos falantes da 'língua ruim', da barbaridade Nheengaíba. Muitas vezes, com abono de Alfred Wallace, que pegou o espírito da coisa e do intuitivo jesuíta Giovanni Gallo, a "ingenuidade" do caboco marajoara, "Criaturada grande de Dalcídio" (segundo Eneida de Moraes) é uma tremenda astúcia de sobrevivência e luta nas condições do trópico úmido nas terras baixas da América tropical.

Onde queremos chegar com esta conversa tola? Puxar pelos brios da UFPA e sua congênere UFRJ para dialogar - forte coisa! - sobre a Cultura Marajoara. Não é fato que o campus do Marajó da UFPA deve ser transformado numa nova universidade federal? E o que fazem o Museu Nacional e o Museu da UFPA que não saem de seus castelos para enfiar pés e mãos no barro dos começos do mundo amazônico? 

Por aí também, com o programa da UNESCO "O Homem e a Biosfera" a reconhecer a área de proteção ambiental do arquipélago do Marajó (APA-Marajó) como reserva da biosfera, mais depressa a cooperação internacional poderá favorecer, com supervisão do Ministério da Cultura; intercâmbio entre ecomuseus de municípios marajoaras e grandes museus estrangeiros que possuem coleções ou peças arqueológicas extraídas de tesos da ilha do Marajó.

A nova direção da AMAM em parceria com o Conselho de Desenvolvimento Territorial do Marajó (CODETEM) e UFPA poderiam se ocupar deste assunto. A começar por Soure e Breves, as duas cidades onde a UFPA se instalou, a partir de 1986, e que merecem dar continuidade ao processo de interiorização universitária até a desejada criação da Universidade Federal do Marajó.

Os velhos tesos do Marajó, de mais de mil anos, ainda têm segredos não revelados, não apenas no campo da cultura mas também de interesse científico e tecnológico. De modo especial, a revelação do "H. sapiens var. Tapuya", como, graciosamente, o sábio de Coimbra classificou o estúrdio homem amazônico encontrado em seu labirinto entre o mar e o grande rio. 


sábado, 16 de março de 2013

"habemus" Esperança




o caboco que vos fala reza com Chico Buarque, quando este canta "Gente humilde":..."eu que não creio, peço a Deus por minha gente"... 

Não sou deputado nem vereador, falo por dor de consciência em nome da Criaturada grande destas bandas sem vez nem voz. O caso é que depois da gente se queixar ao bispo - que no Marajó são dois e ambos já foram ao Presidente Lula, em 2006, pedir ajuda aos pobres marajoaras - agora, pra completar, faltaria talvez ir ao Papa. 

vai ver que, pra gente humilde destas ilhas do fim do mundo, o jesuíta portenho Francisco poderia vir a ser chamado, simplesmente, Papa Chico... Fica mais bonito entre irmãos do Sul.

diz-que quem tem boca vai a Roma. Nós outros temos boca e temos fome e sede de justiça. Masporém, muitas vezes, não temos meios nem pra ir a Macapá arranjar serviço de garimpo clandestino na Guiana, no outro lado da fronteira. Não é brincadeira. Por esta via dolorosa do caminho da roça já passou muita desgraça e coisas cabeludas que até Deus duvida... 

claro, pra variar, algum contraponto com final feliz que até poderia ser melhor se o pessoalzinho deste fim de mundo fosse mais lembrado. 

hoje quero paz pra falar um pouco da eleição do Papa Chico, dizendo o que de fato isto poderia representar dentro do mato sem cachorro pra gente sem eira nem beira, que certo dia no passado foi pacificada pelo "payaçu" Antônio Vieira numa história inacreditável (27 de agosto de 1659), embora sem interesse acadêmico no juízo final de doutores da lei, constante inclusive da fantástica "História do Futuro" que quase ninguém lê devido a complexidade surrealista. E, no entanto, quando entra na geografia do lugar aí está a geografia fluvial com sua infra-estrutura a suportar toda delirante arquitetura barroca e super-estrutura do passado e do futuro distantes.

Antônio e Francisco são dois jesuítas separados por mais de três séculos, cada um com sua missão e sua história diferentes. Deles falam mal e bem, todavia têm algo em comum como visão de mundo, em especial as relações entre cristãos e judeus afastando preconceitos e malquerenças do passado para construir um futuro mais ameno para toda humanidade em nossa casa comum, a Terra mãe.

esta velha história do avenir, escrita às pressas por Vieira com faca ao peito para se defender como réu de "heresia judaizante", diante de poderosos inimigos ocultos e visíveis, se anunciava como preâmbulo (pra não dizer disfarce, a fim de despistar a mortal censura da Inquisição do Santo Ofício) da verdadeira e jamais concluída "Chave dos Profetas" ou "Reino de Jesus Cristo consumado na terra", vulgo "O Quinto Império do Mundo".

curiosidade na biografia de um jesuíta ecumênico avant la lettre, salvo do pior pela hesitante e insuficiente proteção do rei de Portugal, melhor acolhido pela tolerância do Papa e a admiração devota da rainha da Suécia que o livraram da mão pesada e vingativa da Inquisição portuguesa. Velhos demônios do catolicismo romano...

mas este admirável militante da Contra-Reforma e da Companhia de Jesus no século XVII, despertava intriga por onde passava e pesavam contra ele acusações severas: se por uma parte lutou pela abolição da escravidão dos índios, por outra incentivou a escravização dos negros dos quais, provavelmente, descendia por parte de uma avó mestiça serviçal do solar do conde de Unhão. A destruição de milhares de línguas e culturas indígenas encontrou nele apoio contra a "babel", que dizia existir, no rio das "Almazonas". Preocupou-se mais com a salvação das almas do que o bem-estar do corpo, inclusive do próprio pois sofreu bastante enfermidades e conheceu grande padecimento na velhice.

todavia, passado um século as aldeias das missões na Amazônia tinham se tornado em mão de padres convertidos de pobres mendicantes em ricos prepotentes, como explica o historiador João Lúcio de Azevedo, noutro cativeiro odioso que a tirania do Marquês de Pombal agravou em nome de nova "liberdade" (expulsão dos Jesuítas do Pará e o Diretório dos Índios, entre 1757 e 1798, donde o índio manso (catequizado) "tirado do mato" foi transformado em "caboco" (caboclo), civilizado, para ser súdito português. 

desta massagada catecumena, mestiçada a pobres deportados e enganados açorianos e escravos africanos, somos hoje a população amazônica que com migrantes nordestinos e de outros estados brasileiros beira a algo com 30 milhões de habitantes.

eis aí em traços ligeiros o retrato falado da utopia evangelizadora do padre grande dos índios da Amazônia e suas consequências geopolíticas entre sombras, suspeitas e perigos da Floresta Amazônica e das cortes europeias! Imperador da língua portuguesa, segundo o poeta Fernando Pessoa; jesuíta maquiavélico odiado pelos colonizadores, amigo de reis e papas, temível orador, sebastianista convencido; curioso da astrologia e da cabala. 

só pra recordar a carta que ele escreveu à regente Dona  Luísa de Gusmão, no início de 1660, pouco antes de ser expulso com seus confrades por iracundos colonos do Pará (1661). Dizendo que com a pacificação dos índios do Marajó como amigos dos portugueses ficava guardado o Pará da cobiça dos coloniais estrangeiros. Quem aprendeu geografia do rio Amazonas é obrigado a concordar com o fato de que, sem índios missionados pelos jesuítas nas ilhas do Marajó, não existiria ontem uma Amazônia lusitana (1616-1823) e hoje brasileira.

a aventura e desventura amazônica de Vieira começa com sua missão diplomática na Holanda. Onde ele, tendo compreendido o problema econômico de fundo em Portugal com a expulsão dos judeus e seus respectivos capitais; se aproxima do rabino Menassés ben Israel, da comunidade portuguesa de Amsterdã. Este escrevera o livro "As Esperanças de Israel" afirmando que os índios do Novo Mundo eram descendentes das tribos perdidas do cativeiro da Babilônia. A morte do rei português Dom Sebastião no Marrocos, por ambição e imprudência dos cristãos, teve grande parte de culpa no jesuitismo militante impressionado pelas Cruzadas.

Vieira compreende todo o drama e vê no misticismo do povo um instrumento político manipulado pelos nobres da restauração da monarquia e independência de Portugal: as trovas do sapateiro Bandarra excitam no povo a crença da "ressurreição" de Dom Sebastião (ou seja, a Restauração do trono lusitano) na pessoa do Conde de Braga coroado Dom João IV. O sebastianismo alimentava guetos de cristãos-novos do messianismo de Joaquim de Fiori mal visto pelo anti-semitismo dos cristãos-velhos. Tudo isto foi esquecido sem jamais ser compreendido. Quando o rei amigo morreu, em 1656, Vieira estava isolado no Pará e logo percebe o desamparo e perigo a que ficou exposto: seus inimigos na corte e escravizadores de índios na Amazônia iriam atacar... 

subindo o rio em canoa com remadores indígenas rumo a Cametá (aldeia de Camutá), em abril de 1659, ele escreve a famosa carta secreta "As Esperanças de Portugal" enviada ao bispo do Japão (residente em Lisboa). Na missiva assume a retórica sebastianista com a frase herética que o levaria às barras do tribunal do Santo Ofício, proclamando: "Bandarra é verdadeiro profeta!"... 

Escândalo teológico e esperança de provocar no reino uma reviravolta a favor das missões no Brasil como verdadeiro projeto civilizatório cristão (lembrar as Missões no Cone Sul e comparar com as aldeias da Amazônia de então, antes do famoso tratado de limites de 1750).

o sapateiro de Trancoso havia sido condenado como herético e já estava morto e enterrado por morte natural em prisão domiciliar. Entretanto este poeta morto cujas trovas estavam na memória do povo veio a provocar uma revolução de libertação. Portanto, o missionário recorre ao poeta sebastiano nomeado à distância pelo provincial da Companhia de Jesus à categoria de profeta - além de lembrar a teoria do rabino Menassé a um mundo extremamente anti-judaico para o qual a morte de Cristo era obra dos judeus -; parecia a Vieira também ele ser capaz de "ressuscitar" a Dom João IV. 

claro, o rasteiro materialismo prático português da época colonial, a cegueira, estava longe de entender uma caprichosa metáfora desta. Re-suscitar o rei Restaurador, no caso, seria revitalizar o patriotismo português debaixo da restauração do reinado perdido nas areias escaldantes do Marrocos com a morte suicida de Dom Sebastião. Olhando bem o discurso por esta parte, o trovador popular havia razão, tanto quanto o payaçu dos índios da Amazônia está sendo novamente suscitado agora por um caboco metido a leitor de história. 

Todos dias de comemoração é dia de "ressurreição". Quem vai a missa ou culto com fé ressuscita Jesus Cristo em seu coração e todo índio que comunga do Kuarup xinguano saberá do que estamos falando. O missionário que pegou o espírito da coisa, longe de querer "extirpar" a barbaridade do Outro ("o diabo são os outros"), saberá que a degustação de mingau de banana com as cinzas do morto na cultura Ianomami é sucedâneo da Eucaristia. Há sabedoria e veneração à Vida cósmica [Zeus, Deus, Buda, Tupã, Oxalá...] em casa de Mina, terreiros e searas de umbanda no culto ancestral de vóduns e orixás ou caruanas... O mapa não é o território: a letra mata, mas o espírito vivifica...

era aqui que eu queria chegar para lembrar que não se precisa ir a uma determinada igreja particular se o mundo inteiro for sagrado como um templo para o crente. Jesus de Nazaré falava aramaico, que segundo dizem a mesma palavra se aplica indistintamente a "pai" ou "mãe"... 

Sendo assim, o "Padre Nosso" também é "Madre Nossa" e a melhor tradução da extinta língua semítica talvez fosse a palavra "vida" para expressar nossa origem na Terra. Quem tem horror de ser descendente de "macacos" poderia se consolar com a certeza científica de que a vida na terra veio do céu, das estrelas: mas a humildade ensina que somos parentes das amebas... E a mulher veio antes do homem, não há maior nem menor; há diferenças que se completam como metades do mesmo ser humano.

e a Fome é o que mais consome o Homem e todos mais viventes. Daí que a gente se lembra do Papa Chico quando dizem que ele teria dito aos cardeais que é preciso a humanidade contemplar a face misericordiosa de Deus para que haja salvação, por suposto, a todos e não só para alguns eleitos conforme as mais vetustas tradições religiosas exclusivas ou modernas que condenam os infiéis a penas infernais neste e outros mundos. 

o Papa escreveu ao rabino de Roma ofertando contributo às boas relações entre católicos e judeus. Isto me lembra a condenação do padre Antônio Vieira e que sua utopia evangelizadora também ia ao encontro da paz com o Islã. Hoje para que o império da justiça e da paz se faça presente no mundo é preciso ir além da grande família de Abraão.

e já que o ecumenismo deveria abraçar, imediatamente, católicos e evangélicos para juntos em toda cristandade concretizar a história do futuro entre crentes e não-crentes em busca da Paz, queria eu encerrar, posto que já falei demais; lembrando o protestante Ariano Suassuna com seu magnífico "Auto da Compadecida" na qual a mãe de Jesus é advogada desta pobre gente do sertão do mundo industrializado.

a face misericordiosa de Deus habita, atrevo-me a dizer, o templo do coração humano não muito longe do ódio e do medo vizinhos da humanidade filha da animalidade (a Igreja que se reconciliou com Galileu precisa tomar coragem para se reconciliar com a paleontologia do jesuíta Teillard de Chardin tirando-o do silêncio a que foi condenado como o silêncio imposto pelo Santo Ofício ao padre Antônio Vieira).

no Alcorão Jesus e seu mãe estão sentados no paraíso ao lado do Profeta Maomé e um dos nomes pelos quais os islâmicos invocam Alá é, justamente, o Misericordioso. Sem compaixão e misericórdia o mundo é choro e ranger de dentes...

dizem os sábios que Deus falou aos homens por diferentes meios? Pois se falou uma vez, poderá ainda estar a falar ou falará depois. O problema, então, é ouvir ("a voz do Povo é a voz de Deus") se acaso somos surdos como cegos estávamos no Colonialismo ("Sermão aos Peixes", padre Antônio Vieira, Maranhão, 1654). Ghandi foi o pagão mais cristão que jamais houve outro igual. O revolucionário Hugo Chávez proclamou que Jesus Cristo foi o primeiro comunista do mundo. Por acaso um ateu como Oswald de Andrade, quando disse que fizemos Cristo nascer na Bahia ou em Belém do Pará, não disse a verdade? Pois se Deus é brasileiro e agora o Papa argentino não está na hora de ouvir a voz do Povo sofredor?

Mas a Mãe de todos humanos e de todas criaturas - a Compadecida - é aquela energia divina e maravilhosa que faz o milagre do amor e da vida apesar de tudo, seja na gente ou nos bichos, nos sóis e luas de todos os céus como cria Francisco de Assis. Ora, as chaves sutis que abrem a porta da compaixão não são o esquecimento, muito menos a indiferença e o egoismo; mas o arrependimento e o perdão.


domingo, 10 de março de 2013

Amazônia Marajoara (mais uma vez) manda lembranças a Brasília

SÓ SE AMA O QUE SE CONHECE:

VENHA CONHECER O MARAJÓ E APRENDER A GOSTAR DO MAIOR ARQUIPÉLAGO FLUVIOMARINHO DO PLANETA.





este humilde blogue nosso, sem eira nem beira ou ar de graça, apesar de não ter apoio financeiro nenhum e público comparável ao sucesso midiático da blogueira Yoani Sánches, por exemplo, paga para falar mal da heroica ilha de Cuba, não desiste de mandar mensagens a todos e a ninguém a fim de procurar o bem da marginalizada ilha do Marajó no mapa das regiões culturais do Brasil. 

Debalde se tem tentado unir gregos e troianos nas duas margens opostas do Grão-Pará para incutir em corações e mentes governamentais dos dezesseis municípios marajoaras, governo estadual e da União; mas, sobretudo, da própria sociedade brasileira eufórica para gastar seus reais convertidos em dólares e euros no exterior - com fundamento em importantes nomes da arqueologia americana - que o "pobre" Marajó é berço da primeira cultura complexa (pra não dizer civilização) da Amazônia. Que um fato extraordinário como este deveria representar num país emergente como o nosso, ansioso por ocupar justo lugar ao sol no momento que alcança posição de sexta economia do mundo? Será que só vale o que veio de fora e o que é da terra não importa? Com mil demônios, isto é colonialismo da pior espécie!

Ora, o potencial turístico do Marajó é fabuloso... Mas que diabo de turista quer comprar potencial? Noves fora uns poucos produtos turísticos no mercado com pífio resultado socioambiental, resta virgem a natureza e olvidada a cultura marajoara em sua maior riqueza. 

O caso do Museu do Marajó diante do panorama que se apresenta em contraste com a olímpica insensibilidade oficial, lá e cá, é surreal... O turismo literário que faz a festa de Parati, no Marajó é impensável. Pois até a casa do único escritor da ilha agraciado pela Academia Brasileira de Letras deixaram arruinar e cair ao chão na maior indiferença do mundo. O padre Giovanni Gallo, criador do dito museu, completou dez anos de morto em brancas nuvens e o romancista Dalcídio Jurandir festejado em círculos acadêmicos continua desconhecido da sua "criaturada grande" (populações tradicionais ribeirinhas)onde ele poderia ser mestre dos mestres em educação ribeirinha.

porca miséria!

De nada adianta apelar a estudos de Anna Roosevelt e Denise Schaan, para ficar só nestas duas últimas pesquisadoras, para remover da mídia a desinformação dizendo a tal que o búfalo é símbolo do Marajó. Claro, o búfalo é um animal de grande utilidade econômica adaptado às condições naturais da ilha... Poderia ter muito melhor emprego em projetos de erradicação da pobreza das comunidades, entrar em pauta para segurança alimentar local, fomentar produtos orgânicos em economia solidária; daí a ser elevado a símbolo cultural só se não houvesse mais nada a que apelar. Mas, não é o caso nem que a vaca caísse na risada.

CORRE UM BOATO DE QUE O IPEA VEM AÍ

desta feita, a gente quer lembrar à ilustre equipe do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA)que será um prazer vê-la agir nestas paragens pescando resposta às principais questões da monumental contradição: como é possível tão grande potencial render o mísero IDH que a chamada Criaturada grande de Dalcídio ostenta?

a brava gente marajoara está cansada de falar de pobreza. Hora de chegar aos finalmente depois de tantos entretantos... Não é não? 

em 2007, o ex-Presidente Lula com a então Governadora Ana Júlia foram a Breves lançar o PLANO MARAJÓ ("Plano de Desenvolvimento Territorial Sustentável do Arquipélago do Marajó"). Nunca dantes na história das ilhas do Marajó um presidente da República havia dado as caras para tratar de coisa assim... Geisel foi o primeiro presidente a pisar em Marajó, foi a Soure, para feira agropecuária a convite dos fazendeiros.

Lula, entretanto, foi entregar em Breves o primeiro TAU (título de autorização de uso de terra da União) do projeto Nossa Várzea no Estado do Pará. O "ponta pé" inicial do PLANO MARAJÓ. Adversários do plano, que nunca meteram prego sem estopa para explorar o trabalho aviltado, gritaram logo: presepada eleitoreira do PT!...Talvez eles tivessem razão segundo manda a tradição. O povo de Breves ainda estará lembrado do acontecimento? Hoje algo como 40 mil famílias da regularização fundiária foram amparadas pelo projeto da SPU. O campus local da UFPA, através de atividade de extensão, já tratou deste assunto junto às comunidades ribeirinhas? Onde se separam os interesses públicos e privados dentro do processo de educação para o desenvolvimento sustentável?

Lula despertou as esperanças da gente, agora é Dilma e já se foram dois anos e o "movimento" está devagar quase parando... Será que agora vai pra frente? Tomara.

Não é todos os dias que acontece uma coisa assim nas ilhas dos Marajós. Na verdade, ninguém sabia que aquele simples gesto político ("populista", por suposto segundo a ótica dos contemplados das capitanias hereditárias e seus sucessores e agregados) representou o resgate de uma dívida da União para o povo marajoara, esbulhado de seus direitos territoriais com a malfadada criação da capitania hereditária da Ilha Grande de Joanes (1665-1757). 

Coube o documento histórico entregue pessoalmente pelo Presidente da República a uma humilde mulher moradora do Alto Anajás, nos centros da ilha do Marajó. Nem eu mesmo sei onde se acha o Alto Anajás. O que sei é que a nação dos Anajás com a dos Aruãs foram as principais da federação dos apelidados "Nheengaíbas" que jamais foram vencidos na guerra contra a invasão das ilhas... Por onde andará aquela senhora marajoara com sua família? O que lhe aconteceu depois da visita da força-tarefa do Nossa Várzea com o cadastro que equivale a título de Cidadania brasileira? Sabem os doutores que o matriarcado foi cerne da antiga Cultura Marajoara e que ainda hoje a mulher marajoara tem papel central na família ribeirinha? 

Já dizia Neuton Miranda, gerente regional da SPU e inventor do expedito TAU, falecido em pleno campo de trabalho no Tapajós - depois de séculos das chamadas terras de marinha sendo apropriadas, indevidamente, por "donos" auto intitulados sob a leniência das autoridades públicas - que o papel seria apenas um primeiro passo para inclusão social e econômica dos ribeirinhos.

ele dizia também que, mal ou bem, índios e negros quilombolas já tem reconhecimento público de seus direitos. Mas, o caboco ribeirinho continua sendo pária na sociedade amazônica, invisível, apesar de populacionalmente majoritário pelas periferias das cidades e margens de rios, lagos e igarapés explorado em seu suor e alienado de seus direitos humanos e de cidadão. 

Assegurar a esta gente o território que um dia foi de seus antepassados é a primeira parte do reconhecimento de sua identidade para a inclusão social e o desenvolvimento econômico local sustentável. Claro, não é tarefa simples nem missão exclusiva de determinado governo. É dever do estado de direito democrático e compromisso da sociedade nacional.

PASSOS PARA O PLANO MARAJÓ II (2013-2016)

por isto o alento que o IPEA poderá trazer, antes disposto a vir aprender com a singularidade desta região do que ceder à tentação iluminista que tem aleijado o planejamento regional feito de alto para baixo por tecnoburocratas apressados e surdos.

seria cômico se não fosse trágico o blablablá desses seminários, workshops, colóquios e outras presepadas da modernização conservadora para salvar a Amazônia. Quando a internet se converteu numa formidável universidade aberta e a educação à distância está fazendo fortuna de cursinhos comerciais. Muito se poderia fazer por videoconferência, até mesmo o Instituto Lula se quisesse poderia chegar no Alto Anajás, pelo milagre da internet banda larga, para saber como vai passando aquela gente do Nossa Várzea.

com o somatório de acertos e erros amealhados no processo de desenvolvimento territorial federativo na Amazônia paraense, entre 2003 até 2012, já se poderia repensar a questão da pobreza e desigualdade das regiões amazônicas, com ênfase no caso Marajó, um dia mencionado para ser piloto do esquecido PAS (plano Amazônia Sustentável).

Claro que o IPEA deve pensar a economia do Pará em um contexto mais amplo. No que tange ao Marajó a integração com o Amapá e a fronteira do Oiapoque é inevitável, posto que ela existe de fato há mais tempo que o próprio descobrimento do Brasil, em 1500. É disto que se trata, em contraponto ao mito do "país jovem" sem memória de sua ancestralidade pré-colombiana. 

Eis que a famosa ilha do Marajó é monumento natural (não declarado) para lembrar aos brasileiros que mais de mil anos nos contemplam na comunidade de nações da América do Sul e do Caribe.

a questão marajoara, todavia, se trata no campo da economia. Mas, não há de ser mais do mesmo. Natureza e cultura aí são os principais insumos e o "savoir faire" da gente marajoara o capital humano indispensável. Inovação tecnológica com saber popular acontece todos os dias sem que as elites prestem atenção.

por isto, a criação da UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARAJÓ é fundamental. 

uma universidade marajoara, no bojo do PLANO MARAJÓ II, inspirada - sem nenhuma dúvida - na autossuficiência da primitiva "universidade pés descalços" inventada pelos índios há 1500 anos atrás (conforme diz a arqueologia marajoara).

com a inovadora universidade marajoara, como rebocador do desenvolvimento territorial na Amazônia Marajoara, surgiria uma nova mentalidade na região beneficiando as duas capitais estaduais. E, por conseguinte, todo delta-estuário do maior rio do mundo. Um novo Nilo surgiria na América neste século. Por que não? Pobreza gera pobreza. Precisamos pensar grande sem medo de ser feliz.

sugestão de pauta para desenvolvimento inclusivo no Marajó:

  • conclusão dos preparativos para candidatura da área de proteção ambiental de que trata o Parágrafo 2º,VI, Artigo 13 da Constituição do Estado do Pará à modalidade de conservação ambiental 'reserva da biosfera', no programa mundial "O Homem e a Biosfera", da UNESCO. O bioma entre as Amazônia verde e Amazônia azul protegido, favorece a implementação de ZEE (zoneamento ecológico-econômico) da região estuarina com vantagem para produtos certificados, com exemplo do Queijo do Marajó e carne de búfalo em empreendimentos com participação da comunidade.
  • fomento de atividades turísticas de base na comunidade, entre outras modalidades. O Museu do Marajó ou rede de entidade culturais integrando os municípios poderá ser âncora de um mercado turístico mais interessante do ponto de vista da geração de renda e empregos locais.
  • complementação do projeto Nossa Várzea por planos de manejo coletivos, associação e/ou cooperativas de crédito destinadas ao fomento sócio-econômico local; formação de parcerias público-privadas para comercialização de produtos agroextrativistas e da agricultura familiar certificados por selo do programa Brasil Sem Miséria.
  • verificação das metas do Milênio com vistas ao fim de prazo, em 2015, nos dezesseis municípios do território federativo do Marajó.
  • parceria técnica com as prefeituras e câmaras municipais, através de entidade intermunicipal do Marajó, destinada à formação de uma moderna comunidade de municípios capaz de interagir mais prontamente com as ações executivas estaduais e federais, assegurando transparência e participação popular.
  • a internet de velocidade Banda Larga chegando a todas as ilhas do delta-estuário é questão estratégica de maior urgência sob todos pontos de vista.
  • por fim, a saúde e educação no Marajó devem ser integradas com o saber tradicional e o conhecimento científico e tecnológico moderno. A criação da UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARAJÓ, em sistema multicampi cobrindo todas sedes municipais, neste sentido, será de grande importância como elemento coordenador do território estendendo-se a mais de 500 "aldeias" (comunidades locais, no interior dos municípios) e cerca de 1700 ilhas. Em tais lugares, escola e posto de saúde deverão funcionar em plena sintonia interligados aos sistemas nacional e estadual de saúde, educação e cultura.