segunda-feira, 26 de setembro de 2011

ALÔ, ALÔ GENTE BOA DO COLEGIADO NO TERRITÓRIO MARAJÓ!

RESERVA DA BIOSFERA 

MARAJÓ-AMAZÔNIA, JÁ!

em memória do Centenário de Dalcídio Jurandir

(Ponta de Pedras, Marajó-PA, 10/01/1909 - Rio de Janeiro-RJ, 16/06/1979)

Dalcídio Jurandir – Wikipédia, a enciclopédia livre

pt.wikipedia.org/wiki/Dalcídio_Jurandir

© FOTO: Francisco Weyl

Meu camarada da pesca João Ribeiro, filho dileto do afamado Juquinha Malato, que outrora foi considerado tuxaua do Araraiana e hoje seria um dos melhores ambientalistas que se pode desejar nestas bandas; me avisa pelo Facebook  (vão vendo só como a coisa está adiantada naquelas paragens, quando antes as ondas do rádio eram só por milagre do radinho de pilhas fracas... Alô, alô dona Maria aguarde na porteira da fazenda São José carta da sua filha Miloca, com muitas saudades da senhora. Alô, alô seu Gordiano, Chico manda dizer que o numerário não deu pra cobrir todas despesas da viagem...Alô, alô...) que, de 28 a 30/10/2011, o Colegiado do Território Marajó, estará reunido no “Centro Cultural Bertino Boulhosa”, em Ponta de Pedras, onde serão debatidos:

28/10 - Nivelamento das ações fundiárias no Marajó e análise dos municípios sobre estes avanços;
• 29/10 – Construção das propostas de ordenamento territorial e cadeias de valor no Marajó;
• 30/10 – Elaboração da carta de ordenamento territorial da mesorregião do Marajó.

Eu quis logo mandar mensagem como antigamente, mas porém o deus computador me deixou ilhado como dantes para mal dos meus pecados. Eu queria dizer, enquanto há tempo: gente não deixem perder o cavalo selado da nossa candidatura de RESERVA DA BIOSFERA MARAJÓ-AMAZÔNIA! Façam favor de aperriar Sua Excelência o Governador do Estado do Pará, doutor economista, Simão Jatene; que mais que qualquer outro sabe que meio ambiente é o melhor insumo para o desenvolvimento sustentátel no negócio do Turismo num arquipélago como o nosso. 

Isto sim que deveria ser prioridade do ordenamento territorial como facilitador da cooperação internacional num bioma de transição entre as Amazônias azul (marítima) e verde (florestal). Todo mundo deve saber que foi a PARATUR em parceria com a AMAM, em 2002, que começou o processo  de sensibilização para candidatura do Marajó como Reserva da Biosfera pedida em Muaná (08/10/2003) com endereço à primeira Conferência estadual e nacional de Meio Ambiente.

O processo oficial começou de fato com a SEMA que é o órgão competente, através do dr. Crisomar Lobato, quem propôs e o Colegiado do Território aprovou a indicação, em 2007, no PLANO MARAJÓ já no governo Ana Júlia Carepa que decretou a APA-Marajó, pendente deste 1989; criou o Parque Estadual Charapucu destinado a ser área-núcleo da Reserva da Biosfera e adiantou o trabalho de levantamento para inventário de campo até o apoio, ultimamente, do Fundo Vale ao programa Viva Marajó, do Instituto Peabiru. Então, apesar de parecer que a coisa está andando; na verdade está devagar quase parando e paresque corre o risco de ir parar nas calengas gregas. Eu não acredito em bruxos, mas sei que eles existem! Quem passou mais de 40 anos pelos meandros da burocracia de todos os niveis sente cheiro de lorota de longe. Queria dizer aliás que lorota boa cheira à naftalina (não me perguntem o porquê).

Chegou a hora da comunidade marajoara despertar e pressionar para ver esta modalidade de unidade de conservação em parceria com a UNESCO estabelecida em Marajó. Fato que será, sem nenhuma dúvida, um marco no desenvolvimento sustentável da Amazônia Oriental como um todo. Justo quanto Marajó diz não à divisão do Pará, mas também sem querer ficar mais no caritó com o pior IDH das 12 regiões estaduais.

Sou um dos voluntários da sociedade civil de primeira hora neste processo de resgate da "criaturada grande de Dalcídio", ouviu lá em Niterói-RJ a Casa Dalcídio Jurandir? E talvez fui eu, leigo e ateu graças a Deus; ajudante de parteiro da história, na Quaresma de 1999, quando os valorosos bispos marajoaras Rivatto S.J. e Azcona OSA botaram a boca no trombone, com assessoria jurídica do Prof. Nelson Ribeiro (ex-Ministro da Reforma Agrária, secretário de estado da SEICOM, que aceitou nosso desafio no antigo Consulado do Brasil em Caiena (1989) para sondar o mercado do Caribe para produtos do Pará no enfrentamento da imigração clandestina transfronteiriça) na elaboração do documento da Igreja Católica acerca do mísero IDH do Povo Marajoara. Claro, Brasília é longe. Mas, às vezes, parece que Belém fica mais distante destas ilhas do que a capital federal: é por isto que tem gente no Baixo-Amazonas e no Sul do Pará querendo se separar da tutela de Belém do Pará...  

Ora, todo mundo sabe ou deveria saber que a CULTURA MARAJOARA é a jóia da coroa da Amazônia. Portanto, não é um patrimônio apenas local ou intermunicipal. É do Pará, é do Brasil! Não é verdade? Palavra da arqueóloga Denise Pahl Schaan com testemunho de vida do padre Giovanni Gallo e a incrível história do Museu do Marajó.

O Estado do Pará passa pelo aperto do plebiscito, mas, não leu direito e paresque tem raiva de quem leu o "Sermão aos Peixes" (S.Luís-MA, 1654), do Padre Antônio Vieira quando ele a caminho de Portugal para batalhar pela lei de abolição do trabalho escravo dos índios (1655), criticou frontalmente a "cegueira" dos colonos. E olha lá que na época não havia avião e o padre grande nunca pegou caravela de primeira classe para travessia do Oceano... Não é verdade que, quase todo dia, tem notícia de trabalho escravo na mídia? E 50% de analfabetos espalhados pelas ilhas dos Marajós que serviço hão de arranjar além da servidão da gleba? Aí que a regularização fundiária é uma emergência como o controle da malária e a remediação da falta de infra-estrutura, mas sem Educação não há solução de fato!

Agora me digam: educação pra quê e para quem? Já houve tempo que se ensinava, malmente, assinar o nome para votar neste ou naquele salvador do município e mandar deputado para Alepa ou a Câmara dos Deputados, a rogo de cabos-eleitorais do balacobaco... Ou será que tudo isto já acabou por obra do divino Espírito Santo?

Desta desconforme cegueira, há mais de três séculos e meio; ainda sofremos hoje em dia. E aquilo que era para ser consenso ainda causa briga e desconfiança que nem no tempo da guerra das tribos, desgraçadamente, muita perda de tempo e dinheiro que faria felicidade geral destas ilhas filhas da Pororoca.

No caso que se vai tratar na antiga Itaguari dos meus cuidados, em especial, a regularização fundiária que nós mesmos na esquecida "Carta do Marajó-Açu", celebrada em 30 de abril de 1995, no décimo e derradeiro Encontro em Defesa do Marajó, está lembrado dr. Bernardino Ribeiro? Era aniversário de Ponta de Pedras; os signatários entre eles os prefeitos de Cachoeira do Arari e Ponta de Pedras, o vice-reitor da UFPA dr. Camillo Viana e este caboco velho que vos fala pedimos dentre outras demandas, a tal REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA como providência elementar para o chamado desenvolvimento local sustentável. Que as altas autoridades e o distinto público letrado tenham feito ouvido de mercador não foi por nossa culpa... Os meninos e meninas do TCC se quiserem os dados podem consultar os jornais da época, lá estará provavelmente a tal carta assinada na terra natal do primeiro prêmio “Machado de Assis” para autor amazônico. O problema da nossa educação é que não se ensina a conectar os conhecimentos. Assim, cada disciplina (para não dizer secretaria de governo ou até ministério) fala língua diferente.

Estamos a dar voltas e sempre a voltar ao mesmo ponto incerto. Mas, assim mesmo, as coisas se modificam por força das circunstâncias. Agora já tem até pai do linhão do Marajó, mas ainda não apareceu a mãe do IDH da fome... Cada município quer ser, sozinho, o Marajó inteiro. Porém, na realidade, só uns poucos indivíduos têm noção exata do que é mesmo o maior arquipélago fluviomarinho do mundo, ou a Amazônia Marajoara como diz corretamente o Prof. Doutor Agenor Sarraf. Para isto, felizmente, às duras penas chegamos ao PLANO MARAJÓ e ao Território da Cidadania - Marajó a partir da generosa iniciativa dos Bispos do Marajó (Dom Alessio Saccardo e Dom Frei José Luiz Azcona) que foram ambos conjuntamente bater às portas do Presidente Lula. Este com a governadora Ana Júlia deram ponto de partida, depois que a Casa Civil com Dilma Rousseff estabeleceu as linhas inaugurais do processo que está sempre começando. Claro, em tão pouco tempo depois de séculos, nem todas igrejas nem pajés sacacas reunidos dariam jeito ou fariam o milagre.

É assim mesmo, haja paciência. Hoje, muita gente já tem um sitiozinho para deixar de ser judeu errante e porto onde encostar canoa sua. Mas se trabalha pelos netos que ainda hão de vir e fazer o tempo bom... Eu só queria pedir para os responsáveis pela reunião que não esqueçam que o PLANO MARAJÓ contempla o projeto, encampado pela SEMA-PA, da RESERVA DA BIOSFERA MARAJÓ-AMAZÔNIA e que o Fundo Vale está apoiando esta candidatura através do programa Viva Marajó do Instituto Peabiru. Esta ação estratégica federativa em parceria público-privada com participação indispensável da comunidade, está fadada a trazer a UNESCO – cedo ou tarde – para nos ajudar a fazer real o que reza a Constituição do Estado do Pará [§2º,VI,Art.13]. Esta unidade de conservação socioambiental em modalidade internacional será, sem nenhuma dúvida, coroamento da longa luta de resistência marajoara; reunindo gregos e troianos pela causa comum esboçada, em 1939 na vila de pescadores de Salvaterra, por um caboquinho nascido em Ponta de Pedras, criado em Cachoeira do Arari, que vagou entre o Ver O Peso, subúrbios de Belém, Gurupá e ilhas, pegou o Ita do Norte, rodou pelo Rio Grande do Sul, Santiago do Chile e Moscou – Dalcídio Jurandir. O “índio sutil” (assim chamado por Jorge Amado), cada vez mais vivo e ganhando o Brasil e o mundo para a gente humilde do seu Marajó do coração.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

UM CASO FORA DE SÉRIE

Esta  é a história de como ensinei um caboco a ler e escrever e, em troco, ele me ensinou a colher rara fruta que Paulo Freire plantou de Pernambuco para o Brasil e o mundo. Antes de contar, faço pausa em homenagem à memória de Percy Lau, autor do imortal retrato do vaqueiro marajoara a bico de pena. A repodução deste eu vi na biblioteca da prefeitura de Ponta de Pedras, nos verdes anos de minha infância. Hoje o antigo "Palácio Municipal" de 1938 é ruína do incêndio da burrice e a biblioteca já era; morreu com nome do jornalista Eladio Malato quando virou cinzas...

Percy Lau era peruano de nascimento e brasileiro por adoção. Dentre tantas cenas do interior do Brasilzão, ele fixou a imagem arquétipica do "vaqueiro marajoara", trabalhador rural das campinas alagadas, que Dalcídio Jurandir plantou definitivamente na paisagem cultural latino-americana. Ambos, desenhador e romancista, foram contemporâneos e viveram profundamente a Amazônia. Eles retrataram a região com cara de gente, que nem Portinari pintou o mundo operário brasileiro. Curiosamente, as vidas destes dois artistas tiveram certas coincidências notáveis: em 1939, quando Dalcídio reescrevia o romance seminal "Chove nos campos de Cachoeira" e escrevia "Marinatambalo" (publicado com título de "Marajó" e festejado como primeiro romance sociológico brasileiro), em Salvaterra, na ilha do Marajó; o IBGE publicou a primeira edição do clássico "Tipos e Aspectos do Brasil" ilustrado por Percy Lau. Dalcídio trabalhou como recenseador do IBGE em Santarém-PA, onde com Cronge da Silveira diretor no Pará teve notícia de haver ganho o prêmio "Dom Casmurro", primeiro da carreira. Os dois viveram e morreram na cidade do Rio de Janeiro. Lau (Arequipa, Peru, 1903- Rio de Janeiro, Brasil 1972) faleceu com idade aproximada de 70 anos no ano que o filho de Ponta de Pedras (Marajó-Pará, 1909) recebeu o Prêmio "Machado de Assis" (primeiro de autor amazônico dentre dois, até hoje, compartilhado em 2010 com o ilustre filósofo paraense Benedito Nunes), o autor do ciclo literário Extremo-Norte faleceu em 1979.





Vaqueiros de Marajó [bico-de-pena de Percy Lau, 1]

A FRUTA QUE EU DEVIA CONHECER POR DEVER DE OFÍCIO

1966, mais ou menos, ia eu flanando pelo largo de Nazaré, em Belém, quando deparei com entra e saí de gente no auditório da antiga Rádio e TV Marajoara. Que se passa? O porteiro respondeu, é um professor que está dando palestra. Como se chama? O homem respondeu, não sei... Só sei que ele fala pelos cotovelos e tem barba grande. Entrei, era um tal de Paulo Freire... Nunca ouvi falar. O professor tinha brasa na fala, de modo que ninguém dormia na aula. Eu fiquei logo aceso com o assunto, pois o caso era o modo de fazer, numa semana, um camarada que não sabe ler nem escrever aprender todinha a cartilha do ABC...

Gente! Disse cá com meus botões, eu quero é ver... O cabra dizia que não carece judiar o analfabeto adulto. Ele até podia apostar que um trabalhador sabe mais que doutor no caso da prática do ofício. Ara! Justamente, eu concordei na hora por experiência própria. Pois sou daqueles cabocos salvos do purgatório porque tive boa professora de ABC. Daí em diante, só com as minhas primeiras letras, subi na vida por conta própria. Você pode não acreditar pois a dúvida em um direito humano dos mais certos, porém se chegar perto vai ver que tenho razão e não preciso de inventar nadinha. Fui moleque de recado, aprendiz de rádio-técnico, tirador de açaí, vaqueiro de gadinho curraleiro, marreteiro, ajudante de mecânico e carpinteiro; comerciário, cobrador, office-boy, balconista, "estudante profissional", agitador subversivo, repórter polícial, cronista, secretário-contador. Por fim, chamado pelo prefeito eleito de minha terra natal, compadre de meus pais e meu padrinho de crisma, Antonico Malato; estava eu com encargo de secretário de finanças quando vi o professor Paulo Freire ensinar como alfabetizar num cursilho à jato duma semana...

Claro! Uma semana é força de expressão, só os idiotas da objetividade e os do eterno contra a libertação do ser humano podiam puxar pra trás. Eu compreendi tudo aquilo direitinho. Pois o caso era que, não só eu tinha uma dívida de gratidão à minha professora Alda, como também com o governador Barata o qual achava que era de fato e de direito o Estado do Pará em pessoa... O coronel interventor da Revolução de 30 mandou a professora nova em folha para a vila de Itaguari (antes e depois Ponta de Pedras para sempre). Esta vila foi semente da estória de Vilarana, que eu mesmo com meu parco engenho converti dos tijucos do Fim do Mundo e lenda do navio encantado encostado na beira da ilha do Coati. O caso sério é que eu estava com um abacaxi grande pra descascar.
Toda semana a Prefeitura havia de pagar a turma da capinação de rua. Além do mais, ia começar construção da obra da catedral de Ponta de Pedras, projeto do engenheiro Bonna; e o Prefeito Antonico ficou na obrigação de ajudar com verba no pagamento de folha de mão de obra. Sabe como é, a sociedade pede mas depois cobra... O meu compromisso, que vinha da Prefeitura de Faro com alguma recomendação de ter feito serviço com boa aprovação; era reformar tudo quando possivel na Prefeitura de Ponta de Pedras. Na verdade, eu queria ir pra Brasília atrás de emprego e certificado ou diploma que me faltava: dois anos, pelo menos, eu devia ficar para a judar a meu padrinho Antonico a consertar a prefeitura velha e mal afamada como uma fazenda de sesmaria. Ele que até 1965 tinha passado uma vida toda no cartório herdado de seu pai Raimundo Malato. Mas, da contabilidade pública municipal em plena Ditadura e reforma administrativa federal pelo célebre Roberto Campos; o tabelião pontapedrense era marinheiro de primeira viagem e sabia tanto quanto eu entendia missa em latim.

Foi assim que a reforma da prefeitura, mais a parte da despesa pública para construção da catedral e as despesas ordinárias e/ou eventuais do costume (ajuda para enterro, casamento, conserto de casa, canoa furada, etc) - como um rio correndo para o mar - desaguavam em papéis de prestação de contas na tesouraria e depois na contabilidade rumo ao tribunal de contas na forma de balancetes trimestrais, etc. e tal. Ora, para ter tudo aprovado como deve ser e ainda (coisa rara!), o Prefeito merecer um inesperado elogio do Governador Alacid por ser a Prefeitura de Ponta de Pedras a primeira do estado a encaminhar um Plano de Aplicação de Recursos para todo o mandato (1966-1969), aprovado pela Câmara após incrivel elaboração de orçamento participativo 'avant la lettre'... Era preciso a "santíssima trindade", o tesoureiro Nilson, o auxiliar de contabilidade e este que vos fala bancando papel de secretário dar conta do recado (como de fato demos, pelo menos até eu me despedir em fins de 1967).
Onde, de fato, estava pegando e tem a ver com Pau Freire e tudo o resto? Na hora de pagar os trabalhadores sempre aparecia quem não sabe assinar o nome... Então, era caso de "sujar o dedo" na tinta e apertar o polegar no recibo com um ladino qualquer assinando "a rogo". A situação me incomodava duplamente. Outros faziam chacota com o pobre, "quem manda não estudar!". Eu sabia quem de fato havia "mandado" esta gente sem eira nem beira ficar analfabeta, mas se fosse eu dizer na lata teria que mudar de emprego e de cidade na hora. Quando tem obra grande com muito trabalhador recebendo avulso com assinatura "a rogo", é sinal de que tem porta aberta e tentação para o dinheiro público sair pelo ralo. Tem mais, naquele caso, Ponta de Pedras era uma fazenda com ruelas cheias de capim e o ganho da gente da pobreza era capinação paga pela prefeitura. O prefeito Antonico era um homem íntegro, católico assíduo na missa; dividido entre a caridade e o desejo sincero de modernizar o município. Para isto ele se candidatou, perdeu eleição a primeira vez e depois ganhou dois mandatos, no último morreu no cargo. Homem de velhos príncípios, porém inclinado a inovações... Queria comprar trator com rotativa para limpeza das ruas, mas como os capinadores no rabo do terçado e enxada iriam sobreviver? Sem o dinheirinho semanal não teriam no pequeno comércio de ponta de balcão quem lhes vendesse fiado... O efeito em cascata não era desprezivel na vilarana.

Carecia racionalizar gastos públicos, moralizar a gestão, mas sobretudo oferecer oportunidade de melhor meio de vida a toda população. Daria romance a história de todas tratativas para aumentar salários sem ofender a legislação Roberto Campos de controle da inflação: não se podia aumentar o custeio local mais de 10%!!! Em Brasília o dízimo era muito, na mísera aldeia (pois era como uma aldeia) era nada. O prefeito morria de vergonha ao dizer que tinha de dar um cruzeiro de "aumento" num ordenado de fiscal a Cr$ 10,00 insuficiente para pagar no fim do mês o fiado da Casa da Beira. Brincadeira! Tínhamos que achar uma brecha e aumentar, como aumentamos, 100% (isto é, de Cr$ 10,00 para a incrivel mordomia de marajá de Cr$ 20,00)... A realidade ia além da ficção...

Eu tinha que me virar, está claro, em dois ou três. Na verdade, tirando o caso do tesoreiro que tinha certificado de contabilista de empresa II grau; o resto do pessoal prefeito e secretários inclusive não tinham mais que a boa ou razoável alfabetização. Foi aí que eu me toquei para o drama de tantos analfabetos obrigados à humilhação de sujar o dedo e pedir para testemunha assinar a rogo recibo do mísero dinheirinho. Eu conversava com os desletrados... Queriam aprender a ler e a escrever? Quem não quer? Um caso me chamou atenção, Tomé era analfabeto de pai e mãe; porém sua mulher era professora... Leiga, mas professora que ensinava a crianças ler e escrever. Por que, então, ela não ensinava o marido e pai de seus filhos? Bem que ela tentou: mas Tomé dizia que já tinha passado o tempo, papagaio velho não aprende a falar, que não precisava disto "pra porra nenhuma"... Deixa estar meu camarada, ainda vou te pegar na curva...

Quando Paulo Freire deu a tal palestra fiquei atento. Como foi que operários da construção de Brasília, que não sabiam ler nem escrever, puderam aprender sem largar o trabalho e em tão curto tempo se livraram da cegueira intelectual? O pulo do gato era começar bem longe da sala de aula com uma pesquisa social a fim de saber como o potencial aluno trabalha. Estamos falando de gente como Tomé, que aliás era apenas capinador de rua numa vila na beira do rio... Diacho! Aqui estava eu no mato sem cachorro; pois não tinha experiência de professor, nenhuma ajuda de pesquisador e precisava achar uma palacra-chave de três sílabas capaz de fatiar para montar o quebra-cabeças com as cinco vogais A, E, I, O e U... Fácil de achar em Brasília, que depois de muito estudo com uma equipe especializada, achou na palavra TIJOLO o troféu. Mas para gente de Ponta de Pedras, o que podia ser a chave do sucesso? Ninguém queria esquentar cabeça e os tantos analfabetos não precisavam ler e escrever "pra porra nenhuma". Rabiscar o nome servia, malmente, no dia de votar no patrão. Se não...

Mas, eu não me chamo Zé se não achar jeito de ensinar Tomé e seus camaradas de rabo de enxada a ler e escrever. Ora, como que eu não me lembrei logo? Esta gente aí era doutorada em coisas do rio e da roça desde muitas gerações. O professor Freire dizia que o segredo da alfabetização de adultos está no fato de que ninguem ensina ninguém, mas aprende (Guimarães Rosa perguntando a buritizeiros das veredas dos Urucuia poderia emendar: "mestre não é quem ensina, mas quem de repende aprende"). Pois é, eu fiquei devendo uma ao mestre Tomé. Foi caso que eu, muito pimpão por minha astúcia pedagógica em inventar MA-NI-VA (no Ver O Peso já se vende pré-cozida para preparo da maniçoba), vi logo que a turma no cursinho noturno que improvisei na sede do Círculo Operário Pontapedrense tinha muito mais pra me ensinar do que eu a lhes repassar o truque que por acaso aprendi a flanar numa tarde no largo de Nazaré. 

A família silábica MA - ME - MI - MO - MU com sua parentada toda na maniçoba inventada pela maniva da necessidade deu variados frutos da mandioca utilíssima e puxou conversa do arco da velha... O pessoal arredio no início das aulas foi chegando e do acanhamento passou à saliência misturando pedaços do talo da mandioca inventando palavras novas e lembrando acontecimentos da vida da gente. Foi aí que Tomé viu no improvisado quadro de cartolina a palavra MU-NA... Muna? Sim senhor, lá tá M-U... N-A. É muna. Tomé, o que é muna? É uma fruta... Uma fruta? Sim, senhor; uma fruta... Eu desconfiei, pois nunca ouvi falar em muna e quanto mais uma fruta com este nome. Voltei a perguntar, Tomé, tu conheces esta fruta? Ele respondeu, sinceramente, "eu não, senhor... Mas porém o senhor é um homem viajado e deve conhecer". Toma-te responsabilidade!
É verdade, eu devia conhecer uma tal fruta madura da educação de adultos que Paulo Freire plantou e mestre Tomé ensinou a colher tão de surpresa como foi meu curioso encontro com o apóstolo da educação libertadora. Tanto mais, que depois de uma forçada parada para tratar as fadigas e a malária, tão logo cheguei em Brasília em busca de emprego cuidei de me matricular no curso preparatório para exames supletivos (famoso curso Artigo 99) do colégio La Salle. Fruta nutritiva, a muna; que me motivou a vencer a vergonha e passar direto nos exames de primeiro e segundo graus do Colégio de ensino médio Elefante Branco. No tranco, de janeiro de 1970 a janeiro de 1971, o caboco do Fim do Mundo acabou entrando, em quarto lugar geral, no vestibular da então UDF. É verdade que meu espírito nômade não me deixaria terminar nenhum curso (assim mesmo perambulei pela UFPA e faltou pouco tempo para concluir bacharelado de Economia na UnB), a culpa é minha só. Ou talvez não seja culpa, mas oportunidade a novas provas vestibulares sem fim.
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Percy Lau

Creio que todos nós acima de 40 anos já convivemos com alguma ilustração de Percy Lau. Seus bicos-de-pena marcaram muito os livros escolares nos anos 1960/70. Peruano – nascido em Arequipa, 1903 – Percy Lau se tornou artista brasileiro. Morreu em 1972 no Rio de Janeiro. Ilustrou uma coleção de 10 volumes intitulada Viagem Através do Brasil, que pretendo mais à frente postar alguns exemplares. Hoje mostro seu trabalho para a clássica publicação do IBGE, Tipos e Aspectos do Brasil. A primeira edição desse livro começou a circular em 1939, época marcada por uma política cultural nacionalista, mas tenho duas edições já de 1966 (8ª. edição) e outra de 1975 (10ª edição ampliada). Certamente os desenhos precisos de Percy Lau transcenderam as marés políticas e trazem ainda hoje a vivacidade do Brasil interior. Magno

Minha foto
São José dos Campos, São Paulo, Brazil
Designer e artista plástico. Nasceu em São Pedro dos Ferros, zona da Mata Atlântica de Minas Gerais. Radicado em São José dos Campos, vale do Rio Paraíba, em São Paulo.
/ http://ochapeupensador.blogspot.com/2009/06/percy-lau.html

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

8 DE SETEMBRO: INDEPENDÊNCIA PELA ALFABETIZAÇÃO!

http://www.brasilescola.com/datacomemorativas/dia-da-alfabetizacao.htm

A burguesia tupiniquim ressuscita a Guerra Fria com moralidade golpista da UDN pré-1964. Ela quer palanque já! (pra 2014) ou banca inocente útil na contramão da integração solidária da América do Sul. O golpe de 64 vai completar 50 anos. Simples coincidência? Derrubaram Jango na crise da guerra fria sob argumento de que ele, rico fazendeiro no Rio Grande do Sul; queria implantar o "comunismo" no Brasil sob capa de uma tal república sindicalista minada de pelegos (maneira expedita de malquistar o povo contra a coligação PSD-PTB, oligarquia eleitoral imbatível sob bandeira social-democrata e trabalhista pra inglês ver). O maldito Marx avisou que a história só se repete como farsa... Atenção, na passagem da Crise de 2008 para 2012: acendeu farol amarelo!

Olhando há meio século custa crer que o bravo povo brasileiro tenha engolido tão fácil a patranha entreguista dos moralistas da UDN. Mas, agora com tanta notícia e informação por todos os cantos constatar as mesmas cantilenas do passado devia nos servir para perguntar:

Como é que se pode iludir um povo assim durante tonto (sic) tempo? Pode conforme Georges Orwell previu na obra "1984" com o Big Brother da mídia global, a novilíngua e a milícia do pensamento... Vejam bem debaixo de nossos narizes mundializados, sentados no sofá frente à TV, o contraste vivo da tragédia da fome na Somália dominada por malfeitores violentos e a ação "humanitária" da OTAN na Líbia do nada santo Kadaffi, cujos pobres acertados com a leniência dos grandes da Terra a libertária WikiLeaks vai mostrando, aos poucos, diante do conformismo bovino de milhões de leitores...

Bertold Brecht dizia que o pior analfabeto é o analfabeto político. No nosso Brasil temos visto o quando o revolucionário bávaro havia razão, pois na verdade se analfabetos autênticos e milhões de analfabetos funcionais, não são besta nem um pouquinho e não vacilam em votar no "analfabeto" Lula (segundo o triste preconceito classista do bem alfabetizado Caetano Veloso) e elegem por pirraça candidatos tipo Tiririca deputado federal. Em compensação, analfabetos políticos bem diplomados, engravatados e automobilizados que adoram viajar ao exterior pra comprar bagulho e gerar renda e empregos de "primeiro mundo", lá fora; elegem sem dor de consciência montes de reacionários para os representar no Congresso nacional...

Como é que pode? Pode porque quem devia não critica mancada do PTzão com seu grande irmão PMDB, que a dupla caipira PSD-PTB outrora; se encantou com o consenso neoliberal que deu com os burros n'água mas não perdeu a pose de Washington. Essa companheirada amarelou de medo do PIG chamar ao governo popular de "populista", "chavista", "terceiro mundista" e outros mimos intimidatórios da lista conservadora pra não largar a rapadura de 500 anos das capitanias hereditárias.

Ora isto é muito sério (noves foras delírios alucinatórios do PSOL e companhia, querendo a República de Platão no país do carnaval)! Com quase 9 anos da dupla Lula e Dilma lá, marcando recordes extraordinários nunca dantes neste país; ainda é pífio o resultado da pátria de chuteiras na luta contra o ANALFABETISMO.


Sem contar o analfabetismo político, é pouco muito pouco para um país que foi berço de Paulo Freire, o alfabetizador por excelência exilado pela Ditadura; se a gente comparar o Brasil com as vitórias de Cuba, Venezuela e Bolívia no campo da erracadição do analfabetismo de adultos, como reonhece, por exemplo, o correto senador da Educação Cristóvam Buarque (PDT), exonerado do MEC numa mancada monumental do nosso prezado e sempre lembrado o Cara... Claro, a gente é amigo do Lula mas, seguimos o axioma que diz, "amigo de Platão, mas mais amigo da verdade": alfabetização política obriga.

Vamos torcer mais do que pela seleção brasileira de futebol e apoiar Dilma na faxina contra a Miséria (deixemos aos analfabetos políticos do bloco do PIG o espetáculo da faxina contra a Corrupção sem corruptores, maravilha que faria uma raposa felpuda da finada UDN corar de vergonha):

Mas, diga-se a verdade, a vitória do Brasil sem Miséria só será completa se, com Bolsa Família e emprego garantidos, a erradicação do analfabetismo em nosso País alcançar, rapídamente, "padrão suíço"... Como costumam falar de boca cheia nossos compatriotas bem educados e vaidosos do Brasil ostentar o sétimo lugar entre as nações mais ricas do planeta. Aqui nas ilhas do Marajó - o maior arquipélago fluviomarinho do planeta, do tamanho de Portugal - , por exemplo, de mísero IDH, o PLANO MARAJÓ / Programa Territórios da Cidadania vai devagar quase parando e o analfabetismo (cerca de 50% de maiores de 15 anos de) campeia entre a população beirando a meio milhão de brasileiros.


Nesta marcha, eu mesmo que testei com relativo sucesso o método Paulo Freire, improvisando com a cara e a coragem a palavra chave MA-NI-VA (conhecida folha da mandioca e base da sustancial maniçoba), nos idos de 1967 quando ser comunista era crime, no "Círculo Operário Pontapedrense" oferecido pelo lúcido conservador Antonico Malato à experiência, terra natal de Dalcídio Jurandir; sei que eu vou morrer sem ver jamais desaparecer a marca infamante da escravização dentre a brava gente marajoara dos meus cuidados.