sábado, 28 de setembro de 2013

REFAZENDA MARAJOARA, ECOCIVILIZAÇÃO PARA TODO MUNDO.

situada no delta-estuário da maior bacia hidrográfica da Terra, a Amazônia Marajoara - berço da mais antiga cultura complexa amazônica e da arte primeva brasileira, a Cerâmica Marajoara - apresenta a diversidade cultural do Homem face à Biosfera no maior arquipélago fluviomarinho do mundo com a sua porção continental no entremeio das Amazônias azul e verde. Mas, desgraçadamente, se perde em pobreza entre chuvas e esquecimento. Enquanto uns bravos descendentes dos Nheengaíbas lutam para ser cidadãos brasileiros e planetários.



ECOCIVILIZAÇÃO AMAZÔNICA SERÁ REFAZENDA DA CULTURA MARAJOARA DESDE SUA INVENÇÃO HÁ 1500 ANOS OU NÃO SERÁ ECOCIVILIZAÇÃO.


"... Na grande boca do Rio das Amazonas está atravessada uma ilha de maior comprimento e largueza que todo o Reino de Portugal, e habitada de muitas nações de índios, que, por serem de línguas diferentes e dificultosas, são chamados geralmente nheengaíbas. Ao princípio receberam estas nações aos nossos conquistadores em boa amizade; mas depois que a larga experiência lhes foi mostrando que o nome de falsa paz, com que entravam, se convertia em declarado cativeiro, tomaram as armas em defensa da liberdade, e começaram a fazer guerra aos portugueses em toda à parte. Usa esta gente canoas ligeiras e bem armadas, com as quais não só impediam e infestavam as entradas, que nesta terra são todas por água, em que roubaram e mataram muitos portugueses, mas chegavam a assaltar os índios cristãos em suas aldeias, ainda naquelas que estavam mais vizinhas às nossas fortalezas, matando e cativando; e até os mesmos portugueses não estavam seguros dos nheengaíbas dentro de suas próprias casas e fazendas, de que se vêem ainda hoje muitas despovoadas e desertas, vivendo os moradores destas capitanias dentro em certos limites, como sitiados sem lograr as comodidades do mar, da terra e dos rios, nem ainda a passagem deles, senão debaixo das armas. Por muitas vezes quiseram os governadores passados, e ultimamente André Vidal de Negreiros, tirar este embaraço tão custoso ao Estado, empenhando na empresa todas as forças dele, assim de índios como de portugueses, com os cabos mais antigos e experimentados; mas nunca desta guerra se trouxe outro efeito mais que o repetido desengano de que as nações nheengaíbas eram inconquistáveis, pela ousadia, pela cautela, pela astúcia e pela constância de gente, e, mais que tudo, pelo sítio inexpugnável com que os defendeu e fortificou a mesma natureza. É a ilha toda composta de um confuso e intrincado labirinto de rios e bosques espessos, aqueles com infinitas entradas e saídas, estes sem entrada nem saída alguma, onde não é possível cercar, nem achar, nem seguir, nem ainda ver ao inimigo, estando ele no mesmo tempo debaixo da trincheira das árvores, apontando e empregando as suas flechas. E por que este modo de guerra volante e invisível não tivesse o estorvo natural da casa, mulheres e filhos, a primeira coisa que fizeram os nheengabas, tanto que se resolveram à guerra com os portugueses, foi desfazer e como desatar as povoações em que viviam, dividindo as casas pela terra dentro a grandes distâncias, para que em qualquer perigo pudesse uma avisar às outras, e nunca ser acometidos juntos. Desta sorte ficaram habitando toda a ilha sem habitarem nenhuma parte dela, servindo-lhes porém em todas os bosques de muro, os rios de fosso, as casas de atalaia, e cada nheengaíbade sentinela, e as suas trombetas de rebate...." (carta do Padre Antônio Vieira, à Regente da coroa portuguesa, Dona Luísa de Gusmão, em 11/02/1660).

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"Excelente a reportagem do padre [Giovanni Gallo] sobre os mestres de ofício. Tenho uma grande admiração por esses mestres que desafiam a tecnologia sofisticada". (Dalcídio Jurandir / correspondência com Maria de Belém Menezes).
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NOVA UTOPIA DA TERRA SEM MAL COM O SEBASTIANISMO DA HISTÓRIA DO FUTURO, DESCOBERTA NA PAISAGEM RIBEIRINHA INVISÍVEL E REFEITA PELAS MARGENS DA HISTÓRIA ATRAVÉS DE PONTOS DE MEMÓRIA DA CRIATURADA GRANDE DE DALCÍDIO.

Hoje, mais que nunca, carece confiar à Ciência & Tecnologia a tocha acesa que outrora, na escuridão do tempo, pertencia tão só à Fé cega, faca amolada, de temerários guias da Civilização. 

Travessia do Homem a pé do deserto do primeiro de todos os mundos, após a idade mítica dos deuses na primeira noite do mundo.

Ciência é coisa séria para ficar somente com os cientistas, como a guerra em mãos dos generais. Sobretudo entregue a pesquisadores que se alugam por trinta dinheiros a políticos alienados e donos do mercado. É preciso dar ouvidos a outros sábios: pais e mães de santo, pajés e xamãs: aprender a ver o peso da maré pelos olhos de poetas e profetas no parto das manhãs. 

Hugo Chávez, por exemplo, discípulo visionário de Bolivar teve razão quando disse ser Jesus Cristo o primeiro comunista do mundo. Claro está por que seus inimigos fariseus o entregaram ao poder de Roma para matar o Filho do Homem na Cruz, se antes o subversivo João Batista havia sido degolado na Cidade Santa para calar a voz que clama no deserto. 

Tal é, hoje ainda, a expectativa global da re-evolução do planeta Terra desde as beiras do Mar Morto. Todavia, quem visitar o interior da terra achará a pedra filosofal e poderá saber que Lao Tsé foi marxista avant la letre.  Nas Índias Ocidentais, velhos pajés chegaram a pé antes do búfalo filosófico que levou o grande mestre taoista da China as Índias Orientais: muito antes da criação de búfalos da ilha grande do Marajó.

Não se espante se eu lhe disser que a nova história do Futuro é uma universidade da maturidade do vasto mundo sem fronteiras. Que a dita cuja se achava latente nas mal traçadas linhas da pintura rupestre, de acordo com as mais antigas estórias da história oral do Rio Negro e outras regiões amazônicas.

Pré-história da ditadura da água na boca da cobragrande Boiúna (codinome, "rio das Amazonas"). Eu não sei porquê. Só sei que foi assim... 

Pajés-açus ou verdadeiros converteram o conde Ermano Stradelli à pajelança geral adotando-o como colega, lá deles. No vestibular aos altos cursos da amazonidade nas funduras do Rio Negro, na Guainia. Tal qual em Piratininga os Guarani-Apapokua naturalizaram o alemão Curt Unckel adotando-o como Nimuendajú. Em Jaguaribe (Ceará) foi a vez dos caraíbas Tupinambá, fiéis de Jurupari diabolizado pelos padres franceses do Maranhão; fazer cunhado o aventureiro cristão-novo do Marrocos, Martim Soares Moreno, a fim de arrastar à conquista da Tapuya tetama (terra dos Tapuias) as armas portuguesas.

Masporém, na historiografia chapa branca do Império do Brazil - ignorante da Yby marãey (Terra sem mal), aviltante do bon sauvage e estigmatizadora da "eucaristia bárbara" (antropofagia sagrada) que fez Cristo nascer na Bahia ou Belém do Pará segundo o grão canibal Oswald de Andrade - a histórica conquista do Maranhão e Grão-Pará é outra história.  

O avesso do academicismo imperial, mumificado pela República Velha, é a revolução permanente na academia do peixefrito e no clube da madrugada: ecos amazônicos da Semana de Arte Moderna de 1922 no país de Macunaíma e Cobra Norato. 

Raízes da ecocivilização do futuro da qual estamos falando se encontram no passado da Cultura Marajoara e das mais Amazônias, como também em todas regiões da Biosfera; nas quais pontificaram sábios especialistas em generalidade das sociedades primitivas afins ao Tao ("caminho" cósmico, paresque, no qual se acha cheia de graça nossa senhora, a Vida; recém-nascida e sempre em infinito estado de gestação). Antes da notícia da Vida, Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo já tínhamos aqui a arte e magia da ressurreição na cerimônia solene do Kuarup.

Sábios pajés impressionaram, deveras, a Alfred Russel Wallace, quando o co-fundador da teoria da evolução com Charles Darwin visitou a Amazônia e viu ao vivo como esta gente tira de letra a dialética do Sol com a Lua na influência das marés, notadamente na grande ilha grande do Marajó, com a precoce luta de classes de seus primitivos cacicados.

Por isto, na aurora do terceiro milênio, enquanto o devastador mal de Alzheimer (nossa popular caduquice de velho) continua incurável, a sociedade humana - cada vez mais velha - há de se empoderar da memória do Homem e da Biosfera a fim de achar tratamento e cura a infinitos males do esquecimento e alienação planetária. 

Os marginalizados povos da Terra não podem se deixar arrastar ao suicídio global por loucos perigosos no comando da nave mãe da Humanidade. 

De todas ilhas do arquipélago do verde oceano florestal amazônico, a ilha do Marajó é a joia da coroa brasílica. Aqui sob a linha do equador o meridiano de partição do mundo, "testamento de Adão", entre as coroas ibéricas, por acaso no espaço curvo de Einstein, veio realizar a fusão dos extremos Oriente e Ocidente há pouco mais de 400 anos. E poucos deram-se conta disto, apesar do Sermão aos Peixes contra a cegueira da mente, proferido em São Luís do Maranhão (1654) pelo Padre Antônio Vieira: ele mesmo, por acaso, atirou no que viu e acertou no que não viu...

Que são quatro séculos na longa escala da Humanidade de mais de um milhão de anos desde a primeira Diáspora africana? Portanto, apesar da destruição das Índias Ocidentais e devastação da "última fronteira da Terra" para miserabilizar o "celeiro do mundo", do qual o pobre IDH da gente marajoara dá mostras; tudo isto ainda é uma primeira manhã.

Sobre ruínas físicas e culturais da antiga Tapuya tetama (terra dos Tapuias), há dez mil anos ocupada por multidão de povos originais desde o Extremo Oriente; o Extremo Ocidente conquistou e inventou a Amazônia ("país das amazonas", lendárias mulheres guerreiras da Capadócia, transportadas por naus de imaginação).

Como se deve saber, a fim de refazer o futuro, existiram distintas civilizações nas Américas quando a Niña, a Pinta e Santa María com aventureiros de Colombo a bordo tocaram a ilha Guaanani (depois São Salvador e hoje Bahamas famosas pelo turismo e o paraíso fiscal).

Civilizações de pedra mesmo arruinadas sobrevivem ao colonialismo e pela ambição do turismo começam a ser revitalizadas. Porém nas terras baixas a civilização do barro descoberta tardiamente (a arqueologia marajoara, por exemplo, só revelou sua cara, por acaso, no dia 20 de novembro de 1756, quando o "teso do Pacoval" foi descoberto), está entregue a chuvas e esquecimento. Porém a arqueologia experimental pós-industrial poderia em Marajó fazer sucesso sem precedentes aqui.

Sem tempo para gozar maravilhas do novo Éden e fazer amizade e conhecimento com os Lucayos, os Conquistadores (cariuá, malvado) entraram a cavar terra a procura de ouro escravizando os donos das ilhas do Caribe. Até hoje este tão grande desastre humanitário passa aos confins da terra-firme, indo das margens do Atlântico ao Pacífico. 

Está aí o padre Las Casas que não me deixa mentir. Depois dele o "payaçu" dos índios, imperador da língua portuguesa, Padre Antônio Vieira, com sua utopia sebastianista dando testemunho da cegueira fatal da Colonização. 

Também ele cego à paisagem invisível dos primeiros cacicados no maior país amazônico do mundo, hoje a República Federativa do Brasil; infelizmente, agora, apossada de caciques políticos e negociantes desalmados em companhia de piratas estrangeiros piores que os do Caribe outrora. Tudo igualzinho com os começos da farsa da História (apesar de sisudos avisos do barbudo Karl Marx).

O erro cartográfico que levou espanhóis a chamar de Índias Ocidentais ao continente, este engano ficou sendo verdade e seus habitantes originais foram apelidados "índios" até hoje. Mas, os tais índios ocuparam o Caribe desde o Rio Negro, na Amazônia brasileira, através do Orinoco, na Amazônia venezuelana muito antes dos judeus ser expulsos de Espanha e Portugal e a familia de Colombo ser obrigada a se cristinizar, pelo menos, da boca pra fora.

E os índios enquanto não eram índios dilataram o circum-Caribe para o oeste até os contrafortes dos Andes e ao sul além do Pantanal... Lutaram e resistiram à invasão guerreira dos Tupi-Guarani enquanto de norte a sul buscavam o país do Cruzeiro do Sul ("Arapari"). 

E, em sentido contrário, o Bom Selvagem abria os caminhos do sertão demandando o paraíso chamado Yby marãey (terra sem mal): lugar mágico onde não existe fome, trabalho escravo, doença, velhice e morte. Existirá melhor projeto de Civilização? Como então, o "jovem país" do pau-brasil despreza todas estas coisas? A joia rara da nacionalidade brasileira.

Desta dialética enormíssima - no fim da estória ou a idade dos deuses -, confundida a interesses divergentes das cinco potências colonizadoras (Portugal, Espanha, França, Holanda e Inglaterra) com a Independência sul-americana acabaram nascendo o Tratado de Cooperação Amazônica (TCA), com a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA), sua sede em Brasília; o Tratado de Assunção criando o MERCOSUL; e ultimamente a UNASUL. Andamos na modernidade, que nem nossos antepassados na antiguidade americana, rumo à Pátria grande.


NO ESPAÇO CURVO SEM FRONTEIRAS OS EXTREMOS SE FUNDEM: MARAJÓ É ELO ENTRE O NORTE E O SUL, ENTRE OCIDENTE E ORIENTE: O MUNDO ESTÁ NO MARAJÓ E O MARAJÓ ESTÁ NO MUNDO 
("MARAJÓ" NÃO É ILHA, MAS HOMEM DA ILHA NO ARQUIPÉLAGO DAS REGIÕES AMAZÔNICAS E DOS BRASIS, NO CONJUNTO DE BIOMAS DA BIOSFERA).

Importante descobrir, na paisagem humana invisível, pontes e conexões do espaço-tempo planetário. A íntima ligação do indivíduo com a sua personalidade: como, na verdade, a pessoa é construída  genéticamente, socialmente, politicamente, culturalmente em um meio ambiente singular fazendo parte de um sistema qualquer nacional e planetário. 

O qual, afinal de contas, do átomo passando pelas moléculas e células acaba sendo parte da eterna dialética do cosmo e do caos numa infinita relação de causa e efeito. A mudança climática, por exemplo, pode ter causas naturais agravadas pelo Homem: com certeza certa, porém, paga o justo pelo pecador...

Depois de séculos de Magia, Mistérios, alquimia, esoterismo e todas estas coisas nebulosas que prepararam o advento da Ciência; hoje a Física está pronta a ensinar que o Átomo deixou de ser "indivisível" como os antigos gregos deduziram, faz tempo, a Matéria mãe do Espírito (santo ou de porco) não tem apenas uma, duas três ou quatro dimensões, mas onze dimensões subatômicas. 

A física das partículas aponta à existência de um universo muito mais maravilhoso e complexo que nem o guru mais delirante não conseguiria sonhar, onde tudo vibra como uma harpa de onze cordas (teoria das cordas). E a "partícula de Deus" (bóson de Higgs está saindo da boca do forno da grande bruxaria energética). Pela primeira vez uma sonda espacial bisbilhota corpos celestes fora do sistema solar... 

E o Homem ainda geme impotente (com mais de 400 milhões de bocas podendo chegar até ao absurdo de 1 bilhão de pessoas abaixo da linha de pobreza extrema, lá pelo ano de 2030) acorrentado à Fome, Escravidão, Doenças, Velhice e Morte: tudo isto que a utopia da Terra sem mal queria para sempre deixar para trás... E foi o sonho do Bom Selvagem se afogar no rio das Amazonas, onde jaz para ser novamente encontrado e resgatado pela Ciência iluminada pelo Humanismo, tal qual anuncia o poeta profeta Thiago de Mello contemplando o monumento natural do Encontro das Águas.

Se você tem consciência metódica e explicativa dos fenômenos da vida em sua expressão física e material. Se aceita a precariedade e progressividade deste conhecimento, você se acha em face da Ciência e está usando o hemisfério esquerdo do seu cérebro onde a deusa Razão habita. Entretanto, se o que predomina em sua vida são crenças míticas ou religiosas, as artes, diversão e mais atividades lúdicas; então você utiliza bastante o hemisfério direito de seu miolo onde moram as filhas da Emoção.

Na verdade, a coisa não é simples assim. Em 98% dos seres humanos, a parte cerebral dominante é o hemisfério esquerdo, encarregado pelo pensamento lógico e a comunicação. O hemisfério direito fica responsável pelo pensamento simbólico e a criatividade. Quem diz isto é uma ciência nova, a neurociência; nem ela fez suas descobertas e já pesquisas recentes contradizem as certezas duramente adquiridas no tempo, comprovando que existem setores do hemisfério esquerdo destinados à criatividade e do hemisférios direito capacitados a realizar atividades lógicas.

Nos canhotos, por exemplo, as funções estão invertidas. O hemisfério esquerdo diz-se dominante, pois nele localizam-se duas áreas especializadas: a área de Broca, o córtex responsável pela motricidade da fala, e a área de Wernicke, córtex da compreensão verbal. Já o corpo caloso, situado na geografia do corpo no fundo da fissura entre os dois lados do cérebro, ou ou fissura sagital, é a estrutura da conexão entre os dois hemisférios. Esta estrutura é formada de fibras nervosas de cor branca chamadas axónios envolvidos em mielina. O corpo caloso faz a troca de informações internas entre as diversas áreas do córtex cerebral.

Por que, então, para falar duma região (Marajó) da Amazônia imaginária e real faço eu uma tal comparação, científica, entre um indivíduo qualquer e o corpo planetário de nossa mãe Terra, também chamada Gaia? Se não bastasse o planeta e o corpo humano serem ambos constituídos por cerca de 60% de água; a vida é um "milagre" (singularidade) física feita de interatividade e complexidade das relações entre coletividades e indivíduos em diferentes contextos históricos e sistemas geográficos que formam o todo num equilíbrio instável.

Assim, não só o Homem nasce, cresce, vive e morre. Mas também a Biosfera onde todos estes fenômenos acontecem dentro de uma relação dinâmica e complexa. Com auxílio do conhecimento da diversidade das línguas e culturas da Humanidade, o descobridor de novos mundo na Terra ou fora dela, deve estar sempre alerta para o fato de que o mapa não é o território... E que a realidade não é o que parece. Destarte, a Religião e a Ciência não só são os grandes títulos do Conhecimento humano e se apresentam como produtos do relacionamento entre homens e deuses ou da pessoa humana com o todo; como também se influenciaram mutuamente na intimidade do corpo caloso entre os dois hemiférios cerebrais da espécie Homo sapiens

Ou, para a maior parte dos seres humanos que cultivam uma religião, o "templo" sagrado e verdadeiro onde o Divino veio habitar entre os mortais e cujo modelo todos mais templos ou lugares sagrados são meras reproduções. 

No caso de Marajó, há que se ter em conta que se trata de um lugar venerado para diversas tradições de diferentes origens. Como a arqueologia marajoara demonstra e a cerâmica ritual encontrada nos sítios arqueológicos, chamados tesos ou aterros - com sua aldeia suspensa sobre campos e várzeas inundáveis, necrópole (verdadeiramente, "cidade dos mortos" ao lado da cidade dos descendentes vivos), horta e pomar - evidencia uma religiosidade na qual um manifesto parentesco cultural com outras culturas ameríndias e asiáticas. 

Para pesquisadores como Denise Shaan, em estudo comparativo com sociedades da Ásia e Oceania, a decoração zoomorfa da cerâmica marajoara lembra a arte corporal identitária da tatuagem. Comparável, doutra maneira, a múmias do Peru pré-incaico como expressão de desejo de "imortalidade" ou renascimento de um líder notável pela sua comunidade. Decorações totêmicas da cobra jararaca, escorpião e lacraia na cultura marajoara sugerem sistema de parentesco onde natureza e religião se entrelaçam.

Além de sua religiosidade nativa, Marajó tornou-se um dos vários lugares onde Guaracy ("mãe dos viventes", o Sol) adormece ao fim do dia e renasce na baía a cada amanhecer, segundo a religião dos Tupinambás reciclada durante o choque colonial a partir do Nordeste para o Norte. Em língua tupi tais lugares se chamavam Araquiçaua (ara, dia; ky, rede e xawa, sítio ou lugar onde o sol ata rede para pernoitar).

O Araquiçaua hoje é um sítio no município de Ponta de Pedras, à margem direita do rio Arari. Existiram outros lugares desde nome ao longo do chamado Caminho do Maranhão até o Pará e ainda existiria um sítio deste mesmo nome no rio Araguari, no Amapá. O certo é que o dito caminho é parte da paisagem cultural da Terra sem mal na Amazônia. Migrações tupinambás desde Pernambuco e Paraíba alcançaram o Tocantins e Pará antes da ocupação estrangeira com holandeses inicialmente, franceses e portugeses afinal.

A conquista amazônica pelos Tupinambás ocorreu através do Maranhão pelo litoral do Salgado Paraense ou pela calha do Tocantins: em ambos casos a ilha do Marajó foi vista, pela posição geográfica em relação ao movimento da Terra em torno do Sol, como lugar do paraíso terreno procurado segundo a antiga religião dos Tupis e Guaranis elaborada em condições concretas na fronteira entre a Bolívia e o Paraguai sobre pressão, provavelmente, do império Inca, no Peru.

Os espanhóis, através de Francisco Orellana, pretenderam colonizar o Amapá e Marajó com título de Nueva Andaluzia, porém a aventura morreu no nascedouro, com o desaparecimento do descobridor das "amazonas", em 1544, nas águas do Pará. Em fins do século XVI foi a vez dos protestantes holandeses tentar ocupar o Baixo Amazonas e Xingu, inclusive Amapá e Marajó. Os famosos Aruãs à frente das etnias nuaruaques, chamadas "Nheengaíbas" faziam comércio de escambo e relações amistosas com as feitorias holandeses onde trocavam produtos da floresta e "gados do rio" (peixe-boi, tartaruga e pirarucu) por facas, machados, anzóis, espelhos e contas de vidro. Esses mercadores europeus trouxeram seus familiares entre mulheres e filhos, assim como introduziram na região os primeiros escravos negros. Por suposto, no período que vai de 1599 até cerca de 1647, contatos entre marajoaras e os estabelecimentos protestantes servidos de escravos africanos deram início, além do comércio de mercadorias, a trocas culturais no domínio das línguas, crenças religiosas, costumes e valores simbólicos. Por exemplo, mestre Vicente Salles ensina que o nome do município Afuá é puro africanismo. Como foi lá parar? Pode-se imaginar... Não faltam motivos para boas hipóteses. Provar é que são elas.

Inimigos hereditários dos Tupinambás, os Marajoaras resistiram à invasão de seus territórios tradicionais tanto na Terra-Firme quanto nas Ilhas mediante guerra de guerrilhas usando zarabatana feita de paxiúba e dardos de talos de patauazeiro envenenados de curare. A morte súbida do guerreiro tupi surpreendido pela emboscada do guerrilheiro ilhéu seria o motivo do "nheengaíba" Aruã ficar apelidado "marãyu" (marajó, malvado).

Já se sabe que caraíbas ou pajés-açus praticavam a antropofagia no conjunto de sua religião. Este fato não deve passar em brancas nuvens no que tange à invenção da Amazônia. Pela guerra e pela paz, invasores e nativos terminam sempre por fazer empréstimos culturais até o domínio final de um dos dois opositores.

No fim da história dos Índios, nem os Nheengaíbas conseguiram conservar sua ilha ancestral, nem os Tupinambás a conquistaram. Coube, brevemente, aos Jesuítas a posse provisória do cobiçado paraíso para perdê-lo logo em seguida com a expulsão pelos colonos, em 1661, e doação da capitania da Ilha Grande de Joanes (1665), somente ocupada por prepostos do donatário a partir de 1680, diante da brava resistência dos Aruãs, Anajás e outros "nheengaíbas" restantes, que viviam em camaradagem com desertores e escravos refugiados pelos centros da ilha.

Seis anos após o primeiro curral de gado no rio Arari, voltaram os Jesuítas ao Marajó, começando pela sesmaria da fazenda São Francisco, pela margem da baía com fundos para o rio Marajó-Açu: rio que dá nome a toda ilha e mais acidentes geográficos deste nome. Além dos padres da Companhia de Jesus, os frades das Merces tiveram (1696) sesmaria na ilha de Sant'Ana, na foz do rio Arari. Os guerreiros Tupinambás, pouco a pouco, foram sendo aculturados e catequizados juntos aos inimigos Nheengaíbas: estes perderam sua "língua ruim", os primeiros seus maus costumes antropofágicos. Despossuídos de território e cultura, venceu o Nheengatu ("boa língua") apropriada pelos colonizadores até final triunfo da língua portuguesa imposta a peso de palmatória, a santa Férula.

Finalmente, o antigo paraíso na terra dos Tapuias virou purgatório antes de ser o inferno verde. Com o Diretório dos Índios (1757-1798), pela segunda vez os Jesuítas foram expulsos, aldeias missionárias foram "elevadas" em vilas e lugares de Portugal; os índios promovidos por decreto, a "civilizados" sob codinome de "caboclos" do dia para a noite. Agora o choque do IDH da historicamente fabricada pobreza da gente marajoara. Nada, entretanto, que já não se tivesse mostrado desde 1999, pelo menos.

sexta-feira, 20 de setembro de 2013

"Quando Marajó desencanta?"



O Chalé dos romances "Chove nos campos de Cachoeira" e "Três casas e um rio", de Dalcídio Jurandir (1909-1979), Prêmio Machado de Assis 1972, da Academia Brasileira de Letras.








REMANDO PELAS MARGENS DA HISTÓRIA


 "Ainda teimam desnaufragar o navio. Ele virou fantasma, virou cobra boiuna. 
Sobre as enchentes em Marajó, o espetáculo é o mesmo. No meu romance “Marajó” 
eu falo da água invasora. O “Chove” está encharcado assim como “Três casas e um Rio”. 
Toda a minha obra flutua na enchente. Vejo o jacaré, o peixe aruanã e os defuntos que
escapam do cemitério alagado. Morei numa casa em cima d’água. Até hoje oiço
os peixes e as marrecas e as chuvas enormes. O padre continua em forma. Marajó é ainda 
terra encantada. O gado anfíbio. O homem encharcado.
Marajó é como o navio: submerso. Soure – Soures – e Ponta de Pedras estão no teso: 
Cachoeira se refugia numa terrazinha firme. A parte baixa, onde morei, é  tudo enchido. 
Vejo no vaqueiro Aprígio as tardes de ferra, o embarque das rezes, os isguetes poeirentos 
com a flauta de Luiz e o saxofone do Paraense. Quando Marajó desencanta?" 

 (Dalcídio Jurandir / Correspondência)






Na linha do tempo marajoara, o ano de 1972 representa um marco divisório entre o longo passado de um milênio e meio desde os começos da Cultura Marajoara (ver Denise Schaan na obra "Cultura Marajoara" e outras) e o futuro da gente marajoara contemporânea, desde o referido ano em construção.

Na modesta cidade de Santa Cruz, às margens plácidas do lago Arari, ilha do Marajó; o padre Giovanni Gallo S.J. vinha da longínqua Europa, com uma curta passagem pelo Maranhão, e acabava de entrar de cabeça na grande experiência de sua vida, assim como cego em meio ao tiroteio. Na verdade, o missionário não estava preparado para aquela desconforme pastoral dos pescadores arariuaras. Ninguém em seu lugar estaria também. Mas, o italiano daltônico e teimoso como poucos havia uma virtude extraordinária: gostava de gente com uma antropologia engajada para além da curiosidade acadêmica e do salvacionismo da alma à custa do corpo da criatura. 

E assim, para desgosto do bispo diocesano e irritação de caciques políticos, Giovanni esqueceu um pouco da sacristia e do catecismo para converter-se ele mesmo em aprendiz de cabocos sem eira nem beira. A fim de melhor saber com que ele estava lidando, inventou um museu com a gente local. Cada um chegava com um troço diferente na mão e logo a aula do padre aprendiz com seus paroquianos mestres estava armada (cf. "Marajó, a ditadura da água", de Giovanni Gallo). Na verdade, aquela invenção poderia não passar de um exercício prático para puxar pela memória do local e preencher o tempo naquele fim de mundo. Se o acaso não viesse a calhar de se casar com a necessidade: foi quando o caboco Vadiquinho apareceu com um tremendo bagulho embrulhado dizendo ao padre que era um presente para quem "gosta de coisa que não presta" (ver Giovanni Gallo em "Motivos Ornamentais de Cerâmica Marajoara"). Eram os famosos "cacos de índio": pedra angular de "O Nosso Museu do Marajó".

Ouso considerar este invento comunitário o primeiro ecomuseu do Brasil com o incrível potencial de relembrar a antiga Cultura Marajoara e reinventá-la pela arte e a cultura dos remanescentes daqueles povos originais desconhecidos. Claro está que tal reconhecimento depende agora da Educação ribeirinha em causa apontando à criação de uma futura Universidade Marajoara tendo como fundamento o barro dos começos do mundo e por ambição o desenvolvimento humano pleno de sua gente. É verdade que uma coisa destas não pertence a nenhum indivíduo em particular e não estava nas intenções do padre nem em seus sonhos mais visionários.

Então, mais uma vez o acaso pintando a necessidade por esposa. Jorge Amado na Academia Brasileira de Letras lembrava o "índio sutil" do Marajó saudando-o na entrega do Prêmio Machado de Assis de 1972. O país sofria os horrores da Ditadura, mas artistas, poetas, intelectuais como o grande Thiago de Mello faziam a vez do galo na madrugada: "faz escuro mas eu canto"...

Na fidelidade da amizade entre o poeta Bruno de Menezes e o romancista Dalcídio Jurandir, Maria de Belém Menezes tecia a ponte entre Belém e Rio de Janeiro por onde as novidades do Marajó transitavam: foi assim que o escritor conheceu o padre de Jenipapo e Santa Cruz do Arari. A Criaturada povoando dez romances do ciclo Extremo Norte exilada com Alfredo numa mansarda nas Laranjeiras, na cidade grande do Rio de Janeiro; já havia como se repatriar a Cachoeira do Arari depois da morte de seu criador (1979).
Em vão, Dalcídio deixou sua última vontade - escrita precocemente na juventude e descoberta tarde demais entre velhos papéis do acervo do escritor na Casa de Rui Barbosa - , dizia ele que o enterrassem em Cachoeira do Arari debaixo da árvore Folha Miúda na beira do rio em frente ao Chalé. 

Mas o Chalé foi demolido sem apelação, a árvore da infância do escritor levada pela correnteza do rio e nem o rio do romance é o mesmo que banha Cachoeira do Arari agora. Giovanni Gallo também já morreu, como morreu Dalcídio, os sete caciques que fizeram a pax de Mapuá com o Padre Antônio Vieira e todos mais caciques fundadores da antiga Cultura Marajoara - pra não dizer a ecocivilização amazônica -, já morreram os barões hereditários da capitania de Joanes. 

Os "negros da terra" e os "negros da Guiné" confundidos no Diretório dos Índios viraram cabocos... Mas a Criaturada grande de Dalcídio resiste, a árvore Folha Míuda renasceu no arboreto do Museu não longe da tumba  do padre Gallo. Os "cacos de índio" tornaram-se sementes de ideias de revitalização e já começam a dar primeiros frutos no sentido de preparar os espíritos para a necessária repatriação da cerâmica marajoara desterrada por museus estrangeiros. A estes devemos nós agradecer por guardar nossa memória enquanto as sombras da 'primeira noite do mundo' reinavam sobre o país das Amazonas.

Não é sem alegrias de alvorada, portanto, que mais de 40 anos depois do grande prêmio literário de Dalcídio e da fundação do Museu do Marajó, no dia 18 de setembro a história desta gente se renova de ricas esperanças, quando se sabe que o Ministério da Educação, em Brasília, abriu suas portas para ouvir o que representantes da gente marajoara tem a dizer sobre a necessidade de maior oferta de cursos superiores e de projeto para criação, também, de "A Nossa Universidade do Marajó", a qual não deverá jamais passar ao largo da história do Museu do Marajó de forma nenhuma.

Muito menos pela paisagem cultural da Criaturada na obra emblemática do "índio sutil": a água que habita corações e mentes desta gente. Água que cobre mais da metade do planeta e constitui outro tanto do corpo humano. Água da chuva, água do rio dos rios e do Oceano. A universidade da maré na educação pelo barro a configurar o amanhã da Amazônia Marajoara.

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

CONSÓRCIO UNIVERSITÁRIO MULTICAMPI ABRE NOVAS PERSPECTIVAS NO ARQUIPÉLAGO DO MARAJÓ.


campus da Universidade Federal do Pará (UFPA) em Soure, onde teve início interiorização do ensino universitário na ilha do Marajó, em 1986.




Comissão vai elaborar projeto de criação de novos cursos no Marajó

Uma comissão formada por representantes da Universidade Federal do Pará, Movimento Marajó Forte, Câmara Federal e Associação dos Municípios do Arquipélago do Marajó (AMAM) estará responsável pela elaboração de um plano emergencial de oferta de cursos de nível superior para atender os 16 municípios que compõem a região do Marajó (PA). A proposta é resultado da reunião realizada nesta segunda-feira, 9, no gabinete do reitor da UFPA.
“Essa comissão estará trabalhando em duas frentes. Uma no projeto de criação da Universidade Federal do Marajó, seguindo a mesma linha das universidades criadas recentemente. Outro projeto seria de interiorização da universidade, semelhante ao programa Parfor, numa espécie de consórcio entre as instituições, de modo que se possa ofertar o maior número possível de cursos”, afirmou o reitor Carlos Maneschy.
Pior IDH do Brasil - Para o deputado Arnaldo Jordy (PPS/PA), membro da Comissão de Integração Nacional, Desenvolvimento Regional e da Amazônia (Cindra), o plano emergencial é uma tentativa de superar os entraves que colocam os municípios marajoaras com o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) entre os piores do Brasil.
“A constituição da Universidade Federal do Marajó, que é um pleito antigo, mas como a gente sabe que isso não sai a curto e, talvez a médio ou a longo prazo, o reitor da UFPA junto com o Movimento do Marajó Forte, Câmara Federal e AMAM estão discutindo um plano emergencial que consiste na oferta, em nível superior, de vários cursos que possam atender à demanda do Marajó, de acordo com o perfil e com as vocações de cada um dos municípios”, ressaltou o deputado.
De acordo com o coordenador geral do Movimento Marajó Forte, Ricardo Fialho, o censo escolar de 2012 apontou 16 mil alunos matriculadas nas escolas de ensino médio da região, enquanto a oferta atual de vagas no campus da UEPA em Salvaterra e nos campi da UFPA em Soure e Breves soma apenas 360. “Esta é a terceira reunião que nós temos com o reitor e estamos otimistas, pois a UFPA vem somar nessa campanha e, principalmente, contribuir para a oferta do ensino superior na região.”
A reunião contou, ainda, com a presença dos representantes do Movimento Marajó forte, Marlute Fialho e Sidney Gouveia; do vereador de Portel, João Denis (Preto); do professor da UFPA, Alberto Teixeira, e de representantes da AMAM.
Na próxima semana, a comissão juntamente com o reitor Carlos Maneschy, reunirá com o Ministro da Educação, Aloísio Mercadante, para apresentar o plano emergencial de oferta de cursos no Marajó.
Texto: Ericka Pinto – Assessoria de Comunicação da UFPA
Fotos: Alexandre Moraes


A HORA E A VEZ DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARAJÓ


Na tarde desta segunda-feira, 09 de setembro, repercutiu positivamente nas redes sociais ligadas aos municípios do Marajó a notícia de que o Reitor Carlos Maneschy, ouvindo apelos da comunidade, abriu seu gabinete ao Movimento Marajó Forte para somar forças no sentido de preparar o melhor caminho possível à criação da Universidade Federal do Marajó (UnM) no processo que culmina o programa de interiorização da UFPA. 

No entanto, demonstrando grande senso de responsabilidade e sensibilizado pelo drama do baixo IDHM dos dezesseis municípios marajoaras, notadamente o caso de Melgaço; colocado em último lugar na lista brasileira de IDH municipal; que fez proposta à UFPA para abrir cursos na sede municipal; a Reitoria tomou iniciativa criar comissão "ad hoc" para levar ao Ministro da Educação, Aloízio Mercadante, as soluções encontradas. 

Significa dizer que UFPA não pensa, simplesmente, afastar-se do Marajó deixando para trás sem mais nem menos quase duas décadas de trabalho de graduação e mais de trinta anos de extensão começada com o CRUTAC. Nós acreditamos e desejamos que a UFPA ajudará a formar a sua nova cria, a UnM (ou seja lá o nome e a sigla que vir a ser adotada oficialmente); e durante muito tempo estará cooperando com a nova universidade, sobretudo na área de pós-graduação e pesquisa, seguindo uma tendência mundial.

Por isto, como ex-aluno e ex-vice presidente da Associação de Amigos da UFPA, mas, principalmente, como militante da causa de criação da futura UnM; sinto-me satisfeito do encaminhamento do assunto. Ao mesmo tempo que me vejo no dever de prosseguir com ideias e comentários, em qualidade de co-fundador com Camilo Viana entre outros, do GRUPO EM DEFESA DO MARAJÓ (GDM), ocorrido na Pro-Reitoria de Extensão da UFPA no dia 20/12/1994, a completar 20 anos no vindouro 2014; na formação de uma opinião pública nacional e internacional favorável ao desenvolvimento da Criaturada grande de Dalcídio (populações tradicionais).

Desta maneira, gostaria ainda de chamar atenção dos membros da Comissão em apreço sobre crescente importância de metodologias de ensino à distância, como parte significativa do consórcio a ser estabelecido sob orientação do MEC. Embora o programa Universidade Aberta exista há algum tempo, acredito que nas ilhas do Marajó ele ainda não se faz notar e poderia vir a dar grande contribuição na execução integrada da grade curricular a ser implantada nos dezesseis municípios. Com isto quero dizer que a EaD, específica para as condições do Arquipélago; poderia não apenas contribuir à educação continuada de professores, mas também constituir um mix de matérias, destinadas a alunos a ser complementadas por aulas presenciais mais frequentes do que na EaD clássica.

Outra área de interesse que me motiva a insistir diz respeito ao programa nacional Universidade Aberta à Terceira Idade. Aqui, novamente, Marajó poderá surpreender no que tange à capacidade de conhecimento das pessoas idosas em comunidades de forte tradição oral. É claro que as linhas mestras de assistência sócio-educativa do programa deverão ser observadas, mas além disto é necessário o sistema aprender com a comunidade.

Por último, chamarei atenção para as peculiares condições geográficas das ilhas do Marajó e da sua parte continental. Um fato que Belém conhece escassamente e Brasília muito menos. Um consórcio desta natureza, acredito, será meio caminho andado para a infra-estrutura da futura universidade multicampi. Então, é preciso considerar a diversidade dos municípios e compreender a influência do Xingu sobre Gurupá, por exemplo, e do Amapá sobre a costa norte da ilha do Marajó com Afuá, Chaves e, parcialmente, Anajás e Breves. Estas realidades precisam ser melhor estudadas e certamente requerem a colaboração da Universidade Federal do Amapá.

Por conseguinte, no momento em que estiver maduro o momento para inauguração da UnM, intercâmbio com a Universidade Antilhas-Guiana, em Caiena, terá importância para os setores de pesquisa e pós-graduação, notadamente, em vista de ser Marajó parte da faixa de fronteiras norte donde o Amapá constitui passagem a muitos marajoaras vivendo ou em contato permanente com o outro lado do Oiapoque.

Boa sorte, Marajó!








sábado, 7 de setembro de 2013

HIDROVIA DO MARAJÓ VS. ECOVIA TRANSMARAJOARA

Foto: Na subida do mar, o Marajó que flutua no inverno, navegará, vejam a sua desaltitude – e os arrozeiros terão seus arrozais salinizados
Amazônia Marajoara, ocupando a cabeça iluminista da tecnoburocracia do Brazil, é uma "ilha" com IDH de fazer corar um frade de pedra... Na realidade, trata-se duma região equatorial complexa no delta-estuário da maior bacia fluvial do planeta reunindo grande parte continental (microrregião de Portel) e 2500 ilhas e ilhotas repartidas entre as três microrregiões Arari, Breves e Portel com um população total equivalente a do Suriname e território do tamanho de Portugal, por exemplo. Localizado geograficamente entre as Amazônias verde e azul, Marajó é berço da primeira sociedade pré-colombiana complexa da Amazônia e o lugar original da mundialmente conhecida arte primeva do Brasil - a Cultura Marajoara -, de mais de 1000 anos de idade. É pouco ou querem mais, para esta região ter lugar de destaque nas mais altas decisões políticas de Belém e Brasília?


CAMINHOS DE RIO E MAR:
ÁGUAS EMENDADAS DO BRASIL E PORTUGAL


Duas mentalidades se confrontam no mundo hoje em dia. De uma parte, a ideia iluminista de progresso que é fruto da mundialização da produção e do comércio de mercadorias e de outra a compreensão dos limites do crescimento dos meios de produção e consumo. Esta última vem sendo debatida recentemente a partir dos anos 70, com nome de desenvolvimento sustentável. O que significa a busca da economia com justiça social e conservação do meio ambiente. Evidentemente, as três grandes revoluções (industrial a partir da Inglaterra; política na França e proletária na Rússia) modelaram o mundo moderno e geraram contradições que hoje se espelham na profunda crise atual. 

O primeiro mundo, constituído pelos países capitalistas; confrontou até a queda do muro de Berlim, o segundo mundo representado pelos países da Europa oriental polarizados pela ex-URSS. E o resto ficou sendo terceiro mundo, mais ou menos alinhados com um daqueles dois blocos antagônicos ou ditos não-alinhados que procuravam fugir à dependência aos Estados Unidos ou à União Soviética. Tal antagonismo entre dois sistemas levou à Guerra Fria e mesmo após o mundo bipolar ainda hoje sente-se suas sequelas por toda parte, inclusive no Brasil pós-ditadura de 1964 e desigual apesar da democracia de 1988.

Numa região ultraperiférica como Marajó, por referência, podemos ver nas discussões sobre projeto de hidrovia o confronto entre os dois modos divergentes de pensar e promover o desenvolvimento territorial. Mas a análise do assunto requer digressão, de maneira a compreender diferenças históricas fundamentais do empoderamento das regiões por seu próprio povo ou a conquista do espaço geográfico por nações distantes e mais desenvolvidas tecnologicamente.

Já foi dito que a geografia serve para fazer a guerra: mas se espera o dia que, sendo instrumento da verdade, a história venha servir à paz. Por enquanto não se deve confundir historiografia, pois quem conta um conto aumenta um ponto; com História que é estudo no campo das ciências do Homem.

Sem a "União Ibérica" (1580-1640) e o sebastianismo não teria cabimento falar do Maranhão e Grão-Pará e nunca teria existido uma Amazônia lusitana sucedida pela Amazônia brasileira, esta última há apenas 190 anos. O mais importante disto tudo hoje é tomar consciência desta nossa amazonidade nascida das profundas águas emendadas da história do Brasil pré-colonial e Portugal além mar. Sem índios, pretos, mamelucos, mulatos, cabocos e outras bravas gentes brasileiras a Amazônia não seria jamais portuguesa nem brasileira. Com isto nós não estamos renegando nossos colonizadores brancos, pois que eles são parte predominante da realidade a que a região chegou nos dias de hoje. Mas, simplesmente, constatando o fato de que na história do Brasil que se apresenta, o estado europeu precedeu a sociedade mestiça ora emergente. 

Entretanto, doravante embora o estado continue a ter papel específico indispensável é a sociedade que passa a comandar a história. Naturalmente, as sociedades de maior desenvolvimento humano tem maiores chances de submeter as de menor desenvolvimento relativo. E o baixo IDH das regiões ultraperiféricas não acontece por fatalidade.

Na realidade, somos obrigados a recuperar a memória dos começos do mundo se nós quisermos contextualizar os acontecimentos e entender o estado das coisas nas diversas regiões da Terra. O caso do mísero IDH do Marajó, por exemplo. Seu processo histórico de marginalização das populações nativas e as várias receitas iluministas para o desenvolvimento, desde a bisonha capitania hereditária da Ilha Grande de Joanes (1665) com as suas sesmarias à revelia de direitos territoriais e identitários das populações indígenas e o malfadado Diretório dos Índios (1757-1798), pavimentado de boas intenções como a estrada da colonização para o inferno verde.

Na Amazônia colonizada manus militare sob disfarce da civilização da velha terra dos Tapuias, o inacreditável teatro da paz entre nações indígenas Nheengaíba e Tupinambá, mediante concurso da Sociedade de Jesus em seu papel de tutela dos índios ou missão delegada pelo rei de Portugal, de acordo com o direito de Padroado outorgado pela Santa Sé e a lei de "abolição" do cativeiro de "negros da terra" (1655). Eis o sentido jurídico que se deve dar nos dias de hoje à celebrada pax do dia 27 de agosto de 1659, ocorrida no rio dos Mapuá; conforme carta-relatório do Padre Antônio Vieira à regência do reino de Portugal, datada de Belém do Pará em 11 de fevereiro de 1660. 

Uma fonte histórica capital - geograficamente inclusiva, reconhecendo a autonomia deliberativa de federação de povos indígenas da Amazônia -, para ainda mais fundamentar a tese de uti possidetis real, defendida por Alexandre de Gusmão e reconhecida no Tratado de Madri de 1750 e mais instrumentos diplomáticos que consolidam a doutrina territorial brasileira, a par da célebre viagem de Pedro Teixeira e outras conquistas dos portugueses ou em nome da coroa de Portugal, ao longo do Amazonas e seus tributários.

Porém, o extraordinário acordo entre caciques indígenas e autoridades portugueses legalmente constituídas, selando a paz a cabo de uma guerra de 40 anos e afastando concorrentes estrangeiros na foz do grande rio cobiçado como caminho fluvial às minas do Peru, ainda resta à margem da História e fora de interesse acadêmico até o momento. Em plena democracia moderna e proclamada política de integração nacional coroada

Neste caso, se a notícia historiográfica claudica, a geografia humana comprova de fato o fim de 44 anos de guerra entre os lusitanos e seus concorrentes estrangeiros, desde a tomada do Maranhão e Grão-Pará aos franceses pelos portugueses e a expulsão dos holandeses e ingleses do Xingu e Baixo-Amazonas (1623-1647), sob amparo de arcos e remos tupinambás; até a pacificação geral da "ilha dos Nheengaíbas" [Marajó] e fundação das aldeias de Aricará (depois Melgaço) e Aracaru (Portel) governadas pela missão dos jesuítas no Pará.

Ora, sabemos que a construção territorial das regiões amazônicas foi feita pelos caminhos das águas. Que os caminhos marítimos, até que a Inglaterra se fizesse rainha dos mares, começou com os portugueses se lançando à conquista do antigo Mar-Oceano. E que o descobrimento da América pelos espanhóis colocou Portugal em pé de guerra. Somente evitada pelas negociações entre as duas monarquias ibéricas para repartir o mundo em duas porções, por um meridiano a 370 léguas a oeste de Cabo Verde. Esta linha, segundo o Tratado de Tordesilhas (1494) homologado pelo papa Alexandre VI e contestado pelo rei da França, Francisco I, como o "testamento de Adão"; jamais foi demarcada. 

Todavia, admite-se geralmente que passaria sobre Belém do Pará e Laguna (Santa Catarina). Obedecendo as determinações de Tordesilhas, a posse portuguesa na Amazônia não devia ultrapassar um palmo a oeste além da chamada "Costa-Fronteira do Pará" (litoral ocidental da baía do Marajó). Um fato que pesou na geopolítica de Castela para o "rio das Amazonas" e que explica a relutância dos castelhanos para expulsar os holandeses e ingleses que, através das Guianas, haviam penetrado até Gurupatuba (Monte Alegre) e Xingu com feitorias, desde fins do século XVI. 

Praticando comércio de escambo e fazendo amizade com os índios do Amapá e ilhas do Amazonas e Pará esses mercadores hereges (protestantes) adotavam uma tática pacífica de ocupação do território ao contrário de espanhóis e portugueses fiados em seus títulos homologados pelo Papa, fato que torna em escândalo a expulsão dos chamados hereges por poucos, mas violentos portugueses. Se não houvesse outras explicações além da teoria do "milagre" de Santo Antônio para tomada de Mariocai (Gurupá).

O historiador Arthur Cezar Ferreira Reis consagrou dois alentados tomos para sua história das fronteiras internacionais da Amazônia. Os fatos relacionados à conquista do Marajó ("Costa-Fronteira do Pará") recheados de notas de pé de página consumiram boa parte de papel e tinta... Fica patente nessa obra que sem canoas, víveres, remos e arcos dos guerreiros Tupinambás aldeados, principalmente, em Camutá-Tapera (Cametá) e senhores de todo Baixo Tocantins não haveria milagre para expulsar holandeses e ingleses de seus estabelecimentos, em franca camaradagem com aguerridos índios insulanos (Nuaruaques), chamados genericamente Nheengaíbas.

Então, há ainda qualquer coisa mal explicada na historiografia luso-brasileira sobre a conquista lusitana do rio das Amazonas... Algo que a geografia do delta-estuário, coalhado de milhares de ilhas no maior arquipélago fluviomarinho do mundo, esconde. Por exemplo, o relato do mameluco Diogo Nunes, de 1530 - antes de Francisco Orellana (1542), portanto - informa uma impressionante migração de 14 mil tupinambás saídos de Pernambuco pelo sertão e que estes chegaram com mulheres e crianças até o alto Amazonas, na Amazônia peruana. 

Como isto poderia acontecer sem antes passar pelo Tocantins e chegar ao Pará para depois subir o Amazonas? É preciso ler Florestan Fernandes e outros, sobre a religião dos Tupinambá, para perceber que a passagem pelas águas amazônicas não poderia decorrer sem muita luta e sangue derramado. Por fim, um ódio hereditário entre as principais nações indígenas oponentes...

Que foram lá fazer no Alto Amazonas esta andeja gente saída um dia da região do Chaco, entre a Bolívia e o Paraguai, para o litoral do Brasil? Por que os caraíbas tupinambás, que foram inimigos irreconciliáveis dos portugueses até a altura de Jaguaribe (Ceará); passaram ao partido português abandonando seus velhos camaradas franceses no Maranhão? Como explicar que a vingança sendo traço principal da cultura tupinambá, a desmedida represália com mortes e cativeiro ao levante geral dos índios, em 1619, entre o Maranhão e o Pará não tenha sido obstáculo ao recrutamento de guerra para expulsar os holandeses, os quais sem nenhum histórico de conflito com os Tupinambá até então? Também há de chamar atenção o fato do capitão Pedro Teixeira ser um dos mais notáveis chefes da carnificina em castigo aos tupinambás que, sob comando de Guaimiaba (Cabelo de Velha), atacaram o Forte do Presépio, em 7 de janeiro de 1619; ter cometido a célebre entrada de descobrimento do rio Amazonas à frente de 1.200 índios de arco e remo desta nação, indo e voltando de Belém do Pará a Quito (Equador), entre os anos de 1637 a 1639. Que dizer do comportamento apático destes outrora valentes guerreiros, após o regresso da última aventura aos confins do rio chamado das Amazonas e Restauração do reino de Portugal?  Será que eles, tendo notícias das migrações precursoras ao Alto Amazonas, reduzidas à escravidão em mãos dos espanhóis no Peru, se desenganaram por fim da utópica Terra sem Mal?

Quase vinte anos depois da restauração da independência de Portugal, ocorrida em 1640, o Bom Selvagem esgotado de tantas guerras de conquista na velha terra dos Tapuias, catequizado, escravizado e dizimado pelas epidemias, era uma sombra do que fora no passado. Já não podia mais nada. 

E a hora da vingança dos Nheengaíbas soou com o canto da saracura na reponta da maré histórica: o suposto discurso do cacique Piié dos Mapuá pela pena retórica de Vieira reflete bem o espírito orgulhoso dos invencíveis índios insulanos confiados da fortaleza natural da sua ilha grande recortada de meandros invioláveis aos estranhos... A proposta de paz oferecida, como Vieira deixou expresso, é antes que tudo uma prova da impossibilidade de ganhar a guerra aos bárbaros com os combalidos "índios cristãos" (eufemismo para tupinambá catecúmeno). 

Portanto, ao contrário do que o confessor da rainha escreveu, a rápida aceitação das pazes de Mapuá (Breves) e juramento de vassalagem ao rei de Portugal, que aliás Piié - mais ladino de todos caciques Nheengaíbas não jurou, segundo Vieira -; não teria sido entendida exatamente como proteção que os Padres poderiam garantir (como não garantiram, posto que expulsos pelos colonos, em 1661), mas antes uma chance de reconquista de território perdido na Terra Firme face ao poderoso inimigo caraíba tupi antropófago e, desde as ditas pazes, "compadres". O fato é que apesar de tudo os Nheengaíbas não arredaram pé da banda continental de Portel, com as aldeias de Aricará (Melgaço) e Aracaru (Portel) como seus postos avançados.

Sem perda de tempo, os nheengaíbas pacificados seguiram os jesuítas e logo se estabeleceram, tal qual como numa aguardada reconquista de territórios onde hoje estão as cidades de Melgaço (esta antiga aldeia de Aricará, de 354 anos; viria a ser hoje o pior IDHM do Brasil) e Portel, capital do Marajó continental. 

Fariam isto os bárbaro falantes da "língua ruim" por simples convite e promessa evangélica da salvação de suas almas pelos missionários? Ou, sofregamente, eles aceitaram o chamado do Padre grande através de dois "embaixadores" da mesma etnia, que no cativeiro da Cidade do Pará aprenderam a língua e as manhas do inimigo, por que o chamado coincidia com um longo desejo de reocupar a Terra Firme ambicionada pelos seus ancestrais? 

Por acaso, um século depois da iludida pax de Mapuá os Aruãs - eles mesmos tendo sido vítimas, provavelmente, do espanhol Vicente Pinzón que, em 1500, levou da ilha "Marinatambalo" [Marajó] os primeiros índios escravos da América do Sul - assaltavam aldeias de índios mansos ("negros da terra") dos portugueses, cerca de 1723. E os trocavam, segundo costume de escambo que perdurou na Amazônia até metade do século XVIII, por armas e munições com traficantes franceses a fim de sustentar a velha guerra contra os velhos inimigos hereditários seus antigos captores para o cativeiro do Grão-Pará até os arredores de Belém. Et pour cause roubamos o café de Caiena, que por sua vez o havia roubado da Guiana holandesa; para riqueza dos cafezais de São Paulo... 

E não se ouviu mais falar de crise entre a igreja e o governo colonial na Guiana francesa, quando os padres negaram lá o santo sacramento ao governador e sua esposa durante a Páscoa, devido este ter autorizado sequestro de índios aruãs refugiados no porto de Caiena para ser vendidos como escravos a "plantations" de cana de açúcar nas Antilhas. Na mesma época havia saido do Pará a tropa de guarda-costa em captura dos índios bandoleiros, desertores e escravos. E até hoje o trabalho escravo continua invicto na Amazônia, mas do outro lado da fronteira do Oiapoque nos veio o ideal republicano de abolição da escravidão que antecipou, anos depois, o contrabando de uísque, sandálias japonesas, automóvel "cotia" e ritmos do Caribe que se fizem brega, a troco de café vindo de São Paulo... Que ironia da história! 

Algo do passado colonial longínquo permanece na modernização conservadora desta periferia da Periferia. E já foi dito que a história acontece primeiramente como tragédia e depois se repete como farsa.





O Sol, que no passado distante do mito da Terra sem Mal atraiu guerreiros Tupinambás à conquista do rio das Amazonas seguindo o lugar do Araquiçaua (onde o sol adormece), localizado no Baixo Arari, é visto na foto na paisagem adormecida do Anajás-Mirim: "furo" de suma importância no regime hídrico da ilha do Marajó ligando o Anajás Grande ao lago Arari e rio histórico de mesmo nome. A conexão entre rios é do mais antigo conhecimento das populações tradicionais marajoaras, conforme atestam documentos dos séculos XVII até fins do XIX e estudos antropológicos do século XX. Neste labirinto aquaviário, há 5000 mil anos, perambularam nômades em busca de piracema e caça nos campos alagados, donde teve nascimento a Cultura Marajoara que hoje se acha em fase terminal e o possível reconhecimento como Reserva da Biosfera (à exemplo do Pantanal e da Amazônia Central), daria sentido ao até agora inútil discurso do Desenvolvimento Sustentável da Amazônia e ao cabuloso PLANO MARAJÓ contaminado já pela paralisia infantil da APA-Marajó (ver § 2º, VI, Art. 13, da Constituição do Estado do Pará).


TEORIA DA COBRA GRANDE
OU DIFERENÇAS ENTRE ECOVIA E CANAL ARTIFICIAL

Que rende mais e melhor para uma sociedade local empobrecida: construção de canal artificial para transporte de carga pesada em barcaças ou aproveitamento de rios na navegação e comércio regional associada à indústria do turismo? A resposta não é óbvia. Pois depende de análise de múltiplos fatores implicados às atividades econômicas em questão.

No curto prazo, contabilizados os lucros de investimentos privados e provável retorno em impostos para cobrir o dinheiro público aplicado em infraestrutura; talvez os números pendam a favor da controvertida construção de hidrovias na Amazônia.  Porém, no longo prazo é certo que outras alternativas, conservando a natureza, respeitando os direitos humanos das populações locais e promovendo o desenvolvimento territorial sustentável são muito mais interessantes sobretudo para incremento do IDH da região.

No caso específico da ilha do Marajó, teoricamente a fim de baixar o preço das mercadorias na praça de Macapá, importadas através do porto de Belém e exportar minérios do Amapá a ser reembarcados em navios graneleiros em novo terminal exportador minero-granaleiro a ser construído em Espardate (Curuçá), na barra do Pará, o que o projeto de hidrovia pretende é o rebaixamento de custos de fretes entre centros de produção ou extração de matéria-prima e mercados de transformação de consumo.

A alegação do suposto benefício de pobres moradores vivendo isolados em comunidades e fazendas nos centros da ilha é uma balela alimentada pela conversa para boi dormir dos lobistas da hidrovia. Começa que, se a hipótese fosse verdadeira, as populações das margens de Breves viveriam hoje em boas condições: visto que ali precisamente funciona noite e dia uma "hidrovia" que nunca precisou dragar um único centímetro cúbico de terra, pois a draga natural é a famosa "cobra grande". 

Mas, o povo da microrregião de Furos de Breves é o que mais padece dos males da prostituição infantil e exploração da pobreza causada entre outras coisas pela passagem de grandes balsas entre a Zona Franca de Manaus e o porto de Belém com transbordo de mercadorias semi-acabadas para carretas com destino a São Paulo. Parte delas volta pelo mesmo caminho para o varejo de aparelhos de TV e outros produtos eletrônicos consumidos na região e que dão emprego e renda em lugares longe da "hidrovia" de Breves.

Esta conhecida via de navegação fluvial também serve ao transporte de carga e passageiros entre Macapá e Belém. Enquanto o projeto de hidrovia pelos centros da ilha do Marajó, abrindo canal artificial de mais de 30 km de comprimento entre os rios Atuá e Anajás, teria por objetivo baratear custo de frete neste trecho passando pelo porto de Breves. Todavia aí também se pode questionar o projeto, posto que a relação custo/benefício do novo trajeto não encontra justificativa econômica bastante para compensar os impactos ecológicos e sociais inevitáveis de construção de um tal canal de navegação. 

Então, na verdade, a quem interessa a hidrovia do Marajó? Evidentemente ao lobby das construtoras e companhias de dragagem. Feita a coisa assim numa geologia singular se estaria inaugurando mina inesgotável de reformas e reconstruções. É precisa saber a hidrologia da grande ilha do estuário amazônico e a história dos portos e canais do Marajó para não se meter a defender afoitamente a tal hidrovia.

Se a pressa mercantil que anima promotores da infeliz hidrovia der lugar a um verdadeiro EIA/RIMA contemplando alternativas, podemos estar certos de que, antes de mais nada; há de se cogitar projeto integral de portos e vias naturais de navegação na ilha do Marajó permitindo ligação multimodal de transportes de margem a margem do golfão marajoara. Sobretudo dentro do projeto de criação da Universidade Federal do Marajó (UnM) será preciso prever um centro de hidrologia e hidrografia. Com esta prudencial medida já se estará gerando emprego e renda de qualidade, ao contrário da propaganda de mercador do agronegócio promento salário-mínimo a meia dúzia de famílias carentes ara sair dizendo que contribui à melhoria do IDH da gente marajoara.

E o mais curioso da história da hidrovia é que já existe, há muito tempo, comunicação fluvial entre as cidades de Belém e Macapá através dos rios Arari e Anajás. Todavia, com o assoreamento que fez sumir a "cachoeira" (queda d'agua no verão) do Arari e a erosão das margens devido ao deflorestamento da mata ciliar esta antiga navegação foi dificultada. E o fenômeno de colmatagem do lago Arari reduziu a capacidade de reservatório das água da chuva, favorecendo também o ressecamento do furo Anajás-Mirim, a partir do começo do verão diminuindo tempo de crescimento dos peixes e interrompendo o trânsito de embarcações para o Anajás Grande em direção a Afuá e o restante da costa norte com conexão a Macapá.

Lógico, portanto, que o foco de discussão sobre este tema deveria começar com objetivo de estudar projeto de largo alcance a partir da Perenização do lago Arari e sua íntima ligação com a pesca artesanal no Anajás-Mirim, de acordo com as observações pontuais, por exemplo, de Giovanni Gallo no livro-reportagem "Marajó, a ditadura da água". Claro que o padre dos pescadores de Jenipapo não era um especialista, mas tendo aprendido, humildemente, com os pescadores lacustres ele coletou informações preciosas. E inventou um ecomuseu capaz de atrair turistas inteligentes para uma indústria criativa com base na comunidade. Além dele, outros diletantes como Raymundo de Moraes, em "O homem do Pacoval", Ferreira Penna, em "Algumas palavras da língua dos índios Aruans", José Ferreira Teixeira em "O Arquipélago de Marajó" e João Viana no romance "Fazenda Aparecida" oferecem uma gama de informações que o visitante da Amazônia Marajoara adoraria saber: sem esquecer a farta produção acadêmica com nomes de peso como Anna Roosevelt, Denise Schaan, o romanceiro de Dalcídio Jurandir, para leitores viajantes mais exigentes.

Na verdade, quando se fala de uma Ecovia Transmarajoara interligada a Belém e Macapá, se está pensando em fazer valer o que diz a Constituição do Estado do Pará, expressamente, em relação à vocação econômica do Arquipélago do Marajó. E o discurso do Turismo no dito maior aquipélago fluviomarinho do mundo, para o que o programa multilateral "O Homem e a Biosfera" (MaB), da UNESCO, muito poderia colaborar para transformar declarações a favor do desenvolvimento sustentável em realidade. Então, um corredor ecoturístico integrando a área cultural guianense (Amapá e Marajó) à área metropolitana de Belém faria sentido.

No verão amazônico de 1783, o sábio da "Viagem Philosophica", Alexandre Rodrigues Ferreira, diz ter ouvido de um índio no rio Arari a "teoria galante" das muitas cobras grandes e pequenas que, no começo dos tempos, abriram os rios e igarapés da ilha do Marajó. No começo, diz o índio (cf. "Notícia Histórica da Ilha Grande de Joanes, ou Marajó", 1783), existiam incontáveis cobras nos lagos do centro da ilha. 

Então, sucedeu um verão como nunca dantes e o desconforme sol secou a última gota de água. As ditas cobras entraram a se contorcer e buscar o mar rompendo a terra ainda mole e foram elas abrindo caminho à força até encontrar águas profundas: por isto, tantas curvas e meandros dos rios do Marajó. As cobras grandes fizeram os rios e as menores os igarapés... 

Ademais, o fenômeno natural que os índios percebiam e descreviam a seu modo; modernos engenheiros e geógrafos custam a entender como pondera em seu livro "Marajó, a ditadura da água", o padre Giovanni Gallo: o fato da geomorfologia da "ilha" grande (50 mil km², aproximadamente, maior que os Países Baixos, por exemplo) fazer daquela ilha um enorme prato de argila com as bordas de pedras e praias de areia elevadas.  

Por isto, as margens da ilha grande - que, na verdade, é arquipélago dentro de arquipélago -; funcionam como diques naturais. O rio Anajás Grande é a calha central do sistema hidrográfico e ecológico da zona de transição entre microrregiões de Campos e Matas. Ele constitui caminho aquaviário interligando a costa norte com a baía da Vieira Grande, na foz do rio Amazonas; e a antiga "Costa-Fronteira do Pará" através do "furo" Anajás-Mirim e o rio Arari. Pela sua parte oeste o Anajás reparte águas com a região de Furos de Breves, através do Aramá e outros furos. A leste os tributários Mocoões e Cururu levam em direção a Contracosta. E pela parte sul da ilha-arquipélago as águas se emendam, desde o famoso lago Arari, tendo peculiaridade de formar corrente à montante, por gravidade, no começo do inverno recebe águas que descem dos campos-gerais pela calha no Anajás-Mirim, até extravassar e finalmente inverter a corrente em direção ao Baixo Arari para desembocar na baía do Marajó e lutar com o fluxo e refluxo da maré.

O rio Anajás-Mirim é via natural e tradicional de passagem entre as bacias do Arari e Anajás Grande. Caminho escondido de guerreiros Aruãs e seus próximos parentes Anajás e Mapuás, os quais à frente de uma confederação chamada "Nheengaíba" ("língua ruím" por oposição à boa língua ou Nheengatu), conforme velho costume dos povos originais de cultura Aruak desde o berço ancestral no Rio Negro até as ilhas do Caribe e as Guianas, aprenderam a resistir e se defender frente a inimigos comuns elegendo cacique para as necessidades da guerra. Eis uma entre outras razões para manter este rio fechado à curiosidade dos primeiros conquistadores da região.

Claro está, que a arqueologia marajoara testada com métodos do carbono 14 e os primeiros relatos historiográficos entre os séculos XVII e XVIII, começaram a fazer sentido à luz das descobertas do século XIX e, mais precisamente, com a antropologia da primeira metade do século XX. Trata-se, portanto de um descobrimento tardio.


Onde carece diálogo vige uma rixa antiga

Destas águas emendadas e e projetos de canais artificiais fala o Barão de Marajó em seu clássico "As Regiões Amazônicas" em capítulo especial sobre Marajó. Embora o Barão faça parte de uma elite em companhia de Tavares Bastos e outros, que viu antecipadamente que a monocultura extrativista da borracha (Hevea brasiliensis) não poderia ter sustentabilidade a longo prazo; foi ele entusiasta declarado da "indústria pecuária" na ilha do Marajó. De tal modo que poderia hoje disputar com Vicente Chermont de Miranda título de patrono do desenvolvimento desta região-chave da Amazônia.

Mas não se entenda que o desenvolvimento professado pelo Barão de Marajó ou pelo estudioso Vicente Chermont pudesse agora ser comparado ao paradigma que ultimamente se propaga desde Estocolmo, em 1972, repercutindo nas conferências mundiais Eco-92 e Rio+20. Nada disto, ao contrário eles representaram na linha do tempo o pensamento iluminista das "viagens filosóficas" e tiveram em Marajó antecessores como o inspetor Florentino da Silveira Frade (provável autor do primeiro relato biogeográfico sobre Marajó, a "Notícia da Ilha Grande de Joanes", publicada como autoria anônima, cerca de 1754), guia de viagem do autor de a "Notícia Histórica" (1783), o sábio de Coimbra Alexandre Rodrigues Ferreira, e este último que se tornou referência nos estudos amazônicos.

Ferreira concluiu sua notícia histórica, primeiro capítulo da monumental "Viagem Philosophica", dizendo que o rio Anajás (entenda-se, rio dos Anajás, o povo dos Nheengaíbas, a par dos Aruãs dos mais temidos pelos portugueses) era a "menina dos olhos" do inspetor Florentino, fundador da freguesia de Nossa Senhora da Conceição da Cachoeira do rio Arari (1747) e descobridor da Contracosta, desde o lago Arari com o rio das Tartarugas (hoje canal Tartarugas). Segundo Alexandre Ferreira, foi Florentino Frade quem achou o primeiro teso (sítio arqueológico) que se teve notícia no Pará, o célebre Pacoval do rio Arari, no dia 20 de novembro de 1756. Fato que deveria ser memorizado pelo que foi, é ou ainda poderá vir ser. 

Lembrando que deste teso saíram as primeiras coleções do Museu Nacional, do Museu Paraense Emilio Goeldi e ainda foram parar peças de cerâmica marajoara em Chicago (EUA), para exposição etnológica mundial em fins do século XIX. Além destas ricas coleções mandadas embora sem lenço nem documento, do Pacoval arrombado sobraram-nos os "cacos de índio" que, provavelmente, foram aqueles do início de acervo do primeiro ecomuseu da Amazônia e quiçá do Brasil: O Nosso Museu do Marajó, em Santa Cruz do Arari, no ano de 1972. Dez anos depois transferido para Cachoeira do Arari em meio à discórdia profunda entre seu criador e o poder político local e eclesiástico da Diocese católica de Ponta de Pedras (cf. Giovanni Gallo, "O homem que implodiu"). 

A nova revolução industrial, para alguns pós-industrial; está na contramão do desenvolvimento vislumbrando pelas antigas viagens filosóficas (ver José Varella Pereira, ensaio "Novíssima Viagem Filosófica", em REVISTA IBERIANA: Secult, Belém, 1999), que tiveram no Barão de Marajó e em Vicente Chermont de Miranda dois proeminentes defensores da "industria pecuária", inaugurada em 1680 no rio Arari, enfrentando o perigo dos índios bravios, desertores e escravos fugidos que existiam "pelos centros da ilha". Leia-se, quilombos no rio dos Anajás: última fronteira dos Nheengaíbas... 

Que poderia fazer destes dados um marquetingue de turismo inteligente? Como aeroportos regionais em Afuá, Breves e Soure poderiam fomentar o turismo receptivo em conexão com Belém e Macapá? E como a indústria naval em madeira poderia ter sobrevida nos chamados "municípios verdes" participantes de programa de fomento turístico integrado a rede de hotéis-fazenda, pousadas e comunidades tradicionais? A saúde pública como agir nestas circunstâncias tanto para atendimento da população nativa quando para socorro de emergência a turistas?

O Barão, ademais, foi pioneiro na abertura do primeiro canal artificial para interligação dos rios Marajó-Açu e Arari, através do rio Carapanaoca ou Igarapé Puca. Este canal foi aberto a braços escravos e se chama hoje Rio Canal, notável na memória popular pelo desastre em que morreram soterrados alguns escravos empregados na obra e cujo local ficou sendo as Terras Caídas. Com este desvio das águas foram encurtadas as viagens entre as vilas de Cachoeira e Ponta de Pedras, antes com grande demora pelas cabeceiras do Arapiranga, na bacia do Marajó-Açu e o igarapé Moirim, saindo no Arari. Caminho dos Aruã entre a Contracosta da "ilha" e o rio Guamá nas ilhargas de Belém, atravessando a baía rumo ao Caripi ou o Carnapijó (Caraípijó).

Obrigações da velha guerra das tribos do Grão-Pará que, inclusive, já em 1723 determinou o furto do café de Caiena pelo sargento-mor Francisco de Melo Palheta mandado ao encalço do cacique bandoleiro dos Aruã e Mexiana, Guaiamã; o qual teria dado nome ao rio Guamá (cf. Armando Levi Cardoso, "Toponímia Brasílica"). O nome "Guamá" figura na histórica resistência indígena no Caribe aos conquistadores, na ilha de Cuba, como um sucessor do legendário Hatuey, chefe dos Tainos do Haiti. 

Mera coincidência? Mas, os Aruã se apresentam em Marajó cerca do ano de 1300, quando a Cultura Marajoara havia se desenvolvido desde o ano 400. Eles vieram da costa das Guianas e se sabe que a ilha de Trindad (Trinidad e Tobago) foi ponto de travessia das Antilhas para o continente...

Não se sabe quem foram os inventores da Cultura Marajoara. Entretanto os Iona (Joanes) ou Sacaca se queixavam dos Aruã conforme relatou o índio Severino dos Santos, sargento mor da vila de Monforte (vila de Joanes atual, no município de Salvaterra), ao naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira. Segundo este precioso informante, velhas etnias marajoaras foram empurradas dos centros da ilha para a Costa-Fronteira pelos belicosos Aruã. E a guerra entre as duas etnias terminou com banho de sangue dos atacantes, no igarapé Água Boa, onde foram encurralados e massacrados pelos os Iona ou Sacaca cansados das ofensas de seus inimigos; então ajudados por seus novos aliados portugueses, no ano de 1686, aproximadamente. Por aí, abriu-se uma brecha na "fortaleza" dos índios bravios fazendo-os recuar para os centros.

Mas quem leu Ciro Flamarion Cardoso, que ensina ser as ilhas do Marajó parte da área cultural guianense? E portanto, Marajó, no meio da boca do grande rio das Amazonas se reparte entre Belém e Macapá. Desta antiga tensão entre a margem esquerda e direita do nosso Nilo amazônico formou-se a guerra dos 40 anos a que o Padre Antônio Vieira se refere em sua carta-relatório de prestação de contas das Missões do Para, em 11 de fevereiro de 1660. Cuja pax seria o encontro dos caciques Nheengaíbas, em Mapuá (Breves), entre 22 de agosto a 4 de setembro, celebrada no dia 27 de agosto de 1659, na improvisada igreja do Santo Cristo, na beira do rio em plena floresta. Hoje a Reserva Extrativista Florestal de Mapuá no conjunto de unidades de conservação no Marajó cobrindo as três microrregiões, inclusive a Reserva Extrativista Marinha de Soure ou Maruanazes, que é a primeira de sua modalidade na Amazônia.

O estúrdio projeto de construção de uma hidrovia para barcaças de transporte de carga pesada, arromba o frágil ecossistema de transição da zona de campos e matas, entre bacias diferentes do Atuá e Anajás filia-se ao pensamento desenvolvimentista passado que deu origem à "indústria pecuária" das velhas sesmarias e seus Contemplados forasteiros emprenados do espírito iluminista das viagens filosóficas e deu com os burros n'água do IDH da gente marajoara.

A alternativa ao desenvolvimentismo não é hostil à criação de gado, mas pede que ela e outras explorações de recursos naturais e mão de obra nativa, se enquadre nas necessidades do novo paradígma econômico dito sustentável. No caso, a "Criaturada grande de Dalcídio" (populações tradicionais, vislumbradas pela determinação constitucioal da área de proteção ambiental do arquipélago do Marajó, citada pelo Parágrafo 2º, VI, art. 13, da Constituição do Estado do Pará) deve ser considerada em primeiro lugar. Entretanto, é verdade que as unidades de conservação no Brasil ainda estão condicionadas a uma certa visão santuarista anterior à conferência Rio-92.

Isto que remete à encalhada candidatura da reserva da biosfera constante das primeiras versões do "Plano de Desenvolvimento Territorial Sustentável do Arquipélago do Marajó" (PLANO MARAJÓ), lançado pelo Presidente Lula e a Governadora Ana Júlia, em 2007, na cidade de Breves. Quem ainda lembrará?

No entanto, a regularização fundiária em terras de marinha, no projeto NOSSA VÁRZEA já ultrapassa a marca de 40 mil famílias prometidas naquela ocasião. Essa gente, por suposto, descende dos antigos Nheengaíbas usurpados no acordo de Mapuá... E a primeira família benefiada por título de autorização de uso de terras da União na ilha do Marajó teve uma mulher do Alto Anajás como titular. 

Mas precisa avançar no processo de "desenvolvimento territorial sustentável" das ilhas. A gente marajoara, citada expressamente na Carta Magna paraense, é representada no ciclo de literatura reconhecido pelo Prêmio Machado de Assis de 1972, outorgado ao "índio sutil" Dalcídio Jurandir. No mesmo ano, Giovanni Gallo em parceria com pescadores do lago Arari, comumente acusados de roubo de gado, inventava um ecomuseu com ostensiva vocação de promover o desenvolvimento humano de remanescentes, desmemoriados, dos antigos arquitetos dos tesos de camutins (cerâmica marajoara). 

Na obra "Motivos Ornamentais da Cerâmica Marajoara" - espécie de testamento do criador de O Nosso Museu do Marajó e autor de "Marajó, a ditadura da água" - acham-se bases para uma verdadeira indústria criativa que somada ao ecoturismo de base comunitária, além de combater a pobreza extrema em mais de 500 comunidades ribeirinhas; serviria também de referência ao desenvolvimento da Amazônia Sustentável.

Enfim, estas duas opostas mentalidades representadas, de um lado o sempre adiado projeto de Perenização do lago Arari mais a revitalização da navegação fluvial entre Belém e Macapá por embarcações regionais, através de uma Ecovia Transmarajoara, ligando o Arari ao Anajás, sem nada mais que dar curso à natureza, corrigindo malfeitos que o homem fez para provocar o assoreamento de canais ou talvegue e a erosão das margens devido ao desmatamento da mata ciliar.  Claro está que algo terá que ser feito, neste caso, devido o novo Código Florestal.

Na outra parte, o previsível desastre socioambiental anunciado pelo projeto de hidrovia que já parecia esquecido; mas o Secretário de Estado de Projetos Estratégicos, Sidney Rosa; ex-prefeito de Paragominas e promotor do marquetingue dos "municípios verdes" pra inglês ver; acaba de requentar durante a sessão especial na Assembleia Legislativa para debater a pobreza da gente marajoara.

Na referida sessão do parlamento paraense, algumas sugestões tiveram o mérito da inovação. Todavia, a chancela do Ministério da Integração, deveria arrimar uma visão realmente integradora não apenas da famosa "ilha" vista de fora para dentro. Mas, sim, federativa onde os estados vizinhos do Amapá e Pará dialogassem sob patrocínio da União.

A velha Costa-Fronteira do Pará está de fato na faixa de fronteiras (nem precisa lembrar o contrabando, migração clandestina e garimpos ilegais na Guiana francesa e Suriname). O PLANO MARAJÓ, na perspectiva maior do desenvolvimento regional sustentável, deveria ser elo de cooperação internacional da Amazônia Oriental e a candidatura de reserva da biosfera Marajó-Amazônia, acompanhada da criação da Universidade Federal do Marajó, o rebocador que falta para vencer o impasse e fazer acontecer o IDH que se reclama. Por certo, o tal projeto de hidrovia deveria ser sepultado com honras oficiais em respeito às vetustas figuras do nosso iluminismo papa chibé.

Como diria o caboco, ao ver a coisa ficar preta: 'ai Jesus!'

terça-feira, 3 de setembro de 2013

MARAJÓ: POBREZA NO PARAÍSO

Foto da capa
Muaná, na ilha do Marajó - Cidade histórica da adesão do Pará à Independência do Brasil, polo da "Universidade da Maturidade" - UMA Marajó.


O SENTIDO DE MUNDO DA CULTURA MARAJOARA

Uma semana após implantar polo da "Universidade da Maturidade", da Universidade Federal do Tocantins (UFT), na cidade histórica de Muaná, doravante UMA-Marajó; a brava gente marajoara ocupou o Palácio Cabanagem com o Movimento Marajó Forte (MMF), a clamar aos representantes do povo à Assembleia Legislativa do Estado do Pará; por socorro à comunidade de dezesseis municípios da mesorregião Marajó formada pelas microrrgiões Arari, Breves e Portel, onde 410 mil brasileiros no "maior arquipélago fluviomarinho do planeta" não se cansa de pedir e esperar por dias melhores.

 Com certeza, o dia 2 de setembro de 2013 entrará na história do futuro do Marajó. Daqui a dez anos, pelo menos, esta data poderá vir a ser comemorada como Dia de Luta do Povo Marajoara.  Não por que antes o Cabanagem não tivesse sido palco de manifestações políticas impactantes. Mas sim pelo fato de que, pela primeira vez, o Marajó velho de guerra ocupou a casa do povo paraense levantando bandeira guia capaz de dar um norte a todas mais reivindicações desta nossa gente desde a Adesão do Pará ao Brasil soberano. 

Poucos estão lembrados do fato histórico de 28 de Maio de 1823, em Muaná, há apenas 190 anos! De fato, nossa Amazônia prestes a comemorar 400 anos ainda não fez dois séculos que assumiu sua brasilidade. E mais, o Brasil não sabe que deve a conquista de nossa Amazônia, sobretudo, a arcos e remos da Nação Tupinambá em marcha para o Norte através da costa do Maranhão e para Oeste sertão adentro e águas abaixo pela calha do Tocantins.

Enquanto que, os enganados de 15 de agosto opostos à pregação liberal de Felipe Patroni e ao movimento popular republicano de Batista Campos, não percebem ainda que a fingida rendição colonial de Portugal ao agente mercenário inglês foi uma farsa destinada a manter os colonialistas onde estavam. Os portugueses do Pará mudavam de bandeira deixando de servir ao reino do pai para ser súditos do império do filho do rei de Portugal... 

Como a história mostra, a rendição da junta colonial lusa ao ultimato de John Pascoe Greenfell nem sequer deu-se o trabalho de mudar os figurantes do "novo" governo "independente"... Daí que a resposta paraense não tardou, mediante deposição dos coloniais e designação de junta nacionalista provisória com Batista Campos na chefia do governo até decisão do Império no Rio de Janeiro. Daí a arbitrariedade e violência do mercenário inglês, chamado de volta a Belém com urgência pelos portugueses: rota batida à Tragédia do brigue Palhaço, em outubro, em marcha à guerra-civil na região (dita Cabanagem onde não existiam "cabanas" na paisagem social...) e à repressão aos combatentes paraenses a custo de um genocídio de 40 mil mortos numa população de apenas cem mil habitantes. 

Sem dúvida, o espírito de Muaná está presente no S.O.S Marajó, que ontem ocupou o Palácio Cabanagem. E continuará a ocupar, com mais vigor, o espaço político e cultural do Pará e do Brasil sob a bandeira maior da criação da UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARAJÓ (UnM)

O empoderamento do território dos marajoaras começa pela inclusão socioambiental dos excluídos da História. Por isto, ainda que só uma meia dúzia de cabocos Quixotes fosse fazer zoada em frente ao palácio dos deputados estaduais para os acordar sobre as causas profundas do irrisório IDHM do Marajó, com o vivo contraste da pobreza e riqueza de Melgaço; ainda assim o ato de 2 de Setembro último teria sido um fato histórico sem precedentes.

DAS CINZAS DE ARICARÁ À FÊNIX MARAJOARA

O caboco que vos fala foi formado pela "Universidade da Maré", muitas vezes pelo curso dos igarapés ele aprendeu a remar sem pressa num casquinho de piquiá achado a vagar na baía, paresque, "curado" por bicho do fundo. 

Ele aprendeu muita história de diversos mestres e mestras ribeirinhos até tomar parte da Academia do Peixe Frito e foi assim que o cara tomou juízo e chegou a ser compadre de fé do conhecido Mestre Agostinho Batista, velho seringueiro camarada de Chico Mendes que faz dueto de flauta com uirapuru nas matas do Atuá. 

Assim este um, que cata milho no teclado da internet, ficou sendo eterno aprendiz de pajé, reprovado por falta de fé, masporém por acaso parceiro agora da inovadora "Universidade da Maturidade", onde pirralho sapeca se prepara a vir a ser no futuro idoso saudável, poderoso e feliz.

 LIÇÃO DAS ÁGUAS EMENDADAS RUMO AO MAR PELO CURSO DO ARAGUAIA-TOCANTINS AO GRÃO-PARÁ

Aqui, abaixo do equador, estamos todos nós muito sentidos com o triste fado do município de Melgaço - antiga aldeia de Aricará - figurando em último lugar na lista do IDHM do Brasil (isto é, o pior colocado no campeonato brasileiro do desenvolvimento humano municipal). A gente sabe que uma desgraça puxa outra e que uma coisa destas não acontece por acaso... Nem começou ontem. 

Então, SEM EDUCAÇÃO NÃO HÁ SALVAÇÃO...

A GENTE SABE que o Marajó é patrimônio mundial (NÃO RECONHECIDO, formalmente, como deve ser!!!) na soberania democrática da República Federativa do Brasil. A primeira sociedade complexa da Amazônia. Que a Cultura Marajoara é, de fato, uma "universidade pés descalços"...

A GENTE SABE que a "Criaturada grande de Dalcídio" é herdeira e curadora do savoir faire daquela antiga universidade pés descalços... E sabe, também, que os doutores não sabem do que a gente está falando e os sumanos, sem eira nem beira, muito menos...

A GENTE SABE que a Universidade Federal do Marajó será realidade, dia a mais ou dia a menos; mas ela jamais será a universidade dos nossos sonhos: enquanto o conhecimento científico, a serviço exclusivo de grandes empresas de capital anônimo for antagônico ao saber tradicional fidelizado pela patuleia de arraia miúda das comunidades ribeirinhas...

A GENTE SABE, portanto, que sociedades tradicionais em regiões ultra-periféricas ainda têm muito a oferecer ao mundo em crise... A velha aldeia de Aricará, por exemplo, saída do ventre da paz de Mapuá, em 1659, depois de 44 anos de guerra para invenção da Amazônia. No Diretório dos Índios (1757-1798) "elevada" na marra para fazer esquecer os começos da História da gente de "fala ruim", Nheengaíba; haverá de se tornar referência em desenvolvimento local sustentável se todos nos unir para construir um Marajó Forte e justo para todos...

A GENTE SABE que o velho rio dos Tocantins, irmão do velho Chico e do Paraná a caminho do Prata; também ele se esqueceu ou talvez ainda não saiba das Águas Emendadas, no Planalto Central... Cá embaixo, na Planície Amazônica, onde povos originais Tupi-Guarani e Aruak se digladiaram em luta pelo espaço e se confundiram no labirinto das 2500 ilhas do Amazonas e Pará; poderá fazer a maturidade do Povo Brasileiro para reconstrução da ECOCIVILIZAÇÃO AMAZÔNICA, iniciada há 1500 anos nos tesos do Marajó.