sábado, 4 de maio de 2013

RESSUREIÇÃO D'EL-REI SÃO SEBASTIÃO NOS CAMPOS DO MARAJÓ

festividade de S. Sebastião em Cachoeira do Arari, ilha do Marajó: 
patrimonio cultural imaterial do Estado do Pará.



Valei-me o Glorioso São Sebastião rei da Cachoeira
do rio Arari!
Freguesia afro-ameríndia de Nossa Senhora da Conceição
seu maternal pé em riba da cabeça da cobragrande
Maria Caninana, irmã malvada de Cobra Norato.
Livrai-me das flechadas do ódio mortal, bala encomendada, cobra mandada, facada, quebranto, mau olhado...
da peste de alastrim, malária, da fome 
e da triste ocasião que faz o ladrão.
Mas acima de tudo, livrai-me Senhor São Sebastião
da traição do amor da minha vida. 

Na antiga Ilha dos Nheengaíbas tudo era comunal:
tempo ancestral do velho Marajó onde ainda agorinha
a varja é nossa, a roça, casa, sítio, porto e canoa...
Criação, pesca e plantação tudo igualmente nosso.
Por que Deus fez a gente pra dormir e sonhar
com a desejada Terra sem males por herança das crianças
no solidário sítio Araquiçaua, lugar onde o sol ata rede para dormir na espera de um novo dia até o galo cantar.

O imperador do Quinto Império do Mundo é menino
Direito humano à divina preguiça  
após a obra de criação deste mundão.
Masporém, toda lei tem exceção: assim cada caboco
há de ter em particular a sua caboca e vice-versa, 
para compartir com ela a rede parideira
onde costumam deitar-se dois e desembarcar três
depois de feito o amor contados nove meses.
Caboco ladino jamais cai em conversa pra boi dormir.
Portanto, guardando o devido respeito
aos usos e costumes da Criaturada grande ribeirinha
haverá paz no céu e boa-vontade na terra para sempre. Amém.    

O que dá pra rir dá pra chorar
Aqui na desbotada sesmaria da lembrança
desta ilha grande dos Joanes antigamente chamada
degredado por necessidade e acaso criador de gado.
Cavaleiro de outras eras eu fui até
no Marrocos vi paresque com outros olhos
que a terra já comeu
El-rei Dom Sebastião desaparecer em meio ao remoinho
duma nuvem de areia, sangue e fúria ao por do sol.

Seu cavalo branco no fragor da batalha criou asas
alçou voo ao reino das nuvens com o cavaleiro Encoberto
tendo às mãos as rédeas e aos pés esporas de prata
enveredou ao Mar-Oceano 
donde passou a bordo da barca da lua crescente
junto aos turcos encantados em viagem a casas de Mina
no Maranhão e Grão-Pará para conferência dos caraíbas
do Jurupari e cerimonial das icamiabas na ilha do Marajó
e Tapajós com direito a muiraquitã.   
A nave lunar rumou ao poente da contra-costa africana
tomou a rota das calmarias ao sabor da corrente equatorial
que nem o rei mandinga Abu Bakari II com 1200 caiaques
e remadores negros a atravessar o grande rio Salgado.
Dom Sebastião saltou da barca em São João de Pirabas
sentou-se ao trono de pedras de Yemanjá à beira mar
onde todos anos pescadores trazem tributos e oferendas.     
A montaria d'el-rei encantado, todavia veio parar nesta fazenda velha dos Contemplados
entre búfalos filosóficos paresque criados por Lao Tsé
pastoreia gado do vento com o vaqueiro Boaventura
montado sobre a sela templária do rei Sabá.
No desterro onde eu com Sancho Pança fizemos retiro
ilha Barataria desta capitania parasitária dita de Joanes
que nem Dom Quixote procurando mote à façanha
da antiga Cavalaria da távola do rei Arthur,
vou a trote de Rocinante versejando malmente 
a velha história messiânica de Espanha e Portugal
refeita nas águas grandes do rio das Almazonas.

Já o pégaso afoito da real batalha sebastiana foi domado
por pajés sacacas sob sol e chuva do equador
força-tarefa de caruanas que habitam as águas do Guajará
o garanhão árabe vai ao lado do Boi Selado mandingueiro espantando malhada e o gadinho curraleiro campo afora.

Bandeira santa flutuando ao vento do Lavrado
pensamento inflamado por guerras a vencer
quantas e quantas cicatrizes de velhas batalhas perdidas
e feridas do coração que não tiveram tempo pra sarar.
O divino e o profano misturados nestas mágoas
sentidas trovas da folia latina aculturada
em lábios cabocos sem saber a razão profunda
que lateja ao fundo do lago das recordações
e viaja em esmolação pelos campos e margens dos rios.

Soldado de falange romana convertido à cristandade
santificado e ressuscitado por milagre diante de flechas
lanças e adagas mortais que ferem o corpo santo
Masporém não podem matar o Mito nem revogar
seu rito imortal para além da chula
e a história vulgar de Portugal e Brasil
salva eternamente pelo poeta Bandarra
da vila de Trancoso.

Nos campos de Cachoeira rei cavaleiro e santo guerreiro
natureza, santidade e realeza
acabam sendo um grosso mistério, malcomparado,
à Santíssima Trindade nas três dimensões do infinito.
Troveja lá para as bandas do lago Guajará:
lugar sagrado onde antigamente uma estrela caiu
espalhando pedras de raio por todos lados
perfurando o sumetume da cobragrande Boiúna
que comunica os campos sob a terra com o rio Paracauari.

Paço da Ribeira, Lisboa, o rei deficiente dom Afonso VI
era apenas uma criança que precisava de cuidados especiais
queria correr pela rua, folgar e brincar com outras crianças
não importava a cor, a raça, sexo ou condição social...
O pequeno monarca gostava de arruaças e de fuzarca
cedo ele se tornaria o escândalo da corte
primeiro morreu o príncipe Teodósio preparado para
o trono do rei-pai Restaurador da independência lusa;
mais logo faleceu el-rei dom João IV em cuja pessoa real
Dom Sebastião fora ressuscitado com entusiasmo popular
e grande escrúpulo e relutância do próprio escolhido
a encarnar o Encoberto ...

E agora menino rei Afonso? Querem fazer de vós
ressurreição de vosso pai e por tabela Dom Sebastiã
encarnado de novo.
Nem vossa raínha-mãe pôde evitar o fado.
Adultos mais malucos que o pobre mentecapto real
o queriam coroar com as glorias antepassadas...
O segundo filho de dona Luísa de Gusmão e dom João IV
leso por uma desconforme febre malsã que lhe paralisou
os membros do lado direito do corpo
impotente para consumar o casamento monárquico 

negociado por embaixadores como tratado de estado
com a nobreza francesa para dar descendente à dinastia.

Tudo em vão: rei Afonso não havia tesão
Pedro I de Portugal então obrigado a destronar o irmão,
tomar-lhe a raínha virgem para esposa 
e internar à força o deposto na ilha Terceira, 
nos Açores onde o infeliz sofria horrores
descontados em fúria na apavorada criadagem. 
De lá saiu somente uma vez para morrer em paz
na vila de Sintra sob o enormissimo peso da Coroa
e o encorpado silêncio da história.       

Flechado pelo destino Afonso era imagem da tragédia
da dinastia de Bragança
depois que Dom Sebastião foi ressuscitado
em verso e prosa
tal qual como o poeta sapateiro Bandarra
'havera' profetizado em trovas incendiárias
na real pessoa de dom João IV...

O rei está morto: viva o rei!
Padre Antonio Vieira em canoa a caminho de Cametá 
anuncia o Quinto Império do mundo: 
"Bandarra é verdadeiro profeta!"
O 'payaçu' dos índios consultou astros
e profetas do Apocalipse: 
predisse o fim do mundo para o ano de 1666
(todo mundo sabe 666 é o número da Besta).

O velho mundo não se acabou em 1666, masporém o novo
em 1665 foi a pique para os índios Nheengaídas
cujas ilhas subtraídas pelo maluco Afonso VI 
foram doação da Barataria,
digo capitania de Joanes ao chanceler do Paço. 

Com fado tamanho não espanta que a cabo de cem anos
O poderoso Sebastião José de Carvalho e Melo,
Marquês de Pombal, após o terremoto de Lisboa
e expulsão dos Jesuítas
planejasse secretamente trazer a Familia Real 
ao Grão-Pará
a fazer transmigração de Portugal ao país das amazonas.
Para tanto, diz-que, ele deixaria toda península ibérica
aos vizinhos espanhóis em troca dos domínios castelhanos
na América do Sul.

Ora o que não se sabia exceto no Cairo
é que o imperador do Mali, Abu Bakari II,
confederado a notáveis cacicados das Índias acidentais 
costuravam este prodigioso plano muito mais tempo.

A história não é para os mortos. 

Viva Dom Sebastião!
Viva a Pátria Grande!     

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