sábado, 10 de dezembro de 2011

IDENTIDADE DA TERRA DA GENTE: UM DIREITO HUMANO

Hoje, 10 de dezembro, mais um ano se passa daquele dia em que homens e mulheres reunidos na Cidade Luz, em nome de toda humanidade,proclamaram a DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS [ ver http://pt.wikipedia.org/wiki/Declara%C3%A7%C3%A3o_Universal_dos_Direitos_Humanos ].

Até lá, atraves de um longo processo dialético onde necessidade e acaso elegeram o Mito e a Ciência como país da História, o homem lobo do homem e de todos mais seres vivos chegou ao ponto que parecia máximo: duas grandes guerras mundiais, ao estúpido custo do Holocausto e do terror atômico e sacrifício humano de Hiroxima e Nagasaki. Então, para muitos, o concerto de Paris parecia o fim da história do império da cobiça internacional e violência das nações.

Na verdade, era só uma breve pausa no curso da violência que pariu a História. A continuidade milenar (milenar, note-se! Os últimos 500 anos são apenas o paroxismo do processo dos antigos Descobrimentos dos confins da Terra-Mãe, esse universal drama de Édipo cujo codinome contemporâneo é "Mudança Climática"... O climatério de Gaia) da destruição das Índias orientais e ocidentais - despedaçadas pela luta eterna entre o Bem e o Mal - , em maior parte causada pela violência da "besta loura" ariana liberada de seus medos ancestrais pelo deicídio; conforme Nietzsche falou pela boca de Zaratrustra anunciando a morte de Deus. Ou Natura, segundo a ponderada reflexão do judeu renegado Baruch de Espinoza, possibilitando transferir do mitológico plano astral a contenda para a realidade da luta renhida da vida no interior de cada indívíduo dotado de razão e consciência. Isto é, ciência com os outros...

Como diria o pai da Negritude, o poeta/profeta Aimê Cesaire; a história do Homem vem apenas de começar: e todos nós de alguma maneira precisamos "retornar ao país natal" para o empoderamento mundial da Terra sem Mal (digo eu, por enxirido e preocupado com as novas gerações)... A re-evolução do Bem Comum segundo as boas novas profetizadas por João Batista ("voz que clama no deserto") e Jesus de Nazaré (o "Sermão da Montanha", o primeiro manifesto comunista) está a começar fazer sentido no coração e na mente da humanidade filha a animalidade (merci Teillard de Chardin; merci Edgar Morin).

De médico e de louco cada um tem um pouco (ave, o alienista Machado de Assis!). De poeta e profeta, idem. É tempo de reler Marx e Engels sem medo nem preconceito: pelas margens da internet e do acampamento "Occupy Wall Street": de fato, já não dá mais para correr para o mato que nem antigo quilombola e refazer um reinado afro-americano em cada canto. Mas, convenhamos, 1% de ricos (40 do PIB planetário) contra 99% de pobres otários e proletários do mundo é um pouco excessivo para falar em Civilização, "Homo sapiens" essas pavulagens por aí...


Um milhão de aldeias solidárias pelos elos achados e perdidos da Aldeia Global, muito bem. Mas, com banda larga e economia solidária para todos!

Eu tenho um sonho! Cada um e cada uma assumir lá a personalidade que quiser. Adotar a nacionalidade que lhe convenha ou não ter nenhuma, assinar o nome que preferir como identidade de uma pintura corporal amadurecida pelo tempo. 

Gosto do costume dos eslavos que chamam as crianças pelo nome de seus pais, até que na idade adulta a pessoa escolha o próprio nome. Na minha terra embora os país coloquem nomes de família e batizem os filhos conforme o calendário de santos da igreja, na maioria das vezes o que se ouve na rua é alguém dizer "o filho de fulano" ou "a filha de sicrana"... Acho correto os evangélicos batizar somente adultos, ao contrário dos católicos e judeus. Estes principalmente, que por arraigada tradição praticam a circuncisão em tenra infância. Um amigo meu, judeu de nascimento, muito galhofeiro dizia que os judeus são sobretudo otimistas, pois não sabendo o que o futuro reserva aos meninos começam logo cortando fora um pedaço do pinto...


Com certeza sou cristão-novo de três costados: três, pois por um lado sou neto de índia marajoara. Por parte da mãe de meu paí, que morreu de parto ao dar nascimento aquele que foi autor de meus dias. Quando nasci, meu pai queria me dar nome grego, Oreste; minha mãe muito católica queria me batizar como o nome do santo do dia, são Serapião... Com tal nome seria eu peão de fazenda ou de obra? Mamãe queria um filho padre e eu sou filho único. São Serapião, o Escolástico; era um monge egípcio erudito com fama de muito inteligente. Na verdade, o que a devota queria era um santo, não um erudito: pois, nem o pagão Oreste nem o convertido egípcio, apresentaram-me à pia da igreja da Santíssima Trindade como recepiandário do Santo Espírito com nome da sagrada família 'Jesus José Maria'... Salvou-me do mico batismal o pâroco Miguel Inácio. Guardei-lhe o nome como o de um amigo do peito. Por um triz eu seria apelidado "Sagrada Família". Como diria o doutor Gaiarsa [psiquiatra José Angelo Gaiarsa], "mamãe é um perigo!"... 

Tem mais, o cartorário por conta própria acrescentou um "l" a mais no nome galego de minha familia Varela, e fiquei assinando "Varella" para evitar confusão no registro civil, Pereira por fim, nome do avô Alfredo Nascimento Pereira, da vila de Benfica, colônia de Benevides, foi professor primário em Muaná e Ponta de Pedras onde casou com a aluna indígena, minha avó Antónia Silva, nascida na aldeia de Mangabeira; provavelmente descendente da gente do Vilar (antiga aldeia dos "Guaianazes", na grafia de Alexandre Rodrigues Ferreira, na "Notícia Histórica da Ilha Grande de Joanes, ou Marajó", Lisboa, 1783; ou "Guaianases" conforme o Padre Antônio Vieira em carta à regente de Portugal dona Luísa de Gusmão, citada por Serafim Leite, na "História da Companhia de Jesus no Brasil" e também na "História do Futuro".

Se tenho algo especialmente a agradecer ao meu avô Pereira é o hábito de leitura que, com mais ou menos gosto, praticamente todos membros da grande familia marajoara cultuam até hoje, ainda mais acentuado com a literatura de um destes parentes, de longe o mais ilustre, tio Dalcídio José Ramos Pereira, dito Dalcídio Jurandir. Este um, em especial, deu mostras de que cada um deve ser livre de escolher o nome próprio: o primeiro registro feito no Cartório Malato (Ponta de Pedras, janeiro de 1909) foi declarante o tio materno Manoel Ramos em cuja casa, no Campinho, dona Margarida Ramos deu a luz a uma criança do sexo masculino que ficou sendo "Darcídio José Ramos"... Com o posterior casamento dos país e reconhecimento do filho, o nome ficou sendo "Dalcídio José Ramos Pereira". Meu avô tinha mania de inventar nomes peculiares para os filhos... Sofia Tautonila, Laudelina Diva, Octaviano Celso, Ritacínio, Anaspiano, Adeflorido dentre outros que a memória já não me ajuda.

Então, Darcídio José ou Dalcídio José decidiu que adotaria como seu o nome indígena "Jurandir" (de Jurandi) que significa "aquele que veio da luz ou que traz a luz". Não por acaso, no discurso de recepção pelo prêmio "Machado de Assi" de 1972, na Academia Brasileira de Letras, o acadêmico Jorge Amado chama o mulato Dalcídio Jurandir de "índio sutil". A referência à origem marajoara da literatura dalcidiana é óbvia.

Mas, justamente os índios têm nomes "secretos": seu por uma parte a pintura corporal é como uma "carteira" de identidade, o nome íntimo da pessoa é um segredo que só os país, o pajé e uns poucos da mesma família podem saber. E portanto, de maneira semelhante como os judeus "convertidos" cristãos-novos guardavam no fundo da memória o nome dos antepassados até o seio de Abraão; os "índios" do novo mundo adotaram diversos nomes como quem troca de camisa conforme as circunstâncias. De todas as nações americanas chamou atenção as de cultura e línguas Aruak algumas vezes chamados "os gregos" ou "os judeus" da América pré-colombiana. Mitologias poderosas que reinventam tempos e espaços mundo afora...

Que seria da realidade e da História sem os mitos fecundadores? O mito Wayana de Tuluperê, a cobra grande astral; estudado por Lucia Hussak Van Velthem; lembra o mito hindu da serpente cósmica Oroboro. Vieira, condenado pelo Santo Ofício por heresia judaizante, foi influênciado aparentemente pelo rabino português da comunidade sefardita de Amsterdam, Menassé Ben Israel, batizado catolicamente Manoel Dias Soeiro na ilha da Madeira; fustiga a cegueira dos outros e ele também não viu tantas coisas interessantes que hoje a arqueologia e antropologia estão revelando naquela ilha dos "Nheengaíbas", afinal Nuaruaques, que ele celebrizou.

Ora, dona Maroca: a ilha da Madeira não é brincadeira na teoria do segredo que até faz medo: Salvador Colombo foi donatário dela e Cristóvão aprendeu artes náuticas por ali às escondidas talvez; Menassé sonhava encontrar nas Américas as "Tribos Perdidas do cativeiro da Babilônia"... Escreveu um livro chamado "As Esperanças de Israel"... Vieira que passou com ele vários dias a negociar uma solução política para os judeus portugueses e o reconhecimento da independência de Portugal, em abril de 1659 em preparativos para a pacificação das ilhas do Marajó (27/08/1659) escreveu a caminho de Cametá a célebre carta secreta ao bispo do Japão, chamada "As Esperanças de Portugal"... Puro messianismo sebastianismo, com a frase que o levou direto à Inquisição "Bandarra é verdadeiro profeta"... Bandarra queria a ressurreição de Dom Sebastião na pessoa de Dom João Vi, Vieira queria que Dom João ressuscitasse em seu sucessor (aliás, nem ressucitou como também o herdeiro Dom Alfonso Vi foi um estrupício, inclusive liquidando com os protegidos nheengaíbas do Payaçu mediante doação da ilha ao seu secretário de estado que foi o patriarca dos barões da Ilha Grande de Joanes, ou Marajó).


O historiador Ronaldo Vainfas, na "Heresia dos índios", relata o interrogatório do visitador do Santo Ofício no qual um índio acusado de heresia dizia: "Deus fez o homem para dormir e sonhar"... Quanta verdade aí! São os sonhos da vida que fazem o mundo girar e os pesadelos que o fazem parar (Galileu Galilei que o diga...). Uma vez, na juventude, sonhei estar voltando à minha aldeia natal à margem de um desconhecido rio: nunca fui tão feliz como naquele breve sonho, eterno até o momento em que despertei e me achei de novo no mesmo mundinho absurdo de sempre. 

Como um discípulo do zen (no caso, zen-bubuia) ainda me pergunto até hoje: a realidade é quando a gente esta acordado fugindo de bala perdida e lutando para sobreviver, ou quando se está dormindo e sonha com a Terra sem males?


Viajando nas águas passadas, muitas vezes constatamos que elas movem moinhos. E, com isto, dá vontade de mudar a pele como a Tuluperê dos rios, cobra grande dos cabocos ribeirinhos; a fim de fazer renascer a vida "eterna" enquanto dura. Tomar nome de acordo com o coração...

assinado, o caboco José Varela Wayana, paresque (aliás, José Maria Varella Pereira no cartório).

 

  José Varella, Belém-PA (1937), autor dos ensaios "Novíssima Viagem Filosófica", "Amazônia Latina e a terra sem mal" e "Breve história da Amazônia Marajoara".

Nenhum comentário:

Postar um comentário