cidade de Soure [ilha do Marajó-PA, Brasil] - rua à margem esquerda do rio Paracauari.
Bom Futuro
Imagine uma pequena aldeia
(pra não dizer povoado) chamada ‘Bom Futuro’, onde uma gente simples e
simpática luta com fé na vida, ri quando às vezes devia chorar à espera de
melhores dias sabendo antecipadamente que a maior riqueza local não é ouro nem
petróleo mas a saúde, a solidariedade de vizinhança e a paz longe do tumulto das
cidades grandes. Este lugar existe, fica na “maior ilha fluviomarinha do
mundo”, no município de Soure-PA; que um dia foi a aldeia Menino Deus e antes
disto terra dos índios Maruanazes ou Maruaná. Esta Soure paraense, cujo nome
foi importado de Portugal a mando de Pombal, foi traçada pelo engenheiro Aarão
Reis, uma das primeiras cidades brasileiras planejadas, e no caso pelo mesmo
urbanista de Belo Horizonte. Quem é que sabe duma coisa desta em Bom Futuro ou até mesmo
no campus Marajó da Universidade Federal do Pará? Agora calcule outras
informações mais complicadas, tais quais sobre aldeias suspensas em campos
alagados do Arari, edificadas à mão; com o barro dos princípios do mundo há
mais de 1000 anos passados.
Naquela ilha grande, em meio
ao golfão onde as Amazônias verde e azul fazem fronteira o gigantesco rio-mar a
empurrar o oceano muitas milhas afora. Mais de 500 outras aldeias marajoaras
iguais a Bom Futuro aguardam a renascença da primeira ecocivilização das terras
baixas da América equatorial. Para isto será preciso inventar uma universidade
do trópico úmido que compreenda e se orgulhe dos arcaicos engenheiros pés
descalços que, pelos anos 400, deram inicio às primeiras aldeias e cacicados de
Cultura Marajoara.
Será isto uma heresia ou
talvez utopia? Certamente que sim. Mas o que importa é saber quem anda mais
feliz no antigo país do pau-brasil em transição à realização profética do país
do Futuro: o migrante nas periferias das metrópoles, estressado e desempregado.
Ou o pacato morador rural e suburbano de pequenas cidades do interior. Aqui
faltaria apenas melhorar um pouco a vida local, já nas favelas o socorro nunca
basta, pois toda ajuda é como lençol curto que descobre a cabeça quando cobre
os pés.
Em Bom Futuro talvez baste chegar a internet banda larga portando
educação à distância e telemedicina com médico da família orientando agente de
saúde preventiva na comunidade. Cedo a comunidade informal passaria a contar
com assistência técnica descentralizada no sentido gradativo de uma aldeia de
feição kibutziana. Fato que, mal ou bem, já aconteceu em Ponta de Pedras-PA com
as cooperativas de Dom Ângelo Rivatto (um fiasco econômico e ao mesmo tempo um
belo sucesso socioambiental, que depressa se esqueceu sem tirar as devidas
conseqüências de estudo de caso). O povo pontapedrense talvez não saiba,
exatamente, o quanto foi “ajudado”: portanto, ainda pede ajuda. Por lá também
andou o empolgante projeto de cooperação internacional Brasil-Alemanha
denominado “Pobreza e Meio Ambiente na Amazônia – POEMA” elogiado até na
UNCTAD; um instigante projeto de execução descentralizada chamado PEG-Guaianá
financiado pelo PPG7 e o não menos criativo projeto experimental da Embrapa em Agricultura
Familiar Sustentável... Se um terço disto tudo que foi a
pique em Ponta de Pedras fosse agora colocado em prática em outros municípios
como Soure, por exemplo, os erros do passado poderiam ser de imensa valia para
o acerto.
Por que não basta estudar “cases de sucesso”: muitas vezes o insucesso traz lições preciosas para a história não se repetir como farsa...
Por que não basta estudar “cases de sucesso”: muitas vezes o insucesso traz lições preciosas para a história não se repetir como farsa...
A meia dúzia de amáveis
leitores da prosapoesia que, de vez em quando, eu cometo já perceberam que o
caboco, aqui no canto do portal da guerrilha literária em memória de Maurício
Grabois; é metido a falar duma gente sem eira nem beira que também foi
guerrilheira no passado longínquo, por necessidade e acaso. Cujos descendentes
desmemoriados hoje somos moradores duma “ilha” filha da pororoca; embora não
seja ela das maiores ilhas do mundo; na verdade a dita cuja é maior que muitos
estados e países independentes. A Amazônia é imensa, porém as diversas Amazônia
podem ser melhor decifradas em seus mistérios. Carece repetir seu nome da Amazônia
que nós temos em mente? Marajó, Marajó, Marajó...
Do mesmo modo, o menor dos
municípios do Marajó, Salvaterra; é maior do que uma ilha-nação independente
como São Vicente e Grenadinas, no Caribe. Soure é vasto mundo comparado a
muitos municípios desenvolvidos. Se, de repente, Bom Futuro for escolhida para
servir de espelho ao desenvolvimento local integrado sustentável da Amazônia,
preconizado pelas Metas do Milênio da ONU, que revolução extraordinária sem
grito! Uma aldeia no interior do Pará pronta a ser replicada em dezenas de
mini-cidades descentralizadas em áreas metropolitanas. No entanto, carece o
bravo povo marajoara descobrir a si mesmo, como Dalcidio Jurandir sonhou e o
padre Giovanni Gallo levou a termo até o fim da vida... Agora é preciso
socializar esta dupla formada pela necessidade e o acaso: o “índio sutil” e o
“cacique” nascido em Turim (Itália) irmanados pelo destino da Criaturada grande
no mundo.
No fim do mundo, entre chuvas
e esquecimento a certidão de nascimento da amazonidade, em páginas de cerâmica
lavradas com grafismos estranhos tidos e havidos como “motivos ornamentais”, há
1500 anos; poderia ser atestado mor da soberania do Brasil nas regiões amazônicas.
Todavia tal patrimônio singular jaz por terra, espatifado em mil e um “cacos de
índio” sob patas de búfalos, arvorados em símbolo magno da Cultura Marajoara
ancestral da brasilidade...
Precisamos repatriar nosso
tesouro, mas antes de tudo Marajó carece ser preparado dos pés à cabeça para
tal evento histórico: não nos interessaria receber coleções que se acham no
exterior para enfurnar no Rio de Janeiro, São Paulo ou mesmo em Belém, sendo
inútil à formação de novas gerações marajoaras lhes dando emprego e renda nos
municípios. Antes disto é melhor estabelecer cooperação através do Ministério
da Cultura e da UNESCO para atividades de educação, cultura e promoção
turística no Marajó. Claro, as peças mais relevantes e vistosas da arte primeva
dita Marajoara, foram retiradas de sítios arqueológicos desde o século XIX e
levadas em surdina sem bilhete e nem foguete.
Do mesmo jeito como fazem
costumeiros acusados de roubo de gado em horas mortas; estes últimos
alegadamente para saciar a fome e aqueles outros por mera curiosidade de
exotismo em famosos museus estrangeiros e nacionais onde as elites se divertem
com a alteridade. Onde nem por azar nenhum caboco jamais poderá meter os pés
sem pagar ingresso em moeda forte. Ainda que ele passe pela porta por acaso,
apartado pelo cordão de isolamento social da imigração, à procura de emprego
cada vez mais difícil nas grandes cidades, quando poderia arranjar na tal ilha
inclusive em negócio de turismo inteligente de base comunitária. Quanto à pesquisa
científica que os vestígios do passado ameríndio na foz do Amazonas poderiam
proporcionar, os recursos alocados sempre foram e continuam sendo tão
mesquinhos que é preferível mudar de assunto para não se enfezar.
Ora, o besta que sou eu no
caso não acredita em Papai
Noel, entretanto acha que se o governo (federal, estadual e
municipal) e a sociedade quisessem de verdade acabar o vergonhoso IDH do Marajó
podiam fazer o seguinte: Por exemplo, declaração de intenção e profissão de fé
pública na metodologia de “municípios verdes” em toda mesorregião com extensão
às suas dezesseis municipalidades somando mais de 500 “aldeias”, que são as
comunidades locais marajoaras.
É óbvio que a maior vocação
econômica da mesorregião Marajó é a indústria do turismo em sua diversas
modalidades, notadamente o ecoturismo de base na comunidade. A “ilha”, então,
poderia ser a Costa Rica amazônica... E o “jabuti” colocado na Constituição do
Estado do Pará (§2º, VI, Artigo 13), em 1989, 400 anos depois da invenção da
Amazônia passaria a ser caso sério, mediante implementação da encruada Área de
Proteção Ambiental do Arquipélago do Marajó e base para candidatura da Reserva
da Biosfera Marajó-Amazônia, como a sétima unidade de modalidade internacional
do país, cobrindo o bioma Amazônia Marajoara.
Deste modo, faria maior
sentido criar a Universidade Federal do Marajó em qualidade de nau capitânia do
desenvolvimento integral sustentável do Golfão Marajoara. Verde que te quero
verde e encarnado... Quer dizer tudo bem com a salvação do mico leão, da
ararinha azul e outros animais e espécies vegetais, mas antes e acima de tudo o
homem trabalhador que labuta para extrair e transformar primariamente riquezas
das várzeas, campos, matas, rios, lagos, furos, igarapés, mangais e praias do
mar: coração pulsante e cabeça da biosfera. O homem marajoara herdeiro da
primeira ecocivilização da Amazônia.
Esta brava gente descendente
de índios marajoaras, em sua maior parte não sabe ler e nem escrever; vítima de
um IDH infame. Mesmo assim ela sabe por catequese há mais de três séculos e
meio lições da Bíblia para desarmar o velho espírito guerreiro dos Aruãs,
Anajás, Mexianas e outros bárbaros falantes da “língua ruim”. Para que estes
uns cessassem pelas pazes o estado de guerra que fora impossível reduzir em combate. Ou seja, o
embargo à mão armada da passagem das Ilhas para dentro do Amazonas pelos
guerreiros Tupinambás pela trilhas do sertão a caminho do paraíso perdido no
país do El-Dorado e das Amazonas ou a Terra sem males (lugar mítico onde não há
Fome, Trabalho escravo, Doença, Velhice e Morte). Fusão mortal de mitos
incongruentes que pariram a malmente conhecida utopia amazônica. Pena que os
catecúmenos do Diretório dos Índios convertidos em súditos do rei de Portugal
não tivessem entendido a parábola do direito à primogenitude trocada,
estupidamente, por um prato de lentilhas... Oprimidos pelo colonialismo luso e
iludidos pelo neocolonialismo brasileiro acabaram os Ajuricabas, Nheengaíbas e
Guamiabas por se desesperar na guerra-civil de 1835, produzindo a revolução da
Cabanagem esmagada pelo genocídio amazônico e resgatada pela democracia-cidadã
ora em curso depois que a esperança venceu o medo.
A esperança da Criaturada
grande de Dalcídio, o índio sutil assim chamado por Jorge Amado; é de que ao
fim de 400 anos de invenção da Amazônia os “cacos de índio” que foram a pedra
inaugural do incrível Museu do Marajó clamem tão forte que o eco deste grito
chegue, finalmente, ao gabinete da Ministra da Cultura, em ‘BrasÍlha’, e também
na sede da UNESCO, em Paris.
Aí a gente ira saber se o fim desta história dá pra rir ou
pra chorar ainda mais...
Somos mais de 420 mil
brasileiros nas ilhas do Marajó, noves fora a diáspora forçada pelo êxodo rural
que multiplica a população oriunda do território insular maior que os
Países-Baixos. Ilhas dentro da “ilha” dispartidas por 500 e tantas “aldeias” de
nomes estúrdios ou poéticos, tais como Jurupari. Camaleão, Pacas, Araras,
Paquetá, Tajapuru, Porcos, Caviana, Camutins, Jenipapo, Cupixaua, Armazém,
Salitre, Igarapé do Francês, Choque, Caldeirão, Céu, Pesqueiro, Monsarás,
Cajuúna, Caracará, Crairu, Pesqueiro, Cuieiras, Jabuti, Camará... Bairros bizarros
como Fim do Mundo, Sovaco de Cobra, Pau te Acha; Carnapijo, etc. Desta enorme
coletividades humana na geografia dos lugares da “ilha” do Marajó; o Bom Futuro
cativa minha afeição e curiosidade, A “aldeia”, digo eu, que é simpática
comunidade do município de Soure. Em nome desta gente humilde (pensando na
canção de Chico Buarque) deposito minhas esperanças de que, não em um dia tão
distante, Marajó seja visto pelo Brasil e o mundo como solução e não problema da
conservação das regiões amazônicas.
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