segunda-feira, 1 de outubro de 2012

tempo de aldeia: de volta para o futuro



cidade de Soure [ilha do Marajó-PA, Brasil] - rua à margem esquerda do rio Paracauari.



Bom Futuro


Imagine uma pequena aldeia (pra não dizer povoado) chamada ‘Bom Futuro’, onde uma gente simples e simpática luta com fé na vida, ri quando às vezes devia chorar à espera de melhores dias sabendo antecipadamente que a maior riqueza local não é ouro nem petróleo mas a saúde, a solidariedade de vizinhança e a paz longe do tumulto das cidades grandes. Este lugar existe, fica na “maior ilha fluviomarinha do mundo”, no município de Soure-PA; que um dia foi a aldeia Menino Deus e antes disto terra dos índios Maruanazes ou Maruaná. Esta Soure paraense, cujo nome foi importado de Portugal a mando de Pombal, foi traçada pelo engenheiro Aarão Reis, uma das primeiras cidades brasileiras planejadas, e no caso pelo mesmo urbanista de Belo Horizonte. Quem é que sabe duma coisa desta em Bom Futuro ou até mesmo no campus Marajó da Universidade Federal do Pará? Agora calcule outras informações mais complicadas, tais quais sobre aldeias suspensas em campos alagados do Arari, edificadas à mão; com o barro dos princípios do mundo há mais de 1000 anos passados.

Naquela ilha grande, em meio ao golfão onde as Amazônias verde e azul fazem fronteira o gigantesco rio-mar a empurrar o oceano muitas milhas afora. Mais de 500 outras aldeias marajoaras iguais a Bom Futuro aguardam a renascença da primeira ecocivilização das terras baixas da América equatorial. Para isto será preciso inventar uma universidade do trópico úmido que compreenda e se orgulhe dos arcaicos engenheiros pés descalços que, pelos anos 400, deram inicio às primeiras aldeias e cacicados de Cultura Marajoara.

Será isto uma heresia ou talvez utopia? Certamente que sim. Mas o que importa é saber quem anda mais feliz no antigo país do pau-brasil em transição à realização profética do país do Futuro: o migrante nas periferias das metrópoles, estressado e desempregado. Ou o pacato morador rural e suburbano de pequenas cidades do interior. Aqui faltaria apenas melhorar um pouco a vida local, já nas favelas o socorro nunca basta, pois toda ajuda é como lençol curto que descobre a cabeça quando cobre os pés.

Em Bom Futuro talvez baste chegar a internet banda larga portando educação à distância e telemedicina com médico da família orientando agente de saúde preventiva na comunidade. Cedo a comunidade informal passaria a contar com assistência técnica descentralizada no sentido gradativo de uma aldeia de feição kibutziana. Fato que, mal ou bem, já aconteceu em Ponta de Pedras-PA com as cooperativas de Dom Ângelo Rivatto (um fiasco econômico e ao mesmo tempo um belo sucesso socioambiental, que depressa se esqueceu sem tirar as devidas conseqüências de estudo de caso). O povo pontapedrense talvez não saiba, exatamente, o quanto foi “ajudado”: portanto, ainda pede ajuda. Por lá também andou o empolgante projeto de cooperação internacional Brasil-Alemanha denominado “Pobreza e Meio Ambiente na Amazônia – POEMA” elogiado até na UNCTAD; um instigante projeto de execução descentralizada chamado PEG-Guaianá financiado pelo PPG7 e o não menos criativo projeto experimental da Embrapa em Agricultura Familiar Sustentável... Se um terço disto tudo que foi a pique em Ponta de Pedras fosse agora colocado em prática em outros municípios como Soure, por exemplo, os erros do passado poderiam ser de imensa valia para o acerto.
Por que não basta estudar “cases de sucesso”: muitas vezes o insucesso traz lições preciosas para a história não se repetir como farsa...

A meia dúzia de amáveis leitores da prosapoesia que, de vez em quando, eu cometo já perceberam que o caboco, aqui no canto do portal da guerrilha literária em memória de Maurício Grabois; é metido a falar duma gente sem eira nem beira que também foi guerrilheira no passado longínquo, por necessidade e acaso. Cujos descendentes desmemoriados hoje somos moradores duma “ilha” filha da pororoca; embora não seja ela das maiores ilhas do mundo; na verdade a dita cuja é maior que muitos estados e países independentes. A Amazônia é imensa, porém as diversas Amazônia podem ser melhor decifradas em seus mistérios. Carece repetir seu nome da Amazônia que nós temos em mente? Marajó, Marajó, Marajó...

Do mesmo modo, o menor dos municípios do Marajó, Salvaterra; é maior do que uma ilha-nação independente como São Vicente e Grenadinas, no Caribe. Soure é vasto mundo comparado a muitos municípios desenvolvidos. Se, de repente, Bom Futuro for escolhida para servir de espelho ao desenvolvimento local integrado sustentável da Amazônia, preconizado pelas Metas do Milênio da ONU, que revolução extraordinária sem grito! Uma aldeia no interior do Pará pronta a ser replicada em dezenas de mini-cidades descentralizadas em áreas metropolitanas. No entanto, carece o bravo povo marajoara descobrir a si mesmo, como Dalcidio Jurandir sonhou e o padre Giovanni Gallo levou a termo até o fim da vida... Agora é preciso socializar esta dupla formada pela necessidade e o acaso: o “índio sutil” e o “cacique” nascido em Turim (Itália) irmanados pelo destino da Criaturada grande no mundo.

No fim do mundo, entre chuvas e esquecimento a certidão de nascimento da amazonidade, em páginas de cerâmica lavradas com grafismos estranhos tidos e havidos como “motivos ornamentais”, há 1500 anos; poderia ser atestado mor da soberania do Brasil nas regiões amazônicas. Todavia tal patrimônio singular jaz por terra, espatifado em mil e um “cacos de índio” sob patas de búfalos, arvorados em símbolo magno da Cultura Marajoara ancestral da brasilidade...

Precisamos repatriar nosso tesouro, mas antes de tudo Marajó carece ser preparado dos pés à cabeça para tal evento histórico: não nos interessaria receber coleções que se acham no exterior para enfurnar no Rio de Janeiro, São Paulo ou mesmo em Belém, sendo inútil à formação de novas gerações marajoaras lhes dando emprego e renda nos municípios. Antes disto é melhor estabelecer cooperação através do Ministério da Cultura e da UNESCO para atividades de educação, cultura e promoção turística no Marajó. Claro, as peças mais relevantes e vistosas da arte primeva dita Marajoara, foram retiradas de sítios arqueológicos desde o século XIX e levadas em surdina sem bilhete e nem foguete.

Do mesmo jeito como fazem costumeiros acusados de roubo de gado em horas mortas; estes últimos alegadamente para saciar a fome e aqueles outros por mera curiosidade de exotismo em famosos museus estrangeiros e nacionais onde as elites se divertem com a alteridade. Onde nem por azar nenhum caboco jamais poderá meter os pés sem pagar ingresso em moeda forte. Ainda que ele passe pela porta por acaso, apartado pelo cordão de isolamento social da imigração, à procura de emprego cada vez mais difícil nas grandes cidades, quando poderia arranjar na tal ilha inclusive em negócio de turismo inteligente de base comunitária. Quanto à pesquisa científica que os vestígios do passado ameríndio na foz do Amazonas poderiam proporcionar, os recursos alocados sempre foram e continuam sendo tão mesquinhos que é preferível mudar de assunto para não se enfezar.

Ora, o besta que sou eu no caso não acredita em Papai Noel, entretanto acha que se o governo (federal, estadual e municipal) e a sociedade quisessem de verdade acabar o vergonhoso IDH do Marajó podiam fazer o seguinte: Por exemplo, declaração de intenção e profissão de fé pública na metodologia de “municípios verdes” em toda mesorregião com extensão às suas dezesseis municipalidades somando mais de 500 “aldeias”, que são as comunidades locais marajoaras.

É óbvio que a maior vocação econômica da mesorregião Marajó é a indústria do turismo em sua diversas modalidades, notadamente o ecoturismo de base na comunidade. A “ilha”, então, poderia ser a Costa Rica amazônica... E o “jabuti” colocado na Constituição do Estado do Pará (§2º, VI, Artigo 13), em 1989, 400 anos depois da invenção da Amazônia passaria a ser caso sério, mediante implementação da encruada Área de Proteção Ambiental do Arquipélago do Marajó e base para candidatura da Reserva da Biosfera Marajó-Amazônia, como a sétima unidade de modalidade internacional do país, cobrindo o bioma Amazônia Marajoara.

Deste modo, faria maior sentido criar a Universidade Federal do Marajó em qualidade de nau capitânia do desenvolvimento integral sustentável do Golfão Marajoara. Verde que te quero verde e encarnado... Quer dizer tudo bem com a salvação do mico leão, da ararinha azul e outros animais e espécies vegetais, mas antes e acima de tudo o homem trabalhador que labuta para extrair e transformar primariamente riquezas das várzeas, campos, matas, rios, lagos, furos, igarapés, mangais e praias do mar: coração pulsante e cabeça da biosfera. O homem marajoara herdeiro da primeira ecocivilização da Amazônia.

Esta brava gente descendente de índios marajoaras, em sua maior parte não sabe ler e nem escrever; vítima de um IDH infame. Mesmo assim ela sabe por catequese há mais de três séculos e meio lições da Bíblia para desarmar o velho espírito guerreiro dos Aruãs, Anajás, Mexianas e outros bárbaros falantes da “língua ruim”. Para que estes uns cessassem pelas pazes o estado de guerra que fora impossível reduzir em combate. Ou seja, o embargo à mão armada da passagem das Ilhas para dentro do Amazonas pelos guerreiros Tupinambás pela trilhas do sertão a caminho do paraíso perdido no país do El-Dorado e das Amazonas ou a Terra sem males (lugar mítico onde não há Fome, Trabalho escravo, Doença, Velhice e Morte). Fusão mortal de mitos incongruentes que pariram a malmente conhecida utopia amazônica. Pena que os catecúmenos do Diretório dos Índios convertidos em súditos do rei de Portugal não tivessem entendido a parábola do direito à primogenitude trocada, estupidamente, por um prato de lentilhas... Oprimidos pelo colonialismo luso e iludidos pelo neocolonialismo brasileiro acabaram os Ajuricabas, Nheengaíbas e Guamiabas por se desesperar na guerra-civil de 1835, produzindo a revolução da Cabanagem esmagada pelo genocídio amazônico e resgatada pela democracia-cidadã ora em curso depois que a esperança venceu o medo.

A esperança da Criaturada grande de Dalcídio, o índio sutil assim chamado por Jorge Amado; é de que ao fim de 400 anos de invenção da Amazônia os “cacos de índio” que foram a pedra inaugural do incrível Museu do Marajó clamem tão forte que o eco deste grito chegue, finalmente, ao gabinete da Ministra da Cultura, em ‘BrasÍlha’, e também na sede da UNESCO, em Paris. Aí a gente ira saber se o fim desta história dá pra rir ou pra chorar ainda mais...

Somos mais de 420 mil brasileiros nas ilhas do Marajó, noves fora a diáspora forçada pelo êxodo rural que multiplica a população oriunda do território insular maior que os Países-Baixos. Ilhas dentro da “ilha” dispartidas por 500 e tantas “aldeias” de nomes estúrdios ou poéticos, tais como Jurupari. Camaleão, Pacas, Araras, Paquetá, Tajapuru, Porcos, Caviana, Camutins, Jenipapo, Cupixaua, Armazém, Salitre, Igarapé do Francês, Choque, Caldeirão, Céu, Pesqueiro, Monsarás, Cajuúna, Caracará, Crairu, Pesqueiro, Cuieiras, Jabuti, Camará... Bairros bizarros como Fim do Mundo, Sovaco de Cobra, Pau te Acha; Carnapijo, etc. Desta enorme coletividades humana na geografia dos lugares da “ilha” do Marajó; o Bom Futuro cativa minha afeição e curiosidade, A “aldeia”, digo eu, que é simpática comunidade do município de Soure. Em nome desta gente humilde (pensando na canção de Chico Buarque) deposito minhas esperanças de que, não em um dia tão distante, Marajó seja visto pelo Brasil e o mundo como solução e não problema da conservação das regiões amazônicas.

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