quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

GDM: 20 ANOS A PREGAR AOS PEIXES E REMAR CONTRA MARÉ


Doutor Camilo Martins Viana, veterano médico militante dos heroicos "porões" da Santa Casa do Pará, antigo Pro-Reitor de Extensão da Universidade Federal do Pará (UFPA) e decano dos ambientalistas da Amazônia, fundador da Sociedade de Preservação aos Recursos Naturais e Culturais da Amazônia (SOPREN) e padrinho do Grupo em Defesa do Marajó (GDM).




No dia 20 de dezembro de 1994, tendo por bagagem cerca de dez anos de atividades em educação ambiental nos campi de Breves e Soure da UFPA concluídas, ano a ano, no total de dez encontros municipais em Defesa do Marajó entre 1985 e 1995, a série de encontros anuais de defesa deu lugar ao denominado GRUPO EM DEFESA DO MARAJÓ (GDM), em reunião no campus central do Guamá em parceria com a SOPREN e Pro-Reitoria de Extensão da UFPA (PROEX), sob exercício do Doutor Camilo Viana, a fim de continuar em caráter permanente o processo até então alcançado.

Além de Camilo Viana, participaram da criação do GDM Téo Azevedo, que ficou encarregado de coordenar o grupo, Franklin Rabelo, Eloy Lins, Rui Maroja; este caboco que vos fala, hoje responsável pelas novidades do grupo com mais de 3000 membros no Facebook e pelo blogue aqui presente; e mais companheiros que a memória já me falha aos quais peço desculpa por não lembrar o nome agora. No decorrer da jornada, muitos vieram se somar aos primeiros tais como Alonso Lins, Abel Lins, Antonio José Soares, Waldemar Vergara Filho, Agostinho Batista e tantos outros mais.

A primeira tarefa do então novato GDM, como quaisquer pesquisadores interessados no assunto poderão constatar ao consultar arquivo da imprensa do Pará, foi organizar o derradeiro "Encontro em Defesa do Marajó" iniciado no CENTUR em Belém, no dia 28 de abril de 1995, prosseguido e concluído na cidade de Ponta de Pedras nos dias 29 e 30, no quadro dos 117 anos de autonomia municipal do mesmo.

O encerramento do citado encontro ocorreu na sede do Círculo Operário Pontapedrense (COP) -- patrimônio histórico municipal e lugar de memória da cidade natal do único romancista da Amazônia recebedor do Prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras; que bem merece um colóquio de recolha de depoimentos para história do dito lugar --, com honrosa presença do doutor Camilo Viana, então pro-reitor da PROEX/UFPA e presidente da SOPREN; do senhor Pedro Lucena, prefeito municipal de Cachoeira do Arari, município formador histórico do município anfitrião; do senhor Bernardino Ribeiro, prefeito municipal de Ponta de Pedras na ocasião; do senhor Theodomiro Calandrini de Azevedo (Téo Azevedo), coordenador do GDM; vereadores, secretários municipais, estudantes e diversas pessoas da comunidade. 

Para registro, foi assinada a Carta do Marajó-Açu datada em Ponta de Pedras, a 30 de abril de 1995, com referência ao rio que banha o município e que, segundo fontes históricas do século XVII (cf. Serafim Leite, "História da Companhia de Jesus no Brasil"), dá nome ao arquipélago e à famosa baía do Rio Pará separando as ilhas de Belém pela margem direita e das ilhas marajoaras pela margem esquerda; destinando-se aquele documento em nome do povo marajoara às autoridades municipais, ao governo do Estado do Pará e da União federal. Seu valor simbólico evoca a história da Extensão Universitária na região marajoara, onde a memória da SOPREN e imagem do Doutor Camilo se confundem desde os idos do CRUTAC conforme falarei mais adiante.

Em resumo, a Carta do Marajó-Açu reivindica uma pauta socioambiental focada numa saúde pública respeitosa dos conhecimentos tradicionais dos pajés, parteiras e outros curadores. Educação ribeirinha em sintonia com o trabalho familiar em função dos ciclos da natureza. Proteção aos sítios arqueológicos da ilha do Marajó, estudo e difusão da milenar Cultura Marajoara acompanhada de reconhecimento e assistência oficial ao Museu do Marajó, entre outras políticas públicas a fim de dar efetividade ao Parágrafo 2º, alínea VI, Artigo 13, da Constituição do Estado do Pará (implantação da Área de Proteção Ambiental do Arquipélago do Marajó (APA-Marajó) e planejamento socioeconômico levando em conta a melhoria das condições de vida da gente marajoara).

Sobre o roubo costumeiro de gado (abigeato) e o crime organizado envolvendo quadrilhas em municípios do Marajó, o GDM se posicionou claramente propondo bases para política social diferenciadora da repressão policial necessária, mas não suficiente para coibir e prevenir o crime. Para tal, fazendo distinção entre fazendeiros (grandes proprietários de terra) e criadores (pequena e média pecuária), nós defendemos organização de crédito subsidiado e assistência técnica na criação de búfalos em Agropecuária familiar. Mais que, isto um trabalho de apoio institucional de reconhecimento e registro oficial do 'Queijo Marajó' e promoção da carne de búfalo como produto 100% orgânico certificado dentro do programa geral de desenvolvimento socioambiental territorial sustentável.

Neste espírito, fomos convidados e tivemos a honra da introdução e apresentação ao documento da Igreja Católica, em 1999, assinado pelos bispos Angelo Rivatto, da Diocese de Ponta de Pedras, e José Luís Azcona, da Prelazia do Marajó; em advertência ao extremado nível de pobreza do povo marajoara. Este mesmo documento eclesial foi a base para demanda, pelos bispos Alessio Saccardo, da Diocese de Ponta de Pedras; e José Luis Azcona, da Prelazia do Marajo, em 2006, à Presidência a República que despachou para a Casa Civil a formação do Grupo Executivo Interministerial de Acompanhamento de Ações públicas no Arquipélago do Marajó (GEI-Marajó), que providenciou medidas de emergência contra malária, regularização fundiária pela SPU no Projeto Nossa Várzea; elaboração do "Plano de Desenvolvimento Territorial Sustentável do Arquipélago do Marajó (PLANO MARAJÓ)" e programa federativo Território da Cidadania - Marajó.

A participação evolutiva do GDM neste largo processo, que chega agora a vinte anos, se deve à Carta do Marajó-Açu que se tornou, invariavelmente, a diretriz de nossa militância continuamente atualizada no espírito dos 10 Encontros em Defesa do Marajó, de 1985 até 1995. 

Já no mesmo ano de 1995 e tendo recebido denúncia no decorrer do encontro de Ponta de Pedras sobre os costumeiros saques e contrabandos de cerâmica marajoara extraída de sítios arqueológicos, o grupo tomou iniciativa de levar as denúncias para providência da Secretaria de Estado de Cultura (SECULT). Com que, pela primeira vez, viu-se uma ação de estado com identificação de pessoas apontadas com responsáveis, advertência pública pelos meios de comunicação sobre o pertencimento de sítios arqueológicos à União (ver diversas matérias sobre o assunto na imprensa).

reserva da biosfera Marajó-Amazônia e criação da Universidade Federal do Marajó: joia dos 20 anos GDM

O GDM vai completar vinte anos de existência no próximo dia 20 do corrente. Com razoável portfólio deve-se ainda acrescentar destacada participação em conjunto com a Associação dos Municípios do Arquipélago do Marajó (AMAM), Diocese de Ponta de Pedras, Cooperativa Ecológica de Mulheres Extrativistas do Marajó (CEMEM), Grupo de Estudos de Desenvolvimento do Baixo Amazonas (GEDEBAM), ong CAMPA e outras entidades da sociedade civil na elaboração da moção de Muaná, de 08 de outubro de 2003, dirigida à I Conferência Nacional de Meio Ambiente demandando criação da Reserva da Biosfera do Marajó, em vista da oportunidade de obter reconhecimento internacional sobre o bioma correspondente à APA-Marajó supracitada.  

Desde o plebiscito sobre da divisão do Pará para criação dos Estados de Carajás e Tapajós, o GDM se engajou ao lado do parceiro Movimento Marajó Forte (MMF) em campanha pelo NÃO e terminou por convergir com o mesmo para criação da Universidade Federal do Marajó. 

Estas últimas demandas são como coroamento histórico de duas décadas de existência do GDM, então, se poderia mesmo assim perguntar o que foi que es te Grupo fez. E a resposta seria esta: não fizemos nada nem iremos fazer... O GDM, pela vontade de seus membros, não fez nada nem fará nada no sentido material das coisas feitas ou por fazer. Para começo de conversa, nosso grupo não tem sede, estatutos e não recebe nem aceita coisa nenhuma de terceiros... Nós fazemos nossa obrigação de brasileiros e cidadãos do mundo.

O papel do GDM é contribuir de maneira informal à erradicação do analfabetismo socioambiental incentivando a Criaturada grande de Dalcídio a defender os seus direitos. Antes de explicar como um grupo de cidadãos voluntários se reúne para nada fazer, cumpre relembrar que a "culpa" é do Doutor Camilo e os antecedentes do GDM vem dos tempos do CRUTAC em Ponta de Pedras, que o médico militante levou de Belém para ilha do Marajó. CRUTAC quer dizer, simplesmente, "Centro Rural Universitário de Treinamento e Ação Comunitária", atividade de extensão universitária em municípios do interior do Nordeste surgida, em 02 de agosto de 1966, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e que chegou à Universidade Federal do Pará (UFPA) encontrando na pessoa do Doutor Camilo Viana um grande entusiasta.

Junto com Camillo, a educadora Ana Rosa Bittencourt na equipe do CRUTAC/UFPA deixou seu nome ligado à educação na terra natal de Dalcídio Jurandir. Os conheci na década de 70 e me tornei amigo e discípulo de mestre Camilo no ano do "Centenário" de emancipação municipal de Ponta de Pedras, 1980, quando na verdade a data havia transcorrido em 1978, mas não se sabia, por falta de documentação oficial. Foi em 1980 que o pesquisador Jessé Dantas de Feitosa ofereceu ao então prefeito Mario André Coelho Noronha cópia autenticada da ata de instalação da Câmara Municipal da "nova villa" de Ponta de Pedras, em 30 de abril de 1878, desmembrada da Vila de Cachoeira por ato governamental de 1877, e que teve como primeiro presidente o cidadão Antonio Pereira de Moraes, suposto descendente do Sargento-Mor Domingos Pereira de Moraes, contemplado da fazenda São Francisco (atual Malato) na primeira sesmaria da Companhia de Jesus na ilha do Marajó e em cujas terras formou-se o município em apreço a partir da aldeia das Mangabeiras (1686), freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Ponta de Pedras (1737) e depois Lugar de Ponta de Pedras (1758), situado à margem da baía do Marajó donde foi transferida para a margem esquerda do rio Marajó-Açu, onde se instalou a dita Câmara de Vereadores e hoje está a sede municipal.

Em nome do GDM e da Criaturada grande:
muito obrigado Mestre Camilo. 
JMVP

terminando por render homenagem à prosa caboca prenhe de realismo mágico de um genuíno marajoara chamado Agostinho Batista, militante do GDM e digno representante da Criaturada grande de Dalcídio Jurandir.

 
Agostinho Quirino Batista, autor marajoara da autobiográfica "História de um Juricaba" onde acrescenta causos e histórias de outros cabocos, compartilhando inclusive texto de José Varella.


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