domingo, 23 de agosto de 2015

REMANDO PELA MARGEM ESQUERDA DA MEMÓRIA




CUTUCANDO O ESPINGARITO DA MEMÓRIA PARA ACORDAR IDEIAS ADORMECIDAS NA ESPICHADA SESTA DA CASA GRANDE: 
Pra que servem "cacos de índio" achados ao acaso na paisagem cultural?


Já se sabe a história dos cacos de índio achados pelo caboco Vadiquinho e que, através do olhar e das mãos criativas de Giovanni Gallo, se transformaram em O Nosso Museu do Marajó e também na obra provocadora aos artesões paraenses, Motivos Ornamentais da Cerâmica Marajoara.

Pelo mesmo princípio do barro dos começos do mundo, um certo índio sutil chamado Dalcídio Jurandir recolheu junto à sua criaturada grande um sem número de palavras e expressões idiomáticas que compõem um mundo original na obra monumental do Extremo Norte. O romance seminal "Chove nos campos de Cachoeira" contém em germe todos os mais romances do ciclo, com exceção de Marajó, primeiro romance sociológico brasileiro nascido Marinatambalo.

Esta palavra é um mistério sem fim. Diante de Marinatambalo ou Marinatambal quedam-se inúmeras indagações, todas elas sem resposta conclusiva. E o silêncio que brota do princípio das coisas, abraça a breve notícia da suposta ilha Marinatambalo no nevoento relato da viagem de Pinzón, piloto de Colombo; querendo ser a primeira viagem de um navegador europeu às partes marítimas do Brasil apenas alguns meses antes da frota do tal descobrimento de Pedro Álvares Cabral.

Então, como já se deve saber, segundo Pinzón os 36 índios que ele escravizou na dita ilha a conheciam por Marinatambalo, como hoje nós a conhecemos por Marajó. Mas, afinal quem eram os "marinatambalos" que se supõe foram desembarcados na ilha Hispaniola (Haiti outrora e República Dominicana agora) como escravos dos espanhóis? Podiam ser nativos de uma aldeia qualquer na figurada "Punta de los Esclavos" na cartografia amazônica do século XVI, organizada por Isa Adonias? O golfão Marajoara (Aziz Ab'Saber), com as suas duas mil e tantas ilhas grandes e pequenas, fluviais e marítimas; está povoado de vestígios toponímicos por todas partes.

Rastros toponímicos, talvez, de até cinco mil anos deixados por grupos paleo-índios nômades se apagaram no tempo, mas certas palavras do Homo sapiens Tapuya, na classificação "errada" do sábio de Coimbra, Alexandre Rodrigues Ferreira; soltas ao vento como aves encantadas passaram de geração a geração, forjando etnias, línguas e culturas diferentes da babel linguística amazônica. Antes que chegassem cá os jesuítas, no século XVII, com sua boa língua catequista, o Nheengatu; e o Diretório de Pombal com o português civilizado obrigatório, no século XVIII.

Euclides da Cunha foi preciso ao cunhar a obra "À margem da História": desta marginalização colonizadora foi parido o "espaço vazio" que engoliu uma multidão de seis milhões de índios e milhares de línguas amazônicas nativas. E tudo isto em nosso século seria apenas uma curiosidade de almanaque, se não nos interrogasse o futuro: aonde vai o povo marajoara, por exemplo, com os seus 2.000 anos de Cultura Marajoara. Que povo foi aquele da Cerâmica Marajoara dos começos da civilização amazônica pré-colonial? Donde veio? O que a fez desaparecer ou ser assimilada por outras? Que deixou de fazer ou ainda talvez podia fazer? O que permanece de antigas etnias na gente marajoara de nossos dias?

Antes de mais nada, quem quer que se meta a responder há que estar prevenido da colonialidade de suas próprias ideias a respeito do espaço e do tempo em que vive. Aprender a separar a ciência dos acontecimentos (história) e o registro temporário do curso desse mesmo rio (historiografia). Semelhante à descida do Amazonas e do Rio Negro desde o encontro das águas elas não se misturam. Se as fontes historiográficas estão mais ou menos organizadas; a literatura oral, mitologia, cultura tradicional formam o "rio Babel" propriamente dito (ver a obra de José Ribamar Bessa Freire deste nome) num verdadeiro caos.

A obra de Armando Levy Cardoso, "Toponímia Brasílica", geógrafo que trabalhou no serviço de demarcação de fronteiras da Amazônia está prenhe duma enormidade de palavras bárbaras como "cacos de índio". Fragmentos descosidos, todavia, que provocam mais a imaginação do que trazem a certeza. Está mais para a arqueologia do verbo brasílico pré-colombiano e combate a 'tupimania' para adentrar às camadas mais profundas da massagada aruaca: alma mater da amazonidade perene.

A formação humana do Brasil acha nos nomes indígenas de lugares muito antigos as verdadeiras raízes de nossa gente. E neste particular ainda Marajó desafia nossa curiosidade para empreender arqueologia das ideias e psicanálise da história. Nisto, com certeza, o romance dalcidiano ajuda a decifrar o enigma da amazonidade.

O índio "malvado" (marãyu / marajó), falante da língua ruim (nheengaíba), está assinalado negativamente como todos mais Tapuya (tamoio, tamu, avôs) na voz do conquistador tupi-guarani. O qual - na busca guerreira da utopia selvagem, Terra sem mal, chamada -, foi escravo e depois peão dos colonizadores na dura faina cheia de males sem fim: esta barreira humana falante da "língua ruim" (na verdade muitas línguas e culturas Nu-Aruak) na luta de resistência à invasão se confundiu com o território das ilhas (dos Nheengaíbas, Joanes, Marajó)... Marinatambalo, Analau Yohynkaku para os endiabrados Aruãs (talvez, o verdadeiro marajó da história).



DIALÉTICA DA CULTURA MARAJOARA: 
SEMPRE SE DEUS QUISER, MAS TAMBÉM HÁ QUE BOTAR O DIABO A DAR AJUDA À GENTE.

No dia 24 de agosto o Diabo costuma andar solto em Paris e também na história do Brasil já fez diabruras mil. Neste outro lado do mundo chamado Marajó, o considerado dia do Berto não é dia santo nem feriado não. Porém, mais guardado que o feriado do dia da Pátria... Reza a lenda que o Berto (nome local do Capeta, derivado da célebre Noite de São Bartolomeu, em Paris, quando furiosos católicos, diz-que tomados pelo Cão, massacraram milhares de protestantes) vaga pelas varjas e matas sombrias.  O grande medo pânico, herdade da humanidade, reina na ilha do Marajó neste dia. Casos de acidentes fatais ocorridos neste dia reforçam a lenda na memória da ilha.
No dia do Berto caboco não trabalha nem pra tecer paneiro dentro de casa. Ou, pelo menos, nos tempos antigos não se levantava da rede nem pra cuspir... Hoje tudo está modificado: sem memória, então, que que as coisas ficam como o Diabo gosta. Quem, então, poderia ter dado a notícia da Noite de São Bartolomeu aos índios do Maranhão e Grão-Pará? Em São Luís do Maranhão os pajés tupinambás consultavam o espírito Jurupari (manifestado em sonhos, pesadelos e na dança pela voz do maracá) para as suas guerras e aventuras.

Isto encheu de pavor aos padres capuchos da França Equinocial, que sem maior explicação diabolizaram Jurupari declarando-o o próprio Satã em pessoa vindo ao Maranhão atrapalhar a obra de Cristo. Deixa estar que os índios interpretaram a história como melhor lhes convinha. Já que o velho espírito indígena passava a ser visto pelos cristãos como o coisa que não presta; urgia os pajés achar serviço que preste para ele.

Foi assim que o Berto, em seu dia, vai pelas varjas mijar nos pés de açaizeiro a fim de fazer a safra toda pretejar (amadurecer). Por isto, dizem os velhos cabocos, que para ser veneno o "vinho" de açaí falta só "um grau". Portanto, não se deve misturar açaí com nada mais, exceto farinha e peixe assado na hora da boia.




O que é toponímia? https://pt.wikipedia.org/wiki/Topon%C3%ADmia

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