domingo, 24 de março de 2013

DIALOGANDO COM O MUSEU NACIONAL

link para programa de TV Expedições / MUSEU NACIONAL: http://tvbrasil.ebc.com.br/expedicoes/episodio/museu-nacional



URNA FUNERÁRIA
400 a 1400 A.D.
Cerâmica Marajoara; Ilha de Marajó; 53 cm
Com pintura em vermelho sobre fundo branco, apresenta o corpo profusamente decorado pela técnica da excisão, com variações em torno da figura humana estilizada e de motivos geométricos. Urnas funerárias elaboradas como esta, em geral contendo objetos de prestígio em seu interior, provavelmente destinaram-se a indivíduos de status social diferenciado na sociedade Marajoara.







Segundo o Barão de Marajó, em sua obra "As Regiões Amazônicas", o relacionamento do Museu Nacional com a arqueologia dos tesos da ilha do Marajó começou com Ladislau Neto e se intensificou com a participação brasileira na exposição etnográfica de Chicago, nos Estados Unidos, em 1879.

Desde então o Museu Nacional do Rio de Janeiro, com colaboração do governo da Província do Pará, realizou escavações no teso do Pacoval, localizado às proximidades da boca do Igarapé do Severino, na margem esquerda do lago Arari (município de Cachoeira do Arari). Com tais extrações arqueológicas daquela época, ainda no Império de Dom Pedro II, teria sido iniciada a coleção de cerâmica marajoara do referido museu, hoje sob competência institucional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, em parceria com o Ministério da Cultura (MINC) através do Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM). 

O primeiro relato historiográfico sobre a cerâmica marajoara pré-colombiana acha-se na separata da "Viagem Philosophica" do naturalista Alexandre Rodrigues Ferreira, da Universidade de Coimbra (Portugal), com título de "Notícia Histórica da Ilha Grande de Joanes, ou Marajó" (1783). Nesta importante fonte para a história da Amazônia Brasileira está escrito que o fundador da freguesia de N.S. da Conceição da Cachoeira do rio Arari (1747) e inspetor da ilha Florentino da Silveira Frade "descobriu" o teso do Pacoval - primeiro sítio arqueológico do Marajó citado na literatura colonial luso-amazônica - no dia 20 de novembro de 1756.

Fato notável para uma releitura democratizante da historiografia colonial na atual conjuntura constitucional e emergência cultural dos povos originais do Brasil. Democratizando-se o conhecimento histórico nacional por suas raízes pré-coloniais, quando a Arqueologia informa que a ilha do Marajó é berço da primeira cultura complexa (cacicado) da Amazônia. Portanto, evidentemente, a cerâmica marajoara constitui arte primeva do Brasil, a mais representativa e difundida no mundo (cf. "Cultura Marajoara", de Denise Shaan, ed. SENAC: São Paulo/Rio de Janeiro, 2010).

Ora, é um tremendo equivoco "regionalizar" (para não dizer paroquializar) a questão da conservação dos sítios arqueológicos da ilha do Marajó e da Cultura Marajoara 'lato senso'. Notadamente, quando a União em parceria com o Estado do Pará, municípios marajoaras através da Associação de Municípios do Arquipélago do Marajó (AMAM) e a sociedade civil vêm tentando realizar um "Plano de Desenvolvimento Territorial Sustentável do Arquipélago do Marajó - PLANO MARAJÓ", em resposta à demanda da comunidade marajoara em 2006 sobre base de críticas da Igreja Católica ao ínfimo IDH da gente marajoara (1999) em contraste ao que determina a Constituição do Estado do Pará, em seu Parágrafo 2º, alínea VI do Artigo 13 (área de proteção ambiental do arquipélago do Marajó e predomínio do desenvolvimento socioambiental da gente marajoara nas decisões econômicas da mesorregião).

A quase completa ausência da Cultura Marajoara pré-histórica no desenvolvimento territorial dos dezesseis municípios do Marajó - exceção ao periclitante Museu do Marajó (mantido por voluntários de uma associação da comunidade, ela mesma dividida por questões particulares depois da morte do fundador padre Giovanni Gallo S.J. em polêmica acesa com o bispo diocesano e políticos locais) feito de teimosia na contramão do oficialismo, visitar www.museudomarajo.com.br - cria o vazio da educação patrimonial, permitindo, por exemplo, a eleição da imagem do búfalo como símbolo cultural magno do Marajó: sintomático do fracasso de muitas boas intenções. 

A principal de todas, empreendida pela diretora do Museu Nacional Heloisa Alberto Torres, durante a revolução nacionalista de 1930; em sua luta contra a hegemonia do barroco colonial triunfante na ideologia majoritária no nascente IPHAN (1937). Quando em viagem à ilha do Marajó publicou na revista do extinto "SPHAN" (1937) propostas para uma política nacional de preservação do patrimônio arqueológico, com destaque a herança marajoara. Considerado o mais rico patrimônio pré-colombiano do Brasil.

No sendeiro deste deliberado esquecimento da Amazônia Marajoara pelas elites brasileiras há mais coisas do que uma suposta polêmica entre caciques da cultura e personalidades políticas de épocas diferentes. Existe uma enorme ignorância das genuínas raízes amazônicas, como o livro do professor José Ribamar Bessa Freira, "Rio Babel" (editora UERJ) deixa patente.  

Não podemos tapar o sol com peneira... O povo amazônico, que lutou em 1823 contra o colonialismo português para ser brasileiro e, de desengano em desengano do Império do Brasil com sua corte neocolonial no Rio de Janeiro acabou massacrado em 1836 no genocídio dos cabanos; guarda mágoa e justo ressentimento do centro hegemônico do país do pau-brasil.

Debalde algumas vozes querem se fazer ouvir pela pátria amada Brasil, mas nem mesmo em Belém o diálogo frutifica como deveria para a Cultura Marajoara de mil anos ser reconhecida, de direito e de fato, como patrimônio histórico e artístico nacional.  Pedem agora os marajoaras que o Ministro da Educação transforme o campus Marajó, da Universidade Federal do Pará (UFPA), na futura Universidade Federal do Marajó.

Todavia, não queremos pressa numa simples troca de nomes. Mais importante do que a logomarca será a troca de conceito, de modo que se comece já a mudar a práxis da UFPA no Marajó: a começar pela renascença da ecocivilização, começada no passado pré-colonial, com plena autonomia e sustentabilidade de uma autêntica "universidade pés descalços".

Ousamos, mais uma vez, provocar a reflexão de quem de direito: para alguns isto seria ingenuidade de nossa parte e não vamos discutir sobre o detalhe. De fato, tem sido ingênuas ao longo do tempo as crenças de que a mentalidade colonizadora não faz crescer a verdadeira civilização brasileira (muito mais antiga do que o "descobrimento" de Pedro Álvares Cabral) por que não sabe. Claro que sabe... basta visitar os principais museus das capitais e mesmo do mundo todo. O problema é que a museologia de outrora, nascida das exposições universais da belle époque, que a ideologia imperial disseminada pelo vetusto Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) endossou em companhia dos principais silogeus e academias de letras nas províncias; teve por missão precípua inventar um Brasil à imagem e semelhança da pátria mãe gentil Europa. Só recentemente, após o primeiro centenário da Independência, em 1922, começamos de fato a emancipar a cultura brasileira. No extremo norte, o movimento  descolonizador modernista manifestou-se nos idos de 1930, com a revista Belém Nova e a confraria "Academia do Peixe Frito" em torno do poeta da negritude Bruno de Menezes.

Mas, nós somos cabanos, herdeiros da resistência marajoara, filhos dos falantes da 'língua ruim', da barbaridade Nheengaíba. Muitas vezes, com abono de Alfred Wallace, que pegou o espírito da coisa e do intuitivo jesuíta Giovanni Gallo, a "ingenuidade" do caboco marajoara, "Criaturada grande de Dalcídio" (segundo Eneida de Moraes) é uma tremenda astúcia de sobrevivência e luta nas condições do trópico úmido nas terras baixas da América tropical.

Onde queremos chegar com esta conversa tola? Puxar pelos brios da UFPA e sua congênere UFRJ para dialogar - forte coisa! - sobre a Cultura Marajoara. Não é fato que o campus do Marajó da UFPA deve ser transformado numa nova universidade federal? E o que fazem o Museu Nacional e o Museu da UFPA que não saem de seus castelos para enfiar pés e mãos no barro dos começos do mundo amazônico? 

Por aí também, com o programa da UNESCO "O Homem e a Biosfera" a reconhecer a área de proteção ambiental do arquipélago do Marajó (APA-Marajó) como reserva da biosfera, mais depressa a cooperação internacional poderá favorecer, com supervisão do Ministério da Cultura; intercâmbio entre ecomuseus de municípios marajoaras e grandes museus estrangeiros que possuem coleções ou peças arqueológicas extraídas de tesos da ilha do Marajó.

A nova direção da AMAM em parceria com o Conselho de Desenvolvimento Territorial do Marajó (CODETEM) e UFPA poderiam se ocupar deste assunto. A começar por Soure e Breves, as duas cidades onde a UFPA se instalou, a partir de 1986, e que merecem dar continuidade ao processo de interiorização universitária até a desejada criação da Universidade Federal do Marajó.

Os velhos tesos do Marajó, de mais de mil anos, ainda têm segredos não revelados, não apenas no campo da cultura mas também de interesse científico e tecnológico. De modo especial, a revelação do "H. sapiens var. Tapuya", como, graciosamente, o sábio de Coimbra classificou o estúrdio homem amazônico encontrado em seu labirinto entre o mar e o grande rio. 


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