quinta-feira, 6 de junho de 2013

MARAJÓ E PANTANAL LIGADOS POR RAÍZES HISTÓRICAS INDIGENAS

indígena de etnia Terena (Aruak) do Mato Grosso do Sul:
se um caboco marajoara identificar nesta imagem semelhança 
com algum avô ou avó não terá sido uma mera coincidência.



Filho de um parto difícil debaixo de céu de anil onde brilha impávida a constelação do Cruzeiro do Sul, de cujo nascimento a mãe indígena gentil morreu ao dar luz a seu herdeiro mestiço, nosso Brasil brasileiro mulato inzoneiro, o gigante adormecido em berço esplêndido confiado em lendas da Terra sem males e profecias sebastianas do país do Futuro; desperta agora depois do longo sono da pedra polida em meio à crise global do fim da História. 

Então, este "jovem país" milenar descobre que, após 500 anos, a história da infâmia da destruição das Índias e do trabalho escravo ainda não acabou. O conflito armado no Mato Grosso do Sul entre o agronegócio e o modo de vida de povos tradicionais da região é uma ponta do icebergue do conflito civilizacional do qual, entre outros, Lévy-Strauss falou e, desde os primeiros dias do genocídio americano, o dominicano Bartolomeu de Las Casas denunciou com todas as letras. 

Agora, em pleno dia procurem com lanterna acesa feito Diógenes a saber de um homem honesto na Grécia antiga; quantos alunos de curso de Letras e História em nossas universidades tiveram honesta aula sobre quem foi afinal esse tal Las Casas no mundo colonial hispânico, ou Antônio Vieira no império colonial português progenitor do império neocolonial brasileiro... 

Talvez, por que seus mestres guiados pelo ditado positivista da educação nacional não tiveram conhecimento eles mesmo; esses iludidos estudantes não ouviram falar sequer do famigerado conquistador do México, Hernán Cortez; e do cruel assassino do Inca Atahualpa, Francisco Pizarro, conquistador do Peru... 

Portanto, será inútil indagar a que se reporta, por exemplo, a estátua em Cuba erigida à memória do cacique taino Hatuey na marginalizada história da resistência indígena das Américas. Mas, infelizmente, este professado esquecimento do crime dos civilizados cristãos contra os direitos humanos indígenas, cometido desde o século XVI no Caribe; pelo qual o Papa João Paulo II pediu o perdão dos índios e dos negros em nome da Igreja; seria o nexo temporal necessário para compreender a resistência indígena brasileira que ora se verifica no "celeiro do mundo". Assaltado pela biopirataria, fabricantes de agrotóxicos, açambarcadores de grãos e seus prepostos políticos e vendilhões de terras ancestrais. Com exemplo universal da famosa ilha de Manhattan, nos Estados Unidos, cérebro das finanças do mundo, comprada em escambo de mercadorias pelo holandês Peter Minuit aos índios Lenape, pelo ínfimo valor de 60 guilders (moeda holandesa), equivalente hoje a 24 dólares.

Naquela época, em Jaguaripe (CE), tendo a nação Tupinambá se desenganado da amizade francesa na França Equinocial (Maranhão), pela primeira vez passou para o lado dos portugueses; graças à astúcia do cristão-novo marroquino Martim Soares Moreno, que conseguiu conquistar a confiança do murubixaba Jacuúna e se amancebou com a filha deste chefe guerreiro, a índia Paraguassu. Do 'cunhadismo' tupi saiu a tomada de São Luís do Maranhão (1615), a fundação de Belém do Pará (1616) e a expulsão dos holandeses e ingleses (1623-1647).

O forte de Gurupá, antiga aldeia Mariocai; assinala o feito sine qua non dos arcos e remos Tupinambá. Aí também terminou a enorme jornada do bandeirante Raposo Tavares saído de São Paulo e atravessando o Pantanal ajudado por guias Tupinambás, que portanto, conheciam o caminho (conforme documento do mameluco Diogo Nunes, de 1538, relatando migração de 14 mil tupinambás saídos de Pernambuco pelo sertão para chegar à Amazônia peruana através do Solimões...). 

Quer dizer, confundidos genericamente como Tapuias (não-tupis), certamente povos de cultura e língua Aruak interpuseram-se em diferentes cenários à marcha tupi-guarani para oeste em busca da mítica Terra sem males. Esta dinâmica endógena do Brasil indígena que tem antiguidade no Amazonas e Rio Negro, implicando nas ilhas das Caraíbas o tronco Karib, por tudo, tão semelhante aos Tupi.

apesar de tudo, Deus é brasileiro.
Fizemos Cristo nascer na Bahia ou em Belém do Pará
Cheios de fé e orgulho de que Deus é brasileiro muitos compatriotas alimentam esperança de que, enquanto o mundo vai mal, o Brasil por si só com a lança de São Jorge nos trópicos vence o Dragão e termina sendo paradigma do novo Novo Mundo saído do ventre da crise mundial. Nota-se aí uma transmutação milagrosa do porque-me-ufanismo conservador ao populismo messiânico de esquerda.

No fundo da alma nacional, quando não se trata da própria Terra sem males transformada da utopia selvagem e do sebastianismo, pelo menos estamos face a uma utopia que namora um modelo de desenvolvimento humano, dito sustentável como um mantra; de melhor tolerância na convivência entre as diferenças de pensamento e comportamento para superação do impasse civilizacional e ambiental do mundo em crise e conflitos permanentes. 

Este é o sonho brasileiro para o mundo, não tanto do futuro; quando no presente se esgotam possibilidades de uma mudança pacífica de padrões de consumo, geração e distribuição da renda global. Este apartheid planetário que exige o equivalente a três planetas Terra para manter o status quo das nações pobres e ricas através de uma divisão do trabalho absolutamente injusta e insuportável.

Mas, em que a Questão Indígena no coração do Brasil tem a ver com a gloriosa tradição brasileira de país do Futuro e celeiro do vasto mundo industrial? 

Pátria de refúgio de perseguidos pela intolerância religiosa ou política e mina de oportunidades econômicas a tantos e tantos imigrantes sedentos e famintos, o antigo Pindorama (Brasil) e a velha Tapuya Tetama (terra tapuia, Amazônia) - por vocação geocultural congênita, embrionária da Pátria grande latino-americana e caribenha - integraram-se no seio do Império brasileiro para vir a ser, no século XXI, a potência emergente República Federativa do Brasil. 

Todavia, mediante alienação mental extraordinária, socialmente adquirida pela transplantada elite neocolonial, o bravo Povo Brasileiro é privado de consciência sobre si mesmo: envergonhado de sua matriz indígena e africana, sofrendo de complexo de viralata pela mestiçagem lusotropical da ralé judia e a massagada árabe sob a pele da ambígua figura de cristão-novo. Quando desta rica experiência de fraternização da Humanidade, que o mundo contemporâneo tanto carece, muito devemos nos orgulhar.

mais do que ouvir o que os índios nos tem a dizer,
é preciso aprender a sobreviver com eles por mestres
e não mais a ilusão de lhes civilizar. 
Com indigestão de informação na rede mundial de computadores num mundo estressado, engarrafado e caótico, urge reinventar o futuro já, pela revirada do presente. Amanhã poderá ser tarde demais. A palavra mágica é diálogo. Não com a manimolência de quem acredita que a maré está pra nós... Mas a urgência de quem compreende que o tempo perdido se agiganta.

O link a seguir nos traz um resumo do que é a saga dos Terena no Pantanal  http://pib.socioambiental.org/pt/povo/terena/1042 . Quem tiver um razoável conhecimento da história do Marajó não pode deixar de se admirar de certas semelhanças, entre os extintos "nheengaíbas" (nuaruaques marajoaras) e as diversas etnias Aruak do Pantanal. Suas esperanças em alianças com diferentes colonizadores em contexto de guerra e paz com grupos inimigos indígenas na mesma região.

O impacto colonial entre os séculos XVII e XIX. Inícios do período neocolonial com a Independência das ex-colônias dominadas por burguesias latifundiárias e escravagistas. A República velha, revolução de 1930. As duas guerras mundiais e a Guerra Fria até o fim da História e suas infâmias. Tudo isto nos faz pensar não apenas a emergência do Brasil no cenário mundial, mas também no cenário nacional e sul-americano a emergência dos Povos Originais e outros povos tradicionais. Eis que estavam quase todos extintos e, com o retorno à democracia, retomam o caminho e mostram a cara. Isto é bom para o Brasil e é bom para todo mundo. Quem acha que "índio bom é índio morto" já morreu e se esqueceu de cair fora do mundo dos viventes. Por isto passa o tempo a fazer assombração...

O Pantanal, reserva da biosfera reconhecida pela UNESCO, convida a sociedade brasileira a se questionar por que o Brasil não tem liderança mais ousada no desenvolvimento socioambiental planetário. Será que os donos do poder - na lição de Raymundo Faoro - não querem mesmo que o Brasil se destaque com suas unidades de conservação da Mata Atlântica, Serra da Canastra, Cerrado, Caatinga, Pantanal, Amazônia Central e outros biomas? Será, por exemplo, que as autoridades do Pará jogam contra a política nacional de meio ambiente e, por isto, se esqueceram na geladeira da candidatura da Reserva da Biosfera Marajó-Amazônia? Eu não creio em bruxos, mas sei que eles existem...

O ICMBio a fazer justo ao sonho de Chico Mendes não poderia jamais se contentar só com o "empate". Mas, com uma visão ousada onde Terras Indígenas e Quilombolas não devem ficar isoladas com essa mentalidade cartesiana que molesta o Serviço Público; avançar em parceria estratégica Público-Privada numa plataforma de economia mista voltada para o mercado. O esquerdismo tupiniquim aponta à China como modelo de socialismo com cara própria, mas de longe de encarar o made in China tem medo pânico do mercado, venha ele de onde vier.

O Marajó ultraperiférico - libertado do ilhamento histórico e curado da alienação imposta pelo Diretório dos Índios - oferece condições de experimentação em grande escala do programa multilateral "O Homem e a Biosfera" (MaB na sigla em inglês) em projetos demonstrativos, em cooperação nacional e internacional, numa universidade multicampi de referência mundial para o Trópico Úmido onde índios, quilombolas e cabocos, entre outros povos tradicionais, possam ensinar e aprender a produzir o invento do desenvolvimento sustentável.

Pareço ouvir vozes e risos escarnecendo: "O MaB, como o ICMBio, que formidável aparato de não fazer nada". Visto por esse ângulo faz sentido a contra-propaganda que diz que unidade de conservação engessa o progresso. Mas, não faz muito tempo, a FAO estava praticamente travada, foi lá o Brasil brigou e ganhou com a eleição de Graziano da Silva. A OMC ainda está brecada, porém o Brasil não se intimidou e conquistou apoio para eleger Roberto Azevedo, não será fácil. Fácil é não lutar, não resistir e não inovar... Mas a derrota é certa.

São ideias como estas, suscitadas pela histórica resistência dos Terena e outros povos originais, que mexe com a alma da brasilidade nesta hora.





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