terça-feira, 30 de julho de 2013

A POBREZA HUMANA NO MARAJÓ: DE QUEM É A CULPA?





IDH E A CRIATURADA GRANDE DE DALCÍDIO


Esta gente já foi se queixar ao bispo (aliás aos bispos, que são dois: da Diocese de Ponta de Pedras e Prelazia do Marajó). Os bispos do Marajó gritaram contra o mísero IDH do povo marajoara, em 1999; e foram reclamar, em 2006, ao Presidente da República. Este um determinou à Casa Civil socorro de emergência e um plano de desenvolvimento de longo prazo.  No ano de 2007, pela primeira vez na história deste país que se chama Pará; a criaturada viu de perto o Presidente Lula que, ao lado da governadora do Pará Ana Júlia; foi ao município de Breves lançar o "Plano de Desenvolvimento Territorial Sustentável do Arquipélago do Marajó" (vulgo PLANO MARAJÓ). 

Por felicidade, a solenidade histórica de Breves 2007 foi marcada pela entrega do primeiro título de regularização fundiária de terras de marinha, de mãos do Presidente da República a uma mulher marajoara, moradora do Alto Anajás. Bingo! Deus escrevendo certo por linhas tortas: a necessidade e o acaso fazendo brilhar a teoria do milagre onde ainda faz escuro e o conhecimento histórico nos escapa que nem índio brabo em fuga pra dentro do mato...  Deixa estar que amanhã será um novo dia, a gente se promete sempre desde que o mundo é mundo.

Pena que, até hoje, as ilustres assessorias dos mandatários da República Federativa não atinaram ainda com a história do Povo Marajoara, a importância da Cultura Marajora de 1500 anos de idade e a Paz do Nheengaíbas, de 27 de Agosto de 1659 e outros fatos capazes de dar um norte ao Desenvolvimento Humano na Amazônia.

Só falta agora, que Francisco sucedeu a Bento no trono do Pescador, a gente ir se queixar ao Papa para o lembrar do ecumenismo do Padre Antonio Vieira ensaiado pelas margens dos rios e ilhas da Amazônia contra o império do Santo Ofício e abandonado por seus sucessores jesuítas cheios de soberba (cf. João Lucio de Azevedo) e finalmente expulsos do Grão-Pará para dar lugar ao tirânico iluminismo do Diretório dos Índios (1757-1798), patriarca caduco de nosso degenerado municipalismo patrocinado pelo "déspota esclarecido" Marquês de Pombal.

Deu no que deu. A crônica marajoara, entre chuvas e esquecimento à margem do "testamento de Adão", sem surpresa retumbante, sem choro nem vela informa urbe et orbi: o pior IDH municipal do Brasil fica em Melgaço (0,418), antiga aldeia Aricará (1659) na microrregião Portel, da mesorregião do Marajó; bem distante da capital do estado, Belém do Pará, apontada em primeiro lugar da região Norte com IDH de 0,806. Por que será uma tal disparidade?

As relações humanas entre a região metropolitana de Belém e a mesorregião do Marajó é uma antiga história de amor e ódio envolvendo populações indígenas bem antes da conquista européia entre os séculos XVI e XVII. 

A fundação do forte do Presépio, berço da cidade de Belém do Pará, em 12 de janeiro de 1616, por soldados portugueses vindos da tomada de São Luís do Maranhão (1615) e guerreiros tupinambás constitui ato de guerra para expulsão dos estrangeiros (holandeses e britânicos) que, através de relações de comércio de escambo e amizade, já tinham instalado feitorias no Amapá, Marajó (Mariocai, depois Gurupá), Xingu e Baixo Amazonas.

O estudo antropológico da conquista e invenção da Amazônia brasileira (outrora estado-colônia do Maranhão e Grão-Pará português, de 1621 a 1751) mostra o antecedente pré-colonial que mergulha no tempo milenar da Cultura Marajoara (entre o ano 400 até cerca de 1300), arruinada aparentemente pela invasão dos belicosos Aruãs, através das Guianas (Amapá e ilhas de fora, Caviana e Mexiana inclusive) e dos antropófagos Tupinambás, vindos em cunha pelo Tocantins e pelo Salgado em busca da mítica "yby marãey" (terra sem mal) - utopia selvagem - idealizando sítio onde não há Fome, trabalho escravo, doença, velhice e morte.

A sociologia brasileira com Florestan Fernandes demonstra que a religião dos tupinambás é o motor da construção territorial do Brasil, cuja saga abriu a trilha sangrenta por onde bandeirantes, missionários e sertanistas passaram delimitando o espaço e demarcando terras até a consolidação final das fronteiras brasileiras, já na República.

O contraste entre o desenvolvimento territorial e o desenvolvimento humano espelha, no estuário amazônico, o resultado tardio daquela velha guerra antropofágica na qual as populações "nheengaídas" (aruaques) resistiram a pressão do Caribe primeiramente com os Kalinas forçando a migração dos Arawak para a terra-firme (continente) das Guianas; e depois dos conquistadores espanhóis, franceses, ingleses e holandeses. 

Pela banda meridional, inicialmente foi a marcha avassaladora Tupinambá para oeste e norte a partir da Bahia e Pernambuco. Para, finalmente, a conquista e vassalagem dos índios em geral pelos portugueses depois da fundação de Belém, a completar 400 anos em 2016. No fim da história, tapuias e tupis todos confundidos na mesma massa de "negros da terra" (índios escravos) a par de "negros da Guiné" (escravos africanos) e descendentes mestiços de colonos açorianos se tornaram cabocos (tirados do mato), mediante casamentos forçados (para não dizer coisa pior...) das índias e pretas com portugueses deportados para "ocupar" o que desocupado não estava. 

A história só se repete como farsa. Portanto, os anos do "milagre" da Ditadura repetiram o milagre original da conquista das ilhas do Pará e Amazonas na tomada de Gurupá (1623) e agora mesmo a recolonização vai de vento em popa na ocupação do Xingu... Outrora uma guerra suja durante mais de quarenta anos merecia o milagre de uma limpeza dos olhos da História com tratamento e cura da cegueira colonial em geral. Foi isto que aconteceu, um milagre e tanto (noves fora a ressurreição do sebastianismo do poeta popular Bandarra...), no enredo genial do Padre Antonio Vieira e seu cacique preferido, um certo Piié Mapuá de carne e osso ou apenas inventado. Não importa. Se a história não é verdade verdadeira, bem provável há de ser muitas vezes melhor do que uma telenovela ou romance de ficção científica.

O célebre Bom Selvagem tupinambá, que encantou a Montaigne e Rousseau, segundo estes filósofos com a ideia da Revolução Francesa (1789); também foi capaz - sem o devido registro ainda na História do Brasil - , segundo antigos documentos coloniais guardados a sete chaves; de migrar de Pernambuco até o Peru através do rio Amazonas (relato do mameluco Diogo Nunes, em 1538, antes portanto do "descobrimento" do rio grande de Orellana, apud Nelson Papavero et al.)... É preciso, todavia, fazer o cruzamento da encardida historiografia viciada de preconceitos e segredos coloniais, com as descobertas tardias que os etnólogos e arqueólogos vem fazendo nas últimas décadas do século XX, a fim de clarear o horizonte dos estudos amazônicos.

Mais do que a inclusão da arqueologia e antropologia no estudo da História, com sua dialética suscitada em sucessivas contradições; a verruma psicológica do romance pode ir além fronteiras visíveis para visitar o país oculto no fundo do Mar-Oceano e do rio de Heráclito (o tal no qual não se mergulha duas vezes, e no entanto esta ele sempre presente na vida da gente).

Apesar de tudo Marajó está no mundo. A brava gente marajoara tem alma de muita antiguidade, como se prova pelo caso fora de séria do padre Giovanni Gallo, não carece enterrar o próprio umbigo no chão encharcado de Dalcídio Jurandir para adquirir naturalidade marajoara. Gallo não teve seu umbigo enterrado em Santa Cruz: em compensação, depois de se auto implodir e morrer, ele enterrou os próprios ossos em Cachoeira do Arari à ilharga do incrível Museu do Marajó que inventou com "cacos de índio"...

Já o chamado "índio sutil", exilado no Rio de Janeiro; queria que o enterrassem após a morte sob a sombra da árvore Folha Miúda, na beira do rio, perto do chalé retratado no romance "Chove nos campos de Cachoeira": debaixo das ramagens daquela árvore que a erosão levou na correnteza do Arari e ficou a infância do escritor marajoara com a paisagem de seu tempo, povoado de gentes a mais simples da ilha do Marajó, Baixo Amazonas e subúrbios de Belém... Aquela gente tão sem história, despossuída de tudo, sem IHD nenhum. Mas, apesar de tudo, sua criaturada grande; orgulho da Amazônia imemorial, chão do caboco marajoara cidadão do mundo...

O derradeiro romance do Extremo-Norte, "Ribanceira", encerra o ciclo dalcidiano: lá a Criaturada grande resiste e sobrevive a todas as desgraças dos marginalizados da História... Graças ao amigo, irmão e camarada Jorge Amado da Bahia; o primeiro Prêmio Machado de Assis para autor amazônida (1972). A teoria do milagre mora em Gurupá: "Ribanceira" termina a longa obra dalcidiana no mesmo lugar onde ela começou... O derradeiro livro do ciclo começa com a chegada de Alfredo (alter ego de Dalcídio) avistando o Fortim de Gurupá... E que fortim! E o Brasil brasileiro que não vai ali saber como o bandeirante Raposo Tavares lá chegou depois de atravessar o Pantanal, pegar as cabeceiras do Guaporé, subir o Amazonas até o Solimões sempre em busca de ouro e descer até o Marajó em petição de miséria. Não é isto uma lição aos Bandeirantes de todos os tempos? Sem guias indígenas Entradas e Bandeiras jamais teriam devassado os sertões e rompido a famosa "linha" de Tordesilhas... E até hoje o Brasil do desenvolvimento custe o que custar, ainda não viu a placa armorial do forte de Gurupá - junto a IDH de miséria - dedicada à brava Nação Tupinambá conquistadora da Amazônia brasileira, extinta entre bichos e plantas...

Um milagre sim, Deus é brasileiro; e os frades de Santo Antônio com a sua inocência agradecendo o prodígio às armas dos portugueses sob orago do santo casamenteiro: era o caso de comemorar o enlace das índias tapuias com guerreiros canibais e mamelucos endiabrados... Mas o santo da conquista de Gurupá está mais para o excomungado Jurupari, o espírito tupi que fala e ri pela boca do pajé.


Por acaso, Raynero Maroja, intendente municipal de Gurupá, nomeou o jovem Dalcídio José Ramos Pereira com vinte anos de idade, ao cargo de secretário-tesoureiro, chegado em outubro de 1929 em Gurupá. A memória desta estada resulta no último romance da carreira, escrito no Rio de Janeiro e ali o futuro romancista escreveu a primeira versão de "Chove nos Campos de Cachoeira". Dez anos depois, refeita totalmente em Salvaterra, donde também saiu o primeiro romance sociológico brasileiro, segundo Vicente Salles, "Marinatambalo" publicado depois com título de "Marajó".

A revolução de 1930 foi, por necessidade e acaso, encontrar o escritor de Marajó no rio Baquiá como professor de alfabetização dos filhos de um dono de seringal... Hoje a Criaturada grande de Dalcidio é servida da Reserva de Desenvolvimento Sustentável Itatupã-Baquiá (RDS Itatupã-Baquiá); além desta unidade de conservação o município conta ainda com a Reserva Extrativista Gurupá-Melgaço (Resex Gurupá-Melgaço). A criaturada não sabe sua própria história, mas vai levando a vida como Deus ou o Diabo gosta...

O pior IDH do Brasil (Melgaço), por exemplo, está localizado ao lado da antiga aldeia de Mariocai onde os holandeses em parceria com os índios do Marajó fizeram feitoria, arrasada para dar lugar ao forte do milagre de Santo Antônio de Gurupá (1623), citado no romance dalcidiano. A pobre Melgaço, cidade-floresta na obra do historiador Agenor Sarraf sob padroado do Arcanjo São Miguel; tem parte de seu território na Floresta Nacional de Caxiuanã, compartilhada com o vizinho município de Portel, cabeça da microrregião junto com Gurupá, Melgaço e Bagre na faixa continental marajoara: todos de pobreza igual. Na dita floresta nacional está a Estação Científica Ferreira Penna, do Museu Paraense Emílio Goeldi; cujo nome homenageia o fundador da mais antiga instituição de pesquisa amazônica, notável sobretudo por ter sido precursor do estudo da arqueologia marajoara e da antropologia dos Aruã. 
A CONTROVÉRSIA DA PACIFICAÇÃO DO MARAJÓ

Rio de Janeiro e São Paulo, além de ostentar o melhor IDH do país tropical abençoado por Deus e bonito por natureza; tornou-se teatro de grandes protestos de rua, por uma parte, e da Jornada Mundial da Juventude que trouxe o Papa Francisco em sua primeira viagem fora da Europa. Ora, nesses opostos movimentos de conflito e paz a Bandeira do Brasil tremulou junto às de mais nações soberanas enchendo de orgulho o povo que diz que Deus é brasileiro...

Claro está que o pendão verde e amarelo move a fé do país do Futuro. Entretanto, o Mapa do Brasil este sim deveria ser mostrado à farta como prova final de que, de fato, Deus ou Natureza (na fórmula de Espinoza, como prefiro) é brasileiro. 

Por linhas tortas, assim foi que a mão da Providência escreveu a ressurreição de Dom Sebastião nas terras do Maranhão e Grão-Pará (vide "História do Futuro" e o "Sermão aos Peixes" do "paiaçu dos índios" Antonio Vieira). 

O "imperador da língua portuguesa" contou o milagre, mas não disse o santo... Neste caso, pode ser que ele não soubesse ou sabendo não quisesse dizer nada mais além do escândalo da carta de Cametá ("As esperanças de Portugal" declarando que Bandarra é verdadeiro profeta... O que o levou às barras do tribunal da Inquisição e condenação por esposar "heresia judaizante", a qual o Papa Francisco declara hoje, mansamente, com nome pacífico e sublime de Ecumenismo).

Para a Câmara de Belém, na metade do século XVII, o diabo era Aruã e morava nas ilhas do Marajó empatando a conquista do Amazonas pelos bons cristãos do reino de Portugal: urgia, custasse o que custasse, dar a "guerra justa" aos Aruãs e Anajás sob capa forjada de "Nheengaíbas" (confederação de guerra defensiva destes índios temidos aliados aos Mapuás, Pixi-Pixi, Cambocas, Guianás, Mamaianás e outras etnias nuaruaques rebeldes, em número estimado de 50 mil arcos), acusados injustamente de canibalismo mas, com certeza, useiros e vezeiros de praticar pirataria contra canoas de "drogas do sertão" e "tropa de resgate" (eufemismo para caçadores de escravos, guiados e armados de remadores e guerreiros Tupinambás). 

Uma guerra impossível de vencer, argumentava o superior das missões da Companhia de Jesus, o dito Padre grande; advogado da paz dos portugueses com os indígenas senhores das ilhas invencíveis. Hoje, quem se der o trabalho de pesquisar pelas margens da historiografia colonial, poderá comprovar que os Jesuítas (entre 1655 até 1757) foram, legalmente, delegados da Coroa de Portugal e exerceram a tutela dos índios tal qual o extinto SPI e agora FUNAI... Logo, o Brasil sucessor de Portugal na Amazônia tem deveres sucessórios em relação aos atuais descendentes daquela gente. 

Cuja adesão em 1659 foi confirmada em Muaná em 1823. Pois, o forte do Presépio não se manteria de pé nem chegaria a ser a fortaleza do Castelo, dos séculos XVIII e XIX; caso a partida do século XVII fosse perdida naquela ocasião, enquanto durava a guerra entre Holanda e Portugal, certamente Gurupá poderia ser retomada pelos holandeses e ingleses recentemente expulsos sob a aliança luso-tupinambá sob a União Ibérica (1580-1640). Então, a "teoria do milagre", pode ter explicação outra sobretudo pela antropologia dos povos chamados "nheengaíbas", que o preconceito tupi encampado pelos missionários, forjou. Então, o Grão-Pará poderia ter sido uma grande Guiana inglesa ou Suriname... 

Na verdade verdadeira, os ferozes e invencíveis "nheengaíbas" das ilhas do "malvado" Marajó atenderam tão rápido o chamado de paz dos Jesuítas, como os tupinambás atendiam convocação de guerra dos frades de Santo Antônio para subir o Amazonas; pela simples razão de já ter ocupado a terra-firme (continente) donde foram desalojados diante da avançada antropofágica dos caraíbas Tupinambá. Vai saber de uma coisa destas àquela hora!...

Devemos estar sempre lembrados de que, na Amazônia, a história é outra: aruaques e tupis eram inimigos hereditários e disputaram palmo a palmo o território chamado "Tapuya tetama" (terra Tapuia) ou Pará-Uaçu (o Grão-Pará dos portugueses) desde muito tempo antes dos europeus.

Antes mesmo do primeiro europeu botar os pés na Amazônia, já o mapa estava riscado no "testamento de Adão" (Tratado de Tordesilhas de 1494, entre Espanha e Portugal) e contestado pela França. Historiadores acham o relato do Padre Antonio Vieira sobre a pacificação do Marajó inverossímil, todavia o fato geográfico atesta o papel dos índios de margem a margem do Amazonas. Cada potencia colonial pegando carona do respectivo movimento guerreiro indígena que lhe convinha para se apossar do "Rio Babel"; durante, pelo menos, 44 anos de conflito a partir da tomada do Maranhão (1615).

400 anos de invenção da Amazônia aguardam mais um capítulo da farsa ou talvez uma virada histórica. Quem sabe!

Um comentário:

  1. ...Grande José Varella, nos presenteando com uma maravilhosa viagem pelo tempo, assumindo o merecido papel de capitão nessa nau, que descreve o genoma combativo de nossa forte missigenação,que não condiz com nosso fraco IDH...,mas enfim, ainda não é o fim...Quem sabe o começo de uma nova história!?

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