quinta-feira, 8 de agosto de 2013

MAIS UMA VEZ: IDH MARAJÓ & RESERVA DA BIOSFERA

 
Marajó: encontro das Amazônias
azul e verde.



HOMEM, CULTURA E NATUREZA NO MAIOR ARQUIPÉLAGO FLUVIOMARINHO DO PLANETA


A recente divulgação do IDH dos municípios brasileiros foi traumática para a população marajoara e deixou péssima a imagem do polo turístico Marajó, deprimindo-o em suas maiores esperanças. A caminho de mais um aniversário da Pax de Mapuá de 27 de Agosto, "comemorado" outra vez -- entre chuvas e esquecimento -- depois do feriado da "data magna" que renega os heróis da proclamação de Muaná na Adesão do Pará à Independência do Brasil... A história da paz entre índios e brancos na rebelde "ilha dos Nheengaíbas" (Marajó), infelizmente, não tem interesse acadêmico: mas, sem isto, custa crer que o Pará se mantivesse português. E, por fim, hoje se falasse a respeito de uma certa Amazônia brasileira. Afinal, se a geografia serve para fazer a guerra; em compensação a história devia servir para construir a paz. Todavia, não pode haver paz onde falta verdade e justiça. 
Quer dizer: na temática do IDH, em marcha para os 400 anos de Belém, temos um antigo problema histórico de descolonização não resolvido nas relações da geografia humana entre as Ilhas do delta-estuário amazônico e a Cidade grande do Grão-Pará.
Ironicamente, há dez anos passados, o órgão estadual de turismo do Pará tendo se informado antes sobre efeitos positivos da criação da reserva da biosfera do Pantanal para atividades turísticas relacionadas à natureza, iniciou em municípios marajoaras de potencial ecoturístico campanha de esclarecimento a fim de propor criação de uma reserva da biosfera. Até hoje o polo Marajó ainda não contempla mais que três municípios - Ponta de Pedras, Salvaterra e Soure - e cada um destes conta apenas com alguns poucos produtos insuficientemente desenvolvidos sob ponto de vista de integração de roteiros e estratégia de desenvolvimento territorial a fim de contribuir decisivamente à melhoria do IDH municipal com geração de empregos diretos e indiretos com distribuição de renda, tanto quanto necessário.  Ou seja, o impacto de um turismo realmente inteligente e responsável está longe do desejável: menos por culpa do corpo técnico e dirigente do setor, que da falta de visão política dos diversos governos do Pará, desde o ano de 1972, quando foi criada a empresa pública de economia mista de turismo estadual. Que, por acaso, coincide com a virada ambiental das relações internacionais sempre contemplando a indústria sem chaminés como principal aliado econômico da mudança de paradigma de produção e consumo de escala, com destaque em grandes eventos globais, como a ECO 92 e a RIO+20, por exemplo. 
Nestes acontecimentos, embora a imagem da Amazônia tenha sido amplamente explorada pelos promotores de evento - sem proporcionar resultado para as populações amazônicas -, o vizinho estado do Amazonas soube, politicamente, capitalizar a onda verde em proveito próprio da marca "Amazônia", tornando de fato Manaus capital do "estado da Amazônia"... Enquanto, em vias de exclusão da amazonidade, o Pará se deixou ficar quase à margem do processo de desenvolvimento dito sustentável. 
Refém da herança colonial da "belle époque" e preso de imediatismo no mundo dos negócios de curto prazo na ponta do balcão, os chefes da política paraense através de gerações consentiram em ficar estigmatizados como meros exportadores de matéria prima, useiros de trabalho escravo, mantenedores do status quo neocolonial e receptores de pobreza através da migração interna. E, portanto, o velho Pará de guerra está em liquidação para dar lugar a uma nova fase de recolonização iniciada nos anos do "milagre", com a ocupação da Floresta Amazônica pelas leis de mercado de ocasião dos chamados "incentivos fiscais". 
Com isto, Marajó se tornou uma das primeiras vítimas políticas do "desenvolvimento regional", com a agropecuária longe de se modernizar e democratizar para se tornar atrativo econômico, a exemplo do Pantanal; conhecendo decadência rural sem precedentes e o êxodo dos campos e sítios para as cidades ribeirinhas sufoca as dezesseis sedes municipais com suas periferias dantescas servindo de trampolim ao caos urbano de Belém e Macapá, além de atravessar a fronteira do Oiapoque com verdadeiros "refugiados econômicos", que o mundo elitista não quer nem saber.
Todavia, é considerável o potencial ecoturístico da região insular amazônica, que poderia vir a ser a Costa Rica brasileira caso ela recebesse a atenção que merece diante de sua inequívoca vocação econômica. Sobre a manifesta vocação econômica do Marajó cumpre lembrar a Constituição do Estado do Pará, no parágrafo segundo da alínea VI de seu artigo 13, que considera área de proteção ambiental o arquipélago do Marajó condicionando o desenvolvimento econômico do mesmo, ipso litteris; à melhoria da qualidade de vida da gente marajoara. 
Trocando em miúdos, isto quer dizer: segundo a Lei maior do Estado do Pará, pesa sobre o desenvolvimento econômico da região do Marajó uma hipoteca socioambiental histórica, desde a Pax de Mapuá (1659, colocando termo a 44 anos de guerra de expulsão dos estrangeiros desde a tomada do Maranhão) e sua usurpação para doação da capitania hereditária (1665-1757). Agravada pela expropriação de aldeias de catequese e fazendas das missões pelo Diretório dos índios (1757-1798). 
Dessa violência iluminista sob os trópicos foi parido o municipalismo amazônico capenga e triunfou o édito da caboquização, pelo abuso de lesa memória dos povos originais, como informa o professor José Ribamar Bessa Freire, em sua instigante tese na obra "Rio Babel".
Entretanto, na contra corrente autoritária, nada mais compatível e explícito sobre a disposição da Carta Magna paraense, a respeito da criatura marajoara, do que o programa multilateral da UNESCO "O Homem e a Biosfera (MaB). No qual se acham amparadas centenas de reservas da biosfera mundo afora, dentre países ricos e pobres, como os antagônicos Estados Unidos (40 reservas da biosfera, aproximadamente) e Cuba (com 16), por exemplo. 
Em geral, podemos dizer que a modalidade de conservação dita área de proteção ambiental e a modalidade internacional de reserva da biosfera tem praticamente as mesmas finalidades, exceto no que concerne à pesquisa científica e aporte institucional da agência da ONU para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO). E, como se não significasse coisa nenhuma, o melhor IDHM do Brasil fica em São Caetano do Sul-SP, área metropolitana de São Paulo, no Cinturão Verde paulistano da Reserva da Biosfera Mata Atlântica. Mas, o pior IDHM do Brasil fica em Melgaço-PA, microrregião de Portel, na mesorregião do Marajó onde se localizam o enclave da Floresta Nacional de Caxiuanã e Estação Ciêntífica Ferreira Penna (ECFP), pertencente ao Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), a primeira instituição de pesquisa da Amazônia e cujo campo avançado, por acaso, foi a ilha do Marajó com a curiosidade de seus sítios arqueológicos de Cultura Marajoara.  
Deus é brasileiro e o Papa é argentino, mas no solo da mãe gentil, pátria amada Brasil; o paradoxo Norte-Sul inverte seus contérminos entre o rico sul e o pobre norte brasileiro. Além disto, no Marajó velho de guerra, não adianta mais ir se queixar ao bispo, pois este está ameaçado de morte por tanto falar dos males que a gentinha sofre nas mãos dos grandes senhores da vida e da morte dos servos da gleba.
Nós não estamos insinuando que o IDHM de São Caetano do Sul-SP se deve à criação da Reserva da Biosfera Mata Atlântica, nem que esta é uma graça do Sul maravilha em matéria de conservação ambiental e desenvolvimento regional sustentável. Mas, estamos dizendo, sim, com todas as letras que o desenvolvimento econômico de São Paulo não foi jamais "engessado" pelo MaB. Como às vezes se pensa, erradamente, que iria acontecer caso a respeito da proposta de Reserva da Biosfera Marajó-Amazônia fosse aprovada, bem como sobre a APA-Marajó, que se acha confinada nas calendas gregas e que não ata nem desata, desde a Constituinte de 1989, fosse tirada de seu estado vegetativo para a vida plena. Desprezada e atacada pela carência de informações socioambientais na educação e falta de transversalidade do meio ambiente nas decisões econômicas para o desenvolvimento regional, a política de desenvolvimento sustentável da Amazônia é um poema rico em work shop cercado de Ongs e consultores bem pagos por todos os lados.
A mesorregião Marajó é composta de 3 microrregiões e 16 municípios, onde vivem 410 mil cidadãos brasileiros num território de 104 mil quilômetros quadrados, espalhados em mais de 500 comunidades locais sobre cerca de 1700 ilhas e parte continental da Floresta Amazônica. Esta área do País se destaca, sobretudo, por se achar situada no estuário da maior bacia hídrica do planeta e ostentar também o maior arquipélago fluviomarinho da Terra. Isto é uma verdadeira universidade da maré, no conhecimento das populações tradicionais, herdeiras de um passado milenar.



Ademais, a grande ilha do Marajó (maior do que a Holanda) apresenta polígono de sítios arqueológicos que correspondem à ocorrência das primeiras sociedades complexas da Amazônia, tipo cacicado, denominado Cultura Marajoara de 1500 anos de idade. A cerâmica marajoara pré-colombiana é reconhecida mundialmente como manifestação de arte primeva do Brasil. 

Peças e coleções valiosas de cerâmica marajoara encontram-se em diversos museus nacionais e estrangeiros de grande porte, enquanto, em Cachoeira do Arari com seu modesto IDH, o peraclitante Museu do Marajó resiste com sua história ímpar a partir de fragmentos (“cacos de índio”) e a inventiva de seu criador, padre Giovanni Gallo, segundo o mesmo conta em “Motivos Ornamentais da Cerâmica Marajoara” assim também a arqueóloga Denise Schaan na obra “Cultura Marajoara”. 

Não fosse o estado de pobreza em que Marajó se encontra, certamente representantes do Estado do Pará no Congresso teriam oportunidade de promover repatriamento do patrimônio marajoara a fim de valorizar mais a Cultura Marajoara como atrativo turístico e objeto de pesquisa científica para o desenvolvimento sustentável da Amazônia Oriental. Certamente, o Ministério da Cultura e a UNESCO já dispõem de protocolo de cooperação capaz de atender a uma demanda desta natureza, que se tornaria facilitada no bojo do PLANO MARAJÓ e criação da futura Universidade Federal do Marajó (UnM), caso o MaB , através da Cátedra da UNESCO em Belém, já se achasse participando do processo geral de desenvolvimento territorial sustentável em curso.



     Já a Constituinte estadual de 1989 fez atenção à especificidade do Marajó, determinando criação da Área de Proteção Ambiental do Arquipélago do Marajó (APA-Marajó), no Parágrafo 2º, alínea VI, do Artigo 13, da Constituição do Estado do Pará. Interessante notar a preocupação específica do constituinte de 1989 com a melhoria das condições de vida da gente marajoara - “Criaturada grande de Dalcídio”, na expressão de Eneida de Moraes, nos idos de 1930 da célebre Academia do Peixe Frito – nas decisões com respeito à vocação econômica da região estuarina. Por aí, implicitamente, fica reconhecida a relação geoestratégica da região das Ilhas com o continente no golfão marajoara, implicando as duas capitais estaduais, Belém e Macapá, no encontro das Amazônias verde e azul.


    Portanto, diante do esplendor natural e cultural desta região a pobreza de sua gente é absurda. Enquanto, inconformadas, lideranças da comunidade lutam em defesa da Criaturada grande, como provam a memória da Academia do Peixe Frito e a histórica resistência do Museu do Marajó. Em março de 1999 – por coincidência aos 340 anos da Pax de Mapuá, celebrada entre o Padre Antonio Vieira e os sete caciques do Marajó, no rio Mapuá (Breves), em 27 de Agosto de 1659, pela qual as ditas ilhas ficaram sendo definitivamente paraenses e, mais tarde, brasileiras (Muaná, 23 de Maio de 1823) – veio a lume documento dos dois Bispos católicos do Marajó apresentado ao público pelo Grupo em Defesa do Marajó (GDM) denunciando o mísero IDH da gente marajoara. Mas, em geral, falamos muito em integração nacional sem noção real da história do povo do Pará, em especial da brava Nação Tupinambá e a resistência histórica da gente marajoara...


     No ano da morte do padre Giovanni Gallo, 2003, quatro anos após o grito dos Bispos sobre o IDH miserável do povo marajoara; lideranças da sociedade civil marajoara pediram em Muaná (08/10/2003), durante reunião regional da I Conferência Nacional de Meio Ambiente, para se tirar a APA-Marajó do papel preparando-a para vir a ser reconhecida internacionalmente pela UNESCO como reserva da biosfera, de acordo com o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC). São seis as reservas brasileiras da biosfera: Mata Atlântica, Serra da Canastra, Caatinga, Cerrado, Pantanal e Amazônia Central. Esta última chegando, parcialmente, até o Baixo Amazonas paraense e fazendo parte do conjunto de reservas da biosfera dos países amazônicos integrantes da Organização do Tratado de Cooperação da Amazônia (OTCA), com sede em Brasília. O esquema brasileiro se destaca nesta modalidade de conservação ambiental internacional por cobrir biomas inteiros, ao contrário da maioria de países com numerosas áreas protegidas como reservas da biofera limitadas a alguns parques nacionais e ecossistemas. De modo que com apenas meia dúzia de reservas da biosfera o Brasil ocupa a primeira posição desta modalidade dentro do programa mundial “O Homem e a Biosfera (MaB)”. O bioma fluviomarinho marajoara, deste modo, tornando-se parte integrante do grupo amazôncio e a sétima reserva brasileira da biosfera; colocaria o Homem marajoara no MaB, aproveitando inclusive existência da Cátedra da UNESCO para cooperação Sul-Sul associada à Universidade Federal do Pará (UFPA).


     Face à indiferença das autoridadades públicas e esperteza dos políticos, voltaram os mesmos a se queixar aos bispos os quais, por sua vez, foram reclamar junto à Presidência da República no ano de 2006. O parto de todas estas diligências foi, primeiramente, o Grupo Executivo Interministerial de Acompanhamento de ações de politicas públicas no Marajó (GEI-Marajó), coordenado pela Casa Civil da Presidência da Republica. Daí nasceu o Plano de Desenvolvimento Territorial Sustentável do Arquipélago do Marajó (PLANO MARAJÓ), lançado em Breves em 2007, pelo Presidente Lula e a Governador Ana Júlia Carepa em meio a vivas esperanças como nunca dantes neste cantão do País. O PLANO MARAJÓ trouxe a bordo o Projeto NOSSA VÁRZEA de regularização fundiária em terrenos de marinha, que até agora expediu mais de 30 mil Títulos de Autorização de Uso beneficiando igual número de famílias. E, por iniciativa estadual, incluiu dentre suas diversas atividades previstas ações para candidatura da futura Reserva da Biosfera Marajó-Amazônia.


    Em 2008, o governo federal complementou o PLANO MARAJÓ com o Programa Territórios da Cidadania – Marajó, que prossegue coordenado pelo Colegiado de Desenvolvimento Territórial do Marajó (CODETEM). Portanto, se pode dizer que do ponto de vista do planejamento territorial federativo envolvendo União, Estado, Municípios e a sociedade civil a mesorregião do Marajó já dispõe de ferramentas institucionais suficientes para tirar da pobreza a gente marajoara. Soma-se a isto expectativa de criação da Universidade Federal do Marajó (UnM) a ser desmembrada da UFPA.


    Todavia, o balanço de 10 anos a contar da reunião de Muaná para a Conferência Nacional de Meio Ambiente até o presente se revela decepcionante, quanto se observa o IDHM marajoara faltando apenas dois anos para o fim do prazo das Metas do Milênio. Na análise das causas do baixo rendimento das politicas públicas para o Marajó cumpre observar primeiramente a falta de entrosamento entre os entes federativos, mas também a fraca integração entre entidades vinculadas aos ministérios ou secretarias estaduais e municipais.


    Contribui para isto interesses políticos e partidários conflitantes, mas, sobretudo, o impasse entre desenvolvimento econômico predador e o aspirante modelo de desenvolvimento sustentável que, desde 1972, está sendo ensaiado com altos e baixos. A chamada transversalidade socioambiental ainda não conseguiu sair da teoria para a prática.


    Então, um pacto federativo ah hoc poderia contemplar Marajó numa nova perspectiva, em consideração do acima exposto. Se de uma parte o Brasil não conhece a Amazônia, doutra parte o Pará conhece muito pouco a Amazônia Marajoara. Por sua natureza e posição geográfica, Marajó deveria ser a menina dos olhos do Estado Pará. A vergonha do IDH marajoara reprova nossas autoridades políticas: a prova está na desconsideração dos jurisconsultos a respeito do dispositivo constitucional da APA-Marajo, vista apenas como artifício interposto pelos constituintes de 1989 para evitar construção de presídio federal de segurança máxima, que faria, seguramente, uma nova Ilha do Diabo na foz do Amazonas.

    É certo que o parágrafo 2º, VI, art. 13 da Constituição estadual foi o pretexto preventivo supracitado. Mas, depois de 24 anos este dispositivo é uma oportunidade legal determinante da candidatura do Marajó ao encontro de manifesto desejo da UNESCO em proteger áreas úmidas de interesse planetário, notadamente os manguezais entre a costa do Maranhão até as Guianas, donde a Reserva da Biosfera Marajó-Amazônia deverá ser a primeira etapa.


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