coandu-mirim, espécie de porco-espinho recentemente descoberta e já em risco de extinção.
Na ultima postagem neste blogue abordei a "teoria do porco-espinho" para falar mal de nossos piores usos e costumes. Os quais mais dificultam a vida de cada um de nós e de todos ao mesmo tempo.
Confesso que ainda não sabia que a fábula, a qual emprestei para comentar a infelicidade coletiva que se espelha no IDH da brava gente, é de autoria do filósofo alemão Arthur Schopenhauer na obra "Parerga e Paraliponema", que ele, sagazmente, no ano de 1851 expõe para demonstrar sua ideia a respeito da dinâmica das relações humanas.
Ora, para quem idealiza a Europa como o último grito da civilização, devemos nos lembrar que pela época -- a bordo da revolução industrial -- as coisas corriam por lá rumo ao estupendo conflito que levou direto às duas grandes guerras mundiais. E cá, abaixo do equador, o Papa havia declarado não haver pecados... Todavia, antes do primeiro branco aparecer por estas bandas, a brava nação Tupinambá em busca da mítica Terra sem mal (Yvy marãey) havia iniciada a conquista da Tapuya tetama (terra Tapuia ou Maranhão e Grão-Pará) mediante infinitos males.
E o Pará velho de guerra era povoado há mais de 5 mil anos, muito longe de ser um paraíso o pau cantava por qualquer coisa. Na grande ilha do Marajó, sim, deu-se parto à civilização amazônica há 1600 anos! Mas, quem disser que era tudo amor e paz estará mentindo ou muito enganado.
Por outra parte, maior ilusão é achar que os nossos colonizadores como Papai Noel chegaram com as caravelas de Colombo trazendo um saco de bondades. Quem duvidar pode procurar saber do assunto pesquisando na internet sobre o dominicano espanhol Bartolomeu de Las Casas, que sendo testemunha da conquista foi o primeiro a botar a boca no mundo sobre a destruição das Índias Ocidentais (América). Ou a respeito dos Taino em luta contra a barbaridade dos conquistadores espanhóis, com o valente Hatuey no Hayti e Cuba, sucedido depois pelo cacique Guamá.
Quando a Europa deveria aprender a lição do porco-espinho, o Pará amargava o resultado da guerra-civil (1835-1840) chamada (por equívoco de Basílio de Magalhães, do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro) Cabanagem (na verdade, os tais "cabanos" não se reconheciam como tal, mas simplesmente se chamavam Paraenses).
Por que os paraenses lutaram desde o dia 14 de Abril de 1823? Pela independência do Brasil, com espírito republicano... Logo, contra a escravidão! Mas o mesmo chefe cabano Angelim, traiu a revolução mandando fuzilar escravos que lutavam ao lado dos combatentes na vã esperança de liberdade... E aqui está a explicação da derrocada da Cabanagem com os escravos abandonando a luta em Belém para ir se refugiar nos mocambos (cf. O Negro no Pará, de Vicente Salles) e do genocídio praticado pelo Império do Brazil contra o Povo Paraense (40 mil mortos numa população de 100 mil almas): medo do contágio da revolução do Haiti, através da Guiana francesa (com o regresso das tropas paraenses de ocupação de Caiena, de 1809 a 1817).
Diferentemente da estratégia do Duque de Caxias para derrotar os Farroupilhas e os incorporar ao Exército imperial... No Pará, a ordem era não negociar com os rebeldes, mas exterminar toda resistência do povo (esvaziaram-se as cadeias do Nordeste e criminosos armados como soldados eram pagos o soldo contra apresentação de orelhas cortadas de cabanos mortos em combate).
E a escravidão apareceu nestas paragens, antes do descobrimento do Brasil, com os espanhol Vicente Pinzón em fins de janeiro de 1500 arrastando de Marinatambalo (Marajó) 36 "negros da terra" (escravos indígenas), que anteciparam o cativeiro que viria mais tarde com os portugueses do Pará... E a civilização ocidental na Amazônia longe de acabar com o porcoespinismo nativo ainda nos trouxe da velha Europa muito mais porco-espinho. Porém, o bicho Coandu, nosso porco-espinho; coitadinho, com a desconforme fome trazida de além mar virou pitéu e quase desapareceu das matas.
Arthur
Schopenhauer (1788-1860) foi um filósofo cujas considerações
sobre amor e sexo são conhecidas pela
misoginia que implicam. Ele deu aparência de
rigor a preconceitos do senso comum, seguiu a velha tradição filosófica ao ultrapassar conceitos divinos, para
“naturalizar” a injustiça social.
Diz ele, por exemplo: «Por
disposição natural os homens são inclinados à inconstância no amor, as
mulheres à constância. O amor do homem decai perceptivelmente a partir
do momento em que obtém satisfação; quase qualquer outra mulher o
encanta mais do que aquela que já possuiu, ele anseia por variedade. Por
outro lado, o amor da mulher aumenta a partir desse momento. Isto é uma
consequência do objetivo da natureza que é dirigido para a manutenção e
por isso para o maior aumento possível da espécie. O homem pode gerar
facilmente para cima de uma centena de crianças por ano, a mulher, pelo
contrário, pode apenas trazer uma criança ao mundo cada ano (deixando de
lado o nascimento de gêmeos). Por isso o homem sempre andará à procura
de outras mulheres, a mulher agarrar-se-á firmemente a um homem, porque a
natureza move-a por instinto e sem reflexão a reter aquele que alimenta
e protege os seus frutos. De acordo com isto, a fidelidade no casamento
é artificial no homem e natural na mulher e por isso o adultério por
parte da mulher é muito menos perdoável do que por parte do homem, tanto
objetivamente por conta das consequências como subjetivamente por conta
de não ser natural.” (Schopenhauer, "O Mundo como Vontade e como Representação").
A civilização ocidental cristã, pela guerra ou por astúcia; com sua superioridade técnica impôs dependência econômica aos territórios conquistados no além mar. Com isto, a reação dos povos colonizados foi a luta pela independência, todavia facilmente desviada para formas de domínio neocolonial e mantida até nossos dias pela colonialidade das mentalidades dirigentes. É a colonialidade que explica como uma pessoa de classe oprimida, tão logo consegue posses esquece os antigos dias de necessidade e passa a explorador de seus iguais de outrora. O naturalista inglês Bates conta o caso de um preto que ficou "branco" por ter se tornado rico através de negócios do comércio.
Aqui a mestiçagem de corpos e mentes opera a lavagem racista pela "branquização" das individualidades. Não existe "caboclo" que se orgulhe de ser descendente de "índio" ou de "escravo"... Quase todos declaram ter sangue europeu de um certo estrangeiro, seja ele imaginário ou marinheiro de passagem pelo porto, quando face ao espelho está na cara que a genealogia do indivíduo está mais pra cá que pra lá da beira mar.
Tantos anos se passaram depois de Schopenhauer e outros misóginos notáveis como Santo Agostinho e Aristóteles e o pensamento permanece quase igual. Na Amazônia a mulher indígena foi mais desprezada e vilipendiada do que a mulher escrava africana, que valia dinheiro e produzia ganho ao senhor como doméstica ou serva de aluguel. Mas, antes do colonialismo o papel da mulher nas sociedades indígenas era predominante. A misogenia veio junto com a religião cristã e após com explicacoes baseadas no biologismos duma suposta "natureza" feminina/masculina. Os mesmos biologismos foram usados para massacrar índios, escravizar negros, exterminar judeus, queimar "bruxas" e eliminar animais e plantas "daninas".
Alejo Carpentier, no romance "O Séculos da Luzes" aponta a contradição do Iluminismo nas metrópoles europeias e nas colônias. Donde parece nascer as disparidades entre "primeiro mundo" e outros mundos classificados em menor qualidade. O dilema do porco-espinho nas relações humanas locais sobe ao telhado das relações internacionais e da célebre luta de classes: que os ricos juram por todos juros não existir...
As diversas Amazônias hoje se apresentam com "ilhas" de primeiro mundo cercadas de terceiro e quarto mundos por todos os lados. Ao mesmo tempo a revolução tecnológica das comunicações conecta todos lugares, porém o tempo não é igual a todos. Um analfabeto, por exemplo, pode usar telefone celular o mais avançado e não saber ler uma simples manchete de jornal... E ainda assim, se esse desletrado for pescador, vaqueiro, tirador de madeira, apanhador de açaí, no seu métier ele é doutor.
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