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Projeto de Bancos Comunitários no Marajó. Articulações em andamento nos municípios de Muaná e Curralinho (Rio Canaticu), em breve os dois primeiros Bancos Comunitários marajoaras a fazer parte do Banco Nacional das Comunidades.
Não dá para tapar o sol com peneira. O Brasil parece um grande navio cargueiro em alto mal em meio à tempestade. Mas os brasileiros não inventaram a crise, muito pelo contrário, estamos enfrentando-a e adiando o seu maior impacto desde o tsunami de 2008, na bolsa norte-americana. É claro que o Brasil é grande e a crise vai passar, todavia durante a travessia os passageiros de terceira classe vão passar maus pedaços dizem profetas do caos. Principalmente, os mais pobres e os trabalhadores assalariados que vão ficar desempregados. Lá do alto, na cabine de comando, não há muita coisa a fazer a curto prazo até retomar a rota a porto seguro.
Desde 2003, com a eleição do primeiro sindicalista na história do Brasil para a presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva; a esperança venceu o medo e nós de tanto insistir com apoio dos Bispos católicos do Marajó - com base no documento eclesial assinado por dom Angelo Rivatto S.J., bispo da Diocese de Ponta de Pedras e dom frei José Luís Hermoso Azcona OSA, bispo da prelazia do Marajó (Soure), denunciando o estado de extrema pobreza do povo marajoara -; no ano de 2006 foi estabelecido na Casa Civil da Presidência da República o "Grupo Executivo de acompanhamento de ações institucionais no arquipélago do Marajó - GEI-Marajó".
Sabemos como a gente sofre de um tipo de mal de Alzheimer coletivo sobre estas coisas. Por isto, de vez em quando carece refrescar a memória a fim de que pescadores de águas turvas não virem com suas costumeiras cantilenas pra boi dormir. O povinho, por sua parte, adora se fazer de coitadinho e agradece mais depressa a seus exploradores de que a outros menos interessados em traficar influência no mercados de compra e venda de consciências. Os quais marreteiros, naturalmente, apostam no quanto pior melhor para ganhar no apurado da miséria. Viajando sempre de primeira classe os barões assinalados nem percebem as turbulências do mar revolto... Mas, como Deus é brasileiro e a Amazônia marajoara também é Brasil, viu-se certo dia o parto do "Plano de Desenvolvimento Territorial Sustentável do Arquipélago do Marajó", que por economia a gente prefere chamar vulgarmente de PLANO MARAJÓ. A ele se agregou, em 2008 - ano em que a bolha imobiliária estourou, nos Estados Unidos -, o programa "Territórios da Cidadania" - Marajó, conduzido na mesorregião marajoara pelo "Colegiado de Desenvolvimento Territorial do Marajó - CODETER".
Fato histórico sem precedentes, inclusive porque nunca dantes um presidente da República havia visitado Marajó para anunciar um plano de desenvolvimento socioambiental desta justa ambição. [ver http://gentemarajoara.blogspot.com.br/2012/02/rio-mapua-um-case-fora-de-serie-no.html]. Dirão os menos esquecidos, o general-presidente Geisel veio antes a Soure. Sim é verdade, mas vejam lá as diferenças de tempo e lugar. O ditador veio a convite de fazendeiros assistir a feira da pecuária; já Lula foi a Breves em viagem oficial de trabalho com a governadora Ana Júlia, em 2007, lançar o PLANO MARAJÓ e fazer entrega dos primeiros títulos de regularização fundiária do Projeto NOSSA VÁRZEA, que até hoje é a parte mais saliente do referido Plano, beneficiando a mais de 20 mil famílias ribeirinhas (cerca de 100 mil pessoas). Neuton Miranda, o saudoso coordenador do Projeto no Pará (prêmio ENAP de inovação em políticas públicas) foi o primeiro a reconhecer que o Título de Autorização de Uso (TAU) de terras da União é documento provisório, o primeiro passo numa estrada de mil léguas para o pleno desenvolvimento socioambiental sustentável das comunidades ribeirinhas na Amazônia. Fato que não podemos esquecer face à Agenda 2030 da ONU sobre os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS).
O segundo passo na inclusão socioambiental dos cabocos seria o reconhecimento pleno dos cidadãos como passaporte para benefício dos programas municipais, estaduais ou federais de promoção social, incluindo aí planos de manejo agroextrativista acompanhado de orientação técnica.
O terceiro passo vai ao encontro da sustentabilidade econômica da Criaturada, cantada em prosa e verso. É disto que quero falar, um pouco animado pelos primeiros sucessos do BANCO COMUNITÁRIO TUPINAMBÁ, na Baía do Sol (ilha do Mosqueiro, município de Belém). Copio antes trechos de entrevista de Paul Singer, pai da economia solidária em nosso país, em 2006, mesmo ano que, na Casa Civil, o GEI tateava para saber se Marajó é ilha, arquipélago ou uma mesorregião maior que Portugal: no maior arquipélago fluviomarinho do planeta, onde, por exemplo, podia caber dois estados como Alagoas ou Sergipe; com sua mal assistida população de 500 mil habitantes em 16 municípios repartidos em mais de 500 comunidades em cerca de duas mil ilhas:
"Apesar de o nome ter sido criado no Brasil, economia
solidária é um movimento que ocorre no mundo todo e diz respeito a
produção, consumo e distribuição de riqueza com foco na valorização do
ser humano. A sua base são os empreendimentos coletivos (associação,
cooperativa, grupo informal e sociedade mercantil).
Hoje, o Brasil conta
com mais de 30 mil empreendimentos solidários, em vários setores da
economia, com destaque para a agricultura familiar. Eles geram renda
para mais de 2 milhões de pessoas e movimentam anualmente cerca de R$ 12
bilhões.
Nesta entrevista, Singer mostra como o movimento
surgiu no Brasil, inicialmente para combater a miséria e o desemprego
gerados pela crise do petróleo na década de 1970, e se transformou em um
modelo de desenvolvimento que promove não só a inclusão social, como
pode se tornar uma alternativa ao individualismo competitivo das
sociedades capitalistas.
Relembre na RBA: "Lembro exatamente quando aportamos em Santos, dia em que completei 8 anos. Minha família estava tão extasiada por chegar, que o único que se lembrou do meu aniversário fui eu"
Quando e como surgiu a economia solidária no Brasil?
Ainda sem esse nome, a economia solidária surgiu no Brasil no bojo da
mais terrível crise pela qual o País passou desde Pedro Álvares Cabral.
Foi a crise dos anos 70, que atingiu toda a América Latina, resultado
do choque do petróleo. Os países não produtores de petróleo ficaram com
dívidas enormes. Tiveram que comprar petróleo a preços cinco vezes
maiores dos que pagavam antes da crise. E o Brasil foi um dos que mais
se endividaram. Não tinha opção. O País já estava no processo de
abertura, mas o regime estava sem nenhuma preparação para enfrentar o
desemprego, que atingia milhões de brasileiros. Esse era o quadro.
A economia solidária foi uma alternativa para enfrentar o desemprego, a fome e a miséria que atingiram milhões de brasileiros?
Foi isso mesmo. Quem tentou fazer isso de uma forma
correta foi a Igreja, através da Cáritas, que começou a organizar os
desempregados para que eles voltassem a viver, a ganhar. Isso acabou
sendo o impulso inicial para a economia solidária no Brasil. Portanto, a
semente da economia solidária foi plantada nos anos 80 por uma ação
extremamente adequada, e no momento certo, da Cáritas. Alguns anos
depois, o esforço da Cáritas foi secundado pelos sindicatos e pelas
universidades. A essa altura eu já estava envolvido.
Qual foi o papel dos sindicatos, nesse início da economia solidária no Brasil?
Os sindicatos viram que os trabalhadores de empresas
que iam falir – e muitas faliram nessa época – poderiam arrendar a massa
falida, preservar a empresa e, portanto, seus próprios empregos. Os
primeiros casos causaram muita sensação: fábricas sem patrões. Logo
mais, isso se tornou um modelo. Surgiu a Anteag (Associação de Empresas
Recuperadas), que se especializou nisso, a partir do Dieese
(Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos).
Então, foi o início da economia solidária no Brasil. Os sindicatos
apoiaram seus trabalhadores na formação de cooperativas de trabalho.
Os trabalhadores assumiram a direção dessas empresas falidas e as recuperaram?
Sim, assumiram a direção das empresas. Eles passaram a
ser trabalhadores sem patrão, ou trabalhadores autoempregados coletivos
ou sociais. Sempre associados.
E qual foi o resultado disso?
Centenas de empresas recuperadas no Brasil pelos seus
próprios trabalhadores, mais de mil. A maior da América Latina
administrada por trabalhadores é a Uniforja (Cooperativa Central de
Produção Industrial de Trabalhadores em Metalurgia), que fica em
Diadema.
Isso mostrou, na prática, a capacidade de gestão
do trabalhador, de administrar com sucesso uma fábrica, coletivamente e
sem patrões?
É preciso lembrar que, do ponto de vista capitalista,
o trabalhador é alguém que cumpre tarefas. Ele não tem nenhuma
participação na gestão, muito menos conhece os problemas do negócio. Os
donos da empresa só divulgam o que lhes parece vantajoso. Portanto, os
trabalhadores não têm aparentemente nenhuma capacidade de gerir uma
empresa. A realidade mostrou o contrário. As empresas recuperadas pelos
trabalhadores levam uma média de 2, 3 meses para voltar à plena
atividade. Não mais que isso. É surpreendente.
E quando surgiu o conceito e o nome economia solidária?
A história é mais o menos o seguinte: quem não se lembra do Betinho (Herbert José de Sousa)?
Sociólogo e ativista social, militante político que liderou o “Natal
sem Fome”, mobilizou milhões e milhões de pessoas no Brasil. Isso também
está na história da economia solidária.
De que forma?
Começou-se a perceber que era preciso fazer alguma
coisa direta contra o desemprego. Como a campanha do Betinho avançou
bem, tomamos a decisão de nos reunirmos nos anos 1990 (92 e 93) para
lutar diretamente contra o desemprego, fomentando a economia solidária,
que ainda não tinha esse nome. Incentivando a autoiniciativa econômica
de trabalhadores associados.
Inclusive a campanha do Betinho foi muito apoiada
pela Igreja. Ele mesmo era um católico, um cristão socialista. Militante
da AP (Ação Popular, organização da esquerda cristã). Bem, esse
foi o passo decisivo para a criação das incubadoras e cooperativas
populares. Não surgiram imediatamente, mas não demorou muito. A primeira
cooperativa foi criada no Rio de Janeiro, creio que em 1994, e agiu
especificamente na Maré (Complexo da Maré). As incubadoras tecnológicas e cooperativas populares foram decisivas para o desenvolvimento da economia solidária no Brasil."
QUE OS MARAJOARAS ESPERAM DE 2016?
Sinceramente, não esperam muita coisa. Já esperaram até demais. Desde as falsas pazes de Mapuá no século XVII a cabo de 44 anos de guerra desde a tomada de São Luís do Maranhão para fundação de Belém do Grão-Pará que de hoje a nove dias completa 400 anos. Como sucessor de Portugal no bônus e no ônus da Amazônia brasileira, o Brasil é responsável pelos descendentes da brava gente "nheengaíba" (marajoara) roubada em seus direitos humanos e territoriais para dar lugar à capitania hereditária da Ilha Grande de Joanes [Marajó], de 1665 a 1757.
A República Federativa do Brasil e o Estado do Pará, sem saberem exatamente, começaram a saldar esta dívida histórica com a Carta Magna de 1988 e a Constituição estadual de 1989, respectivamente. Esta última, mais precisamente em seu Art. 13, VI, parágrafo 2º considerando o arquipélago do Marajó área de proteção ambiental condicionando o desenvolvimento econômico das ilhas ao bem-estar da gente marajoara.
Eis, que decorridos dezenove anos da Constituição-Cidadã o Presidente da República foi a Breves - podia-se dizer, quase em Mapuá -, dar o primeiro passo que se dizia linhas acima. Falta muito, mas já andamos um bom estirão. Neste começo de ano muito me apraz compartilhar com a Criaturada grande de Dalcídio esta notícia de que a experiência do Banco Comunitário Tupinambá está prestes a ser replicada em Muaná e na comunidade do rio Canaticu (município de Curralinho). Falar o nome "Tupinambá", quando a capital do Pará faz 400 anos e Marajó demanda reparo histórico é tocar o nervo da História do Pará velho de guerra. Portanto, os nossos votos de que o Povo Marajoara saiba fazer a hora em paz, esperar não é saber.
REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA: PRIMEIRO PASSO AO DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL SUSTENTÁVEL
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REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA: PRIMEIRO PASSO AO DESENVOLVIMENTO TERRITORIAL SUSTENTÁVEL
Depois
de séculos de violência, expropriação e marginalização das populações
tradicionais marajoaras, pela primeira vez o governo da República
Federativa do Brasil atendeu aos apelos da comunidade por intermédio da
Igreja Católica. A presença da igreja na região, como vimos
acima, é um fato histórico negar isto ou as suas contradições como
pretendeu o Diretório Pombalino e seus imitadores é uma tolice. Quem
fala não é de nenhuma igreja. Muito mais é negar o dever do
Estado-Nação, justamente demandado pela comunidade.
O
Marajó já tem um rumo e não está mais à matroca como um barco à deriva:
porém é preciso dar mais velocidade ao processo de desenvolvimento e
integração com a participação da "Criaturada grande de Dalcídio"
[populações tradicionais] e controle social sem preconceitos.
(em baixo foto da visita de Lula em Breves)
em 06/12/2007
Fotos
Fonte:
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