sábado, 12 de março de 2016

Carta do Marajó ao Sucessor do Pescador





"Na grande bôca do rio das Amazonas está atravessada uma ilha de maior comprimento e largueza que todo o reino de Portu­gal e habitada de muitas nações de índios, que, por serem de lín­guas diferentes e dificultosas, são chamados geralmente Nheengaíbas. Ao princípio receberam estas nações os nossos conquistado­res em boa amizade; mas, depois que a larga experiência lhes foi mostrando que o nome de falsa paz com que entraram, se convertia em declarado cativeiro, tomaram as armas em defesa da liber­dade, e começaram a fazer guerra aos Portuguêses em tôda a par­te". (padre Antonio Vieira, carta ao rei de Portugal escrita em Belém do Grão-Pará, 28/11/1659 - publicada em Belém Ocidental (Lisboa), 11/02/1660).








A Sua Santidade o Papa Francisco,


Santidade,


Com esperança de que se realize em fraterna paz vossa próxima visita pastoral ao Brasil, prevista para 2017, assim a oportunidade que a mesma se estenda a Amazônia com estada muito especial na célebre ilha do Marajó; como Vossa Santidade sabe, tão carente de desenvolvimento humano no presente, de memória do passado e, consequentemente, de confiança no Porvir

Na verdade, Marajó não é apenas uma ilha no golfão marajoara, que serviu de berço à ecocivilização amazônica nascida há mais de mil anos e da arte primeva do Brasil com a cerâmica marajoara mais conhecida no mundo. o mais de duas mil ilhas grandes e pequenas do maior arquipélago de rio e mar do planeta, além da extensa terra firme na mesopotâmia Xingu-Tocantins. Portal da Amazônia pacificada no passado por filhos de Loyola, após mais de 40 anos de guerra de conquista colonial desde a tomada da França Equinocial

A memória destas pazes inconclusas até hoje relembra os jesuítas Luiz Filgueira, João de Souto Maior, Gabriel Malagrida, João Daniel e tantos mais envoltos pelo manto do tempo, notadamente a obra missionária do padre Antônio Vieira sobre os direitos humanos dos povos indígenas e as esperanças da fraternidade universal entre os povos tendo os filhos de Abraão reconciliados, finalmente, segundo a Clavis Prophetorum.

Águas da Amazônia: esperança e solidão do "payaçu" dos índios, profeta do Reino de Jesus Cristo consumado na terra... Há meio século, mais ou menos, o autor destas estúrdias letras deliberou afastar-se da igreja no seio de uma família devota na qual nasceu e cresceu. A fim de ficar mais à vontade para falar e escrever em nome de seus pobres parentes que não sabem ler nem escrever. Ao modo de Chico Buarque de Holanda, que não crê, eu também peço a Deus por minha gente humilde... Posto que são muitos os cabocos ribeirinhos nesta triste condição estrangeira na própria terra onde seus ancestrais habitaram há mais de dez mil anos atrás.

Ninguém me pediu para tomar esta atitude. Sobretudo, os que mais precisavam de escribas e griôs assim: os esquecidos índios "nheengaíbas" lesados da História da invenção da Amazônia e agora seus descendentes excluídos dos frutos do desenvolvimento social e econômico. Um caboco fiel às suas raízes é índio sutil de alma e coração tal qual o romancista da Amazônia, Dalcídio Jurandir. Índio urbano, suburbano, destribalizado. Do mesmo modo, o nome genuíno de um indígena é segredo ou senha da identidade selvagem jamais catequizada: embora desde o famigerado "Diretório dos Índios" (sic) para passar neste mundo de enganos os evadidos da floresta ostentem um nome civilizado para imitar os brancos: adotaram os descendentes dos antigos nheengaíbas ou marajoaras o catolicismo tropical ou já ultimamente o pentecostalismo popular. 

Todavia, na prática das suas necessidades psicossociais quotidianas, em verdade, os cabocos ribeirinhos em geral não professamos nenhuma religião em particular, mas um conjunto de crenças que acho eu se poderiam chamar também ecumênicas, além de abraâmicas. Posto que integradas de conceitos afroamazônicos, ameríndios e outras antigas heresias importadas do ultramar desde tempos imemoriais.

Esta gente, com o depoimento do padre Antônio Vieira em a "História do Futuro" e do padre Giovanni Gallo no livro-reportagem "Marajó, a ditadura da água"; foi espoliada das suas terras ancestrais, das suas línguas maternas na diversidade da Babel amazônica, cultura natural, identidade original e até mesmo da sua espiritualidade tradicional. Como sabe, na tragédia americana da civilização, a Igreja Católica Apostólica Romana muitas vezes teve papel de responsabilidade, seja ao defender os índios ou a participar da destruição das Índias que Las Casas denunciou ao seu tempo. 

Infelizmente, a Igreja de Roma também muitas vezes colaborou na ruína da primeira civilização da Amazônia, que atestam o abandono dos sítios arqueológicos da ilha do Marajó e a cerâmica marajoara recolhida por boa vontade da comunidade no singelo MUSEU DO MARAJÓ de difícil acesso aos habitantes dos mais 15 municípios do mesorregião. Muito mais difícil a Criaturada grande ter notícia do acervo levado da ilha do Marajó e espalhado numa dezena de grandes museus no exterior e no Brasil

Já nos queixamos não só ao bispo, como diz o velho ditado; mas aos dois Bispos do Marajó os quais deram eco a nossos gritos. Agora é hora de ampliar o pedido de socorro junto ao Bispo de Roma sucessor de Pedro e representante de Jesus Cristo na Terra. As paróquias na comunidade de dezesseis municípios marajoaras se não são ainda, poderiam ser escolas de alfabetização e educação continuada. Animadoras de escolas de arte e cultura popular, dedicadas a promover o renascimento da Cultura Marajoara e a estimular a solidariedade entre comunidades diferentes na construção de uma verdadeira cultura de justiça e paz mundial.

O Brasil conhecido como o país do futuro e o maior país católico do mundo, seja também o maior promotor da tolerância mútua, da fraternidade e do ecumenismo radical. Como náufrago que confia às correntes marítimas sua garrafa da sorte com o pedido de socorro; por esta minha missão voluntária escrevo continuamente a todos e a ninguém. Seriam por acaso cartas ao futuro: ao modo das nascentes de um rio caudaloso, o caboco descendente de índios cristianizados saídos dos matos e malmente alfabetizado; emite seus sentimentos locais sem saber aonde vão chegar na grande corrente de ideias a qual o padre Teillard de Chardin chamou de 'noosfera' emanada da biosfera

Respeitosa saudações.

José Varella Pereira 

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