sábado, 18 de junho de 2011

AJUNTADOR DE CACOS


Giovanni Gallo nasceu em Turim, Itália, em 27 de abril de 1927 - “Gallo por herança paterna e Touro pelo horóscopo”, costumava dizer, naturalizou-se brasileiro. Fez os estudos e foi ordenado sacerdote na Companhia de Jesus. Como Jesuíta começou a sua atividade na Espanha e depois na ilha de Sardenha (Itália), sempre em contato com a classe mais humilde.




Em 1962 foi enviado à Suíça alemã como capelão dos emigrados e fundou a Missione cattolica Italiana Del Birseck, perto de Basiléia, no período mais quente do movimento contra os estrangeiros. Em 1970 optou pelo Terceiro Mundo, na América Latina. Chegou ao Brasil depois de muita luta, recusando Estocolmo como alternativa.

Depois de dois anos no bairro da Floresta, em São Luis do Maranhão, foi destinado à Ilha do Marajó.


" No nosso Museu o Homem marajoara é doador e receptor. Ele é a maior fonte de informação e ao mesmo tempo o maior beneficiado.



Nesta perspectiva, o nosso Museu tem um ciclo completo:

• Nasce da comunidade,

• Cresce com a comunidade,

• E volta à comunidade.

Agora é fácil entender porque o Museu aceitou o desafio de escolher um lugar carente das infra-estruturas essenciais
. Porque assumiu o compromisso de promover estas infra-estruturas, provocando o desenvolvimento do Homem através da Cultura". Giovanni Gallo (Turim-Itália, 1927 - Belém-Pará, 2003).


A TV Nazaré, Canal 30 de Belém-PA, às 21 horas do dia 17 de junho de 2011, apresentou o documentário “O Ajuntador de Cacos”, longa metragem de Paulo Miranda, concorrendo ousadamente no horário nobre das telenovelas mais badaladas. Davi contra Golias, mas água mole em pedra dura tanto bate até que fura... O filme é digno da teimosia do fundador do Museu do Marajó e na televisão católica não terá deixado de tirar uns poucos telespectadores dos grandes canais, atraindo mais simpatizantes para obra marajoara além daqueles que já estão sensibilizados e foram avisados a tempo para ligar a TV ou trocar de canal, que foi o meu caso.

O esforço de Paulo Miranda com a produtora Lux Amazônia Filmes está de parabéns e assim o Museu do Marajó fica um pouco mais conhecido com sua história incrível, ainda desperdiçada, infelizmente.  Integrado à Casa do Escritor Dalcídio Jurandir (que não sai do papel) num necessário roteiro de turismo literário e arqueológico este ecomuseu de base comunitária poderia estar servindo à educação patrimonial e gerando emprego e renda na região, há muito tempo.

Nós não duvidamos que o “Ajuntador de Cacos” irá mais longe, inclusive atravessando fronteiras sociais e geográficas. O filme na TV e em DVD chega mais perto daquele público ao qual Giovanni Gallo quis passar a mensagem com as obras "Marajó, a ditadura da água", "Motivos Ornamentais da Cerâmica Marajoara" e a autobiografia "O homem que implodiu". O documentário é uma preciosa fonte de estudo com a própria voz e imagem do criador do museu, mas também daqueles e daquelas que a iniciativa do padre uniu na mesma história de uma época que vai da chegada do missionário da Diocese de Ponta de Pedras, em Santa Cruz do Arari, na ilha do Marajó, até sua morte em Belém e sepultamento em Cachoeira do Ararí, no espaço do próprio que o jesuíta insubmisso inventou.

Em torno da figura do “marajoara que veio de longe” surgem coadjuvantes da vida real, sem os quais o museu não teria nascido nem sobrevivido e consequentemente o filme não poderia ser realizado para testemunhar o feito extraordinário que a grande sociedade não quer ver nem apoiar como deve, deixando "herdeiros" do padre se digladiar erradamente. Pelas imagens e a fala da gente prova-se o papel do padre, animado a abraçar o povo oprimido e a denunciar a pobreza do terceiro mundo pelo aggiornamento da igreja de João XXIII e Paulo VI; mas desgraçadamente entrando em inesperada crise de disciplina interna da Diocese e em conflito precoce com o poder político, como um legítimo “ajuntador” de coisas que “não prestam” e animador de gentes sem eira nem beira, capaz entretanto de revitalizar a história da brava gente marajoara como a salvação da sua própria vida pessoal em deriva. 

Co-fundadores da obra de Giovanni Gallo, menos conhecidos ganham rosto e voz, notadamente dona Mita em Jenipapo (Santa Cruz), que teria sido a primeira auxiliar desde a chegada do padre ao Arari; Raimundo Barbosa, Manuel do Carmo e Tacica Gemaque, em Cachoeira do Arari, na hora mais crítica da mudança e quando parecia tudo perdido; padre prestes a partir de novo em busca de lugar para ficar tomam iniciativa de ir ao encontro do forasteiro para lhe salvar o museu ainda em gestação.  O incompreendido Antônio Smith (ele mesmo marajoara adotivo como o padre que ele conheceu pelas reportagens nas oficinas do jornal onde trabalhava como gráfico), sem papas na língua, solta o verbo e relata trapaças do jogo político a caça de votos condenando o italiano afoito ao ostracismo...

O filme contribui tanto para a lenda que se vai cristalizando sobre o "museu do Gallo" como obra de um homem só, quanto para a desmistificar: fica-se sabendo que o Jenipapo é o berço verdadeiro do Museu do Marajó e que o conflito chegou ao auge quando a fama do padre-museólogo cresceu e o museu, saindo da vila de pobres pescadores artesais; se instalou na sede do município de Santa Cruz do Arari. Mas o filme não esclarece, por exemplo, o conflito histórico entre criadores de gado e pescadores existente muito antes da criação do município (1960), célebre pela violência e o ódio de classe de parte a parte com raízes no conflito étnico-histórico original e na luta entre missionários e colonos (como o romanceiro de Dalcídio Jurandir explica cabalmente). E como Giovanni Gallo, tão perspicaz e sensível para o sofrimento do povo, não percebeu logo que estava entrando nesta mesma velha história feito cego em meio a tiroteio...

Vemos o bispo Ângelo Rivatto, alvejado em "O homem que implodiu" como o pomo da discórdia, abençoando a inauguração das novas instalações do Museu do Marajó, em Cachoeira do Arari... Faz parte da lenda a crença vulgarizada de que se credita ao padre que tudo no Museu do Marajó foi intencional e deliberado por ele. Porém a necessidade e acaso da provocação do caboco Vadiquinho, de fundamental importância na decisão do pároco de inventar o museu na vila de pescadores do Jenipapo, com o pacote de “cacos de índio”; fica patente no depoimento mesmo de Giovanni Gallo.  

Na verdade, o Gallo foi instrumento valiosíssimo e insubstituível da obra coletiva que se chama, sigficativamente, "O Nosso Museu do Marajó"... E todos coincidem no fato de que a obra está inacabada: longe daquilo que o padre sonhou e deixou escrito no prefácio de "Motivos Ornamentais": que o museu é o meio para o desenvolvimento cultural do Homem Marajoara; notado, à distância, no Rio de Janeiro e saudado com entusiasmo pelo autor comunista do magnífico romance seminal "Chove nos campos de Cachoeira"... Então, Giovanni Gallo no afã de achar um meio de cumprir com a sua impossível missão no chão de Dalcídio atirou no que viu e acertou no que não viu no feudo latifundiário?

O papel discreto, mas significativo; de Maria de Belém Menezes em aproximar o romancista Dalcídio Jurandir do padre dos vaqueiros e pescadores do Arari, bem como em romper o cordão de isolamento político que se tinha imposto para o padre não ser recebido em audiência pelo governador Jader Barbalho; fica esclarecido e identificado como principal motivo da mudança do padre e do museu de Santa Cruz para Cachoeira em uma situação dramática, posto que absurda ou surrealista. 

Pode também explicar o mal-estar entre o museu e o poder, enquanto pessoa física Giovanni Gallo era cativante e estimado por gregos e troianos. Ou seja, a "coisa" não foi propriamente contra o padre estrangeiro, mas sim contra a "mania" do padre em pisar aonde ele não sabia, de não saber onde estava deveras metido? Os fatos não enganam, além do mais que o homem que implodiu sob o peso das contradições de tempo e lugar, que ele escolheu para ficar enterrado, era daltônico. Uma tentativa de conciliar a obra perturbadora e a figura carismática do criador é proclamar no discurso de elite a genialidade do padre intelectual vocacionado para ajudar a estúpidos e ingratos e sombrear o fato dele ter tomado partido de "ladrões de gado" e encarado senhores da vontade e do voto popular indiferente às consequências. O medo e a solidão que ele sentiu à beira do suicípio não se coadunam com a legenda do herói e já a mitização pelo povo como milagroso ou reincarnação de um grande cacique marajoara renascido para fundar o Museu, reveste os acontecimento com o costumeiro manto de imaginação!

Pela voz de dona Mita sabe-se da tristeza do povo de Jenipapo ao passar em Cachoeira e se dar conta da perda de seu museu. Enfim, o “Ajuntador de Cacos” merece muitos aplausos. Ele foi lançado no dia 14 último, em Belém, no Auditório do Instituto de Artes do Pará (IAP). A produtora Lux_Amazônia Filmes realizou quatro expedições ao Marajó para registro da paisagem, ambientes e gravação de depoimento dos personagens principais da história que o próprio Giovanni Gallo definiu como “ a fase mais marcante de sua vida”. O Museu do Marajó deverá receber 100 unidades do DVD do documentário, com registros fotográficos do processo de produção e coleção de 35 DVDs com todas entrevistas colhidas para o arquivo do museu, que ficarão disponíveis a pesquisadores e documentaristas.

A história do “Ajuntador de Cacos”

“Em 1973, desembarcava na exótica e isolada ilha do Marajó, no extremo norte do país, o italiano jesuíta Giovanni Gallo, uma das personalidades mais importantes da recente história paraense. Museólogo e fotógrafo, Gallo foi um visionário empenhado em preservar a paradoxal cultura marajoara, desvendada pelo olhar estrangeiro do religioso, que viveu em meio aos vaqueiros e moradores do arquipélago até a década de 1980, experiência que culminou, entre outras dezenas de obras, na criação do Museu do Marajó, dedicado a estudos sobre os povos do local, da cerâmica indígena milenar, e da biodiversidade da ilha, registrados em um importante acervo fotográfico”.


O MUSEU DO MARAJÓ nasceu de modo informal em 1972, na cidade de Santa Cruz do Arari. Em 1984, foi instalado no prédio de antiga indústria de extração de óleo vegetal em Cachoeira do Arari, onde permanece até hoje.

 
“No nosso museu, o homem marajoara é a maior fonte de informação e ao mesmo tempo, o maior beneficiado. O museu nasce da comunidade, cresce com a comunidade e volta à comunidade. Por isso aceitamos o desafio de escolher um lugar carente de infra-estruturas essenciais: assumimos o compromisso de promover estas infra-estruturas, provocando o desenvolvimento do homem através da cultura”, defendia Gallo”.

“A intensa trajetória de Gallo ao longo de mais de três décadas no Pará é o tema do documentário “O Ajuntador de Cacos”, do diretor Paulo Miranda. O filme, com lançamento agendado para o próximo dia 14 de junho, no IAP, foi realizado com incentivo do Ministério da Cultura através da Lei Rouanet, contou com o patrocínio da Eletrobrás e apoio do Museu do Marajó. O documentário de 56 minutos de duração se ocupa em registrar parte do legado de Gallo, que se empenhou em desenvolver ações culturais e também obras de infra-estrutura na região do Marajó”.
 
Ficha técnica:
Doc, 56 min, Marajó, 2010
Direção: Paulo Miranda/ Roteiro: Paulo e Rutinéa Miranda/ Pesquisa: Lino Ramos/ Direção de fotografia: Sandro Miranda/Direção de Produção: Álvaro Andrade/Produção Executiva: Rutinéa Miranda / Produção: Lux Amazônia  Filmes
 
Obra incentivada pelo MINC através da Lei Rouanet
Patrocínio da ELETROBRÁS.
Apoio do Museu do Marajó e IAP

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