sexta-feira, 10 de junho de 2011

CULTURAS DE FRONTEIRA: SEBASTIANISMO NO MARAJÓ

O Glorioso São Sebastião da Cachoeira do Arari, na trilha do êxodo rural, todos anos visita a cidade grande de Belém do Grão-Pará.

 
Há dez anos, a Irmandade do Glorioso São Sebastião de Cachoeira do Arari vai a Belém do Pará levando a imagem peregrina do santo padroeiro do Marajó a fim de visitar parentes levados pelo êxodo rural à cidade grande. Em princípio, a peregrinação se inicia na primeira semana de maio e se estende até, aproximadamente, o dia 10 de junho. Costumeiramente, a comitiva cachoeirense visita mais de 100 famílias residentes na capital do Estado, além de diversos órgãos públicos e personalidades ligadas à cultura marajoara que aguardam pelo santo para prestar homenagem em preparativo à festividade de 20 de Janeiro, em Cachoeira do Arari. É extensão da secular tradição de fazendas, retiros e comunidades de campos para coleta de óbulos de sustento de cerimônia de levantamento do mastro e festividade religiosa e profana.

A ilha do Marajó, na foz do rio Amazonas, apresenta rico folclore testemunhado por diversos autores tais como Nunes Pereira, Vicente Salles, Giovanni Gallo e, muito especialmente, o romanceiro de Dalcídio Jurandir. A cultura marajoara de origem autóctone e contribuições de matriz africana, açoriana ou ibérica realizaram uma fusão peculiar iniciada nos fins do século XVII com a catequese católica levada a efeito pelos jesuítas, mercedários e frades do Carmo num processo particular imposto pelas rigorosas condições geossociais da grande ilha do delta-estuário amazônico.

Dentre a constelação de acontecimentos figura o culto popular do santo protetor de gente e animais de criação contra as pestes, soldado romano e mártir cristão cuja imagem venerada no mundo latino medieval assimilou a lenda do rei dom Sebastião e ritos da diáspora africana a partir da área cultural da Guiné na tradição dos vóduns, hoje notável no Maranhão e Pará em casas e terreiros da Mina, além da encantaria de fonte amazônica na pajelança caboca.

No município de Cachoeira do Arari-PA, a vertente do catolicismo popular preserva o culto do Glorioso São Sebastião, tombado no patrimônio cultural imaterial do Estado do Pará e em processo de registro no patrimônio cultural nacional pelo IPHAN. Pelo décimo ano consecutivo, a imagem do santo padroeiro do Marajó faz peregrinação na capital do Estado em preparação à festividade de 20 de Janeiro em Cachoeira do Arari seguindo a centenária tradição da ilha.

No arquipélago cultural lusófono, o Brasil inteiro é uma expressão viva do messianismo sebastianista, famoso pela utopia do "Quinto Império" do mundo que teve na Amazônia colonial portuguesa seu arauto máximo na figura do Padre Antônio Vieira, pacificador dos bravos guerreiros da ilha dos "Nheengaíbas" [Marajó], em 27 de agosto de 1659, no rio dos Mapuá (Breves-PA). Até então, os índios marajoaras foram inimigos hereditários dos Tupinambás buscadores do "Araquiçaua" (lugar mítico onde o sol ata rede na saga da Terra sem Mal) aliados aos colonizadores ibéricos do Maranhão e Grão-Pará; donde um notável sítio de memória se acha localizado na margem direita (Ponta de Pedras) do histórico Rio Arari.

O grupo de foliões-devotos não tem formação permanente de seus membros com objetivo de peregrinar com a imagem do Glorioso Mártir São Sebastião pelas fazendas, retiros, vilas e cidades nos campos do Marajó. Desde 2001 vai a Belém em visitação às residências de devotos que o êxodo rural tirou da ilha para ir morar na cidade grande. Durante a peregrinação alguns órgãos públicos e privados ligados à cultura também são visitados. Calculam-se em Belém algo em torno de 3.000 devotos e cerca de uma centena de residências visitadas além de Belém, incluindo Ananindeua, Marituba, Barcarena, Castanhal e Colares. 

Resumo biográfico de alguns foliões-devotos da Irmandade:

Procópio Vieira Barbosa: 62 anos de indade, nasceu na Fazenda São José, no município de Cachoeira
do Arari; é Vaqueiro de profissão e atualmente feitor da Fazenda Tucunaré. Sempre
acompanhou as ladainhas quando folias de santo passavam nas fazendas onde morava, assim aos poucos
foi aprendendo a rezar no "latim" típico marajoara e a tocar violão e viola na cantoria sacra. Pelo fato da proprietária da Fazenda Tucunaré fazer parte da Irmandade, foi se envolvendo e substituindo foliões nas apresentações. Há quatro anos acompanha como Folião a Peregrinação de Belém, chegando a ser Capitulador, ou seja Mestre Sala; por sua liderança como feitor de fazenda.

Altair Pereira Barbosa: 39 anos de indade, nasceu na cidade de Cachoeira do Arari em tradicional
família católica, é o mais jovem dos foliões, entretanto desde a idade de 26 anos sai como folião na peregrinação nos campos e há 10 anos vem a Belém. Reza ladainha, canta folia e toca tambor, também já foi Bandeireiro, tocador de triângulo e pandereiro. Pescador de profissão, em alguns momentos já atuou como Mestre Sala – Capitulador.

Rufino de Oliveira Braga: 72 anos anos de idade, nasceu na comunidade quilombola ribeirinha de
Gurupá, rio afluente da margem esquerda do Rio Arari. Extrativista de profissão aprendeu a rezar ladainha e cantar folia, acompanhando os foliões nas peregrinações do santo na sua comunidade. Integrou a primeira comitiva que participou, em 2001, a convite do grupo folclórico Arraial do Pavulagem, projeto “ ¹/4 de
Musica"
realizado no Centur. É bandeireiro e também toca triangulo. Saiu apenas um ano em toda a peregrinação dos campos e retornou para a 10ª peregrinação em Belém. Tem característica peculiar na maneira de rezar e cantar folias e ladainhas, que é chamada "retoton": contralto que torna melodiosa a cantoria sacra.

Edmundo Amaral do Nascimento: 76 anos de idade, nasceu na fazenda Mutum, próxima a
sede do município de Cachoeira do Arari. Foi vaqueiro, hoje está aposentado e se tornou pequeno
criador na agricultura familiar rural. É o que mais peregrinou com o santo. Desde a idade de 15 anos sai aos campos (completou 61 anos de peregrinação). Em Belém esteve antes
da Peregrinação inaugural de 2001, por ocasião do aniversário do então desembargador Dr.
Enivaldo Gama Ferreira, marajoara devoto de São Sebastião e de origem modesta tendo praticado profissão de vaqueiro. Mestre Edmundo acompanhou os 10 anos de perigrinação de Belém. Toca violão, reza a tradicional ladainha em latim e canta folia em retoton.

Miguel Aires Moraes: 62 anos de idade, nasceu na comunidade ribeirinha de Tarumã, no município
de Ponta de Pedras, às margens do Rio Arari, descendente de antiga família emigrante das ilhas dos Açores chegada ao Pará na metade do século XVIII. Extrativista de profissão, sua família
sempre fez recepção ao santo pela passagem na comunidade. Teve irmão que
foi folião, o que certamente influenciou seu aprendizado. Saiu por três anos em
comissão aos campos e há cinco anos peregrina em Belém. Toca violão, reza ladainha, canta e
compõe folias, por diversas vezes foi Mestre Sala – Capitulador.

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