domingo, 11 de novembro de 2012

Universidade Federal do Marajó: pra que vos quero?




ÊXODO RURAL DE JOVENS É FATO INCONTESTÁVEL

Pelo menos, desde a década de 1950 em praticamente todas regiões do Pará, o êxodo rural é uma dura realidade diante do fracasso da inclusão social dos planos de valorização ou de desenvolvimento da Amazônia que tentaram compensar o colapso da monocultura da Borracha Todavia, a partir da abertura da estrada Transamazônica nos anos 70 a recolonização da Amazônia com intensa devastação florestal e exploração de garimpos teve início como nunca dantes.

Com isto longe de trazer benefícios às populações locais viu-se a chegada desenfreada da pauperização nordestina transferida para o norte (conforme o célebre discurso do general-presidente Garrastazu Médici: "homens sem terra para terras sem homens"). Na verdade, a Amazônia é invenção lusitana debaixo da União Ibérica (1580-1640) em aliança de armas e barões assinalados com arcos e remos da brava nação Tupinambá: esta última em busca da utopia selvagem dita a Terra sem males (lugar mítico onde não existe fome, trabalho escravo, doenças, velhice e morte) e aqueles em procura do ouro do El-Dorado e do suposto reino das Amazonas. 

Através do Caminho do Maranhão o Nordeste fez a construção territorial do Norte sobre a ruina da terra dos Tapuias conquistada até os seus confins amazônicos na fronteira com o Peru, a Colômbia, Venezuela e as Guianas. Fácil compreender a razão pela qual as grandes secas do Nordeste empurraram levas de retirantes para seringais da Amazônia da região das ilhas do Marajó até o Acre movimento que acabou invadindo a selva boliviana em busca do caucho.

Aquela sentida frase do general gaúcho, tal qual um novo Plácido de Castro diante da tragédia da seca nordestina, mas eivada de ignorância da história da Amazônia, faz apelo à requentada teoria do "espaço vazio". Jogo de palavras que encobre a realidade da brutal redução de  cerca de seis milhões de nativos habitantes da Amazônia no primeiro século de colonização portuguesa (século XVII), por guerras de extermínio e cativeiro contra etnias rebeldes à ocupação forasteira, fadigas do trabalho escravo; inúmeras epidemias de sarampo, varíola e gripe que arrazaram nações indígenas inteiras. Mas, sobretudo, a política colonial de "civilização dos índios" empreendida a mando do Marquês de Pombal através do "Diretório dos Índios" (1757-1798); quando aldeias das missões religiosas foram da noite para o dia "elevadas" em vilas e lugares de nomes portugueses, proibido falar outra língua que não o português e o "índio ladino" ou tapuio civilizado, transformado em caboco; declarado súdito do reino de Portugal por decreto imperial.

Um séculos antes, o caso dos "nheengaíbas" (povos Aruak do arquipélago do Marajó até o supracitado Diretório dos Índios) é exemplar da luta de resistência indígena contra a invasão e ocupação colonial do rio das Amazonas. A burla da falsa paz de Mapuá (Breves, 1659) pela primeira expulsão dos Jesuítas (1661) e doação da capitania da "Ilha Grande de Joanes" (1665) seguida de cativeiro dos índios, criação de gado e introdução de escravos africanos até metade do século XVIII, com a segunda expulsão da companhia de Jesus; ainda é o molde de "desenvolvimento" das regiões amazônicas, grosso modo.

Sobre este caldo de cultura colonial -- cujo trágico desfecho do engodo da adesão ao Império do Brazil foi a guerra-civil chamada Cabanagem --  teve começo a aloprada recolonização neobandeirante durante a Ditadura militar; afastando do caminho índios, quilombolas e cabocos amazônicos tidos e havidos secularmente como 'preguiçosos' e estorvo ao desenvolvimento "nacional". Esta criaturada inconveniente ao chamado progresso da humanidade foi ainda mais pressionada de que seus antepassados "nheengaíbas": expulsos do paraíso ecológico para ceder território e fabricar o famoso "espaço vazio" ou antes, esvaziado. 

ÍNDIO BOM É ÍNDIO MORTO, CABOCO BACANA É TRABALHADOR SEM CARTEIRA ASSINADA FAZENDO ESCADA DO BEM BOM AO PATRÃO DA REGIÃO.

Os donos do poder seduzidos pela doutrina ianque da conquista do oeste dos Estados Unidos, embora negando as evidências, levaram a cabo o ditado que diz "índio bom é índio morto". Séculos antes, o iluminismo colonial no estado do Grão-Pará e Maranhão padecendo de falta de mão-de-obra entrou em conflito com a escolástica missionária em disputa da alma e do trabalho dos índios mansos. O historiador João Lúcio de Azevedo demonstrou como os pobres jesuítas ardentes de zelo missionário nas colônias, depois de um século de catequização tinham se tornado uma empresa transnacional poderosa e até arrogante em certas ocasiões sobre a riqueza produzida pelos indígenas cativos. Na luta entre a missão e o estado colonial o índio protegido pela aldeia missionária ou supostamente "livre" sob tacão iluminista do diretor da vila, pagou o pato.

Esta, em rápidas pinceladas, a realidade do povo do Grão-Pará até começos da República, em fins do século XIX e primeiras décadas do século XX até a Revolução nacionalista de 1930, no bojo da qual com Getúlio Vargas viria o primeiro Plano de Valorização da Amazônia: matriz desenvolvimentista de não sei mais quantos planos, programas e projetos de felicidade das diversas regiões amazônicas, donde a Amazônia Marajoara deveria ser a joia da coroa e geme agora debaixo de um triste IDH deplorável sob todos pontos de vista. Depois de ter, há mil e tantos anos, apresentado ao mundo a obra-prima da cultura pré-colombiana do Brasil, hoje entregue à pata dos búfalos entre chuvas e esquecimento.

POR QUE CABOCO TEM VERGONHA DE SER ÍNDIO E PRETO QUE PRESTA TEM QUE TER ALMA BRANCA?

A resposta está, com certeza, no romanceiro de Dalcídio Jurandir e exposta a quem tiver olhos para ver no Museu do Marajó, este um criado em 1972 e aquele reconhecido no mesmo ano pela Academia Brasileira de Letras. Entretanto, nunca dantes neste país a Criaturada grande teve chance igual a esta para se assumir e mostrar a cara: foi preciso a esperança vencer o medo... 

Mesmo assim, não é segredo que a Criaturada grande do extremo-norte tarda em participar do banquete nacional na sesta básica da sexta maior economia do mundo. Por que será?.. Porém o Marajó com seu ínfimo IDH negreiro, já teve alegria em ver terras de marinha autorizadas e garantidas para uso da gente ribeirinha, coração do Projeto NOSSA VÁRZEA dentro do "Plano de Desenvolvimento Territorial Sustentável do Arquipélago do Marajó (PLANO MARAJÓ)" e programa Territórios da Cidadania. Por que agora, então, os cabocos estão panemas e perguntando pelos cantos e estirões o que foi que aconteceu que o tal progresso ainda não apareceu pelos sítios das 500 e tantas localidades das ilhas? Muitos senhores foram chamados ao Convidado do território federativo, todavia uns por analfabetismo funcional ou político e outros por esperteza fizeram ouvidos de mercador... 

Todo mundo quer socorrer os pobres, está claro. Mas, são poucos os que de verdade gostariam que a pobreza acabe algum dia destes, pois o estado de carência desta gente é o real motivo de dedicação profissional e saber acadêmico do blablablá. É situação paradoxal comparável ao caso da malária no mundo todo: já pensou se por acaso inventarem a vacina, quanta sinecura e parolagem em geral terá fim? Não podemos nos enganar com a pletora de ajudas que não nos ajudam de verdade, mas são lá uma indústria e tanto da bondade alvissareira para arranjar dinheiro enquanto os pobres desta terra do futuro ficam a ver navios 500 e tontos anos.

 
O mesmo caso de esperar o tal Godot da estória acontece com o "desenvolvimento sustentável". Se os 25 milhões de habitantes da Amazônia tivessem vida boa em seus lugares, como 1001 aldeias autogestionárias (pra não dizer comunidades kibutzianas), em cada estado federado amazônico; seriam infinitamente menos caóticas as metrópoles da região!

O "arco de fogo" querendo se converter em "municípios verdes", por exemplo, conheceu violência inaudita cujo cenário de queimadas, cadáveres, poucos donos realmente ricos, muitos "fazendeiros" laranja semi-analfabetos e despreparados montados no cangote de um batalhão de peões enganados desde extrações de gado humano por gatos desalmados, para fomento de migração de pobres maranhenses... Os paraenses, na verdade, tornaram-se 'avis rara' nestas paragens recolonizadas a três porradas com concurso esquizofrênico governamental, não raro. 

A massa interiorana desterrada do Pará, para dar espaço a novos colonos que vem do Sul, Sudeste e Centro Oeste desarranjados, tal qual outrora índios bárbaros na marra removidos do "espaço vazio"; vai expandir tristes periferias urbanas insalubres e alimentar o lupemproletariado já na condição de sem-tetos nas sedes municipais. Lá, onde quase sempre, uma oligarquia danada (com raras exceções) mama votos suburbanos alienados e alimenta nova pequena burguesia dos salvados pela marretagem. Seja ela através do comércio precário ou profissão de fé no outro mundo após a morte a fim de fugir do inferno em vida.

É duro ter que reconhecer realidade igual a esta, portanto um projeto inovador de universidade do Marajó só se justifica se for para enfrentar, pra valer, o inferno que era verde e ficou escuro sem futuro com as queimadas. Todavia vale a pena devolver as floradas das matas e o orgulho nativo, recuperar a consciência negra na luta pela liberdade dos velhos mocambos. A criaturada grande de Dalcídio com alma nova em marcha para libertação de todas regiões do grande Pará: uma utopia sim, mas que esperança quando tudo parecia chegar ao fim!


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