Ilha do Coati, rio Marajó-Açu, lugar encantado onde mora a cobra grande Boiúna no fundo
e passa, segundo a lenda, sob a ilharga do Fim do Mundo num subterrâneo imaginário que termina debaixo da igreja matriz no altar-mor de Nossa Senhora da Conceição. A estória se repete na capela da fazenda Arari, que foi propriedade dos frades das Mercês no outro rio famoso do Marajó.
«É preciso recomeçar a viagem. Sempre. O viajante volta já.» (José Saramago)
Antes que eu me esqueça, em priscas eras, a fé desta gente era tanta que acreditava até que a imagem santa em certas noites saia de sua igreja a passeio lá na praia da Mangabeira, a duas léguas de distância da pacata vila de Ponta de Pedras. Diz-que, a senhora da Conceição sentia saudades de sua antiga capela de palhas coberta na aldeia de índios mangabeuaras pescadores, os quais deram origem ao município nos primeiros tempos como prova a Camboa dos Padres.
Conforme antigos relatos na família, o meu avô capitão Alfredo Nascimento Pereira, pai do romancista Dalcídio Jurandir, imprimiu folheto em sua gráfica artesanal ao lado da foguetaria em sua própria residência (hoje terreno de captação de água potável da empresa Cosanpa, na rua Lauro Sodré), contando a fabulosa estória para memória do lugar. Nunca achei um exemplar do folheto, aliás, encomendado pelo prefeito Wolfando Fontes da Silva, o velho Fango, conforme me contou o próprio pelo ano de 1961, quando fomos companheiros de quixotada como candidatos à prefeitura do município.
Naquele tempo santos, deuses, caruanas e orixás habitavam juntos e misturados à gente que nem na velha Grécia. Mitos e fábulas eram preceitos de grande antiguidade da literatura oral e interesse popular d'além e aquém mar da mais pura tradição de África e Portugal. Sem esquecer, certamente, o fato de que graças a nossos antepassados ameríndios a Amazônia é pátria natural do realismo mágico.
A ilinha encantada do Itaguari, a dita Coati; por exemplo... Um monumento natural ainda não declarado e que precisa ser inserida com urgência -- antes que se descaracterize mais e que se perca para sempre, entre chuvas e esquecimento -- pela Secretaria Municipal de Turismo de Ponta de Pedras no Polo Marajó, dentro da estratégia do Plano Ver-O-Peso de turismo do Estado do Pará (ancorado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento - BID e o Ministério do Turismo - MinTur), como indicativo do potencial ecoturístico das ilhas da Amazônia Marajoara.
No passado comum, o maravilhoso era apanágio dos viventes conforme nos conta José Saramago na sua Viagem a Portugal, no roteiro literário de Almeida Garrett. Foi por conta desta estupenda "viagem" de Saramago que me aventurei, audaciosamente, a escrever meu primeiro ensaio Novíssima Viagem Filosófica (na "Revista Iberiana": Secult, Belém, 1999; com apoio da empresa pública Companhia Paraense de Turismo - PARATUR). Novíssima viagem, disse eu, porque esta última se faz no roteiro do naturalista da Viagem Philosophica (1783-1792), o célebre sábio da Universidade de Coimbra, Alexandre Rodrigues Ferreira.
Ora, embora os devotos do Búfalo tremeterra juntos com metade da população da mesorregião do Marajó (200 mil almas, aproximadamente) analfabeta de pai e mãe ignorem; até as pedras da extinta aldeia de Joanes sabem que Alexandre Rodrigues Ferreira deu o primeiro passo de sua monumental viagem amazônica pela ilha do Marajó.
Precisamente, na vila de Monforte (Joanes), aldeia sacaca que veio a ser município de Salvaterra... Mas, originalmente, Monforte e Salvaterra são vilas antigas em Portugal... Assim, também, Chaves, Melgaço, Portel, Oeiras, Curralinho e Soure metidas a muque a bordo do Diretório dos Índios (1757-1798). Pouca gente do Marajó sabe mas Marajó, justamente, quer ser polo turístico. O turismo inteligente pode, com certeza, fazer o milagre de tirar a Criaturada grande de Dalcídio da rabeira da lista dos piores IDH's do Brasil... Portanto, a gente quer inventar a pajelança do Dia de Alfredo...
Alfredo nasceu das entranhas memoriais do chalé de Chove nos campos de Cachoeira. Mas, ele só saiu do papel e do caroço mágico de tucumã (Astrocarium vulgare) pela pena de Dalcídio seguido de Marinatambalo ("Marajó"), na pobre vila de Salvaterra, num parto laborioso do qual o autor dá notícia no célebre artigo Tragédia e Comédia de um Escritor Novo do Norte.
Pois bem, Salvaterra é lugar de memória da inicial viagem do sábio de Coimbra ao Marajó terminada ela em Cachoeira do Arari, conforme ficou registrada na separata (primeiro capítulo da Viagem Filosófica) com título de Notícia Histórica da Ilha Grande de Joanes ou Marajó (publicada em Lisboa em 1783). Se o "Chove" é estória romanceada de Cachoeira, o outro romance parido da estada de Salvaterra; o "Marajó" é Ponta de Pedras com Missunga e outras gentes saindo do rio Paricatuba, Marajó-Açu acima até confundir suas águas lá pelas alturas do lago Arari, com o cantador Ramiro e suas chulas insolentes até se acabar devorado pelas piranhas.
Ah, mas isto, então, de crítica social e metafóricas piranhas que comem gente não é bonito para entreter turistas e ganhar dinheiro com eles... Depende do turismo que se quer fazer. Se for, por exemplo, turismo literário direi: olhem o exemplo do Bloom's Day na Irlanda e, enfim, a festa literária de Paraty (Rio de Janeiro)... Só pelo fato do romance "Marajó", antes "Marinatambalo"; ter tirado suas primeiras páginas da paisagem cultural de Ponta de Pedras já justificaria o marquetingue turístico, que diz: bem-vindos a Ponta de Pedras - o Marajó começa aqui. E já se justificaria produto de turismo literário local, acrescido do fato do maior escritor marajoara ter deixado seu umbigo enterrado na beira do igarapé, na varja do Campinho, aos fundos da barraca de seu tio, zelador da igreja, Manoel Ramos.
Porém, a vila de Ponta de Pedras ou Itaguari disfarçada de Muaná ainda comparece em Passagem dos Inocentes e o Campinho agora passa como Areinha com seus pés de cajueiro, casas humildes e a beira da mata que se afasta da última rua e adentra na paisagem e na memória de seu romancista famoso. E tem mais, em Ponta de Pedras ou mais precisamente rio principal que banha este município o Marajó grande (Açu) começa pela história, esquecida ou pouco estudada, do conflito étnico que em tempos antes da ocupação portuguesa opôs os Aruãs, pela margem esquerda do Pará, aos Tupinambás, pela margem direita. E assim o Itaguari (traduzido em "ponta de pedras" para o português) foi a fronteira deste formidável duelo entre povos originais do Pará. O rio grande do Marajó ("malvado") -- Marajó-Açu --, foi a barreira humana da resistência marajoara à invasão dos guerreiros Tupinambás. E assim, definitivamente, o Marajó começou, sim, no velho Itaguari do tempo dos índios. Mas é preciso pesquisar e estudar para fazer um turismo inteligente, realmente estratégico além da tola propagando do Búfalo e do carimbó da vovó e nada mais.
Curiosamente, esta coincidência entre notícia histórica e romance antropossocial parece ter antecedentes no relato biogeográfico de grande interesse para o povo marajoara, chamado "Notícia da Ilha Grande de Joanes", de autor anônimo, datada de 1754, constante da obra O Novo Éden, de Nelson Papavero et al. edição do Museu Paraense Emilio Goeldi. Nesta, há fortes indícios de que a autoria da primeira notícia seja trabalho do guia de viagem de Alexandre Ferreira, o inspetor da ilha e fundador da freguesia de Nossa Senhora da Conceição da Cachoeira do rio Arary, Florentino da Silveira Frade.
Entretanto, obras raras ou livro em mal de recepção e escassa distribuição, mais o alastrado analfabetismo da população, malmente se remedia mediante conversas de compadres onde um ou outro "retórico" (diletante), por ouvir dizer, dá o recado na velha base de que quem conta um conto inventa um ponto...
POR FAVOR VAMOS CUIDAR DA ILINHA DO ITAGUARI
Por que -- mais uma vez --, a gente vem falar aqui de coisas velhas do tempo da vela de miriti? Se o povo quer progresso e modernidade e, para tanto, as autoridades prometem fazer acontecer a indústria sem chaminés mais conhecida pelo apelido pomposo de Turismo... Aí a porca torce o rabo. Para uns o tal Turismo seria muito som e badalação de espantar curupira para os centros onde se esconde o Bicho Folharal, o qual só aparece, agora, no carnaval. E olhe lá...
Estes uns ouviram o galo cantar, mas não sabem onde; para eles o que interessa é encher cidade de gente de fora. Quando acaba, o moradores em maior parte ficam injuriados com esse tal de Turismo do bafafá... Barulheira infernal, desenfreio da moçada, uma droga afinal de contas.
Em vez de gerar a prometida renda e empregos local o carnaval fora de época vai-se embora sem dizer adeus, noves fora alguma gravidez indesejada no agito da moçada na hora da balada, a desagregação da família sacrificada à loucura do progresso. Mas será mesmo, que o Turismo seria assim? Ou pelo menos só isto?
Claro que não. Em primeiro lugar, o melhor lugar para o turista inteligente é onde a gente do lugar vive feliz. Portanto, é preciso hospitalidade com respeito e dignidade local. O Dia de Alfredo pensa nessa proposta. Quase há dois anos mandamos, através do blogue da Academia do Peixe Frito (vide abaixo), sugestão com apoio do poeta Antônio Juraci Siqueira e de Marli Braga Dias, marajoara da gema; para tombamento da ilha do Coati no patrimônio natural de Ponta de Pedras. Nenhuma resposta... Um simples piteco, para remover a placa desproporcional com a intenção ecológica da ilhota mexeu com pessoa encarregada de administrar o turismo municipal, que não gostou que seu perfil no Facebook fosse marcado sobre o assunto.
Quer dizer: como é que um cidadão, como este caboco com tempo de serviço prestado a sua terra e até tendo tido merecendência de ser lembrado pela associação de prefeitos do Marajó - AMAM; com o já polêmico "Mérito Marajoara" poderá ser voluntário na causa do desenvolvimento sustentável da gente marajoara que, há 20 anos, é bandeira do Grupo em Defesa do Marajó (GDM), o qual ajudei a criar com Camilo Vianna e outros camaradas, na Pro-Reitoria de Extensão da UFPA, a 20/12/1994?
Adversários de governos municipal, estadual ou federal; antes de oferecer qualquer crítica construtiva ou ideia participativa para melhorar a vida da Criaturada grande, começam a disparar torpedos sem aviso prévio. Aliados aos respectivos não conseguem emitir opinião contrária a seus correligionários. Assim a "comunicação" nada comunica... Torna-se enfadonha disparada de maniqueísmo.
Somos, honestamente falando, tal qual lote de porco espinho. Pisamos em ovos quando se trata de falar dos nossos e soltamos os cachorros, quando é caso de "falar mal" dos "inimigos". Inimigos ocasionais que vão passando a amigos, conforme a dança das cadeiras. Diga-se de passagem... A vítima principal do tiroteio verbal, já foi dito antes, é a verdade quase sempre...
E com esta falência de sinceridade generalizada perde o povo que mais precisa. Sei que é utopia, eu sou chegado a utopias desde pequeno; mas o turismo podia ser espaço sob bandeira branca onde gregos e troianos poderiam dialogar e até mesmo cooperar sem rendição das respectivas convicções e compromissos.
Diálogo não é conchavo. Aqui, certamente, uma atitude revolucionária em tempos de pescadores de águas turvas.
25/05/2012 - http://academiaveropeso.
PATRIMÔNIO NATURAL MUNICIPAL DO RIO MARAJÓ-AÇU (proposição aos legisladores do município de Ponta de Pedras).
Aos Conterrâneos pontapedrenses:
Data venia, o poeta e filósofo ribeirinho Juraci "O Boto" Siqueira;
especialista profundo do mundo das águas,
me ajude neste extravagante pleito ao Senhor Prefeito
e aos Senhores Vereadores Municipais da antiga Vila de Itaguari;
no sentido de declarar a ilha jitinha do Coati chamada
morada da cobra grande Boiúna
porto e estaleiro imaginário do Navio Encantado,
titulo de Patrimônio Natural Municipal do rio Marajó-Açu.
Esta ilha jitinha esconde o mistério do Fim do Mundo
onde por acaso o Marajó começa rico e cheio de garças
que lhe fica fronteira à margem esquerda do rio
na orla da cidade e na terceira margem da paisagem.
Marinheiro de primeira viagem e visitante estrangeiro
não imagina que a ínsula pequenina
fazendo parte do arquipélago do Itaguari
(arquipélago esse, na verdade, parte da "ilha" do Marajó)
guarda tão grande tesouro da nossa antiguidade.
Em certas noites de lua quando o relógio da Matriz
bate as doze badaladas da meia-noite a ilha desatraca
enquanto a cidade dorme o sono da pedra
da primeira noite do mundo
evai a cobra-ilha em riba da maré descendo para a boca do rio
lá fora na correnteza do Amazonas aparece o navio
vai para alto mar todo iluminado com música a bordo
mais de um canoeiro viu
e mesmo na Mangabeira pescador indo pescar
pode jurar que o caso é real.
Outra vez um mariscador panema morto de sono
encostou a montaria na ilharga da ilha Coati
pra esperar a maré,
o pobre diabo adormeceu em riba do banco
e quando deu por si já ia a reboque no além mar
quando acaba o galo cantou lá em terra
o dia amanhecia por riba do Fim do Mundo
o caboco se acordou e achou tudo no lugar de costume
a ilhinha ingênua, remo, matapi, remo e canoa amarrada...
Oh, as mil e uma noites do Fim do Mundo!
Passado e futuro caminham pelas ruas
de mãos dadas inventando estórias deste rio.
Não deixem, meus senhores e minhas senhoras,
se perder a memória do lugar.
Zé Varela
2 comentários:
- Muito bem! Nota máxima para os dois!
Saudações marajoaras!!!
nosso preito nu e cru,
é ver a Ilha do Coati,
morada da boioçu,
Patrimônio Natural
e também Municipal
do rio Marajó-Açu.
Antonio Juraci Siqueira
poeta marajoara