quinta-feira, 21 de julho de 2016

O ECOMUSEU DO CABOCO MARAJOARA GIOVANNI GALLO


Giovanni Gallo (Turim, 1927 -- Belém do Pará, 2003), criador do MUSEU DO MARAJÓ e autor de "Marajó, a ditadura da água", "Motivos Ornamentais da Cerâmica Marajoara" e da autobiografia "O homem que implodiu".



A INVENÇÃO DO ECOMUSEU: O CASO DO ÉCOMUSÉE DU CREUSOT MONTCEAU-LES-MINES E A PRÁTICA DA MUSEOLOGIA EXPERIMENTAL
Bruno Brulon1 
1Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
A descolonização dos museus, à qual se referiram alguns museólogos que pretendiam fazer uma museologia de vanguarda nos anos 1960 e 1970, diz respeito a um conjunto de conceitos que tinham por objetivo revolucionar a prática museológica do final do século XX. A ideia do "ecomuseu", como o protótipo para uma prática museológica experimental, é "inventada" no bojo dessa transformação. A partir da análise histórica do Écomusée du Creusot Montceau-les-Mines, criado na França, na região da Borgonha, em 1974, este artigo investiga o processo de mudança da "gramática axiológica" local, engendrado pela gramática museal, bem como traça uma reflexão mais ampla sobre a própria mudança de valores atravessada pela museologia internacional a partir do conceito do "ecomuseu" e do movimento da nova museologia. [ver Mais > http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-93132015000200267 ]



ENTRE CHUVAS E ESQUECIMENTO, O NOSSO ECOMUSEU NASCEU POR NECESSIDADE E ACASO NO LAGO ARARI ONDE ANTIGAMENTE FLORESCEU A CIVILIZAÇÃO MARAJOARA.


Pena que o caboco Vadiquinho, quando foi cutucar o padre Gallo com um pacote de "cacos de índio" (fragmentos de cerâmica encontrados dos restos de saque de sítios arqueológicos), feito presente de grego, não soubesse nadinha de arqueologia nem da história do Pará colonial: "... um amigo meu, o Vadiquinho, largou um embrulho em cima da minha mesa, com um sorriso um tanto provocador.
    -- aqui estão uns negócios que não prestam, como o senhor gosta. (Giovanni Gallo, "Motivos Ornamentais da Cerâmica Marajoara" / "Aproveitando as coisas que não prestam": 3ª ed. Edições O Museu do Marajó, Cachoeira do Arari, 2005).

Pena que "O homem que implodiu" não tivesse lido Dalcídio Jurandir e que não se tivesse dado conta de que, no mesmo ano de 1972, em que o "índio sutil" saudado por Jorge Amado na Academia Brasileira de Letras, recebia o Prêmio Machado de Assis, no Rio de Janeiro; em Santa Cruz do Arari estava implantando, com os ditos "cacos de índio" por acaso, embrião do futuro renascimento da cultura marajoara: O Nosso Museu do Marajó.

Pena que, em 1977, em visita à fazenda Montenegro, em Chaves, Jorge Amado não tivesse conseguido ir à terra natal de seu camarada Dalcídio e que também não tivesse oportunidade de conhecer o padre Giovanni Gallo com seu "sui generis" museu caboco (cf. Rodolfo A. Steiner, "A Ilha do Marajó na visita de Jorge Amado", edição do autor: Belém do Pará, 2004).

Pena que nem Dalcídio e nem o Gallo, àquela altura, não se encontravam a par da "descolonização" dos museus lançada na França pós-1968. Se o padre dos pescadores arariuaras soubesse da ideia inovadora de Revière e Verine, não iria ele logo ver que o lago Arari, inteiro, configura naturalmente um peculiar ecomuseu? Dalcídio, em seu auto exílio carioca, não iria compreender então que o Marajó todinho -- uma ilha-museu -- poderia ter sua Criaturada grandemente favorecida pela ideia de vanguarda da museulogia ecocultural, mais a cartografia socioambiental; que lhe é inerente? Assim, com uma Educação ribeirinha intensiva seriam preparadas as comunidades de seus dezesseis municípios a reivindicar o repatriamento do seu patrimônio cerâmico levado de seus tesos (sítios arqueológicos) para fora, sem bilhete e sem adeus.

A Criaturada grande de Dalcídio carece, em primeiro lugar se alfabetizar com as lições de Paulo Freire. Em seguida, alfabetizada como merece, esta gente saberia cobrar do Estado-Nação (Governo Federal, Governo Estadual e Municípios do Marajó) a enorme dívida histórica de origem colonial desde a doação indevida da Ilha dos Nheengaídas para criação da Capitania hereditária da Ilha Grande de Joanes (1665-1757), sucedida pelo Diretório dos Índios (1757-1798).

Esta gente despossuída de sua Civilização ancestral (cf. Denise Shaan, "Cultura Marajoara": ed. SENAC, São Paulo, 2010) foi, miseravelmente, no passado longínquo vítima ingênua da animosidade de seus próprios antepassados vivendo estes em guerra uns com os outros, seguida da invasão antropofágica da nação Tupinambá vinda através do Nordeste brasileiro em busca da mítica Terra sem Mal, pouco antes da chegada de Colombo (1492) no Caribe e de Pinzón (1500) na foz do grande rio Santa Maria de La Mar Dulce (Amazonas).

Ainda Cabral não havia "descoberto" o Brasil e já o espanhol Vicente Pinzón havia arrancado da ilha dita Marinatambalo (Marajó) 36 índios (provavelmente aruãs) como "negros da terra" (escravos indígenas). O nosso Marajó velho, depois de inventar a primeira ecocivilização das terras baixas da América tropical (ano 400 era cristã), saía mal da pré-história amazônica e entrava pior ainda na história das Índias Ocidentais (1492).

Mas, já é tempo de revogar a doutrina de Sepúlveda, que excluiu os negros e os índios da família humana. O índio extraído do mato pelas "tropas de resgate" (caçadores de escravos), removido à força nos Descimentos e catequizado compulsoriamente nas aldeias das missões religiosas, foi "extinto" por decreto no Diretório dos Índios. Esse índio "zumbi", desalmado, lesado e roubado de sua própria história e do território ancestral, foi transformado por seus donos na figura enigmática e sonsa do "caboclo". 

Devolver a terra roubada e a memória desse caboco lesado é o sonho libertário do "índio sutil", ganhador do Prêmio Machado de Assis (1972): Maria de Belém Menezes, filha do criador original da Academia do Peixe Frito, o poeta afrodescendente Bruno de Menezes, e fiel correspondente do romancista afrodescendente Dalcídio, viu logo que Giovanni Gallo, como um valente campeador, estava a dar concretude à literatura dalcidiana.


foto acervo Giovanni Gallo

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