sábado, 12 de março de 2011

VOLTA DE PATRIMÔNIO CULTURAL A SEU LUGAR DE ORIGEM

Segundo "Folha de São Paulo" on line, edição de ontem (11/03): "O Museu de História Natural de Londres vai retornar um lote de 138 peças arqueológicas que pertencem originalmente à Austrália, no século 19. Há crânios, em sua maioria, além de ossos de maxilares e até uma múmia.
As negociações para devolução dos restos se desenrolaram por um ano e meio entre o museu, os habitantes das ilhas de Torres Strait --de onde os restos foram retirados-- e o governo australiano.
As Torres Strait são um aglomerado de 274 ilhas pequenas que se espalham por cerca de 48 mil quilômetros quadrados, onde vivem apenas 6.000 pessoas. Elas se situam entre a costa da Austrália e da Papua-Nova Guiné.
A maioria das peças veio de uma caverna da ilha de Pulu, considerada um lugar sagrado. A outra parte passou de mão a mão, de tripulantes a naturalistas, que trocaram os achados arqueológicos por facas de metal, machados, tabaco e roupas em 1884.
A múmia, a única de cinco cuja existência é conhecida, foi dada no mesmo ano a John Douglas, que governou as ilhas Torres Strait e, posteriormente, a entregou para o museu."

Ao contrário dos habitantes do arquipélago de Torres Strait (Austrália), mais de 400 mil cidadãos brasileiros do arquipélago do Marajó (Amazônia-PA, Brasil) não têm idéia sobre a possibilidade de recuperar coleções arqueológicas que, em condições análogas ao caso australiano, foram parar em diversos museus nos Estados Unidos, Inglaterra, França e Suécia. Muito embora se possa saber agora que a editora do SENAC publicou, ano passado, o excelente trabalho de divulgação científica e cultural elaborado pela arqueóloga Denise Schaan, sob título "Cultura Marajoara" e que esta obra foi remetida por cortesia do Museu do Marajó - http://www.museudomarajo.com.br - ao Museu do Quai de Branly (Paris) - http://www.quaibranly.fr/  -, onde coleção marajoara se encontra, depois de ser transferida do Louvre onde estava conforme Denise Schaan informou.

Sabe-se informamente, por exemplo, que o grande museu francês de arte primeva aceitaria intercâmbio com o Estado do Pará visando colaborar com o Museu do Marajó. Todavia, a história deste ecomuseu marajoara, a completar 40 anos de fundação em 2012, é uma odisséia que o mundo acadêmico e político recusa assumir suas responsabilidades. Como aliás toda iniciativa que vem da comunidade é menosprezada e estigmatizada por um complexo de inferioridade congênita; a míngua de interesse oficial permite que a própria comunidade a qual o "Nosso Museu" foi destinado se digladie entre facções, numa luta inglória para se auto proclamar "herdeiros" do padre "renegado", Giovanni Gallo.

Foto: Nigel Smith
inocência e pobreza na ilha do Marajó pela lente de Nigel Smith (geógrafo da Universidade do Estado da Flórida / Estados Unidos)

Desta maneira, os mais museus nacionais e estrangeiros depositários do antigo patrimônio marajoara ainda que eventualmente quisessem cooperar com a UNESCO, agora que a Área de Proteção Ambiental do Arquipélago do Marajó está prestes a ser reconhecida como Reserva da Biosfera - ver http://portal.unesco.org/science/es/ev.php-URL_ID=4801&URL_DO=DO_TOPIC&URL_SECTION=201.html#topPage -, não encontram interlocutor local que, sob a responsabilidade nacional do Ministério da Cultura (MinC) pudesse fixar horizonte factível para devolução do patrimônio arqueológico da ilha do Marajó, conforme a tendência internacional em andamento.

Está claro que há quatro décadas, por necessidade e acaso, nasceu à margem oeste do lago Arari - berço ancestral da primeira cultura complexa da Amazônia - o primeiro ecomuseu da Amazônia Marajoara,  literalmente a partir de "cacos de índio" (cf. Giovanni Gallo, "Motivos Ornamentais da Cerâmica Marajoara" prefácio de Denise Schaan). Durante todo este tempo autoridades brasileiras e pesquisadores internacionais, com rara exceção; não viram que "o museu do Gallo" é elo de ligação entre a presente população pobre e desmoriada e seus antepassados nativos. Aquilo que o intuitivo organizador do museu classificou de "remanescentes" das antigas populações indígenas.


O dia-a-dia dos pescadores da Vila de Jenipapo, em Santa Cruz do Arari (Fotos: Giovanni Gallo)



A elite acadêmica pouco explora esta mína e os representantes políticos nem sempre informados como deveria ser "não tem tempo" para ler romances e ensaios tocantes ao que se convencionou "cultura marajoaro" por, na verdade, não se saber bem do que se trata. Mas, o "homem que implodiu" diante da incompreensão de seus próprios confrades e contemporâneos deixou bem escrito um testamento onde se lê que a doação de sua vida e haveres naquela obra nunca teve intento pessoal nem privado. O que ele desejava de fato, a partir daquela iniciativa comunitária de Santa Cruz do Arari, era despertar a consciência da coletividade para urgente necessidade de um "plano de desenvolvimento cultural" capaz de mobilizar energias na superação da pobreza e apartação do Povo Marajoara.


pescando nos campos do senhor fazendeiro

A pesca nos campos do Marajó

Mas, os formuladores do "Plano de Desenvolvimento Territorial Sustentável do Arquipélago do Marajó  - PLANO MARAJÓ", feito cegos guiando cegos; não tiveram tempo a perder nem boa vontade para ler o Gallo (quanto mais o "difícil" Dalcídio Jurandir). Por um viés estreito predominou o "assembleísmo" e consultas populares onde todo mundo quer falar para dizer sempre as mesmas coisas: quando quem diz não sabe e quem sabe não diz... E assim passam-se os dias, crescem as demandas sociais e aquela cultura de antes com sua vocação autogestionária e inventiva vai ficando mais pobre e dependente de caridades pública ou privada.

Quem está por fora, há de se perguntar: para que servem uns vasos de mil anos em mãos de gente carente e analfabeta. Um explorador, como o arrozeiro expulso da terra indígena de Roraima para nova aventura nos campos de Cachoeira do Arari, por exemplo; diria que os pobres querem emprego não importa como e que eles não comem ecologia e cultura... Erro estúpido! Se não fosse a cultura da brava gente marajoara o meio ambiente já teria levado a breca ainda mais... O exemplo da extração de madeira em Breves merecia ser lembrada em museu. A Costa Rica talvez fosse a melhor referência em matéria de desenvolvimento sustentável para a região do Marajó com o ecoturismo de base na comunidade...

Mas, quem há de retomar a demanda popular que levou ao PLANO MARAJÓ? É preciso dizer, a Reserva da Biosfera do Marajó deve ser o cérebro do "desenvolvimento territorial sustentável" e a revitalização do Museu do Marajó, com a reconstrução da Casa-Museu de Dalcídio Jurandir; a alavanca para mobilizar a sociedade civil como parceira estratégica do Plano nos moldes talvez da Fundação Cultural Palmares - http://www.palmares.gov.br/  -.  Cultura como identidade, mas também como política pública para inclusão social e desenvolvimento humano, sobretudo, como instrumento ecológico-econômico para um novo mundo.

Uma das últimas vontades de Giovanni Gallo foi transformar a associação comunitária em uma fundação (está lá na introdução dos "Motivos Ornamentais"). Por que não? Nós somos cabocos, descendentes de brancaranas, pretos e índios. Nossos antepassados só queriam fazer parte da Nação brasileira (mas, para entender a velha pulsão geocultural das Antilhas pelo Continente, carece estudar antropologia cultural do circum Caribe, mas ainda não passamos do abc destas ilhas filhas da Pororoca). 


O MUSEU DO MARAJÓ nasceu de modo informal em 1972, na cidade de Santa Cruz do Arari. Em 1984, foi instalado no prédio de antiga indústria de extração de óleo vegetal em Cachoeira do Arari, onde permanece até hoje.
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