sexta-feira, 11 de novembro de 2011

JOGOS INDÍGENAS NO MARAJÓ: A UTOPIA SE CONCRETIZA UM DIA NA ANTIGA TERRA TAPUIA

Sabem por que Jorge Amado chamou de "índio sutil" a Dalcídio Jurandir? Primeiro, que o nome civil do autor de "Chove nos campos de Cachoeira" é Dalcidio José Ramos Pereira e ele próprio adotou nome de "Jurandir" (Jurandi, "aquele que veio com a luz do céu", o relâmpago). Depois, que o laureado romancista da Amazônia encarna o Marajó profundo: ponha lá mais de mil anos da primeira ecocivilização das terras baixas da América tropical somada a importantes contribuições negro-africanas, açorianas e, por último, galego-portuguesas de que nosso doutor Honoris Causa Vicente Salles ensina com maestria. Sem esquecer a presença incontornável do Nordeste brasileiro a partir das primeiras migrações Tupinambá com choque cultural disto decorrente até o êxodo das grandes secas desde fins do século XIX.

Sem excluír o caminho do Maranhão ao Grão-Pará passando pelo Caeté [Bragança-PA], o rio dos Tocantins foi a grande via do sertão para o Alto Amazonas (Peru), donde o arquipélago do Marajó, obviamente, tornou-se campo de guerra antropofágica. Se ao sul reinava o Pindorama ao norte era a Tapuya tetama [terra dos Tapuias], transformada em Amazônia, quem daria as cartas.

Esta semana, em Porto Nacional (Tocantins) trancorrem os XI Jogos dos Povos Indígenas (JPI). Um evento de esportes no calendário brasileiro, cada vez mais importante, e que extrapola ao campo da competição esportiva para se tornar numa celebração e confraternição entre todas etnias da brasilidade.

Porto Nacional, no Tocantins, poderá ficar na história como o lugar em que se tomaram a decisão dos JPI se tornarem internacionais, provavelmente pan-amazônicos sobretudo. E queira, então, o grande Espírito dos povos originais que venha ser o Marajó do dito "índio sutil" a próxima parada dos JPI na sua primeira versão internacional.

Bela coincidência da ilha-mãe da civilização amazônica (cf. Antropologia / Denise Schaan) onde o Araquiçaua [Arakyxaua, lugar onde o sol ata sua rede] atraiu e seduziu os caraíbas Tupinambá na saga da Terra sem mal [ver Florestan Fernandes, Darcy Ribeiro e outros], em guerra com os Tapuias no Maranhão (lembrar Tapuitapera [tapera tapuia, ruina tapuia], hoje Alcântara-MA, centro brasileiro de lançamento de foguetes). No além fronteira do Oiapoque, o centro espacial europeu, em Kuru (Guiana francesa) parece avivar a memória do Contestado do Amapá que, pouco a pouco, transforma a fronteira que antes separava agora na ponte que aproxima...

Pois não foram aqueles bravos Tupinambás de outrora que -- na justa e perfeita ambição de toda humanidade um paraíso mágico onde não há fome, trabalho escravo, doenças, velhice e morte -- convidaram corsários franceses a se instalar no Maranhão?

E não foram eles em embaixada à corte de Paris, onde seus antepassados da Guanabara foram antes, em Ruão, segundo Montaigne, levar a sugestão da revolução francesa? Pois o confronto tupinambá-tapuia, como se sabe, pariu a "France Équinoxialle", com a fundação de São Luís do Maranhão a completar 400 anos em 2012. Ou seja, a invenção da Amazônia.

O "nheengaíba" [falante da "língua ruim"] foi o marajoara guerreiro que encarou a avançada Tupinambá. A falta de interesse acadêmico (apesar da monumental historiografia jesuítica a partir de Luiz Figueira, massacrado em Marajó em 1745) empalidece a resistência marajoara na História do Brasil e esconde ainda as raízes do circum Caribe no norte do Brasil apenas revelado nos rítmos e na música popular paraense. Eis que pelo casamento da necessidade com o acaso, mais uma vez, como o povo fala Deus escreve certo por linhas tortas...

Os incipientes Jogos dos Povos Indígenas (JPI) começados contra muitas incertezas e desânimos chegarão, nos 400 anos de invenção da Amazônia [fundação de São Luís-MA, 2012 - fundação de Belém-PA, 2016] em sua primeira versão internacional.

E Marajó talvez brilhe por uma celebração dentre Povos Indígenas, sem precendentes no mundo dividido em guerras e loucura. Quem sabe, há de recuperar para sempre o espírito daquelas pazes "impossíveis" de 27 de Agosto de 1659, em Mapuá [Breves]. Que colocaram fim numa guerra invisível entre as nações indígenas e europeias no Pará velho de guerra... A esperança é a última que morre: quem ouviu ao longe o som de um clarinete tocado por mestre Bibiano Rodrigues ao cair da tarde junto à praia de Mangabeira (Ponta de Pedras ) [cf. Bernardino Ferreira dos Santos Filho em "Nas margens do marajó-Açu] pode crer que ainda chegará o dia em que as flautas sagradas vindas do Rio Negro e as clarinetas do Toré vindas do Oiapoque poderão ecoar sobre a baía do Marajó, nosso grande mar de água doce, desde a dita praia que foi no passado aldeia dos "nheengaíbas". Como no igarapé morto do Vilar (antiga aldeia dos "Guaianases" referidos pelo Padre Antônio Vieira como uma das sete nações que celebraram a pax de Mapuá).

Aquelas pazes lesadas pela ambição colonial e a cegueira que o payaçu dos índios denunciou no "Sermão aos Peixes" em S. Luís-MA, 1654, sobre os cativeiros indígenas (lei de 1655 e fonte de conflito dos colonos com os padres). Tem uma chance de ser celebrada, de maneira inesperada, pelos 12º JPI e primeiro internacional no solo simbólico marajoara.


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Amazônia Marajoara paisagem cultural do Brasil

"Os primeiros cacicados amazônicos surgem na ilha de Marajó, onde técnicas
de manejo de rios e lagos – com a construção de barragens e escavação de
viveiros de peixes – buscavam maximizar a pesca em áreas onde inundações
periódicas transformavam os campos em locais extremamente propícios para
a piracema (...) produzindo uma das mais sofisticadas tradições ceramistas das
Américas".
[cf. Denise Schaan ]

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