sábado, 24 de janeiro de 2015

zenBubuia


"Sob a chuva" fotografia de Bob Menezes.



Por que sempre estamos todos pobres de espírito e ao mesmo tempo de saco cheio.


Vós que vos sentis fatigados no caminho da vida para a morte
descansai vossos fardos, medos e angústias sob a sombra
de uma velha árvore plantada pela mão do vento passageiro
na beira do rio do tempo no qual ninguém mergulha
duas vezes... 
E, no entanto, a correnteza nunca cessa de fluir.

Despidos de intenção contemplai serenamente ao pôr do sol
numa bela lagoa de água boa a lendária Victoria amazonica
tal qual flor de lótus a flutuar na negra superfície aquática: 
e tereis captado o espírito da Natureza, mãe de todas as mães.

Via essencial de beleza natural em estado puro vital
então vos comuniqueis a ela como a uma antiga deusa: 
alma de vossa alma iluminada e inteligência coletiva,
comungai em íntima dialética com vosso ser antes de nascer
sem necessidade de proferir palavra nem pensamento
tal qual quando estivestes em formação no ventre materno
apenas religados sutilmente por sentimento secreto placentário
no eterno retorno ao regaço do tempo do sonho
e encantamento onde coabitam todos os viventes para sempre.

Ó vós que vos inquietais do futuro obscuro
e não compreendeis jamais o senhor morto do passado
que vos desanima o presente sempre em vias de vir a ser. 
Acalmai vossa mente pela compreensão da simples razão
de uma semente que se reproduz e se renova simultaneamente
à brevidade duma flor singela:
renovai vosso coração pela compaixão aos seres mais simples
deste mundo 
e caminhai sempre livre nesta vida passageira 
como a flor duma quimera na primavera. 


zenBubuia

No princípio do caminho dos astros no céu profundo não havia espaço nem nadinha: logo, não tinha tempo nem fio de pensamento pra fiar a teia das palavras. 

A teoria cósmica flutuava em riba da tipacoema do rio que ainda não havia...

Ou seja, não existia começo e muito menos fim: era paresque como se a natureza da Natureza porvir dormisse profundamente num oceano de sonho embalado pela viola quântica de onze cordas...

Masporém todas gentes, os bichos, plantas e galáxias do infinito estelar e os encantados da imaginação criadora já estavam ali, em potência, embolados no nada do Nada no aleph prestes a explodir e vir a lume para implodir no ômega cósmico, muito mais tarde a bilhões de anos-luz; não se sabe como nem porquê exatamente e nunca se haverá de saber, talvez, ainda que desvendada seja a "partícula de Zeus".

Antes da gente existir não havia mito, não havia deuses, anjos nem demônios; não existia céu de glórias nem inferno de culpas terrenas (purgatório é geografia mágica pré-moderna), sequer a Terra Plana havia ainda...  

Fiat lux zero, zero Big Bang e todas teorias e livros sagrados juntos ao pó da ignorância.

A utopia selvagem da Terra sem Mal jazia junto ao mito da primeira noite do mundo dentro de um caroço de tucumã escondido no fundo do rio pela cobragrande. 

Sem curiosidade e paixão do bicho-homem não haveria mitologia: logo, nada de Criação, religião, arte, história, Evolução nem ciência nenhuma.

O velho caminho que vem da China misturado à iluminação da velha Índia para o mundo faz a vez e a hora do caminhante na última fronteira da Terra. 

É dizer, sem saber o mundo fez a si mesmo por sua própria conta e natureza, masporém por necessidade e acaso o dito cujo inventou a criatura Homem que por seu turno criou mitos e lendas explicativas do enigma da vida e da morte. 

Deste modo, flutuante e natural na maré da gravitação o mundo através da humanidade filha da animalidade toma consciência da complexidade de si mesmo: rema pra frente no algoritmo duma canoa boa feita sob medida para a grande viagem sem nunca voltar a trás até o fim dos tempos.



fragmento de versão em sânscrito do Sutra do Lótus, do século V, encontrada em Hotan, província de Xinjiang, na República Popular da China.

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