sábado, 7 de março de 2015

REGISTRO DA ARTE MARAJOARA NO PATRIMÔNIO CULTURAL IMATERIAL BRASILEIRO





REMANDO PELAS MARGENS DA HISTÓRIA


 "Ainda teimam desnaufragar o navio. Ele virou fantasma, virou cobra boiuna. 
Sobre as enchentes em Marajó, o espetáculo é o mesmo. No meu romance “Marajó” 
eu falo da água invasora. O “Chove” está encharcado assim como “Três casas e um Rio”. 
Toda a minha obra flutua na enchente. Vejo o jacaré, o peixe aruanã e os defuntos que escapam do cemitério alagado. Morei numa casa em cima d’água. Até hoje oiço
os peixes e as marrecas e as chuvas enormes. O padre continua em forma. Marajó é ainda terra encantada. O gado anfíbio. O homem encharcado.
Marajó é como o navio: submerso. Soure – Soures – e Ponta de Pedras estão no teso: Cachoeira se refugia numa terrazinha firme. A parte baixa, onde morei, é  tudo enchido. Vejo no vaqueiro Aprígio as tardes de ferra, o embarque das rezes, os isguetes poeirentos com a flauta de Luiz e o saxofone do Paraense. Quando Marajó desencanta?"

(Dalcídio Jurandir / Correspondência)
 

capa do livro "Motivos Ornamentais de Cerâmica Marajoara", de Giovanni Gallo, referência para artes plásticas, arquitetura e artesanato baseados na antiga cultura marajoara de 1800 anos de idade: Arte primeva do Brasil, produzida pela primeira cultura complexa da Amazônia. Na introdução da obra o autor deixa depoimento para atuais gerações sobre a histórica criação do MUSEU DO MARAJÓ, a partir de "cacos de índio" (fragmentos de cerâmica encontrada ao deus dará) à margem do lago Arari, lugar de memória da arruinada ecocivilização amazônica. Num contexto de pobreza, exclusão social, violência rural e alienação histórica que a obra premiada de Dalcídio Jurandir, desde os anos 40, denuncia.


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REQUERIMENTO
(Do Sr. Deputado Paulo Rocha)
 
Requer o envio de Indicação ao Poder Executivo, por intermédio do Ministério da Cultura, para sugerir o registro da Arte Marajoara como patrimônio cultural imaterial brasileiro.
 
Senhor Presidente:
 
Nos termos do art. 113, inciso I e § 1º, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados, requeiro a V. Exa. seja encaminhada ao Poder Executivo a Indicação em anexo, sugerindo ao Ministério da Cultura a adoção de medidas relativas ao reconhecimento da Arte Marajoara como Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro.
 
Sala das Sessões, em   de     de   2010.
 
Deputado Paulo Rocha



INDICAÇÃO N.º , DE 2010
(Do Sr. Paulo Rocha)
  
Sugere ao Poder Executivo, por intermédio do Ministério da Cultura, o registro da Arte Marajoara como Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro.
 
 
                  Excelentíssimo Senhor Ministro de Estado da Cultura:


Considerando que a Constituição Federal de 1988 ampliou o conceito de cultura nacional, ao considerar patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza imaterial portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da nossa sociedade;
 
Considerando que o texto constitucional, no § 1º do art. 215, determina que o Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional; 
 
 Considerando que, para regulamentar o disposto na Carta Magna, o Poder Público adotou o Decreto nº 3.551, de 4 de agosto de 2000, que “Institui o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá outras providências”;
 
Considerando que a Constituição Federal de 1988 ampliou o conceito de cultura nacional, ao considerar patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza imaterial portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da nossa sociedade; 

Considerando que o texto constitucional, no § 1º do art 215, determina que o Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional;
 
Considerando que, para regulamentar o disposto na Carta Magna, o Poder Público adotou o Decreto nº 3.551, de 4 de agosto de 2000, que “Institui o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial que constituem patrimônio cultural brasileiro, cria o Programa Nacional do Patrimônio Imaterial e dá outras providências”;
 
Considerando que o Registro criado pelo referido decreto é instrumento que permite o reconhecimento oficial de determinado bem como patrimônio imaterial, instituindo o compromisso do Estado em documentar, salvaguardar e produzir conhecimento sobre esse bem;
 
Considerando, por fim, que o Decreto nº 3.551, de 2000, fixa serem as partes legítimas para provocar a instauração do processo de registro de bens culturais imateriais: o Ministro de Estado da Cultura; instituições vinculadas ao Ministério da Cultura; Secretarias de Estado, de município e do Distrito Federal; e sociedades ou associações civis; não cabendo, portanto, ao Poder Legislativo a competência de propor iniciativa nesse sentido;
  
Vimos sugerir a este Ministério a instauração do processo de registro de inclusão da Arte Marajoara como Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro. A concepção de patrimônio cultural imaterial que tem orientado a ação do Ministério da Cultura, por meio da atuação do IPHAN, tem base naquela adotada pela Unesco, que define como Patrimônio Cultural Imaterial "as práticas, representações, expressões, conhecimentos e técnicas - junto com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares culturais que lhes são associados - que as comunidades, os grupos e, em alguns casos, os indivíduos reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural." Segundo o IPHAN, “o Patrimônio Imaterial é transmitido de geração em geração e constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função de seu ambiente, de sua interação com a natureza e de sua história, gerando um sentimento de identidade e continuidade, contribuindo assim para promover o respeito à diversidade cultural e à criatividade humana".
 
A arte marajoara representa a produção artística, sobretudo em cerâmica, dos habitantes da Ilha de Marajó, no Estado do Pará. Considerada a mais antiga arte cerâmica do Brasil e uma das mais antigas das Américas, a cerâmica marajoara apresenta, geralmente, padrões decorativos com desenhos labirínticos e repetitivos, traços gráficos simétricos, em baixo ou alto relevo, além de entalhes e aplicações.
 
Há controvérsias em torno da origem da cultura marajoara. Alguns estudiosos defendem que ela se inicia com grupos em alto estágio de desenvolvimento que emigram de outras regiões da América do Sul, provavelmente da área subandina, para a Ilha de Marajó. Outros sugerem ter a cultura marajoara se originado localmente, fruto de mudanças culturais ocorridas entre as populações que habitavam anteriormente a ilha.
 
O que sabe ao certo é que os grupos responsáveis pela cerâmica marajoara da tradição policrômica concentraram-se nas regiões baixas e alagadiças ao redor do lago Arari. Em sítios arqueológicos desses locais, foram encontrados vestígios de ocupação e ampla produção cerâmica realizada por artesãos especializados. 
 
Nesse conjunto, destacam-se peças mortuárias e urnas funerárias. Altamente decoradas, essas peças rituais retratam imagens estilizadas de humanos e animais como expressão de mitos e crenças. Símbolos geométricos e padrões simétricos são os motivos decorativos mais usuais. Representações femininas são recorrentes não apenas nos potes funerários, mas também nas estatuetas, podendo aparecer figuras ancestrais ou míticas, simultaneamente com traços animais e humanos.
 
Regras definidas presidem a composição da cerâmica marajoara – qualquer que seja o formato escolhido, a decoração é sempre abundante, com variados motivos geométricos, empregados de modo regular e padronizado. 

A arte marajoara pode ser vista em instituições como o Museu Emílio Goeldi, em Belém; Museu Nacional, no Rio de Janeiro; Museu de Arqueologia e Etonologia da Universidade de São Paulo - MAE/USP, em São Paulo; além de museus fora do Brasil, como o American Museum of Natural History, em Nova York, e o Barbier - Mueller, em Genebra. 

Os traços simétricos e cores da decoração marajoara podem ser encontrados até hoje no artesanato local de Belém e da Ilha de Marajó. Diversos artesãos, sobretudo no distrito de Icoaraci, Belém, dedicam-se à preservação e renovação da cultura marajoara. 
 
Defende-se, inclusive, o que seria um estilo marajoara aplicado à arquitetura e à pintura decorativa que eclodiram em Belém, à época do ciclo da borracha, entre 1850 e 1910. Incorporações de aspectos do estilo art nouveau mesclam-se, no estilo decorativo marajoara, às representações da natureza e do homem amazônicos e aos grafismos da arte marajoara tradicional, como se vê nas peças de Theodoro Braga (1872 - 1953) e nos trabalhos do português Fernando Correia Dias (1893 - 1935). 

Sabemos que, para que determinada manifestação seja identificada como bem cultural imaterial, há que ser constatada sua relevância para a memória, a identidade e a formação da sociedade brasileira, assim como sua continuidade histórica e seu caráter de referência cultural para a comunidade que a mantém e pratica. Entendemos que a Arte Marajoara atende rigorosamente a tais requisitos.
 
A iniciativa que propomos, em consonância com essa convicção, solicita a esse Ministério o registro da Arte Marajoara como manifestação do patrimônio imaterial brasileiro, garantindo-lhe, como tal, a atenção e o cuidado do Poder Público. 

Sala das Sessões, em  de       de  2010.
Deputado PAULO ROCHA
 

 toda a história da experiência de vida de Giovanni Gallo (Turim, Itália 1927 - Belém do Pará, Brasil 2003) está em sua autobiografia "O homem que implodiu", já o livro-reportagem "Marajó, a ditadura da água" estabelece conexão direta entre o chão de Dalcídio e "cacos de índio" do incrível museu do Padre Gallo onde o premiado "índio sutil" e seu ciclo romanesco Extremo Norte, entrou sem precisar bater à porta de entrada, pois parecia estar esperando pela primeira manhã onde "cacos" (fragmentos) seriam como sementes de um novo tempo. Mas, o indispensável "Motivos Ornamentais" é o passaporte do Museu do Marajó para a incontornável arqueologia da Amazônia Marajoara, na reconstrução da identidade da Criaturada grande e, sobretudo, a ponte entre a obra ancestral dos antigos marajoaras e a fundamental pesquisa contemporânea de Denise Schaan, com novas contribuições ao conhecimento dos tesos e a herança do "homem do Pacoval" achado por acaso em 20 de novembro de 1756. A notícia deste furtivo achado, posto que tardia, ecoou na exposição universal de Chicago (1893) porém apesar de tantos esforços ainda não chegou com toda honra devida em Brasília, Capital Federal. Não porque a brava gente marajoara não tenha lutado.
 

Capa
Senac, 2009 - 399 páginas

'Cultura marajoara' trata-se de uma obra realizada com o intuito de valorizar e divulgar a cultura regional, além de mostrar a importância dos marajoaras na formação cultural do país. Escrita em linguagem de divulgação científica a edição trilíngue tem também o objetivo de promover a integração entre instituições da América Latina e América Central que estudam essa cultura.


JÁ NOS QUEIXAMOS AO BISPO: CARECE IR AGORA COM OUTROS PARENTES RECLAMAR AO PAPA?



 Em 2003, morreu o Gallo; chove em Cachoeira do Arari sobre a tumba do padre dos pescadores do lago Arari, indiferentemente, e Dalcídio Jurandir já morreu, como diz o poeta Carlos Drummond de Andrade: ele também poeta morto como todos  caciques e matriarcas que ainda restam nos campos de Cachoeira e outros municípios, em centenas de sítios arqueológicos que o IPHAN reconhece em inventário. Mas o povinho ainda, coitadinho, deveria saber também - até quando? - em suas urnas funerárias escondidas no seio da terra, no chão de Dalcídio, nos tesos largados ao pisoteio dos bichos e a ignorância dos homens entre chuvas e esquecimento.

Não se pode dizer que o IPHAN não está em campo, apesar de escassos meios humanos e financeiros. Todavia, falta um gesto político nacional capaz de despertar no povo brasileiro o interesse por esta riqueza. E motivação às autoridades do Estado do Pará e Municípios Marajoaras o justo orgulho para fomento de um turismo inteligente e indústria cultural que a gente já está cansada de reclamar.


Por isto, é louvável iniciativa de 2010, supracitada, até hoje não providenciada pelo Ministério da Cultura; de autoria do então deputado e hoje Senador Paulo Rocha, em atendimento à solicitação de membros da comunidade do Marajó que lutam em ações de extensão universitária desde os anos 80 mediante os chamados Encontros em Defesa do Marajó, concluídos no décimo encontro realizado na cidade de Ponta de Pedras, a 30/04/1995 com a assinatura da Carta do Marajó-Açu; fato que revela a estranha dificuldade da elite acadêmica brasileira em lidar com o patrimônio pré-colombiano do Brasil seja ele material ou imaterial.


 O indicativo do atual senador paraense, respaldado por justificativa necessariamente sucinta, certamente poderá ser acrescida pelos técnicos do IPHAN de, pelo menos, duas obras fundamentais para o devido entendimento da Arte Marajoara de que estamos falando: "Motivos Ornamentais da Cerâmica Marajoara" de autoria de Giovanni Gallo, criador do MUSEU DO MARAJÓ; e da obra de divulgação científica "Cultura Marajoara", elaborada pela arqueóloga brasileira Denise Schaan.

 O que falta afinal de contas? É isto que o povo de IHD ridículo, nas ilhas dos Marajós, precisa saber sem mais delongas.

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