terça-feira, 10 de março de 2015

Wallace não viu a Ilha dos Bichos: Wallace viu a evolução de bichos e gentes no golfo do Marajó.



Notícia antropoética: 
a viagem de Wallace ao Marajó.


Alfred Russel Wallace - Santarem
Alfred Russel Wallace (1823-1913), viagem pela Amazônia de 1848 a 1852




Poucos dias antes de rabiscar estas mal traçadas, eu mesmo não acharia nexo entre a Criaturada grande de Dalcídio e a passagem de Alfred Russel Wallace pela Mexiana e Contracosta da ilha do Marajó. Depois do "achado", muitos ainda poderão considerar estúrdia uma ideia como esta: aproximar o acaso da visita do naturalista "pai da biogeografia" e a aquonarrativa poética do nosso "índio sutil", autor do romance Marajó (aliás, Marinatambalo), festejado pela crítica literária como "primeiro romance sociológico brasileiro" (apud Vicente Salles) e "importante documento etnográfico e sociológico, além de ser uma narrativa de irrecusável valor literário" (Audemaro Taranto Goulart). 

Escritos em 1939, na humilde vila de pescadores de Salvaterra, então distrito de Soure, na ilha do Marajó; os dois romances mestres do ciclo Extremo Norte, de Dalcídio Jurandir, "Chove nos campos de Cachoeira" e "Marajó", são as duas faces do mesmo dalcidiano chão encharcado das águas do dilúvio equatorial, povoado pela criaturada em meio a peixes, gados do rio e dos campos, passarada e bichos do fundo encantados: na ordem cronológica de elaboração, o romance de Alfredo veio muito antes... Desde quando o jovem Dalcídio José Ramos Pereira, no cargo de secretário do interventor municipal doutor Maroja; fazia ensaio das primeiras páginas do ciclo romanesco lá por Gurupá e alfabetizava pirralhos filhos do dono de seringal no rio Baquiá (hoje na reserva de desenvolvimento sustentável Itatupã-Baquiá), nas Ilhas de dentro, divisa do Marajó o Xingu e o Baixo Amazonas.

O autor confessa que, no nascedouro, o "Chove" era um calhamaço com vã pretensão a romance, "um espetáculo"...  Mas, no retiro do escritor saído da prisão, na velha aldeia sacaca invadida antigamente pelos bravos aruãs e civilizada na marra pelo diretor dos índios do Marquês de Pombal; nada sobrou das letras embrionárias do romance de Alfredo, cuja homenagem no frontespício da primeira edição do romance definitivo contempla a mãe e o pai do autor, nesta ordem de precedência. Sutileza do índio mulato que ainda iria adotar, ao que parece, o nome emblemático Jurandir junto à publicação do primeiro livro: a fim de dar o recado competente daquela gente que não sabe escrever nem ler, só sabe sentir com o sentimento do mundo, mas nem sabe pensar direito... 

Dalcídio (nome dado pelo pai retórico) quer dizer o que? Sacrifício de morte de um tal Dal, será? Ou será talvez outro nome do nosso conhecido e utilitário paneiro indígena, cesto de tala de miriti ou jupati, o paid'égua jamaxi com que índios que nem Atlas carregam o mundo sobre as costas ou o aturá com que cabocos aturam o peso da lida: para os hindus, na Índia distante, dal é cesto de bambu com que se medem certa quantidade de cereais? Convém saber que o pai do nosso escritor tinha mania de inventar nomes inusitados aos filhos... Uma pálida lembrança do capitão Alfredo da vida real, o antigo proprietário do chalé de Cachoeira; ficou impregnada no perfil ficcional do major Alberto "psio, psio"... Que nem a senhora Margarida Ramos parece corresponder à figura de dona Amélia mulher de verdade no romance. 

Dalcídio Jurandir (Dalcídio José Ramos Pereira) trabalhou o barro do princípio do mundo-Marajó a fim de revitalizar ruínas edílicas do rio Babel pela magia do verbo resgatado no romance amazônico para restauro de palavras encantadoras como mel selvagem de jandira (donde seu pseudônimo foi adotado) para tirar o fel da triste lida de gado na dura vida da sua criaturada. É que ele, paresque, veio ao mundo trazido pela luz do relâmpago parido em riba de esteira sobre frio chão numa barraca de paredes de barro e pau a pique coberta de palha de inajá tirada da mata à ilharga da casa. Onde o tio Manuel, lá dele; costumava fazer presépio e apresentar as pastorinhas no natal do bairrozinho do Campinho, na vila de Ponta de Pedras perto do açaizal e do igarapé... 

Nada restou das primeiras letras de deambulação pelas Ilhas filhas da pororoca do Mar com o grande Amazonas. Era a chuva, os campos alagados, o chalé na baixada inundada, e Cachoeira do rio Arari que exigiam palavras próprias para expressar o parto do mundo, daquele especialmente: a voz dos bichos e da gente quase bicho, os seres encantados, que clamavam pela existência face a olhos e ouvidos humanos. Enfim, nascia ali o criador Dalcídio Jurandir que nem um demiurgo na pele de Alfredo (caso não fosse Alfredo alterego de Dalcídio José), como o desinfeliz Eutanazio poeta gorado de sonetos parnasianos dedicados à mulher idealizada, torturado pelo desprezo mortal da desejada Irene que a todos amava, menos a ele. Pobre rejeito do mundo que se matava de sífilis no prostíbulo o mais ratuíno e miserável da vila com suas pobrezas, as suas ruínas humanas, as suas doenças e injustiças. Dilacerado coração na vida por nunca achar lugar entre o índio revoltado e esmagado naquela história de acumulados fracassos e o bom civilizado educado que ele nunca chegaria a ser jamais, parecendo nesse jogo entre gente de carne e osso e figuras alegóricas talvez uma cópia delirante do desafortunado irmão Otaviano Celso.

Quando a prosapoesia extravasa pelas margens, todavia, que nem esta uma aqui presente ultrapassa a fronteira entre a lógica e a presepada misturadas no arriscado deslendamento da história pela ficção de lugares da memória, a fluvionarrativa estabelece dialética entre razão e emoção limitando e relativizando o tíbio arbítrio do autor.  A boa conduta, então, é deixar vogar a canoa de bobuia sobre o dorso do rio tal qual fosse já o lombo da cobragrande Boiúna enquanto vão rolando as águas ardentes urdindo e moendo o engenho da estória.

Assim falou Giambattista Vico ou foi, paresque, o astuto Gramsci quem disse? Que nem um tigre sem pressa, nada de espantar a presa do acaso... Me lembrei das pajelanças de Vico e da espiral evolutiva no materialismo dialético de Antonio Gramsci, masporém eu poderia citar também o sumano pajé Joãozinho da Boca do Camará, velha terra salva antigamente pelos parentes sacacas. Se o carrancudo mano do déspota esclarecido Marques de Pombal acertou uma na simbólica transmigração portuguesa para Feliz Lusitânia, foi ele ter trazido por acaso Salvaterra de Magos a reboque do malfadado Diretório dos Índios a fim de ocupar o antigo território de "negros da terra" das missões religiosas na Costa-Fronteira do Pará. 

Onde, paresque, a lusa Salvaterra, hoje naturalizada ao país que se chama Pará; serve de capa à antiga mátria sacaca e salva a honra dos descendentes da resiliente nação Yona -- os mais velhos marajós conhecidos dentre todos mais nheengaíbas da época colonial --, aportuguesados já pela corruptela Joanes: prevenidos do coletivo mal de Alzheimer "caboclo" pela prodigiosa memória do índio velho Severino dos Santos (cf. Alexandre Rodrigues Ferreira, "Notícia Histórica da Ilha Grande de Joanes ou Marajó", 1783). A grande batalha das línguas amazônicas, de que que fala mestre José Ribamar Bessa Freire, no imperdível "Rio Babel". Ou o meu jocoso apocalypso pra chatear os pedantes do bom ditado.

Lembrai-vos da furadíssima sentença escolástica dizendo que "índios" não tinham em sua língua as letras F, L e R, (cf. Pero de Magalhães de Gândavo, "História da Província Santa Cruz", 1576): "A língua de que usam toda pela costa [...]. Carece de três letras, convém a saber, não se acha nela f, nem l, nem R, cousa digna de espanto, porque assi não têm Fé, nem Lei, nem Rei: e desta maneira vivem desordenamente sem terem além disto conta, nem peso, nem medida"...

Acredito eu que a artiosa invenção do Caboco aconteceu por necessidade de remediar a falta de letrume no rio Babel, por isto o suprimento cristão do F, L, R foi metido a muque goela abaixo da gente. Eis a causa linguística primária da leseira amazônica! Será? Destarte, pra começar o ditado civilizador, o inquisitorial auto de Fé: crê ou morre, caboclo! Clô, clô, clô ... Com que a má fé reduziu as diversas religiões indígenas numa única e "verdadeira" Religião, a de nosso Senhor Jesus Cristo que morreu na Cruz do pecado do mundo pra nos salva e sem a qual não há salvação deste vasto mundo do inferno verde, nem ninguém poderá escapar do limbo primitivo etecetera e tal. A lei natural teve, então, por bem ou por mal que ceder espaço às ordenações do reino.  

E assim, por necessidade e acaso, deu-se a imprevista criação do Caboco: porém já lhe enfiaram na boca o L da boa língua por logro, tão logo o povo saiu da floresta obrigado a falar nheengatu. Nheenga tu, nheenga ele ou ela; eu fico com a hipótese bacana do caa boc e a supimpa explicação de Câmara Cascudo, no "Dicionário do Folclore Brasileiro", advogando a forma "caboco". Diz o mestre não ter achado base nas diversas hipóteses etimológicas do termo (derivado do tupi caa-boc, "o que vem da floresta", ou de kari'boca, "filho do homem branco"). 

O problema do R foi mais complicado, pois o coitado do Gândavo não fazia ideia de que rei havia entre os tupis na figura do murubixaba em Pindorama e na Tapuya tetama (terra Tapuia), vulgo Amazônia; cacicados eram, sim, verdadeiros reinos onde o rei era cacique, mas um rei paresque a rainha da Inglaterra que reina mas não governa. Na baia do Oiapoque, por exemplo, foi e continua sendo de certo modo o grande cacicado do legendário Anakayuri lá há uns duzentos anos antes de Pedro Álvares Cabral. O Caribe todo conheceu grandes cacicados até a destruição das Índias acidentais... Alguém por acaso ouviu falar da grande expedição marítima do imperador do Mali Abubakari II, 200 anos antes de Colombo? Uma impressionante frota de dois mil navios, a qual teria passado pelas bocas do Amazonas, depois de atravessar o Mar-Oceano seguindo a corrente equatorial marítima para descobrir a margem extremo-ocidental do Atlântico. Daqui o rei em sua frota seguiu rumo ao norte a costear as Guianas até o mar do Caribe. Aí Abubakari ficou pra sempre no antigo Hayti (depois ilha Hispaniola e hoje Haiti e República Dominicana), onde ele estabeleceu seu novo reino no Novo Mundo, onde nasceram os primeiros Garifunas (Karipunas), os primeiros índios pretos afro-americanos dos quais, em Belize, restam os derradeiros já misturados com índios e descendentes de escravos importados depois.

Segundo o Dicionário Aurélio "caboclo" vem do tupi kari'boka, que significa "procedente do branco". Já o tupinólogo Eduardo de Almeida Navarro defende que o tal de "caboclo" se originou do  tupi kuriboka, que, num primeiro momento, designava filho de índio com negra africana. Mais tarde, kuriboka passou a se referir também a filhos de mãe índia e pai branco. Nós, os cabocos, formamos o maior contingente populacional da Amazônia brasileira e de alguns estados do Nordeste brasileiro (Rio Grande do Norte, Piauí, Maranhão, Alagoas, Ceará e Paraíba). Contudo, o número de pessoas consideradas cabocas no Brasil não é fácil verificar, pois nos métodos de recenseamento do IBGE os cabocos representam 44,2% de pessoas consideradas pardas. Grupo que também inclui mulatos, cafuzos e várias outras combinações da mistura de negros ou índios com outras raças, como negro e oriental, índio e oriental, negro, índio e branco, negro, índio e oriental, etc.

Os atributos que definem a categoria social cabocos são econômicos, políticos e culturais. Neste sentido, o termo refere-se a pequenos produtores familiares da Amazônia que vivem de agroextrativismo de recursos florestais, mangues e da pesca artesanal. Já os principais atributos culturais que distinguem cabocos de pequenos produtores de imigração recente, são conhecimentos da floresta, campos alagados, mangues com sua cultura alimentar peculiar e padrões típicos de moradia ribeirinha. Devido a seus atributos econômicos similares, no entanto, cabocos e migrantes podem ser ambos grupos demográficos alocados na categoria social mais ampla de camponeses.

E lá vamos nós, caminhando pelas beiras do tempo há mais de três mil anos. A bom gapuiar na vida e agora estamos nós aqui no século 21. E ainda a branquitude mundial vai ter que nos aturar mais algum tempo... Ou ela será devorada pela mestiçagem física e espiritual do planeta. Não contavam com a antropofagia do bon sauvage para muito além da revolução francesa.

A maiêutica do encontro da fome com a vontade de comer (pra não dizer parto da necessidade com o acaso) poderá talvez jogar luz a recantos imprevisíveis da jornada, descortinar paragens sombrias na paisagem ainda imersa nos restos da primeira noite do mundo: donde o caroço mítico de tucumã de Alfredo coincide, no lendário amazônico, com o jogo mágico de búzios ancestral da diáspora africana, na passagem da natureza à invenção da cultura.

Se, por acaso, em vez de tomar canoa de volta a Belém parando rapidamente em Soure pra embarcar gado, Wallace continuasse mais um pouco e tivesse feito travessia da ilha Mexiana a Contracosta sem pressa alguma? Entraria o pioneiro evolucionista como jebrista, este astuto descendente de irredutíveis aruãs, desertores e pretos fugidos do cativeiro; por via do canal Tartarugas para dentro do lago Arari dos índios sagrado. Rota do cacique bandoleiro Guamã (1723) em camaradagem com traficantes franceses de Caiena... Mas o naturalista inglês toparia guia tão bom quanto Alexandre Rodrigues Ferreira achou o seu, para o levar ao Igarapé do Severino, teso do Pacoval e teso dos Bichos mais acima até varar pelo igarapé do Por Enquanto adentro às ilhargas da vila de Cachoeira quase?  Caminhos dos índios dentro de uma cartografia secreta gravada na memória dos cabocos: os cabocos sabem que os brancos não sabem... Por isto eles se fiam em sua geografia sem mapa nenhum outro que não seja desenhado na imaginação em longas conversações com tios e avós e, por fim, palmilhada em tantas e quantas viagens ditadas pela necessidade de ganhar a vida seja lá como for.

O recém nascido evolucionismo de Wallace estava, pois, há pouco menos de cem anos desde o iluminismo de Alexandre Rodrigues desembarcado na velha aldeia dos Joanes (Yona ou Sakakas), mas no Marajó velho de guerra paresque o tempo dialético havia andado pra trás... Tal qual a "fase" Marajoara, em 1300, se perdeu no labirinto do espaço e o Minotauro em pele de búfalo, que nem o cavalo de Troia; salvou-se do naufrágio do barco na ponta do Maguari pra montar em terras de sesmaria e entortar caminhos do gado do vento (gado bravio sem dono), virar selvagem de novo e assombrar a gente: como, antigamente, o fantasma do Boi selado saído das águas remansosas que se comunicam, por sumetume profundo, do lago Guajará encantado ao rio Paracauari, por arte mágica dos pajés, para espalhar a malhada (manada, boiada), levar doença ao gado das fazendas e o mal de quebra-bunda à cavalhada.  Era a guerra metafísica dos pajés sacacas contra a pecuária dos brancos...

Aí o Boi bumbá morreu e a língua do boi quem comeu foi a preta Catirina, quem roubou o Pai do Campo? Pai Tomás, mas o Búfalo malandrão não estava no gibi e quando acaba a brincadeira o preto sai cantando chula da maior glória da fazenda nacional com estrela de prata e símbolo da cultura marajoara. Trata-se de um roubo... Mas, reclamar a quem? Só se for ao papa, pois os cabocos velhos já foram implorar ao bispo, sem remédio. 

O tempo e os meios de transporte são o que mais contam na viagem. Mesmo assim ao longo do caminho de nossas vidas podemos decidir fazer ou não fazer determinada coisa. Toda decisão implica liberdade, mas também as consequências... O que não é possível é assoviar e chupar cana ao mesmo tempo. Escolher se aceitamos ou não o império da necessidade e o preço dos desejos, se desprezamos tentações do acaso, tudo isto obriga a tomar responsabilidades. Em Gurupá em meio a ruína da Borracha (sorte de Alfredo que ele veio encerrar a carreira em "Ribanceira", ao pé do fortim do milagre de Santo Antônio do Una, quando na verdade o prodígio da conquista do baluarte holandês de Mariocay, 1623, deveria ser atribuído ao endiabrado Jurupari dos bravos tupinambás, já a conservação da cidade histórica do Marajó ao nosso bom santo preto glorioso São Benedito), o jovem Dalcídio poderia ter deixado Alfredo morrer no nascedouro praticando infanticídio das ideias prematuras, o alterego ficaria pra trás desamparado com o "Chove" mal rabiscado como filhos da puta entre a malária e seringueiros no mato sem cachorro no rio Baquiá (hoje, felizmente, a reserva de desenvolvimento sustentável Itatupã-Baquiá; que maravilha! RDS "pedra de Deus"), com o fado do calhamaço de rascunhos debaixo do braço na tola pretensão a romance (sete meses de molho no xadrez do São José, onde elezinho que nem Cervantes preso entrou a primeira vez entre camaradas políticos e ladrões de gado judiados pela truculência das sesmarias dos barões, abraçando Dom Quixote e saiu de lá na segunda a se refugiar com Guiomarina na vila de pescadores de Salvaterra. E, aí sim, definitivamente, escrever o "Chove" com Alfredo e todos mais salvos do primitivo palimpsesto da Criaturada como a animalidade do mundo junto com a família de Noé salvas do Dilúvio na legendária arca).  


MÚSICA SEM GRAÇA NO MATO SEM CACHORRO
 PRA INGLÊS VER.


Ao povinho vitimado pelo apartheid neocolonial chamado a leseira amazônica, vale mais um pássaro na mão que dois pássaros voando, não sei pra onde. Às vezes, um sujeito "retórico" (diletante) de boa vontade que vem de fora aprender fazendo presepada junto com a gente, casos tais como de um Ferreira Penna, Ermano Stradelli, Raymundo de Morais ou Giovanni Gallo, por exemplo, que aqui chegaram na boa como quem não quer nada, sem bafo de grandes coisas e se mandaram deixando saudade, amigos, livros e acervos não importa como, o que nem onde para abrir os olhos de filhos e filhas da terra a riquezas mil que jaziam ocultas, com muita antiguidade, sem que ninguém as visse ou se desse conta até então.

Ao contrário de alguns doutos marotos, que mal acabam de descobrir novidade ao passar das horas em viagens philosophicas suspicazes, aqui e acolá, e já se vão embora para plagas distantes brilhar em festas de massagem geral de altos egos mundiais etecetera e tal. Lugares bacanas onde se faz propaganda de primeiros mundos e fundos da prosperidade legal de negócios da China, patente da feliz biopirataria de conhecimentos tradicionais das Índias orientais e ocidentais convertidos em privataria sociedade anônima com lucros súbitos e sensacionais na bolsa de apostas transnacionais. 

Lembrou a guerra do Ópio? Paris n'America e a belle époque da Borracha por acaso? Se o amigo ou amiga leitora pensou por acaso na momentosa história de La Condamine com a missão científica astronômica em Quito a medir o equador da Terra mãe gentil e o invento supimpa da seringa dos Cambebas, por exemplo, acertou em cheio sobre um dos escândalos mais notáveis a servir de pano de fundo do progresso e escarmento universal. Daí desta real indústria da ocidental civilização quatro rodas sai continuamente a mina de mestrados e títulos de doutorado festejados em currículos invejáveis e brilhantes carreiras individuais mundo afora para o desenvolvimento custe o que custar. E, no entanto, desgraçadamente, para o povo politicamente analfabeto dos trópicos que apenas "viu a uva" da cartilha de ABC, masporém não viu nada de bacuri, cupuaçu, caju, açaí, jaboticaba, umbu, paca tatu cotia não; com licença do educador Paulo Freire e autorização do Instituto Chico Mendes, tal deseducação funcional não vale um tostão furado. Ou, pior, vale o que velho soldado da borracha lucrou no seringal e aquilo que a índia mansa sem terra ganhou na capoeira pra deixar de besteira...

É claro que depois do furacão Darwin-Wallace, digamos assim à revolução das ciências naturais, para ilustrar o tsunami que a teoria da evolução das espécies causou na cristandade e outras civilizações herdeiras do velho Abraão, migrante danado da antiga Caldeia, na velha Mesopotâmia malthusiânica; depois da tempestade, repetimos, depois da tempestade vem a bonança a bordo da arca da aliança que a rede mitocondrial garante e balança ao som ancestral de tambores distantes e cantigas antigas da velha mãe África a embalar nossos sonhos humanos, filhos da bicharada levada da breca através da mutação genética em rios do sangue, há milhares e milhares de anos.

O diabo no meio do redemoinho. Charles Darwin não havia intenção de abalar os fundamentos da Criação quando ele, curioso de tudo no reino da natureza, obviamente criada por Deus em seis dias; desembarcou nas longínquas Galápagos. Aí que a coisa pegou... E ele se calou durante vinte longos anos de tortura íntima e pesquisa até o jovem Wallace, nas Malucas, mandar aquela carta explosiva a Londres. As ilhas Galápagos apareceram pela primeira vez em dois mapas do século XVI (Mercator (1569) e Abraham Ortelius (1570), eram chamadas de "Ilhas das Tartarugas" (Insulae de los Galopegos).

Protótipo de Robinson Crusoe, Alexander Selkirk visitou as Galápagos cerca de 1709, com o capitão Woodes Rogers, em seus quatro anos de isolamento na ilha de Juan Fernandez, fora da costa chilena. O primeiro morador das ilhas foi um irlandês chamado Patrick Watkins abandonado lá em 1807. Ele passou dois anos cambiando rum, com poucos viajantes que por lá passavam, por vegetais que plantava. Em 1809, Watkins conseguiu roubar um barco e fugir para Guayaquil. 

Galápagos foi anexada ao Equador em 1832, sendo chamada "Archipiélago del Ecuador", mas seu nome oficial seria Arquipélago de Cólon. São 58 ilhas a quase 965 quilômetros longe da costa continental do país. O mais famoso visitante foi o jovem Charles Robert Darwin, viajante do "H.M.S. Beagle" do capitão Robert Fitz Roy, em 15 de setembro de 1835 e lá permanecendo até 20 de outubro. Um mês e cinco dias para detonar uma revolução. E que revolução!...

Darwin visitou somente 4 ilhas, primeiramente San Cristóbal (Chatham Island), depois Floreana (Charles Island), Isabela e Santiago, durante os 35 dias em que permaneceu nessas terras, fez grandes coletas de plantas e animais, assim como observações da vida selvagem.



"tropikos": do grego, "uma volta completa" ao mundo.



O mundo contemporâneo pós-colonial ainda está por fundar uma verdadeira ciência tropical a fim de descobrir segredos do futuro do novo mundo. Não mais, simplesmente, a irradiar sem reflexão bem pensada a velha dominação do velho mundo global. A nova universidade marajoara junto à reserva da biosfera do bioma equatorial de rio e mar, grávida de boas esperanças ao cúmulo dos séculos -- no magnífico encontro do poderoso Amazonas com o misterioso Atlântico --; deverá inspirar-se, antes que tudo; na mais velha universidade pés descalços das terras baixas das Américas. Aquela singular ecocivilização que já estava na ilha do Marajó, há 1800 anos atrás, no tempo do homem do Pacoval... 

O teso do Pacoval, sítio arqueológico da Ilha dos Bichos e outros monumentos naturais do tempo pré-invenção da Amazônia são vestígios da invenção marajoara cujas amostra se encontram em mais de uma dezena de grandes museus no País e no mundo. Haverá, por acaso, no Cairo e em Bamako (capital do Mali) alguma peça de cerâmica marajoara, lembrança ainda que tardia; da passagem pelas bocas do Amazonas da fabulosa frota de excursão do imperador mandinga Abubakari a caminho do Caribe, duzentos anos à frente de Cristóvão Colombo? 

"Carece religar os conhecimentos" (Edgar Morin). A linha viva do equador também pode costurar o futuro, tal qual cacos de índio podem fazer prodígio de remendar o passado, no exemplo invulgar do Museu do Marajó, onde gente do povo vai aprender a ver, com as pontas dos dedos, o tecido do tempo arqueológico através duma nova escrita à lá Braile, inventada pelo casamento da necessidade com o acaso: coisa feita por um padre daltônico, que talvez deixaria o pioneiro evolucionista Wallace feliz da vida em saber e querer ver de perto pra contar de certo a respeito da Ilha dos Bichos, filha legítima da necessidade com o acaso; sito a meio caminho de distância entre a finada Cachoeira do rio Arari e o desencantado lago Guajará. Onde, antigamente, quando bicho era gente pajés verdadeiros iam se iniciar nas águas encantadas a fim de adquirir sete fôlegos requeridos para transitar no mundo subaquático do rio de Heráclito: fronteira entre a vida e a morte. Ou seja, o indissolúvel e inseparável espaçotempo profano e sagrado a uma só vez. 

Aí mora a expedita filosofia de todo e qualquer ser pensante, para além dos verdes anos da evolução que pueris zoologistas não conseguem ver além da bruta realidade, sem graça nem poesia, deserdada de espírito filho da humanidade e neto da animalidade pela teia genealógica da complexidade da vida eterna enquanto dura. Que a matéria do barro das origens vai muito além do homem e das mortais necessidades fisiológicas do homem inventar auroras infinitas, que o vidente visionário pode vislumbrar pela brecha do tempo sempre em construção.

Por via desse diálogo fluvial entre os dois maiores rios do mundo, o Nilo imortal e o Amazonas vital devem dialogar mais sobre suas respectivas civilizações ribeirinhas a comparar a evolução do passado e adivinhar a invenção do futuro. Sobretudo, para o progresso da ciência dos trópicos (não só nos trópicos)... 

E se, talvez, de repente para assinalar a viagem de Wallace alguém lembrasse de erigir na ilha dos Mexianas um marco pra inglês ver? Já que o ecoturismo fez escala ali onde o naturalista passou algum tempo; um lugar de memória do nascimento da teoria de evolução das espécies e também da jamais demarcada linha de Tordesilhas no cruzamento já da linha equatorial às margens do Amazonas? Tal qual no país-irmão do arquipélago de São Tomé e Príncipe, o ilhéu das Rolas deita e rola falação da história das ilhas Afortunadas, o país de São Brandão e a ilha do Brazyl donde os descobrimentos marítimos nasceram antes na imaginação que de fato as antigas navegações do Mar-Oceano até a medição da linha do equador nos dizer do medo e segredo da zona tórrida das regiões Antípodas do mundo achado e por achar. Também do muito que o golfo da Guiné e o Cabo Verde representam para a história do Maranhão e Grão-Pará, outrora Amazônia portuguesa e, com certeza, brasileira agora.

Com efeito, andam a par a sociologia poética e a tropicologia. A história natural arranha aranha, aranha arranha o jarro na sociologia neodarwinista de Gilberto Freyre (1900-1987), mas a teoria a mais revolucionária do mundo fez curso completo da redondez da Terra, pela cinta larga de castidade de Gaia: ela, a teoria da evolução das espécies, começou por acaso com os descobrimentos reais do temente a Deus e fiel da igreja anglicana Darwin mareado pela luxuriante natureza das ilhas marítimas nas Galápagos perdidas ao meio da imensidão do Pacífico; enveredou em vadiagem naturalista a espiar especiarias para comércio das drogas do sertão e amazonas amazônicas nuas, salvas da Cabanagem (1835-1840) no Pará velho de guerra; com o plebeu e descompromissado Wallace pelas ilhas mal pagas e pouco cristianizadas ainda do golfo do Marajó, antes de subir o curso pagão do Amazonas até o Rio Negro perdidamente gentio até hoje São Gabriel da Cachoeira falando quatro últimas das muitas línguas extintas do rio Babel. Para depois se estabelecer, finalmente, no outro lado do mundo, com as lições naturais das ilhas Malucas (isto mesmo, malucas, mas não doidas). Felizmente, para a história do futuro e a utopia evangelizadora do payaçu dos índios Antonio Vieira do quinto império do mundo sebastiano; a sociologia poética defendida também pelo romance dalcidiano põe ética e mel onde o fel fazia império na lei da selva, enquanto a inteligência coletiva (codinome "santo Espírito") desertava a Terra sem mal.

Ilhas Malucas (ou Molucas, do árabe Jazirat al-Muluk, "ilha dos reis") arquipélago que faz parte da Indonésia, localizado entre Celebes (Sulawesi) e Nova Guiné. Nos séculos XVI e XVII, eram chamadas "Ilhas das Especiarias". Àquela época, única fornecedora mundial de noz-moscada e cravo-da-índia, especiarias vendidas por mercadores árabes à república de Veneza. O local exato das especiarias era segredo de comércio. Segundo o historiador indiano K. M. Panikkar, a viagem pioneira de Vasco da Gama mudou não apenas a história da Europa, mas também da Ásia.

Entre 1511 e 1512, os portugueses foram os primeiros europeus a chegar às Molucas, em procura das afamadas especiarias. Holandeses, espanhóis e reinos locais, como Ternate e Tidore, disputaram o controle do comércio de especiarias. Porém, a concorrência favoreceu o transplante de árvores de especiaria reduzindo a importância do monopólio da produção asiática. Como, inversamente, o cacau da Amazônia foi parar na Costa do Marfim e a borracha no Sudeste asiático. Enquanto o café originário da Etiópia se espalhava no mundo, chegando ao Suriname donde foi levado, clandestinamente, a Guiana francesa e desta chegou, furtado, ao Pará numa rocambolesca operação de busca do cacique dos Aruãs e Mexianas, metido no tráfico de escravos, armas e munição transfronteiriço. Nesta revolução geográfica marítima, vieram das Índias orientais ao Brasil a manga, jambo, jaca e a fruta pão.


Ora, ora, ora a tropicologia e a sociologia poética -- apanágio da complexidade da vida e consciência planetária do "novo" Éden velho que nem a idade da Terra, a proibida zona tórrida das Antípodas finalmente revelada, pouco a pouco, pelos descobrimentos marítimos por nautas ignorantes das coisas sagradas de mercadores, sem fé nenhuma se não crentes da boca pra fora -- são a mesma coisa bafejada pelos deuses ou o divino Espírito (pra não dizer inteligência coletiva), que naturalmente habitam o coração da humanidade filha da animalidade: visto que o jardim do Éden é o fim da estória, mas não da idade do barro do início natural do mundo.


Monumento alusivo à linha do quador
em Pontianak (Indonésia).



Monumento que assinala a linha do equador
no ilhéu das Rolas (São Tomé e Príncipe). 


A linha do equador "separa" os hemisférios Norte e Sul nos oceanos Atlântico, Índico e Pacífico atravessando 14 estados na África, Ásia e América do Sul (de oeste para leste, a partir do meridiano de Greenwich). No Brasil, a linha do equador corta a capital do Amapá, Macapá, única cidade brasileira situada simultaneamente em ambos hemisférios. Lá o conjunto turístico-cultural Marco Zero registra este raro fato geográfico com obelisco de 30 metros de altura, tendo abertura ao alto para passagem de feixe solar durante os equinócios de março e setembro a cada ano. 

A linha do equador após atravessar o Atlântico a partir do arquipélago de São Tomé e Príncipe cruza o ponto mais oriental do Brasil na ilha Mexiana, município de Chaves, Marajó; cortando os estados do Pará, Amapá, Roraima e Amazonas até atingir o ponto equinocial brasileiro mais ocidental, no município de São Gabriel da Cachoeira e seguir para a Colômbia e Equador para atravessar o Pacífico até perfazer a "volta completa' do trópico.

Na última fronteira da Terra, a ilha Mexiana é ótima oportunidade para o resort que lá está mostrar onças, cobras e jacarés. E poder-se-ia dizer que a ilha equinocial marajoara que já recepcionou fan tour com cerca de setenta agentes de turismo francês da metrópole e ultramar, que Wallace lá esteve por acaso. O que faria a história mais interessante acompanhada das lendas e relatos da ilha ao lado, a Caviana. Naquelas paragens, o pai da biogeografia pôde observar diferenças musicais entre africanos e índios do Marajó. Ora, vejam só, o que aqueles viajantes do mundo vindos de Madagascar, ilha da Reunião, Antilhas, Seychelles, Polinésias e outros lugares além da França continental, após seminário de ecoturismo em Caiena, teriam a dizer em permuta caso a gente do lugar estivesse preparada para a rodada equatorial. E já se sabe que a universidade federal do Pará, onde um interessante curso de geografia aplicada ao turismo, inclusive, existe; é a maior instituição universitária do trópico úmido.

Mas, nada e ninguém provavelmente, nem mesmo professores de cursos de história, geografia, biologia e turismo na região tivessem uma remota lembrança deste acontecimento fazendo parte dos primeiros descobrimentos biogeográficos que levaram à formulação científica da teoria da seleção natural na evolução das espécies. Sob fundo musical natural a floresta em festa daria vivas na voz dos pássaros no ninhal e a sinfonia de sapos, jias e pererecas nos lembraria observações musicais feitas por Wallace na ilha de Marajó, o vivo contraste que ele sentia existir entre a exuberância dos negros ainda escravos e a melancolia dos índios despossuídos já de sua cultura original.

"Em Mexiaa, à noite, os negros ficam em seus casebres tocando e cantando. Seu instrumento é uma espécie de viola primitiva, da qual tiram apenas 3 ou 4 notas, repetindo-as horas a fio, na mais enfadonha monotonia. Em cima dessa pobre melodia, improvisam uma letra, geralmente relacionada com os acontecimentos daquele dia. Os feitos dos brancos são os temas mais frequentes dessas canções. Nas noites de sábado, os trabalhadores tomam parte nos ofícios religiosos, realizados num comodo decorado à maneira de capela." ("Viagens pelos rios Amazonas e Negro", op.cit. 68).

Esses cantos faziam parte do ofício de vésperas. Todos participavam com fervor, entretanto, segundo Wallace, não compreendiam patavina do que estavam respondendo. Wallace
relata retorno de uma família que foi à vila de Chaves à procura de padre para batizar uma criança. Naquela noite, os pretos cantaram durante umas três horas, narrando a história da infrutífera viagem, segundo o naturalista deduziu dos trechos que ele mal conseguiu compreender. Já se pode ver por aí a dificuldade de entendimento. Cada fato era cantado em versos que todos depois repetiam por várias vezes. 


Assim, por exemplo, o solista dava o bordão: "O padre estava doente e não podia vir (bis)", sendo repetido pelo coro. Depois a música continuava só com instrumentos, enquanto os cantadores tentavam relembrar-se algum fato para fazer refrão. Wallace compara a cantoria dos negros da Mexiana com as trovas dos antigos bardos, que levavam a conhecimento do povo os fatos da época, transformando a história horal em letras de música. Numa nação guerreira, acaso haveria algo mais importante que o relato dos feitos de seus heróis a fim de excitar ao máximo o entusiasmo? Alguns desses fatos, transmitidos de geração em geração, teriam tendo a sua linguagem aperfeiçoada, até que alguém se lembrasse um dia de escrevê-los, acrescentando-lhes novas rimas e assim estruturando um poema épico.


O tal índio sutil, que trocou José de seu nome de batismo pelo nome de guerra Jurandir ("trazido pela luz do céu", o relâmpago; "aquele que tem na boca doces palavras", como o mel da jandira, abelha silvestre), refugiado, paresque, no lugar de tapera da velha aldeia sacaca. Tal qual os "índios bravios, desertores e escravos fugidos" (Aruãs) dos centros da ilha, que mantiveram colonizadores ao largo durante 15 anos, pelo menos, desde a quebra das pazes de Mapuá para doação da Ilha dos Nheengaíbas e má fé d'el-rei lusitano na criação da Capitania da Ilha Grande de Joanes e 64 depois da fundação do Presépio por lusos e tupis de corda e baraço. O naturalista inglês Alfred Russel Wallace realizou viagem de estudo ao Brasil, inicialmente, de 1835 a 1844. Naquela época, o pau estava cantando no Pará velho de guerra. Era a guerra-civil chamada a Cabanagem (1835-1840), então ele chegará em Belém do Pará com Henry Bates nos rescaldos da convulsão amazônica, em 1848, começaram a explorar os arredores da cidade e depois seguiram ao rio Tocantins. Bates continuou até Cametá e Wallace desceu ao estuário rumo ao Rio Capim para depois chegar à ilha Mexiana, no arquipélago do Marajó. Os dois naturalistas voltariam a encontrar-se na foz do Rio Negro para logo se separar de novo. Wallace subiu o Negro e Bates foi pelo Solimões, até a fronteira com o Peru, ao longo do Rio Javari. 

Durante o conflito, comerciantes ingleses tiveram uma relativa neutralidade com os dois lados em luta, isto explica como logo da anistia de 1840 súditos da Inglaterra levarão vantagem em ocupar o lugar dos portugueses antes da Cabanagem e de negociantes brasileiros vindos depois, que também não encontraram a mesma receptividade ganha pelos ingleses. Uma posição que irá se firmar até inícios do século XX, com apogeu do comercio da borracha, declinando apenas com a concorrência dos emergentes Estados Unidos que afinal substituiram interesses britânicos na região amazônica após o colapso da Hevea. 

As observações de Wallace no Brasil foram condicionadas pelo roteiro de suas viagens e o seu caminho ao acaso das oportunidades que lhe ofereceram concidadãos seus de língua inglesa que viviam e comerciavam na Amazônia. Assim, ele acompanhou juntamente com Bates um comerciante de madeiras canadense à procura de reservas de cedro à beira do Tocantins. De retorno, visitou Marajó onde um súdito inglês possuía fazenda de gado e ali foi que ele realizou estudos sobre aves aquáticas. Estas primeiras experiências estão intimamente vinculadas às pprincipais ideias da futura obra de Wallace. Se até então pesquisadores da história natural observaram a capacidade de adaptação dos seres viventes aos alimentos e às peculiaridades do meio ambiente, chegou a hora, segundo ele, de se constatar a existência duma série de princípios naturais regulando a variedade de formas de vida animal. Visto que seria estranho haver tantas aves e insetos pertencentes a diferentes grupos que consumiam o mesmo alimento e conviviam nas mesmas localidades. 

A coisa toda, por coincidência, estava ligada à linha do equador. Em fevereiro de 1858, após a viagem a Amazônia durante jornada de pesquisa nas nas ilhas Molucas (Indonésia), Wallace escreveu ensaio no qual definiu praticamente as bases da teoria da evolução. Tendo já estabelecido correspondência com Darwin, de boa fé Wallace enviou o trabalho pedindo o parecer de seu colega sobre o mérito da teoria, bem como encaminhamento do manuscrito ao geólogo Charles Lyell. Pobre Darwin, legou um susto quando se deu conta de que Wallace havia, por outro percurso, chegado a uma teoria praticamente idêntica à sua que em segredo vinha trabalhando ao longo de penosos vinte anos. Darwin, então, escreve ao amigo Charles Lyell: "Toda a minha originalidade será esmagada"

Para evitar o pior, Lyell e o botânico Joseph Hooker, também amigo de Darwin e com grande influência nos meios científicos da época; propuseram que os dois trabalhos fossem apresentados simultaneamente à prestigiosa Linnean Society of London; o mais importante centro de estudos de história natural da Grã-Bretanha. O acontecimento mais importe da Ciência até então ocorreu no dia primeiro de julho de 1858. Em seguida, Darwin decidiu terminar e expor rapidamente sua fundamental teoria "A Origem das Espécies", publicada no ano seguinte. Por seu turno, Alfred Wallace foi o primeiro a propor a distribuição geográfica das espécies e assim é considerado um dos precursores da ecologia e da biogeografia, sendo geralmente chamado o "pai da Biogeografia".

 
Não devemos esquecer que a conquista do rio Babel (Amazonas) custou aos povos das Ilhas 44 anos de guerra suja onde o canibalismo dos "índios cristãos" (aliados aos portugueses) embora não se prove, não poderá jamais ser descartado com respeito à religião natural dos tupinambás. Quarenta e quatro anos contados da tomada de São Luís do Maranhão até o suposto acordo do rio dos Mapuá (cujo apurado da história é a fundação das aldeias missionárias junto aos nheengaibas de Aricará (Melgaço) e Arucará (Portel); noves fora o que não se sabe do passado ao tempo da velha rixa entre Nheengaíbas e Tupinambás, com base, por exemplo, no relato do mameluco Diogo Nunes (1538) ao governador-geral Tomé de Souza a respeito de enorme migração de tupinambás de Pernambuco pelo sertão adentro até o Peru subindo o Alto Amazonas (com auxilio da cartografia moderna e da antropologia amazônica, hoje podemos dizer que não há possibilidade disto ter acontecido sem uma sangrenta passagem do rio Pará ao Baixo Amazonas varando os Furos de Breves e Gurupá em cruentas pelejas). 

E depois, rompidas as periclitantes pazes de Mapuá (Vieira, "Cartas", 11/02/1660) e os jesuítas do payaçu dos índios expulsos do Pará (1661), que aconteceu aos bravios Aruãs para eles retomarem às armas contra o inimigo hereditário Tupinambá e o aliado deste, português? Como prova-se nos ataques aruãs aos índios mansos (escravos dos portugueses do Pará) das ilhargas de Belém já estamos na segunda década do século XVIII e a guerra dos índios, começada antes da chegada dos europeus, continuava com proveito de colônias amazônicas concorrentes. Foi, então. que o cacique dos Aruãs e Mexianas, o bandoleiro Guamã apoiado por traficantes franceses de Caiena atacou a aldeia Murubira; passando então a tropa de guarda-costa a persegui-lo para trazer, vivo ou morto, assim os desertores de sempre e escravos encontrados na jornada até Caiena... Quer dizer, a guerra das Amazonas durou mais tempo do que se sabe e, a bem dizer, não está ainda de todo terminada.

Conversa puxa conversa numa prosopopeia destas. Bem que Amado intuiu ser Dalcídio, apesar de mulato na pele, o "índio sutil" remanescentes de extintos Araris... Na visita de Jorge Amado ao Marajó, segundo Rodolfo Steiner, ele queria porque queria visitar Ponta de Pedras para conhecer a terra natal de Dalcídio: talvez, com esta frustrada visita, retribuir ao amigo morto a visita que este fizera ao camarada em Rio Vermelho, Salvador, Bahia de todos encantos: masporém, Marajó não desencantou ainda. Marajó é um mundo complicado e seu fado tremendo... Dalcidio poderia também se contentar em pelejar para ser prefeito ou vereador de Gurupá. Tempo viria, depois, para o comunista marajoara ficar acamaradado do antropólogo gringo Charles Wagley (1913-1991), que andava estudando as gentes das ilhas com Eduardo Galvão, então, diretor do Museu Paraense em luta, inclusive, contra a malária dos soldados da Borracha. 

Quem sabe, Dalcídio acabasse sendo professor ou promotor público em Cachoeira para morar sempre no Chalé e passar o tempo sob a árvore Folha-Miúda a ver estrelas à noite no alto entre as ramagens como um lindo bordado da natureza. Ou, que nem Eutanazio metido em si em devaneios e raiva de índio enfezado, seguir o destino de Alfredo com Andreza para ambos se encantarem com a princesa (a Yara) no lago em fuga deste mundo de ilusões pela quimera de uma liberdade em doce fantasia... Qual lago assim fantástico? O Guajará encantado donde sai o Boi selado e onde caiu, antigamente, aquela estrela que, diz-que, pajés sacacas viram explodir na água e espalhar pedras de raio pelas margens prenhes de poderes mágicos... 

Ao contrário de Dalcídio às voltas com seu alterego Alfredo, o fado de Darwin, na civilizada Inglaterra, poderia levá-lo a seguir carreira de médico, atender ao conselho de seu pai para se tornar clérigo da prestigiosa igreja anglicana da Inglaterra ou se engajar na expedição científica no Pacífico indo terminar nas ilhas Galápagos. Já o xará de Alfredo de "Chove nos campos de Cachoeira", para saber os mistérios do jardim de Darwin poderia ter tomado outros rumos na vida, nunca ter vindo a Amazônia nem ido ao arquipélago das Molucas (Indonésia), porém se não fosse assim não seria ele o Wallace que ainda hoje disputa a fama do autor da bombástica e fundamental A Origem das Espécies. Na Amazônia, temos sério problema de base científica, política e de direitos humanos: a língua. 

"O jesuíta João Daniel, no seu "Tesouro Descoberto do Rio das Amazonas", com distanciamento crítico, conta como um missionário espancou uma índia do Marajó com bolos de palmatória dizendo: "Só paro de bater quando você disser "basta", mas não na tua língua". Ela calou. Suas mãos sangraram. Ele concluiu que as mulheres - a quem talvez o mundo deva a preservação de muitas línguas - eram mais resistentes que os homens, que migravam de uma língua a outra com mais frequência. Desta forma, centenas e centenas de línguas foram extirpadas a ferro e fogo." ("Cortem a língua deles" / José Ribamar Bessa Freire - Diário do Amazonas, 23/11/2014).
































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