domingo, 17 de julho de 2011

VOZ DAS ILHAS

para os colonialistas nossa história começou em 1500 com a "descoberta" do Brasil...Porém - 'menas' verdade - nem mesmo por esta via a coisa está certa. Em 1500, fins de janeiro, o espanhol Vicente Pinzón atacou e levou trinta e seis índios da grande ilha "Marinatambalo" [Marajó] e em 1498 o "cosmógrafo do rei" (cartógrafo oficial do reino de Portugal) Duarte Pacheco Pereira, em viagem secreta, fez medições astronômicas no Rio Pará a fim de saber, seguramente, os limites entre as duas coroas ibéricas nos termos do tratado de Tordesilhas (1494). 

Com esta providência Portugal poderia desvendar o segredo das "calmarias" (corrente equatorial marítima) e, sim, descobrir o Brasil como escala necessária para dobrar o Cabo da Boa Esperança, entrada do Oceano Índico, no caminho das Índias.

Fica claro que Marajó ficava na raia castelhana, mas Pinzón não se deu conta disto e, portanto, o relato de sua viagem ficou em segredo de estado mesmo quando as ex-colônias já tinham chegado à Independência. Por parte de Portugal estava claro que a margem esquerda da baía do Marajó, como se acha na crônica até fins do século XVIII, constituiu a "Costa-Fronteira do Pará". 

É dizer, se a margem direita tordesilhana da foz do Rio Pará era de Portugal a esquerda era de Espanha: mas faltava combinar isto com os índios de um lado e de outro, cuja geografia era outra...

Certo, no "testamento de Adão", toda Amazônia ao norte e oeste da baía do Marajó seria "castelhana" se a Nueva Andaluzia de Orellana houvesse vingado... Porém, como a tese de "uti possidetis" real, defendida pelo estadista santista Alexandre de Gusmão nas duras negociações do tratado de Madri de 1750, revogando Tordesilhas 1494; as populações nativas amazônicas no passo de dois séculos se achavam quase todas no domínio da coroa portuguesa. 

Como isto se passou, por obra e graça da geopolítica européia, constitui a teoria do milagre segundo nossa historiografia colonial. Mas, na verdade, é preciso introduzir conceitos de geografia física, arqueologia e antropologia para desvendar a participação direta das populações nativas na construção territorial da Amazônia. Vistos em detalhes os movimentos demográficos na região, antes de Cristóvão Colombo chegar ao Caribe, veremos muitas vezes que as ilhas sejam elas do mar ou do grande rio contam a história antiga das migrações do "Circum Caribe" em busca da terra-firme (continente), dita o Arapari ("cercadura do sol"): constelação do Cruzeiro do Sul.

Na realidade, seis milhões de pessoas organizadas num habitat de dez mil anos passando do nomadismo ao sedentarismo de aldeia até a criação de cacicados (estado neotropical autoctone) cuja primazia a arqueologia atribui geralmente à ilha do Marajó (cerca do ano 400 da era cristã); falando mil e tantas línguas e praticando culturas diferentes não tinham ideia da geopolítica colonial.

O que a gente gostaria de dizer é que, em pleno século XXI, não é mais possível levar adiante a teoria do milagre da história da conquista amazônica. Ao contrário do índio das regiões de clima temperado, tanto na América do Norte quando do sul da América do Sul; na Amazônia os índios "extintos" são a base da mestiçagem caboca com os negros escravos e os brancos degregados e exilados. E que esta gente pelo destino manifesto do "Circum Caribe" sempre quis e lutou pela Terra-Firme: hoje a República Federativa do Brasil, na União das Nações Sul-Americanas.

Pra que serve a intencionalidade dos agentes coloniais no presente da Amazônia brasileira? Por exemplo, alguns pesquisadores do período holandês acham que Maurício de Nassau optou pela conquista do Prata a partir do Recife e que este fora o motivo verdadeiro da discórdia interna da colônia batava com os partidários da conquista do rio das Amazonas. A gota d'água para os sócios da companhia colonizadora na Holanda encerrar o contrato firmado com o célebre conde alemão.


Dentro da União Ibérica (1580-1640) o chamado do rio das Amazonas com a imaginação do tesouro dos Íncas ou do El-Dorado também gerava tensões entre súditos de Castela e de Portugal. A célebre expedição de entrada de Pedro Teixeira, do Pará ao Equador (1637-1739)ida e volta, guarda até hoje seus segredos e o pretexto que veio a calhar foi o surgimento, em Gurupá, de dois frades espanhóis fugindo da fúria de índios revoltados no Alto Amazonas...


Esta aventura repetia a descida a esmo de Francisco de Orellana e frei Gaspar de Carvajal inventores da lenda das amazonas (1542), por imitação do mito da Capadócia (Turquia). A lenda amazônica acendia paixões temerárias em todas cortes da velha Europa enfetiçada pela febre do ouro... Mas, o resultado do sonho e pesadelo é hoje - a partir da segunda década do século XXI - que se pode ver o peso desta longa história e além dela, inclusive, no passado regional pré-colonial através da arqueologia e da história oral transmitida aos primeiros colonizadores da Amazônia.

Ora, em 2012 a cidade de São Luís do Maranhão completa 400 anos de fundação pelos franceses do nobre protestante Daniel de La Touche:começa aí, de fato, a invenção da Amazônia... Em 2016 será a vez de Belém do Pará comemorar seu 4º centenário de existência. O que os brasileiros sabem disto e que os lobistas da "internacionalização" tem a dizer esgrimindo os direitos humanos e a conservação do meio ambiente planetário? 

Uns e outros, fazendo tabula rasa da história das populações amazônidas tradicionais, somente vão prolongar o velho cabo de guerra neocolonial e aprofundar a destruição das Índias que Las Casas denunciou, desde o Caribe, nos inícios do genocídio americano. Que poderia dizer ao Brasil e ao mundo contemporâneo a história revisitada do Maranhão e Grão-Pará, desde a invenção da Amazônia, a passagem da "linha" de Tordesilhas e a Adesão à Independência?


Primeiro, foram os tupinambás da ilha de São Luís que propuseram aliança a corsários gauleses para se estabelecer no Maranhão: precisava ainda a antropologia de Curt Nimuendaju, Métraux, Florestan Fernandes, Darcy Ribeiro, a historiografia de Vainfas... para nos ensinar o que, na verdade, o Bom Selvagem tupinambá buscava através da guerra e da paz.


Inimigos dos perós (portugueses) e amigos dos maïr (franceses) desde Piratininga (São Paulo) e Guanabara (Rio de Janeiro) os tupinambás estavam em guerra contra os Tapuias (nome genérico ao avoengo Tamoio [tamu (avô)/tamuya (tapuia)] quando triunfaram sobre os Timbiras em Tapuia-Tapera (Alcântara, base espacial brasileira).


Tapuia-Tapera quer dizer ruína tapuia e a invasão do Norte se fez em direção ao poente (Araquiçaua) através do "caminho dos Tupinambás" ou "Caminho do Maranhão" que unia a praça de São Luís a Belém do Pará passando pela costa até Caeté (Bragança)... Abre-se daí a Tapuya Tetama (terra dos Tapuias, Grão-Pará).


A literatura indianista com Gonçalves Dias e José de Alencar extraem dessa história mal conhecida e pior compreendida páginas de ficção que novamente precisam ser lidas nestes 400 anos que se avizinham. O herói tupi do passado agora reina nos terreiros da religião afro-amazônica, de Belém do Pará a São Luís do Maranhão, ao lado de orixás e vóduns africanos chegados em navios negreiros no templo corpóreo de pais e mães de santo na diáspora: mas os pajés-açus ou caraíbas já eram moradas vivas do espírito Jurupari ("boca fechada", código do segredo nativo)...


Padres católicos franceses vindos ao Maranhão por imposição da raínha Maria de Médicis para confrontar os colonos calvinistas e catequizar os índios, ignorantes da religião brasílica diabolizaram Jurupari e os protestantes pregavam a paz e o trabalho para lucro à metrópole. Fica claro que o Bom Selvagem que já havia ido a França imperial pregar a revolução (conforme Montaigne e Rousseau) se decepcionou amargamente com a França Equinocial. Daí a inesperada virada para o lado português, o único colonizador que estava em marcha para o Norte rufando tambores de guerra (inimigo de meu inimigo é meu amigo...).


Entrementes, o ladino tuxaua Jacuúna se acamaradava ao não menos esperto cristão-novo Martim Soares Moreno, judeu do Marrocos instigado pelo tio Diogo Soares Moreno, sargento-mor do estado do Brasil, que só pensava no tal rio das Amazonas com seus imaginados tesouros:a índia Paraguassu se amancebou com Martim e esta aliança, certamente, teve por dote e herança a seus descendentes o rio das Amazonas...


Como diriam os italianos, se não é verdade é bem provável! 

O certo é que o cunhadismo constitui a mais forte instituição familiar tupi. Assim, o cunhado Soares Moreno pintou-se de caraíba (comandante de guerra) e sabia bem aonde queria chegar, diferentemente do nobre cavaleiro de La Ravardière constrangido pela raínha católica. Os franceses juraram de morte a Martim Soares Moreno quando souberam da aliança de Jaguaribe, terminaram por o aprisionar nas Antilhas... Mas, aí parece que tiveram que lhe poupar da forca a fim de preservar a vida de Daniel de La Touche encarcerado na torre de Belém (Lisboa).


Também é verdade que antes de Orellana "descobrir" o Amazonas, uma estupenda migração de 14 mil tupinambás idos de Pernambuco ao Peru pelo Solimões (Amazonas) acima chegaram ao Peru, em 1538 buscando o que os antropólogos supracitados sabiam bem; desgraçamente terminados em negra escravidão em mãos dos espanhóis, como de resto seus muitos milhares de parentes em mãos dos portugueses no Maranhão e Grão-Pará até a "caboclização" geral decretada às vésperas da Adesão à índependência, em 1820... O informante mameluco Diogo Nunes não sabia dizer por qual caminho os índios seus parentes chegaram, mas hoje é só ver o mapa para compreender que o caminho dos sertões vai dar nas barrancas do Tocantins e deste águas abaixo às ilhas do Pará para varar ao rio Amazonas: evidentemente, tal caminhada de 12 anos, careceu de muita guerra e muito sacríficio antropofágico...


Por causa da utopia selvagem - dita "terra sem males" - essa gente causou e sofreu o diabo! Revoltados pelo tuxaua Pacamão, em Cumã-MA, contra a opressão dos filhos do governador Jerônimo de Albuquerque, vingaram-se massacrando colonos açorianos enganados pelo traficante Simão Estácio da Silveira (1618), que prometera o paraíso no Maranhão aos pobres de Portugal...E pelo cacique Cabelo de Velha, em Belém-PA, injuriado pelas violências dos portugueses praticadas contra os índios no Moju e Pacajás; sofreram horrorosa e desproporcional retaliação terminando em morte e cativeiro enorme sob mando do famigerado genocida Bento Maciel Parente.


Não obstante, esta gente antropófaga para a qual a vendetta era religião; em vez de continuar a atacar as posições do cruel lusitano ao primeiro chamado para expulsar a estrangeiros inimigos deste (holandeses e ingleses), 1623, pelos frades de Santo Antônio do convento do Una, estão vibrantes com remos, canoas, arcos e mantimentos seus... O mesmo iria se repetir com os 1200 arqueiros e remadores da expedição do capitão Pedro Teixeira, comandada pelo mameluco pernambucano Bento de Oliveira, no posto de coronel, estratagema do astuto governador Jacome de Noronha, do Maranhão e Grão-Pará...


Nossos honoráveis acadêmicos não acharam estranho tudo isto! Que o inimigo hereditário dos tupinambás, neste caso, eram índios das ilhas do Marajó ("marãyu", gente malvada; guerrilheiro de emboscada com setas envenenadas). Nem viram tampouco que em vez do milagre de Santo Antônio para tomada de Gurupá, antes fora Jurupari a obrar a fúria dos tupinambás (não exatamente aos holandeses que nada lhes deviam, mas ao odiado Nheengaíba que sempre foi o maior estorvo à subida do rio das Amazonas rumo ao sítio sagrado onde o sol pernoita...).


Quem eram esses invencíveis Nheengaíbas ("falantes da língua ruim")? Eram antepassados dos marajoaras de hoje. Ontem foram nomeados como inimigos dos portugueses, declarados "índios de corso" (piratas) aos quais era preciso levar a "guerra justa" (cativeiro e extermínio) para ocupar, enfim, a ilha do Marajó jamais vencida pelas armas, desde 1623 e somente integrada pela paz de 1659 (missão do Padre Antônio Vieira ao rio Mapuá).


Muitas águas rolaram entre as ilhas do rio-mar desde o dia em que Pinzón pisou em Marinatambalo: todavia as ilhas já haviam escrito sua mensagem na cerâmica marajoara, da qual a primeira notícia que se teve data de 20 de Novembro de 1756 e a "tradução" ainda está a se fazer com destaque para a arqueologia de Denise Schaan www.marajoara.com . Por isto dentre outras coisas é preciso federalizar o Museu do Marajó www.museudomarajo.com.br sob direção do IBRAM e assistência técnica do IPHAN e Museu Paraense Emílio Goeldi, para que a Reserva Técnica disponível em Marajó seja algo mais do que apoio para poucos estagiários.


É preciso democratizar o patrimônio cultural marajoara como Dalcídio Jurandir e Giovanni Gallo fizeram. 





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