Carta do Lago Arari
Com pensamento no vindouro Dia Mundial da Água
já a meio caminho da esperada Rio+20
Conferência da ONU em desenvolvimento sustentável
eu escrevo hoje de novo estas linhas a todos e a ninguém
todavia doutro modo sobre a mesma coisa
de que falo há mil e 500 anos.
Quando o sol do império declinava no velho mundo
das águas deste novo levantou-se o sol duma ecocivilização
entre chuvas do Mar Doce e o Oceano ainda desconhecidos
este fato extraordinário se passou na primeira manhã
a cabo da primeira noite do mundo na idade dos deuses
da Encantaria amazônica.
Então, em folha de terracota escrevi
a primeira notícia dando conta de cinco mil anos
de presença humana nestas estúrdias paragens
do trópico úmido, reino de nossa senhora da Cobragrande
mãe desta gente do começo e fim do mundo:
lavrei assim a certidão de batismo da Amazônia Marajoara.
Eu não sou o maior nem o mais famoso lago
dos tantos que há no mundo das águas interiores
porém sou alma e coração das 1700 ilhas do Marajó
filhas da Pororoca que mora numa maloca invisível
debaixo da ilha Caviana
útero matriarcal da primeira e mais antiga civilização
da Amazônia brasileira.
Eu tenho fontes secretas no alto das nuvens
que se levantam do ocidente das águas do grande rio
e oriente do profundo Mar.
Eu sou berço da antiga Cultura Marajoara
prestes a renascer por força do casamento do homem e a biosfera
entre a Amazônia verde e a Amazônia azul.
Mandei ao vasto mundo cartas com hieróglifos em cerâmica
Trata-se de um enigma
contando a dialética da vida e da morte em sucessivos
renascimentos apesar da ditadura da água
da ignorância e do olvido humano:
meu nome é Arari, rio das araras que já não há mais aqui
mas a gente simplesmente me chama “o Lago”...
com letra maiúscula e veneração.
É por esta razão que escrevo sempre a pedir pelas minhas crianças
que são o meu futuro e esperança da Terra sem males.
Protejam-me, pois, senhoras e senhores! Para que eu possa ainda
proteger e desenvolver a ecocivilização desta criaturada grande.
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