sábado, 1 de dezembro de 2012

ARARI MARAJÓ, A DEMOCRACIA DA ÁGUA




Há 372 anos, no dia de hoje, 1º de Dezembro; o reino de Portugal reconquistava a sua independência que fora perdida sob império da Espanha na sucessão do desafortunado rei Dom Sebastião, dando lugar à União Ibérica (1580-1640). Alguém poderia dizer, de repente, e eu com isto? Se for brasileiro terá tudo a ver... E este brasileiro sendo amazônida mais ainda que qualquer outro. 

A morte do jovem rei português deu nascimento na metrópole e suas colônias na África, Ásia e América a um trauma profundo compensado por complexo cultural que veio a ser conhecido no mundo lusófono como Sebastianismo deitando raízes profundas no Brasil, notadamente no Nordeste.

Portugal subjugado pelos Reis Católicos cedo encontrou no sebastianismo a resistência nacionalista lusitana que resgatava pelo imaginário popular a figura emblemática de Viriato contra a invasão romana da velha Lusitânia e afinal veio a se robustecer com a fusão das esperanças dos cristãos-novos (judeus e árabes obrigados a se converter ao catolicismo ou a partir por édito de Dom Manuel I). 

No ultramar, dialeticamente, por recíprocas influências; este caldo de cultura iria se enriquecer de falares e costumes diversos dos povos conquistados. Tal qual o sincretismo africano e o barroquismo mestiço através da catequese dos índios da América Latina apresentaria fenômeno semelhante, com um catolicismo popular que no Brasil pegou carona no Sebastianismo ainda mais nos arraiais de forte influência das imigrações dos Açores.


A invenção da Amazônia bebeu nessa fonte sebastianista mestiçada sob o sol dos trópicos - a partir da França Equinocial e fundação de São Luís do Maranhão, em 1612 - desde que Olinda (Nova Lusitana, Pernambuco) ambicionou o rio das Amazonas. A tomada de São Luís (1615) e fundação de Belém do Grão-Pará (Feliz Lusitânia, 1616) deu-se debaixo do estandarte da União Ibérica. Convém agora, com 400 anos, que a região amazônica que foi outrora o estado-colônia do Maranhão e Grão-Pará diga ao Brasil e ao mundo quais são as suas melhores esperanças na história do futuro e para tanto é preciso que o presente desvende e resgate o passado.

Com a conquista do atual Norte brasileiro, a guerra de expulsão do concorrente estrangeiro reunindo armas e barões assinalados a arcos e remos comandados por caraíbas façanhudos, precisou de 44 anos de guerra desde a tomada do Maranhão (1615) e a pacificação dos Nheengaíbas, no rio Mapuá, ilha do Marajó (1659) em aliança entre lusos e tupinambás. Uma 'impossível' união luso-brasileira à margem da história oficial acontecida por necessidade e acaso, em Jaguaribe (Ceará), pelo enlace entre uma índia bárbara e um cristão-novo fingido de caraíba, cujo caso brilha na literatura nacional pela pena indianista de José de Alencar.

Os brasileiros em geral, infelizmente, aprendemos mal e porcamente a história do Brasil. Primeiro por que a historiografia pioneira do venerável Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), caudatária da nobre tradição francesa das datas magnas e grandes figuras da pátria; tomou lugar de verdade histórica (para não dizer dogma). Segundo, que o escravismo durante todo o Império atravessou a República Velha apesar da festividade aristocrática da Lei Áurea (1888) e não é se não cem anos depois, com a Constituição-Cidadã (1988), que tardiamente afrodescendentes, indígenas e outros grupos excluídos da sociedade nacional passam a ser contemplados em seus direitos humanos. Uma luta social que está longe do fim: e a gente ainda não sabe que os primeiros "negros da terra" (escravos índigenas) da América do Sul foram 36 índios da ilha do Marajó sequestrados pelo navegador espanhol Vicente Pinzón. Do mesmo modo, não sabemos que a brava gente marajoara aceitou, politica e pacificamente, ser "portuguesa" depois de muita luta sem jamais conhecer derrota no campo militar. Sem este fato a ocupação efetiva do rio Amazonas seria ainda mais dificultada diante da concorrência holandesa, inglesa e francesa. Portanto, a linha de Tordesilhas (1494-1750) na Amazônia não poderia ter sido revogada como realmente foi. Não só o povo marajoara renunciou ao comércio com os estrangeiros para passar a sofrer as vexações históricas que a crônica colonial apenas deixa entrever, como também diante das primeiras notícias da Independência do Brasil foi dos primeiros paraenses a proclamar formalmente a Adesão (Muaná, 23 de Maio de 1823). Significar dizer que esta pobre gente marajoara, cujos antepassados deixaram a primeira ecovilização da Amazônia há 1500 anos passados, faz história. Todavia, ainda não entrou na historiografia nacional como merece.

NO PASSADO O OURO ERA CAUSA DA GUERRA, HOJE O PETRÓLEO E AMANHÃ SERÁ A ÁGUA MOTIVO DOS MAIORES CONFLITOS DA TERRA: FAÇAMOS DESDE JÁ DESTE ELEMENTO VITAL RAZÃO PRINCIPAL DE CONCÓRDIA E INTELIGÊNCIA PARA A PAZ DAS NAÇÕES.

Na metade do século XVII, o padre Antônio Vieira pintou nas páginas messiânicas da "História do Futuro" um grande painel barroco sobre as ilhas do estuário Pará-Amazonas, golfão ao qual chamamos com outros visionários a "Amazônia Marajoara". Neste cenário magnífico da biosfera o homem já aparece humilhado... Três séculos depois, um outro controverso jesuíta chamado Giovanni Gallo escreve reportagens sobre um povo excluído do estado e da nação, ao qual ele considerou justamente como remanescente dos antigos engenheiros e arquitetos da universidade pés descalços, mais conhecida como a célebre Cultura Marajoara: para melhor expressar esta impressionante condição humana, o missionário do Arari inventou de "cacos de índio" o primeiro ecomuseu do Brasil, dito "O Nosso Museu do Marajó", em Santa Cruz do Arari, 1972.

Neste mesmo ano, o romancista Dalcídio Jurandir era saudado por Jorge Amado como "índio sutil" em sessão solene da Academia Brasileira de Letras (ABL) para outorga do Prêmio "Machado de Assis", primeiro para autor amazônico e somente em 2010 outro intelectual da região seria condecorado com o mesmo prêmio, o filósofo paraense Benedito Nunes. Também em 1972, em plena ditadura militar, o Exército brasileiro dava duro combate à Guerrilha do Araguaia: acontecimentos aparentemente desconectados, todavia fazendo parte de um mesmo fundo histórico de lutas entre as diferentes classes da mesma sociedade forjada de 500 anos de história do Povo Brasileiro.

Marajó é uma "ilha" cercada de indiferença por todos os lados... Todavia, os tesos (sítios arqueológicos) cheios de mistério não deixam a consciência nacional adormecer... O criador do Museu do Marajó escreveu o livro "Marajó, a ditadura da água". Acertou em cheio: o regime de chuvas e secas, condiz com o realismo-mágico de "Chove nos campos de Cachoeira"; o naturalista de Coimbra, Alexandre Rodrigues Ferreira, relata na "Notícia Histórica da Ilha Grande de Joanes, ou Marajó" (1783) o drama das águas levadas pelo sol para longe da ilha e o desespero das muitas cobras grandes que escavaram rios, igarapés e canais... De forma que a abundância de água pelas ilhargas das ilhas despejando, diariamente, cerca de 20% de toda água doce do Planeta no oceano; corresponde a uma enormidade de doenças, óbitos e sede da gente marajoara.

Mas, a valente Santa Cruz como uma fênix que renasce das queimadas dos campos todos os anos com as chuvas; já descobriu na complicada geologia da foz do Amazonas o aquífero do Arari donde pela ciência e tecnologia vem a furo puríssima água na torneira da população. Sinal de que a Universidade marajoara pés descalços que inventou os tesos a partir do manejo do peixe e da água da chuva; poderá frutificar da semente chamada "O Nosso Museu do Marajó", no sonho de uma universidade multicampi tendo a água e aquicultura por finalidade de excelência científica e caminho para o desenvolvimento e a paz.

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