domingo, 16 de dezembro de 2012

MANIFESTO DO RIO MARAJÓ 3




Chegamos à terceira e derradeira parte deste manifesto feito na pretensão de dialogar com o Manifesto do Rio Negro. Na penúltima parte dele foi dito que o velho Marajó de guerra começa na memorável ponta de pedras, dita o Itaguari; assinalada pela Coluna e farol de sinalização náutica que se acha sito à barra do rio que dá nome à ilha e, por extensão, à maior das baías do Rio Pará e mais acidentes geográficos derivados deste nome histórico tirado do rio Marajó-Açu (a dizer, o grande Marajó).

À medida que avança a renascença marajoara, iniciada com o ciclo romanesco Extremo Norte de Dalcídio Jurandir (Prêmio Machado de Assis de 1972) e invenção de O Nosso Museu do Marajó por Giovanni Gallo; o Brasil e o mundo de mais a mais ouvirão falar da primeira ecocivilização da Amazônia – a Cultura Marajoara – , com sua criaturada grande remanescente.

Que nem os romanos filhos da Loba; esta brava gente é filha adotiva da Bothropos marajoensis (jararaca), cuja ciência do bem e do mal iniciou as matriarcas ao segredo da conversão de venenos em remédios. 

De usos e costumes arcaicos na manipulação do curare, por exemplo, surdiram-se na medicina científica, poderosos anestésicos modernos que salvam mais vidas do que todas as mortes nas velhas guerras indígenas onde a zarabatana ou flechas ervadas tiveram efeito antigamente. Do próprio açaí os ribeirinhos acreditavam faltar apenas ‘um grau’ para se tornar veneno...

Por aí estamos a recordar a passagem do empirismo básico à pesquisa científica com a teoria por superestrutura. Portanto, a manifestar nossa utopia no sentido da universidade pés descalços pré-histórica que existiu há mais de mil anos para ser resgatada ainda como inspiração de uma universidade inovadora destinada à invenção da ciência tropical avançada, no século XXI.

Povo da maré, os marajoaras são comparáveis a uma Harpia criada em cativeiro junto a xerimbabos do terreiro. É preciso despertar este povo nas luzentes madrugadas da baía do Marajó para largos voos do gavião-real ancestral que mora no âmago inconsciente da brava gente para que ela cumpra seu maior destino na República Federativa do Brasil, florão da América e o maior dos países amazônicos no vasto mundo tropical.

ACADEMIA DO PEIXE FRITO: CABEÇA DE PONTE NA PAISAGEM CULTURAL BELÉM-MARAJÓ.

Sem Educação não há salvação. Todavia, a gente carece saber de que educação se está falando. Certamente, de uma educação ribeirinha libertadora. Nossos conhecimentos tradicionais e nossa cultura foram recalcados ao longo do passado colonial que ainda não acabou completamente. Urge uma educação capaz de re-suscitar as virtualidades esquecidas há 400 e tontos (sic) anos de ocupação do rio Babel e genocídio do povo cabano pelo império luso-brasileiro do Rio de Janeiro, no século XIX.

Os cabocos nos envergonhamos, com raras exceções; de ser descendentes de índios, pretos e brancaranas desterrados. Por isto, queremos ser “civilizados” a todo custo. Mas este caminho de inferioridade já foi longe demais e doravante cumpre nos alertar sobre o fato de que o “fim do mundo” já começou no Fim do Mundo: lugar de Ponta de Pedras, donde estas letras tortas se formaram algum dia no passado a fim de saber quem inventou o mundo ...

O que importa agora é inventar o futuro mais seguro e feliz para todos, sendo que a construção do novo tempo passa pela periferia: assim o Manifesto do Rio Negro diz que a reeducação pela floresta dá o parto da consciência planetária. E nos concluímos: ainda que não se possa mergulhar duas vezes no mesmo rio, da profundidade destas águas há de vir a nova consciência do planeta Água donde a Floresta nasceu como uma ninfa.

O rio de Guamá, cacique dos Aruã e Mexiana, tem uma história secreta que suas águas às margens plácidas do Guajará poderia contar se a Academia do Peixe Frito recuperar sua memória na universidade da maré. Abrindo a cortina das ilhas o grande mar de água doce nos mostra o bioma Amazônia Marajoara onde homem e biosfera dialogam a uns cinco mil e tantos anos construindo a paisagem cultural das Amazônias verde e azul. A expressão geográfica de Belém do Grão-Pará onde se escondeu?

O eco da independência do Brasil no Norte coincidiu com as maiores esperanças dos povos das ilhas em conquistar a terra firme, o país do Arapari (demarcado pela constelação do Cruzeiro do Sul). 

Assim se explica a prontidão dos Mapuá à frente da confederação dos Nheengaíbas, jamais vencidos na guerra, em confiar nas promessas de paz oferecidas em nome do rei de Portugal, em 1659. E, suportando a traição dessa prometida liberdade e paz pelos lusos; ainda mais depressa a gente marajoara proclamou a adesão do Pará à independência do Brasil, em Muaná, a 28 de Maio de 1823. 

Em vez de abraçar a causa da liberdade paraense, o império neocolonial traiu a confiança do povo levando-o a exasperação no levante de 7 de janeiro de 1835, afinal esmagado com a morte de quarenta por cento da população da Amazônia.

Quando ocorreu a independência das letras nacionais, na Semana de Arte Moderna de 1922, em São Paulo; cerca de 1930, os “Vândalos do Apocalipse”, depois “Grupo do Peixe Frito” e finalmente “Academia do Peixe Frito” estavam a postos. Mais tarde, em Manaus, Bruno de Menezes com os confrades do “Clube da Madrugada”, nas águas de 1922, estabeleceram laços entre Ajuricabas e Cabanos: esta aliança cultural amazônida que chamamos agora Ajuricabano.

Terminou-se de escrever em Belém do Pará, 16 de dezembro de 2012.

José Varella Pereira

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