Chegamos à terceira e derradeira parte deste manifesto
feito na pretensão de dialogar com o Manifesto
do Rio Negro. Na penúltima parte dele foi dito que o velho Marajó de guerra
começa na memorável ponta de pedras, dita o Itaguari; assinalada pela Coluna e farol de
sinalização náutica que se acha sito à barra do rio que dá nome à ilha e, por
extensão, à maior das baías do Rio Pará e mais acidentes geográficos derivados
deste nome histórico tirado do rio Marajó-Açu (a dizer, o grande Marajó).
À medida que avança a renascença marajoara, iniciada com
o ciclo romanesco Extremo Norte de Dalcídio Jurandir (Prêmio Machado de Assis
de 1972) e invenção de O Nosso Museu do Marajó por
Giovanni Gallo; o Brasil e o mundo de mais a mais ouvirão falar da primeira
ecocivilização da Amazônia – a Cultura Marajoara – , com sua criaturada grande
remanescente.
Que nem os romanos filhos da Loba; esta brava gente é
filha adotiva da Bothropos marajoensis
(jararaca), cuja ciência do bem e do mal iniciou as matriarcas ao segredo da
conversão de venenos em remédios.
De usos e costumes arcaicos na manipulação do
curare, por exemplo, surdiram-se na medicina científica, poderosos anestésicos
modernos que salvam mais vidas do que todas as mortes nas velhas guerras
indígenas onde a zarabatana ou flechas ervadas tiveram efeito antigamente. Do
próprio açaí os ribeirinhos acreditavam faltar apenas ‘um grau’ para se tornar
veneno...
Por aí estamos a recordar a passagem do empirismo básico
à pesquisa científica com a teoria por superestrutura. Portanto, a manifestar
nossa utopia no sentido da universidade pés descalços pré-histórica que existiu
há mais de mil anos para ser resgatada ainda como inspiração de uma
universidade inovadora destinada à invenção da ciência tropical avançada, no
século XXI.
Povo da maré, os marajoaras são comparáveis a uma Harpia
criada em cativeiro junto a xerimbabos do terreiro. É preciso despertar este povo nas luzentes madrugadas da baía do Marajó para largos voos do gavião-real ancestral que mora
no âmago inconsciente da brava gente para que ela cumpra seu maior destino na
República Federativa do Brasil, florão da América e o maior dos países amazônicos no vasto mundo tropical.
ACADEMIA
DO PEIXE FRITO: CABEÇA DE PONTE NA PAISAGEM CULTURAL BELÉM-MARAJÓ.
Sem Educação não há salvação. Todavia, a gente carece
saber de que educação se está falando. Certamente, de uma educação ribeirinha libertadora. Nossos conhecimentos
tradicionais e nossa cultura foram recalcados ao longo do passado
colonial que ainda não acabou completamente. Urge uma educação capaz de re-suscitar as
virtualidades esquecidas há 400 e tontos (sic) anos de ocupação do rio Babel e
genocídio do povo cabano pelo império luso-brasileiro do Rio de Janeiro, no
século XIX.
Os cabocos nos envergonhamos, com raras exceções; de ser descendentes de índios,
pretos e brancaranas desterrados. Por isto, queremos ser “civilizados” a todo
custo. Mas este caminho de inferioridade já foi longe demais e doravante cumpre nos alertar sobre o fato de que o “fim do mundo” já começou no Fim do Mundo:
lugar de Ponta de Pedras, donde estas letras tortas se formaram algum dia no passado a fim de saber
quem inventou o mundo ...
O que importa agora é inventar o futuro mais seguro e
feliz para todos, sendo que a construção do novo tempo passa pela periferia:
assim o Manifesto do Rio Negro diz que
a reeducação pela floresta dá o parto da consciência planetária. E nos concluímos: ainda que não se possa mergulhar duas vezes no mesmo rio, da profundidade destas águas há de vir a nova consciência do planeta Água donde a Floresta nasceu como uma ninfa.
O rio de Guamá, cacique dos Aruã e Mexiana, tem uma
história secreta que suas águas às margens plácidas do Guajará poderia contar
se a Academia do Peixe Frito recuperar sua memória na universidade da maré.
Abrindo a cortina das ilhas o grande mar de água doce nos mostra o bioma
Amazônia Marajoara onde homem e biosfera dialogam a uns cinco mil e tantos anos
construindo a paisagem cultural das Amazônias verde e azul. A expressão geográfica de Belém do Grão-Pará onde se escondeu?
O eco da independência do Brasil no Norte coincidiu com as maiores
esperanças dos povos das ilhas em conquistar a terra firme, o país do Arapari
(demarcado pela constelação do Cruzeiro do Sul).
Assim se explica a prontidão
dos Mapuá à frente da confederação dos Nheengaíbas, jamais vencidos na guerra,
em confiar nas promessas de paz oferecidas em nome do rei de Portugal, em 1659.
E, suportando a traição dessa prometida liberdade e paz pelos lusos; ainda mais
depressa a gente marajoara proclamou a adesão do Pará à independência do
Brasil, em Muaná, a 28 de Maio de 1823.
Em vez de abraçar a causa da liberdade paraense,
o império neocolonial traiu a confiança do povo levando-o a
exasperação no levante de 7 de janeiro de 1835, afinal esmagado com a morte de
quarenta por cento da população da Amazônia.
Quando ocorreu a independência das letras nacionais, na
Semana de Arte Moderna de 1922, em São Paulo; cerca de 1930, os “Vândalos do Apocalipse”, depois “Grupo do Peixe Frito” e finalmente “Academia do Peixe Frito” estavam a
postos. Mais tarde, em Manaus, Bruno de Menezes com os confrades do “Clube da Madrugada”, nas águas de 1922,
estabeleceram laços entre Ajuricabas e Cabanos: esta aliança cultural amazônida
que chamamos agora Ajuricabano.
Terminou-se de escrever em Belém do Pará, 16 de dezembro de
2012.
José Varella Pereira
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