quinta-feira, 21 de novembro de 2013

A CABO DE REMO EM MONTARIA A FIM DE CONHECER O LAGO (6).


... "A primeira contradição do Marajó é a ditadura da água, como o padre Gallo falou. A segunda e imediata contradição é o engano da vista da gente vendo tanta amplidão de terra neste mundão e, quando acaba; vai saber, é tudo quinhão de poucos. Retiros de gado e feitorias de pesca se batem num combate surdo e feroz, ai de nós; dois goiabas chegando que nem cego em meio ao tiroteio..."


ÁGUAS ARDENTES E BOAS CONVERSAS

Aí a gente se levantamos sem pressa pra tirar os troços do chão e levar tudo de volta pra canoa. E o vaqueiro lá, zombando da cara da gente montando guarda do alto da sela esperando os goiabas cair fora. Vadico foi a bordo remancheando e voltou da canoa com uma garrafa de cachaça dizendo ao rapaz, "pega aí camarado...". O cara se curvou de cima do cavalo estendendo a mão pra pegar a branquinha. Aí ele mudou de conversa... O caso não era mais por que o patrão, lá dele; diz-que não deixa pescador ou goiaba encostar em terras da fazenda. Já era, paresque, por causa do diabo duma onça que andava rondando curral naquelas bandas...

Adeus cansaço. Na voz de que tinha onça por perto não carecia mais explicar porra nenhuma. De volta ao rio, demos c'os remos n'água... A Favorita avançava lentamente rumo ao Lago ainda bastante distante sem que, na verdade, a gente fizesse ideia do que nos esperava dali em diante. Quando a gente faz uma viagem dessas não adianta ter pressa. Cada um do seu lado vai remando calado, sobretudo se o sol vai sentando na boca da noite... Aí bate uma saudade do que ninguém sabe dizer o quê. Talvez o cair da tarde escutando pássaros de volta ao ninhal, toda paisagem começando a trocar suas cores pelo lençol da noite bordado de estrelas, seja que nem uma reza antiga murmurada à ilharga da mãe da gente.

Carecia, entretanto, mudar de tática. Em vez de se ariscar a dormir em terra ao deus dará, melhor era cada um por turno tirar uma soneca se agasalhando conforme desse, entre a carga; enquanto o outro ia remando e levando a montaria - na manha -,  até raiar o dia. O que calhava estar dormindo na proa ao despertar cuidava de fazer café no fogão improvisado. O que vinha na popa, antão passava pra frente e ia tomar café. Aí os dois remadores, descansados, amiudavam as remadas para agilizar a viagem. Haja estirão após estirão...

Naquela tardinha, porém, ainda demos uma encostada numa ponta de mato na beira pra pegar lenha, fazer janta e aproveitar pra ticar ituí e traíra que se ganhou na feitoria da Jutairana, peixe bom de comer mas que tem espinha por demais entremeada na carne e que vinha guardado salmourado dentro de um balde de cuia de bom tamanho. Se não for ticado, quer dizer riscado miudinho com faca afiada; não há quem se astreva engolir, sem ficar com espinha de peixe atravessada na garganta. Por falta de experiência, a gente cozinhamos o peixe pro almoço com toda espinha. Ah, pordeus! Só deu pra comer, malmente, catando a parte da barriga e aproveitar o caldo pra fazer pirão com farinha. 

Agora, sim, numa boa. A gente haja a saborear a caldeirada perfeita antes da noite fechar... Quando, desta vez, os donos do pedaço piores que feitor de fazenda ranzinza e onça faminta, apareceram num átimo de dentro do mato e caíram em riba dos goiabas de primeira viagem... Eram, paresque, milhões e milhões de carapanãs e muriçocas. Aí a gente saiu de carreira da beira pra dentro da canoa empurrando pra fora e se coçando, "vumbora, sumano, vumbora..."... "Égua, porra!". Se eu disser que nunca corri de praga, estarei faltando com a verdade.

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